Acessibilidade / Reportar erro

Mundo ao Revés: Silvia Rivera Cusicanqui e a criação de uma episteme visual para a América Andina

Upside down world: Silvia Rivera Cusicanqui and the creation of a visual episteme for Andean America

Resumo

Este artigo analisa como a socióloga aimará Silvia Rivera Cusicanqui identifica nas imagens presentes na obra Primer nueva corónica y buen gobierno, de 1615, do cronista Felipe Guamán Poma de Ayala, a construção de uma episteme visual para a América Andina. A socióloga boliviana ressignifica as imagens presentes nesse livro, evidenciando seu potencial teórico para a elaboração de conceitos e chaves de leitura que podem ser utilizados para a compreensão da história andina colonial e contemporânea. Em termos teóricos e metodológicos, são importantes para este artigo as reflexões críticas propostas por autores identificados às perspectivas pós-coloniais e decoloniais, além de estudos que se voltam para epistemologias não canônicas, compreendendo-as como saberes fundamentais para um posicionamento crítico e descolonizador, como os trabalhos de Linda Smith e Boaventura de Sousa Santos. Por fim, essa reflexão demonstra a posição de Silvia Rivera Cusicanqui em torno de uma proposta de descolonização epistêmica, ao transformar Guamán Poma de Ayala em sujeito do conhecimento e ao demonstrar que a experiência da visualidade é também importante na formulação epistemológica da história.

Epistemologia:
Fontes históricas; História intelectual

Abstract

The purpose of this article is to analyze how the Aymara sociologist Silvia Rivera Cusicanqui identifies in the images present in the work Primer nueva corónica y buen gobierno, from 1615, by the chronicler Felipe Guamán Poma de Ayala, the construction of a visual episteme for Andean America. The Bolivian sociologist resignifies the images, highlighting their theoretical potential for the development of concepts and reading keys that can be used to understand colonial and contemporary Andean history. The books published by the author between 2010 and 2018 will be used as sources. In theoretical and methodological terms, it will be important to understand the critical reflections proposed by authors identified with post-colonial and decolonial perspectives, in addition to studies that turn to non-canonical epistemologies comprising as fundamental knowledge for a critical and decolonizing positioning, such as the works of Linda Smith and Boaventura de Sousa Santos. Finally, this reflection demonstrates Silvia Rivera Cusicanqui’s position around an epistemic decolonization proposal, by transforming Guamán Poma de Ayala into a subject of knowledge and by demonstrating that the experience of visuality is also important in the epistemological formulation of history.

Epistemology:
Historical sources; Intellectual history

Introdução

A intenção deste artigo é compreender como Silvia Rivera Cusicanqui ressignificou a crônica Primer nueva corónica y buen gobierno, de 1615, de Felipe Guamán Poma de Ayala, especificamente os desenhos elaborados pelo cronista andino.1 1 Silvia Rivera Cusicanqui utiliza tanto a palavra “imagem” como “desenho” para se referir à parte escrita não alfabética de Primer nueva corónica y buen Gobierno. Nesses estudos, a socióloga aponta para a potencialidade das imagens na formulação de conceitos e chaves de leitura que podem ser acionados para a compreensão da história andina colonial e contemporânea.

Silvia Rivera Cusicanqui se destaca entre tantos outros intelectuais indígenas que têm se voltado para pensar a condição de seu grupo étnico, mas também demandas indígenas mais amplas da América Latina. A escritora nasceu em 1949, é uma reconhecida intelectual boliviana descendente de uma família de curacas aimarás, de Pakaxi que se dedicavam a atividades comerciais. Como parte de uma elite indígena, a autora teve acesso à formação acadêmica e cursou ciências sociais. Atuou como professora universitária ministrando aulas na Universidad Mayor de San Andrés, na Bolívia, e continua ministrando aulas de forma autônoma. Desde o início de sua trajetória intelectual, mantém um intenso e profícuo diálogo com a antropologia e a história.

A hipótese proposta aqui é que, por meio da criação de uma metodologia para a leitura de imagens, a socióloga desenvolve uma reflexão crítica sobre a história e a memória indígena e subverte o uso disciplinar do documento histórico (ou fonte histórica) tal como concebido pelos historiadores acadêmicos. Rivera Cusicanqui tenta demonstrar como as reflexões de Guamám Poma podem ser lidas como articuladoras de elementos conceituais e teóricos importantes para uma leitura crítica do mundo.

Guama Poma de Ayala é paradigmático para se pensar a América colonial. Sua obra Primer nueva corónica y buen gobierno é considerada uma das poucas falas indígenas a deixar registro para a época. O cronista nasceu na região de Huamanga, no Peru, provavelmente entre 1530 e 1550. Era descendente de uma linhagem de curacas e trabalhou durante boa parte da vida para os espanhóis. Sua crônica foi escrita entre os anos de 1612 e 1615 e foi encaminhada ao Rei Felipe II de Espanha (1578-1621). O texto possui 1200 páginas, entre as quais 398 são desenhos.2 2 Existe uma variação na data atribuída a escrita da crônica, bem como na quantidade de páginas e desenhos presentes na obra. Para este trabalho foram adotadas as referências indicadas por Rivera Cusicanqui (2010). Nessa obra, o autor apresentou informações sobre sua origem e aspectos da história do mundo andino tanto pré-incaico como também sobre o contexto da conquista e da colonização espanhola, fez críticas aos abusos cometidos pelas elites indígenas, pelo clero e pelos colonizadores. Também apresentou um projeto de reformas, de caráter moralizante, para solucionar tais problemas (LIMA, 2019LIMA, Vinicius Soares de. Os curacas nas crônicas de Felipe Guaman Poma de Ayala e Inca Garcilaso de la Vega. 2019. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Franca, 2019. , p. 48). Para Rolena Adorno, mais do que tratar sobre a sociedade espanhola colonial, a crônica de Guamán Poma representa “o mais compreensivo sistema de comunicação visual produzido por uma só fonte nos Andes” (ADORNO, 1984ADORNO, Rolena. Paradigmas perdidos: Guamán Poma examina la sociedad española colonial. Revista Chungará, Arica, p. 67-91, 1984. Disponível em: http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/Paradigmas_perdidos.pdf . Acesso em: maio de 2022.
http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/P...
, p. 67, tradução nossa).

Ao longo da história da América Latina, os cronistas do período colonial foram amplamente utilizados como fontes documentais. Rivera Cusicanqui procede um deslocamento ao inserir Guamán Poma de Ayala como responsável pela formulação de uma reflexão teórica sobre o mundo colonial e pela criação de categorias que podem ser acionadas para uma análise crítica da América Latina na contemporaneidade. Neste artigo, foi priorizada a produção mais recente da escritora, notadamente as obras que apresentam uma reflexão acerca do caráter epistemológico da produção de Felipe Guamán Poma de Ayala. Esse material consiste nos livros Ch’ixinakax Utxiwa: uma reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores, de 2010, Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina, de 2015 e Um mundo ch’ixi es posible: ensayos desde um presente em crisis, de 2018.3 3 As três obras foram publicadas pela editora argentina Tinta Limón. A única obra com tradução para o português até o momento é o livro de 2010, recentemente publicado pela editora brasileira N-1 e um ensaio da obra Sociologia de la imagem traduzido para o livro Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à Idade da Terra, volume I, de 2022.

O artigo está dividido em três momentos. Inicialmente, tratarei sobre a emergência dos intelectuais indígenas e sua importância na formulação de proposições críticas, muitas delas acompanhadas de perspectivas emancipatórias. Em um segundo momento, trarei alguns aspectos da trajetória de Silvia Rivera Cusicanqui e, em um terceiro momento, abordarei questões relacionadas à forma como a socióloga identifica conceitos-chave para refletir sobre a história andina a partir das imagens presentes em Primer nueva corónica y buen Gobierno.

Algumas considerações sobre a emergência dos intelectuais indígenas

Diversos autores apontam para a agência indígena das últimas décadas em contraposição a um longo período de invisibilidade e silenciamento, no qual prevaleceram práticas tutelares e de mediação externa (BENGOA, 2016BENGOA, Jorge. La emergencia indígena en América Latina. México D. F.: FCE, 2016. ; CAL Y MAYOR, 2010CAL Y MAYOR, A.B. Autonomía: la emergencia de un paradigma en las luchas por la descolonización. In: M. GONZÁLEZ; A.B. CAL Y MAYOR; P. ORTIZ-T. La autonomia en debate: autogobierno indígena y Estado plurinacional en América Latina. Quito: FLACSO-CIESAS-UNICH, 2010. p. 63-95.). O aumento significativo da produção escrita indígena na segunda metade do século XX vem acompanhada da emergência dos movimentos sociais e reivindicatórios dessas populações na América Latina (BENGOA, 2016BENGOA, Jorge. La emergencia indígena en América Latina. México D. F.: FCE, 2016. ; CAL Y MAYOR, 2010CAL Y MAYOR, A.B. Autonomía: la emergencia de un paradigma en las luchas por la descolonización. In: M. GONZÁLEZ; A.B. CAL Y MAYOR; P. ORTIZ-T. La autonomia en debate: autogobierno indígena y Estado plurinacional en América Latina. Quito: FLACSO-CIESAS-UNICH, 2010. p. 63-95.). Essa emergência foi possível por meio de mobilizações sociais e políticas e da produção e difusão de uma discursividade própria, tanto oral como escrita. No caso dos intelectuais indígenas, comumente eles se vinculam a movimentos políticos e se identificam como parte de grupos com reinvindicações sociais e políticas identitárias. Esses escritores produziram (e produzem) autobiografias, ensaios, memórias, além de textos de cunho acadêmico, como artigos, livros e teses.

A noção de intelectual indígena utilizada neste trabalho segue o caminho proposto pelas pesquisas de Claudia Zapata (2008ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y el pensamiento anticolonialista. Revista de Literaturas Latinoamericanas, Santiago, n. 2, v. 1, p. 113-140, 2008. Disponível em: https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.discursospracticas.ucv.cl/pd...
), segundo a qual esse processo de reelaboração e crítica indígena latino-americana se deu, inicialmente, a partir das décadas de 1960 e 1970, com escritores que também ocuparam o cenário político. A partir dos anos de 1980, é possível observar a emergência de um outro conjunto de intelectuais, em geral com formação acadêmica, especialmente da área de humanas e ciências sociais, oriundos de um contexto de acesso mais amplo aos sistemas de educação. Eles emergiram no cenário intelectual latino-americano conjuntamente a organizações e movimentos sociais étnicos.

Embora estejam distantes de caracterizarem grupos homogêneos, a ideia diz respeito a pessoas que se identificam etnicamente, possuem formação acadêmica e apresentam um projeto de libertação das relações colonialistas que buscam evidenciar por meio da sua produção escrita (ZAPATA, 2008ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y el pensamiento anticolonialista. Revista de Literaturas Latinoamericanas, Santiago, n. 2, v. 1, p. 113-140, 2008. Disponível em: https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.discursospracticas.ucv.cl/pd...
, p. 116). A formação disciplinar diferencia os intelectuais indígenas de outros escritores que também se auto identificam como representantes de suas coletividades étnicas. Conforme a definição de Zapata,

Ao falar de intelectuais indígenas me refiro a sujeitos de procedência indígena cuja produção intelectual gira em torno do compromisso com seus coletivos culturais de origem, que reconhecem o peso das circunstâncias históricas em sua obra e se constituem como sujeitos intelectuais em torno delas (ZAPATA, 2008ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y el pensamiento anticolonialista. Revista de Literaturas Latinoamericanas, Santiago, n. 2, v. 1, p. 113-140, 2008. Disponível em: https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.discursospracticas.ucv.cl/pd...
, p. 116, tradução nossa).

É importante sublinhar, ainda, o caráter político de tal categoria, já que esses escritores assumem uma posição bem-marcada pelo seu lugar identitário. Outro fator importante é a existência de uma tensão nessas produções, gestadas do interior de disciplinas institucionalizadas no contexto do colonialismo. Esses escritores produzem a partir de um código compartilhado nas instituições de ensino e pela comunidade acadêmica mais ampla. As diretrizes disciplinares apresentam direcionamentos vinculados a princípios de objetividade e rigor científico, e, frequentemente, se chocam aos discursos defendidos por esses mesmos escritores que apontam para a importância das subjetividades e da necessidade de reconhecer outras formas de registro, já que os povos originários, na maioria das vezes, não deixaram vestígios textuais. Muitas vezes, esses autores discutem essa tensão, como é o caso de Silvia Rivera Cusicanqui.

O ponto inicial da emergência indígena, para alguns pesquisadores, se localiza nas duas reuniões de Barbados, uma ilha das Pequenas Antilhas. A primeira reunião de Barbados ocorreu em 1971 e a segunda em 1978. Participaram desses encontros diversos grupos indígenas, entre os quais membros de organizações e líderes políticos de 11 países da América Latina. Os debates realizados nesses encontros permitiram a sistematização de propostas como a elaboração de uma declaração destacando a necessidade de os indígenas atuarem como agentes de sua história. A segunda reunião, de 1978, trouxe como elemento fundamental uma das matrizes das reivindicações indígenas posteriores que consiste na luta contra o colonialismo. Outro momento de grande importância se deu em torno dos debates, comemorações e conflitos ao redor do V Centenário do Descobrimento da América, que tiveram início a partir de 1987. Essa conjuntura marcou a discursividade e alimentou o imaginário indígena do continente (ZAPATA, 2008ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y el pensamiento anticolonialista. Revista de Literaturas Latinoamericanas, Santiago, n. 2, v. 1, p. 113-140, 2008. Disponível em: https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.discursospracticas.ucv.cl/pd...
, p. 119).

Cláudia Zapata identifica, ainda, um terceiro momento, denominado por ela como pós-emergência indígena, iniciado a partir dos anos 1990 com os levantes do Equador e de Chiapas. Nessa conjuntura, emergiram setores até então subalternizados no campo das letras, da sociologia, da antropologia, da história, entre outras disciplinas. Em geral, trata-se de pessoas provenientes de setores urbanos da sociedade que tiveram acesso à educação superior. São pesquisadores, escritores e acadêmicos que enfatizam a necessidade de descolonização no campo cultural, espiritual, social e político, embora seja importante sublinhar que não existe unidade entre esses intelectuais pois seus projetos são heterogêneos de acordo com seu campo e contexto de atuação.

A postura anticolonialista nesses autores é identificada pela historiografia como sendo a de uma consciência da colonização, da racialização e da dominação. O reconhecimento das condições de perpetuação do colonialismo, de introjeção de representações racistas e subalternizantes, além do controle sobre a própria representação, têm sido elementos fundamentais no desenvolvimento de reflexões críticas e de ações transformadoras entre diversos grupos indígenas da América, especialmente entre os intelectuais. A identificação e o reconhecimento das matrizes e ideologias que os inferiorizou ao longo da história, bem como a consciência sobre a forma como diversas ideias foram interiorizadas e reproduzidas por eles, são partes fundamentais da elaboração de projetos descolonizadores pensados em vários países da América Latina nas últimas décadas (ZAPATA; STECHER, 2015ZAPATA, Claudia; STECHER, Lucía. Representación y memoria en escrituras indígenas y afrodescendentes contemporâneas. Revista Casa de las Américas, Havana, n. 280, v. 3, p. 3-20, jul/set 2015. Disponível em: http://www.casadelasamericas.org/publicaciones/revistacasa/280/hechosideas.pdf . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://www.casadelasamericas.org/publica...
, p. 7). A exemplo de Rivera Cusicanqui, muitos desses intelectuais estabelecem críticas ao pensamento ocidental que construiu representações, estereotipadas e homogêneas, dos ameríndios, e observam, ainda, que esses discursos também foram assumidos e reproduzidos pelos sujeitos subalternizados. Nessa perspectiva, fazem a crítica ao indigenismo ao se colocarem como porta-vozes de sua própria história e demandas. Conforme bem pontuou Zapata e Stecher (2015ZAPATA, Claudia; STECHER, Lucía. Representación y memoria en escrituras indígenas y afrodescendentes contemporâneas. Revista Casa de las Américas, Havana, n. 280, v. 3, p. 3-20, jul/set 2015. Disponível em: http://www.casadelasamericas.org/publicaciones/revistacasa/280/hechosideas.pdf . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://www.casadelasamericas.org/publica...
, p. 13), essas narrativas utilizam referências ao passado para explicar a conjuntura presente de espoliação, dominação ou exploração, mas também para projetar uma transformação para o futuro.

Uma questão fundamental da crítica anticolonialista e descolonizadora é a preocupação com os discursos sobre o passado e a memória indígena. A disputa em torno desses campos tornou-se importante em grande parte da produção indígena como instrumento para a crítica ao presente e a elaboração de projetos alternativos para o futuro. De forma confessa, Rivera Cusicanqui demonstra grande preocupação com o controle do passado, durante séculos orientado por instituições e indivíduos representantes do poder colonial. Nesse sentido, a socióloga constrói referências de memória que colocam os grupos indígenas como protagonistas do processo histórico e como construtores de uma episteme historiográfica dissidente e alternativa, diretamente atrelada à condição social e cultural desses agentes. Nessa perspectiva, Guamán Poma de Ayala ocupa um papel central.

Os projetos de descolonização conduzidos por esses intelectuais na América Latina remontam a uma tradição anterior, não raramente identificada como anticolonialista, que costuma encontrar, em autores como José Martí, José Carlos Mariátegui, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Fausto Reinaga, entre outros, as principais matrizes. Os intelectuais indígenas se referem a essa genealogia. Por um lado, para identificar referentes epistêmicos próprios e, por outro, para demonstrar uma espécie de continuidade na contemporaneidade que culmina neles próprios.

Silvia Rivera Cusicanqui: breve trajetória intelectual e identidade ch´ixi

Rivera Cusicanqui possui uma vasta produção de livros, artigos, entrevistas e palestras e atuou na organização de revistas, principalmente voltadas para temas relacionados ao passado colonial andino, à ideia de mestiçagem, aos discursos da elite política e intelectual boliviana, às epistemologías indígenas, ao contexto étnico e político dos últimos anos na Bolívia, entre outros temas. É necessário, ainda, destacar sua participação em movimentos sociais, como o Katarismo e o Movimento Cocalero.

A socióloga também foi uma das fundadoras e diretora do Taller de História Oral Andina (THOA), um espaço autônomo de pesquisa criado em La Paz, em 1983, por intelectuais aimarás e um importante contraponto à história oficial da Bolívia. Um dos principais objetivos desse centro de documentação e pesquisa foi possibilitar aos grupos indígenas se auto representarem e construírem uma epistemologia própria.

Silvia Rivera Cusicanqui atualmente faz parte do ColectivxCh’ixi. O coletivo foi criado por aimarás e colaboradores em 2008. Consiste em um espaço sustentado por um trabalho de autogestão, localizado na cidade de La Paz. O Coletivo atua como espaço de debates teóricos, sobretudo a partir das aulas ministradas pela socióloga na disciplina de Sociologia de la Imagen, mas também está voltado para a organização de festividades, de trabalhos relacionados ao cultivo da terra para a alimentação do grupo, entre outras atividades (GONÇALVES, 2019GONÇALVES, Chryslen Mayra Barbosa. Epistemologias manchadas: mestiçagem e sujeitos políticos da descolonização na Bolívia andina. 2019. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas-SP, 2019. ).

Uma das tensões que acompanhará a atividade intelectual de Rivera Cusicanqui é o fato de que de um lado está próxima do mundo ocidental e moderno, criticado por ela e que oprime indígenas e cholos e, de outro, sua identificação com a cultura aimará e com demandas sociais e políticas indígenas mais amplas (ZAPATA, 2005ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y la representación: uma aproximación a la escritura de José Jara y Silvia Rivera Cusicanqui. História Indígena, Santiago, n. 9, v. 1, p. 51-84, 2005. Disponível em: https://revistahistoriaindigena.uchile.cl/index.php/RHI/article/view/40180 . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://revistahistoriaindigena.uchile.c...
). Segundo Zapata “a própria autora reconhece nos dirigentes aimarás, nos intelectuais indianistas e nos militantes destes movimentos uma condição mestiça similar a dela, produto de sua passagem pela escola, pela universidade e pela cidade” (2005ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y la representación: uma aproximación a la escritura de José Jara y Silvia Rivera Cusicanqui. História Indígena, Santiago, n. 9, v. 1, p. 51-84, 2005. Disponível em: https://revistahistoriaindigena.uchile.cl/index.php/RHI/article/view/40180 . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://revistahistoriaindigena.uchile.c...
, p. 77, tradução nossa).

É importante, ainda, sublinhar o caráter autobiográfico de sua produção, uma vez que a escritora se apresenta como aimará e como parte de amplo grupo colonizado em oposição à elite ocidental. Por esse motivo, em seus escritos, a socióloga reclama o lugar do intelectual indígena na produção do conhecimento e busca evidenciar conceitos e categorias de análise criados por esses pesquisadores. Um bom exemplo consiste no uso do termo ch’ixi, por meio do qual a autora busca a construção de uma perspectiva histórica escrita do ponto de vista dos grupos colonizados “que lhes permita passar de um ser coletivo nomeado, inferiorizado e exotizado, a outro que é capaz de se nomear no espaço público e de se auto interpretar de acordo com seus interesses” (ZAPATA, 2005ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y la representación: uma aproximación a la escritura de José Jara y Silvia Rivera Cusicanqui. História Indígena, Santiago, n. 9, v. 1, p. 51-84, 2005. Disponível em: https://revistahistoriaindigena.uchile.cl/index.php/RHI/article/view/40180 . Acesso em: 20 jun. 2022.
https://revistahistoriaindigena.uchile.c...
, p. 76, tradução nossa).

A expressão ch’ixi é um conceito central nos debates de Silvia Rivera Cusicanqui. Refere-se a uma palavra aimará, que significa um tipo de tonalidade gris (cinza), ou seja, a mescla entre duas cores que se cruzam, se perpassam, mas, para a escritora, não se tornam uno, pois a trama das cores mantém os pontos brancos e pretos entrelaçados e não fundidos. Esse significado é fundamental em seus estudos pois representa a metáfora para o encontro entre dois mundos. A socióloga enfatiza a necessidade de entender que esses dois mundos vivem em constante contradição, eles não se fundem e não são maniqueístas. Para ela, é necessário trabalhar na contradição “fazendo de sua polaridade o espaço de criação” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 83, tradução nossa).

Entre os materiais analisados nessa pesquisa, a proposta de estudo de imagens de Silvia Rivera Cusicanqui é apresentada, inicialmente, na publicação de 2010, no capítulo denominado “Sociología de la imagen: una visión desde la historia colonial andinaRIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la Imagen: una visión desde la historia colonial andina. In: RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Ch’ixinakax Utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón , 2010. p. 19-52.”. Nesse texto, a autora apresenta a ideia de que as culturas visuais na América Latina se desenvolveram a partir de uma trajetória própria e podem contribuir para a compreensão dos aspectos sociais. A obra Sociología de la imagen, de 2015, é onde a autora sistematiza experiências e o percurso que a conduziu à produção de uma metodologia de trabalho que parte da análise de imagens de diferentes naturezas e épocas denominada por ela como Sociologia de la imagen.

Segundo Rivera Cusicanqui, a sociologia da imagem é a forma como as culturas visuais podem contribuir para a compreensão do social, pois as imagens oferecem interpretações, narrativas sociais e perspectivas de compreensão crítica da realidade (RIVERA CUSICANQUI, 2015bRIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. ). No desenvolvimento de sua metodologia, é realizada uma transição da palavra para a imagem.

Rivera Cusicanqui, assim como outros intelectuais indígenas, tentam construir um lugar epistemológico próprio, tarefa que encontra na genealogia da crítica colonial os paradigmas necessários para a legitimação das discursividades indígenas. Ela enfatiza esse caráter de continuidade e faz uso desses escritores que a antecederam, especialmente Guamán Poma de Ayala, figura que se encontra na base desse percurso. Seguindo esse caminho genealógico, muitos intelectuais indígenas elaboraram diversas ressignificações de textos e etnonarrativas acionadas anteriormente por outros conjuntos de intelectuais, muitos deles estrangeiros vinculados a instituições de ensino europeias e estadunidenses. Diversos desses textos são considerados emblemáticos ou paradigmáticos para a compreensão do contexto da história colonial americana, como as crônicas coloniais, amplamente utilizadas como fonte documental (FERNANDES; KALIL, 2012FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70.).

Guamán Poma de Ayala e o Mundo ao Revés

Segundo Silvia Rivera Cusicanqui, seu primeiro encontro com Guamán Poma foi nos anos 1980 na biblioteca do THOA. E foi aí, com seus colegas de estudos, que realizou as primeiras leituras e debates sobre as práticas registradas pelo cronista andino e os possíveis diálogos com o presente. Como a própria autora explica, esse foi um importante momento de emergência de “discursos de indianidade” e de renovação do pensamento (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 244). Nesse contexto, ficou claro para o grupo a atualidade do pensamento de Guamán Poma de Ayala.

Durante muito tempo, especialmente entre os séculos XVI e XVII, as crônicas foram utilizadas como fonte testemunhal sobre o Novo Mundo, mas caíram em descrédito durante o século XVIII por serem consideradas relatos pouco fidedignos, sendo revalorizadas no final do século XVIII, ressignificação propiciada especialmente por escritores como Alexander Von Humboldt. Ao longo do século XIX ocorreu o uso desses documentos para fins da construção das histórias e memórias nacionais, sentido que continuou a ser conferido para esses documentos durante as primeiras décadas do século XX. O uso da crônica durante os séculos XIX e XX como componente fundamental das identidades nacionais possibilitou a publicação e crítica de tais documentos em vários países latino-americanos. Entretanto, à medida que a historiografia apontava para a necessidade de objetividade e imparcialidade, esses documentos passaram a ser vistos de forma suspeita, sendo acusados de possuírem um caráter personalista, ideológico e literário (FERNANDES; KALIL, 2012FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70., p. 51), construindo-se uma hierarquia entre eles, de acordo com o tipo de material considerado mais ou menos fidedigno em relação às representações do passado. Isso ocorreu especialmente no caso de Guamán Poma de Ayala, pois as informações prestadas em sua obra sobre a época em que viveu coincidem com a documentação institucional do período (LIMA, 2019LIMA, Vinicius Soares de. Os curacas nas crônicas de Felipe Guaman Poma de Ayala e Inca Garcilaso de la Vega. 2019. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Franca, 2019. , p. 46). Entre as décadas de 1950 e 1960, as correntes indigenistas e as críticas anticoloniais tiveram peso sobre as formas de abordar as crônicas. Algumas perspectivas apostaram na ênfase em seu caráter etnográfico (FERNANDES; KALIL, 2012FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70.), e outras, em sua importância como visão dos vencidos.4 4 Algumas vertentes enfatizaram a importância de analisá-las na perspectiva literária, considerando os tipos discursivos a que pertenciam e suas implicações.

A crônica de Felipe Guamán Poma de Ayala teve uma inserção tardia como fonte de pesquisa para o período colonial e pré-colonial andino devido ao fato de seu texto ter sido encontrado somente em 1908 na Biblioteca Real da Dinamarca. Ao longo do século XX, Primer nueva corónica y buen gobierno foi utilizada por muitos escritores e pesquisadores, de variadas formas, para sustentar diferentes tipos de teses: a partir das apropriações que fez do imaginário europeu, das leituras que seu autor realizou ao longo da vida, dos aspectos referentes à maneira como se dirigiu aos curacas, da perspectiva da defesa das causas indígenas, da evangelização e da fé cristã, do caráter político e de resistência.

Segundo Fernandes e Kalil (2012FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70.), é difícil definir o significado exato de crônica, já que nesse termo foram agrupados relatos de procedências diversas produzidos com intenções distintas. Existe um amplo debate historiográfico acerca das crônicas coloniais como gênero documental, conceito ainda pouco problematizado e “frequentemente interpretado como sinônimo de relato do período colonial sobre o Novo Mundo” (FERNANDES; KALIL, 2012FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70., p. 47). Esses documentos foram e ainda são amplamente utilizados para construir diferentes interpretações sobre a memória e a história do período colonial na América. Nessa perspectiva, os textos e imagens de Felipe Guamán Poma de Ayala têm sido referência obrigatória. Conforme Rolena Adorno, essa é a única obra conhecida, de um escritor indígena do período colonial, que retrata de forma etnográfica, “literal e naturalista”, a sociedade indígena e a espanhola da região andina da época (ADORNO, 1984ADORNO, Rolena. Paradigmas perdidos: Guamán Poma examina la sociedad española colonial. Revista Chungará, Arica, p. 67-91, 1984. Disponível em: http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/Paradigmas_perdidos.pdf . Acesso em: maio de 2022.
http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/P...
, p. 67, tradução nossa).

Entre as várias leituras realizadas da obra do cronista peruano, chamam atenção algumas afirmativas que enfatizam o caráter de apêndice das imagens produzidas por ele. Em dissertação recentemente defendida, o historiador Vinicius Soares de Lima afirmou que os escritos de Guamám Poma “são acompanhados por centenas de desenhos que o autor utiliza para compensar seu mau domínio da língua espanhola e a ausência de uma grande formação intelectual” (LIMA, 2019LIMA, Vinicius Soares de. Os curacas nas crônicas de Felipe Guaman Poma de Ayala e Inca Garcilaso de la Vega. 2019. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Franca, 2019. , p. 48). Esse é apenas um exemplo de como as imagens produzidas por Guamám Poma de Ayala muitas vezes foram desvalorizadas quando comparadas aos textos, compreendidas como mero complemento de uma obra escrita por um indígena que não dominava totalmente o código linguístico do colonizar. Para refletir sobre esse tipo de situação, Linda Smith, pesquisadora maori, chama atenção para o fato de que a escrita foi e ainda tem sido utilizada para marcar as sociedades que estariam ou não aptas a pensar crítica e objetivamente, de acordo com a manipulação adequada do código escrito. O uso da escrita, associado à crença no controle das emoções e das ideias, dita os pressupostos básicos do método disciplinar da área e exclui perspectivas outras, consideradas por vezes primitivas ou incorretas (SMITH, 2018SMITH, Linda Tuhiwai. Descolonizando metodologias: pesquisa e povos indígenas. Curitiba: Editora da UFPR, 2018.). Conforme Linda Smith (2018, p. 47), essas formas outras de pensar a história e a teoria representam possibilidades para uma “história contestada” que desafia o projeto do colonialismo.

Para Silvia Rivera Cusicanqui, tanto as leituras historicistas como aquelas que se preocuparam com a fidedignidade e imprecisão dos testemunhos do cronista, causaram danos a obra pois

a visão estreita da crítica acadêmica passou por alto o valor interpretativo da imagem, atrelada a noção de “verdade histórica”, que salta por cima do marco conceitual e moral de onde se escreve ou desenha, desdenhando o potencial interpretativo dessa postura (2010, p. 30, grifo da autora).

O desenho possui um valor que não pode ser reduzido à ideia de uma informação acessória ou à ausência de compreensão dos códigos do colonizador pelo cronista. A autora se questiona, enfatizando, de forma irônica, que uma figura na posição de Guamán Poma não poderia ter sido vítima de desinformação ou ignorância. É importante sublinhar o lugar ocupado por ele na hierarquia social de sua época. Algumas de suas imagens, muitas vezes interpretadas como erro do cronista, na visão da autora, podem ter significados bem distintos daqueles atribuídos pelos historiadores.

Para Rivera Cusicanqui, é principalmente por meio dos desenhos que Guamán Poma vai demonstrar valores e conceitos próprios das sociedades indígenas no contexto da conquista espanhola. Na parte escrita, para a escritora, ele apresenta uma preocupação grande

em parecer um súdito fiel ao rei. Ao contrário, muitos dos seus desenhos expressam outro tipo de discurso, que até agora tem sido somente analisados como uma estrutura semiótica reveladora da aparente pureza e continuidade das estruturas pre-hispânicas de pensamento. O que proponho aqui é ler seus desenhos como uma teoria do colonialismo, que aponta para conceitos básicos da ordem social, vital e cósmica, e que diz o que as palavras não podem expressar em uma sociedade de silêncios coloniais (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 213).

Cusicanqui tece críticas a diversas interpretações já realizadas sobre as crônicas. Ela estabelece um importante diálogo com Rolena Adorno, responsável por análises de tipo formal, para o estudo do estilo das composições, das linhas divisórias internas, do significado de determinados elementos (estarem à direita ou à esquerda, na parte superior ou inferior) (ADORNO, 1984ADORNO, Rolena. Paradigmas perdidos: Guamán Poma examina la sociedad española colonial. Revista Chungará, Arica, p. 67-91, 1984. Disponível em: http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/Paradigmas_perdidos.pdf . Acesso em: maio de 2022.
http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/P...
). Para a socióloga, esse tipo de análise, que ela denomina como uma aproximação estruturalista ou semiótica, é insatisfatória, sobretudo por difundir a ideia de que nessas imagens se esconderia um “inconsciente andino” (RIVERA CUSICANQUI, 2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; EL COLECTIVO. Princípio Potosí Reverso. Madrid. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010., p. 25).

O historiador da arte Artur Freitas (2004FREITAS, Artur. História e imagem artística: por uma abordagem tríplice. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 34, v. 2, p. 3-21, 2004. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2224/1363 . Acesso em: jun. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
) propõe o método de abordagem tríplice, em artigo no qual demonstra preocupação com a interpretação histórica das imagens. Segundo Freitas, as fontes visuais podem ser pensadas a partir de três dimensões. A primeira corresponde à dimensão formal, a materialidade da imagem, que consiste em compreender a imagem como “vestígio plástico de uma atividade produtiva e inventiva” da qual faz parte também a história da sua produção (FREITAS, 2004FREITAS, Artur. História e imagem artística: por uma abordagem tríplice. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 34, v. 2, p. 3-21, 2004. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2224/1363 . Acesso em: jun. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 10). O pesquisador, nesse caso, deve observar aspectos referentes às cores, volumes e texturas utilizadas na produção. A segunda dimensão pretende pensar a imagem para além da forma, como um artefato que “demarcou uma trajetória material e simbólica efetiva” (FREITAS, 2004FREITAS, Artur. História e imagem artística: por uma abordagem tríplice. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 34, v. 2, p. 3-21, 2004. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2224/1363 . Acesso em: jun. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 13). Esta perspectiva representa a dimensão social externa à imagem e busca evidenciar os percursos realizados pelo artefato ao longo do tempo, por quais acervos e instituições passaram, quais relações guardam com outras obras. Conforme Freitas, essa seria a dimensão que reflete sobre a “genealogia dos espaços materiais e simbólicos que envolvem a produção e a recepção” (FREITAS, 2005, p. 13). E, finalmente, a terceira dimensão se refere ao conteúdo da imagem, aos “significados atribuídos pelo sistema de referências e valores de um observador concreto” (FREITAS, 2005, p. 14).

Embora as análises de Rivera Cusicanqui contenham reflexões referentes à segunda dimensão, já que a autora explora os percursos de validação e interpretação utilizados nos estudos sobre as imagens de Guamán Poma, o seu trabalho certamente aponta como preocupação principal a terceira dimensão. Essa perspectiva é fundamental para a compreensão dos aspectos subjetivos atribuídos pela autora, já que ela se dedica a compreender o conteúdo das imagens, sua visualidade e como aspectos individuais e culturais foram determinantes na forma de apropriação desses signos. Podemos, ainda, aferir que talvez o movimento de análise proposto pela socióloga aponte para uma quarta dimensão, que seria a epistemológica. Nesse sentido, as imagens presentes na crônica fazem parte de um sistema filosófico de saberes andinos.

Para Rivera Cusicanqui, os desenhos de Guamán Poma de Ayala podem ser interpretados como imagens-conceito. Eles constroem reflexões e orientam a leitura sobre o contexto colonial andino. Também apontam para problemas sociais, políticos e culturais mais amplos e de longa duração, vinculados ao processo de colonialismo, de inserção de novas lógicas de trabalho e valor e ao desmantelamento e reordenamento de tradições cosmológicas indígenas. Podemos observar um exemplo no tratamento que é conferido pela autora às imagens das tecelãs e sua relação entre o trabalho, a ordem e a desordem.

Figura 1 -
Primera Calle: Auacoe Uarmi. Tejedora/ de edad de treinte y três años/mujer de tributo

Na Figura 1, é representada uma mulher de 33 anos tecendo. A posição ocupada pela mulher na Primera Calle denota uma posição privilegiada de acordo com uma classificação dos tempos pré-hispânicos. O trabalho é fonte de prazer, de criatividade. Ela tece “como se estivesse criando o tecido da vida comunal” (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 218).

Figura 2 -
Padres que hace teje ropa por fuerza a las índias diciendo y amenazando que está amancebada y le da de palos y no le paga Doctrina

Na Figura 2, também foi representada uma tecelã. Entretanto, aqui o trabalho é fonte de sofrimento e dor, já que a mulher trabalha sob o controle de um padre. Segundo Rivera Cusicanqui, aqui a vigilância representa a metáfora do trabalho colonizado. Ela destaca o abismo existente entre o tecido construído como sinal de uma posição de prestígio e a sujeição operada pelo religioso. A imagem da tecelã que trabalha sob a vigilância do padre demonstra o nexo entre a exploração do trabalho e a desordem moral. Para a socióloga, essa imagem marca a colonização da esfera do trabalho, que surge como castigo, reforçado pela referência à Bíblia representada pelo padre : “Trabalhar sob a vigilância de um agente externo resulta assim em um castigo pelo fracasso histórico da mulher indígena” (RIVERA CUSICANQUI, 2015bRIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 218, tradução nossa). O trabalho como castigo “atravessa o pensamento ocidental, desde a Bíblia até as ideias de pensadores marxistas como Enrique Dussel” (RIVERA CUSICANQUI, 2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; Ch’ixinakax Utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010. , p. 26).

A ideia de imagem-conceito é elaborada especialmente em relação à Figura 2, a partir da qual a autora faz uma reflexão sobre a ideologia do progresso e do desenvolvimentismo, tomados como premissa de crescimento a partir dos anos 1950 na Bolívia e em outros países da América Latina. A imagem aponta para o problema de maneira metafórica e permite uma conexão. Segundo a socióloga, a segunda imagem da índia tecelã possibilita identificar e analisar a espoliação vivenciada pelos “beneficiários” do projeto desenvolvimentista, considerados incapazes, ignorantes, atrasados e ofuscados pela história. A mulher explorada e expropriada pela Igreja se torna um conceito para refletir sobre os povos indígenas explorados e expropriados pelo Estado na contemporaneidade. Nesse sentido, essas imagens são atemporais (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. b, p. 219).

Guamán Poma resgata os significados do trabalho nas sociedades pré-incaicas, em que evidencia a relação entre seres humanos e natureza (não sem considerar suas hierarquias) e, ao mesmo tempo, tece uma severa crítica à lógica da exploração do trabalho ocidental, requisitada por Cusicanqui para o tempo presente. Para a autora elas não se dirigem somente às relações do mundo laboral, mas se estendem a nível moral e representam “um atentado contra a dignidade humana” (RIVERA CUSICANQUI, 2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; EL COLECTIVO. Princípio Potosí Reverso. Madrid. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010., p. 27, tradução nossa).

Cusicanqui evidencia a força conceitual das imagens em detrimento das palavras. Em suas obras mais contemporâneas, a relação entre as palavras e os desenhos adquire uma ampla dimensão. A socióloga faz críticas ao uso de determinadas terminologias que teriam se tornado o que ela denomina como palavras mágicas. Palavras como mercado, cidadania, desenvolvimento, entre outras, representam uma retórica assumida por determinados grupos da elite (inclusive indígena) corriqueiramente utilizadas na linguagem política para indicar um estágio de atraso e a necessidade de projetos de superação. Sua crítica se estende, especialmente, ao Estado Plurinacional da Bolívia, que para ela faz uso de um vocabulário multiculturalista que encobre a continuidade das relações de exploração e a resistência à ampliação dos direitos indígenas.

Para Rivera Cusicanqui, as palavras

se convertem em registros ficcionais” e são usadas muito mais para encobrir, esconder, escamotear direitos enquanto as imagens “nos oferecem interpretações e narrativas sociais, que desde séculos pré-coloniais iluminam este plano social e nos oferece perspectivas de compreensão crítica da realidade (RIVERA CUSICANQUI, 2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; EL COLECTIVO. Princípio Potosí Reverso. Madrid. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010., p. 20, tradução nossa).

Outra imagem utilizada por Cusicanqui de forma conceitual pode ser mais esclarecedora para demonstrar como a socióloga constrói sua reflexão.

Figura 3 -
Índio astrólogo, poeta que sabe del ruedo del sol y l aluna, eclipse, estrellas, cometas y hora, domingo, mes y año y de los cuatro ventos para sembrarla comida, desde antiguo

A Figura 3, muito recorrente em seus ensaios, representa um caminhante, um indígena, que é filósofo, cientista e agricultor. A imagem diz respeito a uma série de atividades realizadas por um mesmo indivíduo e representa a materialidade dos conhecimentos cósmicos (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., 49). O poeta astrólogo é também agricultor. A ação do caminhante é produzir alimentos, plantar e semear, mas essas são atividades sagradas pois estabelecem intercâmbio com as deidades, com a terra (Pachamama, Achachilas). Os kipus são instrumentos fundamentais que registram essas atividades. A existência do sol e da lua aponta para “a natureza alegórica do desenho” e remete a ideia de tempo e de proximidade com os astros (RIVERA CUSICANQUI, 2015aRIVERA CUSICANQUI, Silvia. Más allá del dolor y del folclor. [S. l.: s. n.], 2015a. 1 vídeo (45 min 31 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AC_ySMO5-P0&ab_channel=OsMilNomesdeGaia . Acesso em: 30 mai. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=AC_ySMO5...
, 36:25m; 2018, p. 50, tradução nossa).

Para a socióloga, a coexistência do ato de produzir comida somado à busca pelo conhecimento também conduz à natureza alegórica do desenho, que demonstra a união entre a atividade manual e a intelectual. Com isso, Rivera Cusicanqui põe em evidência a importância da alimentação para os indígenas na visão de Guamán Poma e sua tentativa de convencimento ao rei de que esse deveria pôr ordem e bom governo nas colônias para que houvesse produção de alimento. Um adequado fim para a situação das penúrias, conforme a leitura da autora, seria mostrar o fundamento de toda a sociedade, de todo o governo, no trabalho dos agricultores.

Segundo a autora, a noção de trabalho presente nesse desenho precisa ser contextualizada e pensada a partir de outra perspectiva, pois tal termo não encontrava equivalente entre as populações andinas pré-hispânicas. Não existia, no período pré-colonial, um conceito abstrato equivalente à ideia de trabalho entre as comunidades andinas pré-colombianas (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 44). As primeiras dificuldades já tiveram início nas tentativas de traduzir o termo para as línguas indígenas. O trabalho, nas comunidades nativas, era nomeado de acordo com a atividade realizada (a ação de semear, por exemplo, recebia o nome de sataña). As atividades de trabalho estavam vinculadas às cosmogonias dessas comunidades e a atividade produtiva era considerada sagrada. Além disso, as práticas de trabalho estavam atreladas às relações comunitárias, de parentesco e vizinhança, vinculadas a sistemas de reciprocidade e redistribuição.

Embora o processo de colonização tenha alterado drasticamente muitos aspectos da vida das populações indígenas, algumas lógicas próprias, enraizadas ao longo dos séculos, não foram totalmente obliteradas (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 44). O trabalho foi ressignificado e a dimensão do sagrado sobreviveu de várias formas, sobrevivências essas muitas vezes vistas como arcaicas ou irracionais. A ação de ressignificação elaborada pelas comunidades dominadas ocorreu na tentativa de dar sentido às práticas inseridas com o processo de colonização, por isso não podem ser consideradas permanências irracionais. A imagem do poeta filósofo é acionada pela autora como um conceito que representa essa sobrevivência, presente em inúmeras práticas cotidianas das populações andinas, como no exemplo sobre las ñatitas.

O culto das nãtitas é realizado sempre no dia 8 de novembro no Cemitério Geral de La Paz e consiste na colocação de moedas nos olhos de caveiras (crânios humanos) que pertencem à população pacenha. Existe a crença de que essas caveiras, denominadas ñatitas, são entidades protetoras. “A moeda é o olho que mira o passado desde as cavidades de uma caveira.” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 51). Aqui, é possível observar a importância conferida por Rivera Cusicanqui para essa sobrevivência. Para a socióloga, esse é um modo de utilizar o dinheiro o reintegrando “a sua origem: aos veios minerais que se encontram nas montanhas, cujas energias têm o poder de prodigar sorte ou má sorte entre as trocas ”. Desse modo, ocorre uma conversão do uso do dinheiro em “pactos sagrados de lealtad y reciprocidade” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 51).

Nesse sentido, Rivera Cusicanqui (2018, p. 50) se questiona sobre a medida de valor para esse tipo de sociedade e responde com a elaboração da teoria ch’ixi do valor. Essa reflexão diz respeito a ideia de como o trabalho foi ressignificado promovendo a manutenção de aspectos do sagrado, práticas essas lidas como irracionais dentro da lógica do capital. Para a autora, a teoria ch’ixi reside, aqui, em ações que reintegram o dinheiro ao seu valor como elemento que faz parte do sagrado e encontram formas comunitárias de economia, que não necessariamente são contrárias ao mercado, mas fazem uso dele, resistindo às suas lógicas totalizadoras e confirmando como o capitalismo se desenvolveu de forma descontínua (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 50). Conforme a autora, “ embora o contexto colonial tenha reordenado drasticamente estas relações, não obliterou de todo seu passado alter-nativo; não desfez as lógicas próprias nem as sintaxes enraizadas que criaram ao longo de séculos as populações agora submetidas” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 50).

Rivera Cusicanqui explica a complexa rede de intercâmbio andino, na qual a reciprocidade e a redistribuição eram práticas correntes antes da conquista e foram características no contexto da consolidação do império Inca, não mediado por entidades impessoais e abstratas, nem por guerras de conquista. A autora não romantiza ou essencializa o período pré-incaico . Ao contrário, reconhece os momentos de conquista, os pactos de submissão e as relações de opressão existentes no processo de formação do Tawantinsuyu. Entretanto, o processo de incorporação dos últimos incas articulou a gestação de cosmogonias comuns pautadas em “um sistema de intercâmbios múltiplos, polivalentes, tanto materiais como simbólicos” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018., p. 44). Essa rede de reciprocidade e redistribuição era possível já que os povos andinos se comunicavam a partir dos mesmos termos simbólicos, o que deixa de acontecer com o estabelecimento da sociedade colonial, responsável por inserir um conjunto de novos significados às práticas laborais.

Além da socióloga boliviana, outros autores também refletiram sobre as relações entre a sociedade moderna e as comunidades indígenas, como Marisol de La Cadena e Ailton Krenak. As reflexões desses autores podem auxiliar na compreensão dos argumentos de Rivera Cusicanqui.

A antropóloga peruana Marisol de la Cadena (2018) faz uma interessante reflexão referente aos termos dos debates entre a sociedade moderna e as sociedades indígenas, enfatizando a existência de dissensos históricos relacionados a cosmovisões distintas. Ela toma como exemplo um conjunto de situações relacionadas às demandas por proteção das terras dos povos AwajunWamp, localizados no norte amazônico, em um episódio que ficou conhecido como El Baguazo, pois ocorreu próximo à cidade de Bagua, no Peru. O conflito, que resultou em prisões e mais de 30 mortes, ocorreu em 2009 e consistiu no confronto entre as forças policiais e os indígenas, que haviam bloqueado uma rodovia da região.

O protesto se deu contra vários decretos que permitiam a concessão de terras AwajunWampi para corporações petrolíferas, ação do governo peruano que desconsiderou o acordo 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o qual os Estados signatários seriam obrigados a consultar e obter autorização dos moradores de determinada localidade para que esses permitissem a exploração de seus territórios. Os indígenas questionaram a validade da concessão, já que não foram consultados sobre o assunto (DE LA CADENA, 2018DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf . Acesso em: junho 2022.
https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yq...
, p. 96-97).

Marisol de la Cadena utiliza, ainda, o exemplo de uma camponesa que vive em Cajamarca, nos Andes peruanos. A líder indígena Máxima Acuña e sua família se recusaram a vender suas terras para uma empresa mineradora norte-americana. Por essa recusa, tiveram sua casa e colheitas destruídas, seus animais mortos e sofreram agressões físicas da empresa e do governo, mas conseguiram algumas vitórias na justiça, como o direito de permanecer em suas terras.

O fator que chamou a atenção de Marisol de la Cadena nesses dois eventos foi a dificuldade de entendimento do governo e de empresários em compreender os motivos que levaram tanto os AwajunWampi como a família Acunã a protestarem e questionarem a legitimidade dos discursos oficiais. Assim, ambos contrariaram a racionalidade do capitalismo, que interpretou a recusa como uma contraposição ao progresso e ao desenvolvimento. Para de la Cadena, cada grupo entende a situação a partir de valores, de significados que lhes são próprios, gerando o dissenso, pois existe aqui uma situação de intraduzibilidade e, neste sentido, a relação com a natureza e seus elementos é compreendida de forma distinta pelos povos indígenas e pela sociedade moderna. Para a autora, o dissenso existente não encontra resolução pela lei “pois excede seu domínio” (DE LA CADENA, 2018DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf . Acesso em: junho 2022.
https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yq...
, p. 97).

Essa dificuldade de comunicação e de entendimento também foi apontada por Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.). Ele nos alerta para o que chama de mito da sustentabilidade criado por corporações e mineradoras para justificar a destruição da natureza e dos grupos que estão em conexão com ela. Da mesma forma, critica a noção de humanidade, civilização e Terra, palavras abstratas em torno das quais se formou um imaginário alimentado por projeções relacionadas a tipos humanos idealizados, que compartilham de um “mesmo protocolo” (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 33). Esses discursos excluem a natureza e separam a Terra da ideia de humanidade.

Krenak ressalta que essa imagem de humanos homogêneos não corresponde aos povos que vivem em conexão com a natureza, ligados à terra, de onde também tiram seu sustento. Em nome desse imaginário sobre o que é ou o que deveria ser a humanidade, diversas violências foram justificadas. Conforme o autor, para o povo krenak, a Terra é entendida como a grande mãe e os elementos naturais que a compõem, como rios, montanhas e pedras, fazem parte dessa grande família. A despersonalização desses elementos - ação característica do pensamento moderno que deseja dominar e controlar a natureza e marca maior do Antropoceno - os transforma em recursos, em produtos passíveis de serem explorados economicamente. Para Ailton Krenak, a exclusão da natureza e da Terra, lugar onde habitam os seres humanos, bem como a exclusão de determinados grupos do projeto idealizado de humanidade, não faz sentido, já que todos vivem no mesmo planeta (KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.).

Tanto Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) como Marisol de la Cadena (2018) enfatizam a hegemonia dessas ideias criadas pela modernidade e excludentes para não humanos, mas também para alguns grupos humanos considerados inferiores, atrasados e obsoletos. Conforme Marisol de la Cadena, o discurso dos grupos detentores do poder:

podem expor complexidades que desestabilizam gramáticas lineares e levam conceitos a seus limites. Ouvidas com cuidado, elas revelam que os conflitos que eles narram podem incluir um dissenso que não encontra resolução fácil porque excede o domínio existente da lei, a saber, a concepção e a regulação da natureza como recurso (DE LA CADENA, 2018DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf . Acesso em: junho 2022.
https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yq...
, p. 111-112).

Nesse sentido, o conflito se torna “um mal-entendido impossível de ser resolvido”, pois os termos do debate são alheios à outra parte, dificultando o reconhecimento da legitimidade da posição. Essas tensões são combatidas pelo Estado e pelas grandes corporações que atuam na negação dos termos de existência desses povos e de sua forma de vida. De la Cadena (2018DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf . Acesso em: junho 2022.
https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yq...
, p. 101) denomina a situação de incomunicabilidade como antropo-cego, termo que faz referência “a uma condição de impossibilidade hegemônica formulada historicamente”. Segundo a autora, indivíduos socialmente desiguais são colocados em pé de igualdade ou, para usar seus termos, são considerados “os mesmos ou socialmente equivalentes”, gerando um mal-entendido político que reflete, no final das contas, “uma disputa epistêmica para mudar como a ordem estabelecida é percebida” (DE LA CADENA, 2018DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf . Acesso em: junho 2022.
https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yq...
, p. 99, grifo da autora). Dessa forma, os Estados nacionais e as grandes empresas, consideradas promotoras do desenvolvimento concluem sobre a irracionalidade, o atraso e a inferioridade de grupos resistentes ao mercado, entendido aqui como sinônimo de progresso.

As reflexões de Ailton Krenak e Marisol de la Cadena nos auxiliam a compreender melhor a posição de Silvia Rivera Cusicanqui em sua análise a respeito da importância de pensar, de forma conjunta, o labor manual, o fazer filosófico e a relação com a natureza para as culturas andinas. A imagem do filósofo que semeia é importante como conceito para a socióloga por demonstrar as relações entre o trabalho manual, o intelectual e o sagrado, denotando sobrevivências e, ao mesmo tempo, “a impossibilidade de uma dominação legítima e de um bom governo em um contexto colonial, conclusão que poderia facilmente extrapolar para as atuais repúblicas andinas” (RIVERA CUSICANQUI, 2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; EL COLECTIVO. Princípio Potosí Reverso. Madrid. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010., p. 26). Guamán Poma evidencia a importância da comida e do trabalho produtivo na ordem cósmica indígena. Segundo a socióloga, esse é também um argumento fundamental contra a tomada de terras e a exploração do trabalho.

Para Rivera Cusicanqui, Guamán Puma pode ser considerado um teórico da condição colonial. A socióloga o coloca em uma posição similar à de Frantz Fanon, pois, segundo ela, o cronista andino não se deteve somente no sofrimento físico dos grupos colonizados, mas também em elementos relacionados à perda de dignidade e a internalização dos princípios dos colonizadores (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 27). Assim como Frantz Fanon interpretou a introjeção dos valores do colonizador entre os colonizados africanos como uma das grandes teias do colonialismo, os desenhos de Guamán Puma para Cusicanqui também apontam para esse caminho, e assim como os colonizados de Fanon desejavam ocupar o lugar do colonizador, os indígenas de Primer nueva corónica y buen gobierno também desejavam o lugar do seu opressor.

Rivera Cusicanqui considera, portanto, o cronista peruano como um importante teórico que pode figurar ao lado de outros intelectuais valorizados pelo seu posicionamento contrário ao colonialismo. Embora a socióloga seja uma das grandes críticas dos trabalhos produzidos pelo grupo Modernidade/Colonialidade, as reflexões do pensamento decolonial também enfatizam o processo de colonialidade vigente no pensamento social latino-americano. O colonialismo, conforme esses autores, foi responsável pela constituição de hierarquias étnico-raciais e pela constituição da diferença colonial. Ademais, fundamentou uma geopolítica do conhecimento a partir da qual se constituíram topos universalizantes do saber oriundos do pensamento europeu em detrimento dos saberes dos povos colonizados, consideradas bárbaros, atrasados e irracionais (MIGNOLO, 2007, p. 28). O pensamento decolonial abre espaço para múltiplas epistemes, para a desnaturalização das narrativas canônicas e para a emergência de grupos subalternizados como produtores do conhecimento. Guamán Poma de Ayala, nessa perspectiva, é compreendido como uma subjetividade de fronteira, e Primer nueva corónica y buen Gobierno como um tratado político que poderia figurar ao lado dos textos de pensadores hegemônicos como Hobbes, Locke e Maquiavel (MIGNOLO, 2007, p. 28).

Embora Cusicanqui reconheça que Guamán Poma internalizou o discurso racial espanhol, ela enfatiza que, ainda assim, em seus desenhos, desvelou a existência de uma ordem hierárquica pré-hispânica para ele mais legítima do que a ordem colonial. O termo mundo ao revés sintetiza essa transposição hierárquica possibilitada pelas negociações com os espanhóis e pela condição de ascensão social diversa da existente na ordem anterior.

Para a socióloga, a noção de mundo ao revés é central na obra do cronista e ela a considera uma teorização visual do sistema colonial (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 22). Guamán Poma aborda esse ponto em vários dos seus desenhos ao mostrar diferentes tipos de ordem, como a ordem das cidades ou a ordem das ruas e representações demonstrando as relações entre espanhóis e indígenas. Essas ordens dizem respeito às conexões entre o mundo sagrado e o mundo dos humanos, que acompanha o trabalho produtivo, a convivência da comunidade, os rituais e as instituições.

Considerações finais

Conforme Arthur Avila, o conhecimento histórico, representado por pesquisadores reconhecidos em seu campo de atuação, em muitos momentos se mostrou (e ainda se mostra) vinculado a “ideias, práticas e valores disciplinares que [...] tornaram-se demasiadamente irrefletidos e limitadores do potencial político, crítico e poético da história” (AVILA, 2019AVILA, Arthur. O que significa indisciplinar a história? In: AVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (org.). A História (in)Disciplinada: teoria, ensino e difusão de conhecimento histórico. Vitória: Milfontes , 2019. p. 19-52. , p. 20). Ainda segundo Ávila, os termos pelos quais a disciplina histórica busca sua legitimação não é capaz de atender a radicalidade do presente e, para isso, o autor propõe indisciplinar a história, o que consiste em pensar para além do que ele denomina como “fetiches disciplinares”, e sim para reflexões em torno das concepções historiográficas hegemônicas e canonizadas, de concepções de história e tempo histórico diversas. Ao que parece, Silvia Rivera Cusicanqui compartilha de uma proposta parecida com essa ao extrapolar o estatuto de fonte histórica tradicionalmente atribuído às crônicas de Guamán Poma de Ayala nas pesquisas históricas e realizar a leitura deste material à luz de um “presente em crise” (RIVERA CUSICANQUI, 2018RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018.).

Cusicanqui também fez uso das crônicas de Guamán como fonte documental, mas ela não utiliza esse material como se fosse um corpo estranho ou anacrônico a ela para dar passagem a um passado que já não existe mais. A autora constrói uma relação genealógica com esse documento e, especialmente, com as imagens que culminam nela própria e no grupo por ela representado em sua escritura. Ela aponta para a importância dos desenhos como elemento chave para o conhecimento das epistemologias indígenas e de como esses saberes são fundamentais para um posicionamento crítico e descolonizador “desde” o presente.

Cusicanqui não se restringe a compreender a obra de Guamán Poma como mero testemunho de sua época, mas vislumbra, nos desenhos criados pelo cronista, outras potencialidades que possibilitam entrever a formulação de uma epistemologia própria, concebida como uma crítica. Para a escritora aimará, a produção imagética de Guamán Poma extrapolou os limites temporais de sua época pela elaboração de elementos teóricos capazes de serem acionados para analisar as atuais repúblicas andinas.

Portanto, duas proposições podem ser indicadas aqui. A primeira diz respeito ao uso das imagens de Guamán Poma de Ayala. Para Rivera Cusicanqui, é justamente no desenho, elemento já menosprezado por outros pesquisadores, que a autora localiza importantes referências sobre o contexto colonial e sobre as cosmologias indígenas da época de sua produção.

A segunda diz respeito à concepção de saberes inaugurados com a ciência moderna, que consolidou a filosofia e o pensamento ocidental como sujeito do conhecimento enquanto o pensamento de outros povos se converteu em objeto de estudo (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 31-83., p. 56). Dessa forma, constituiu-se um saber histórico sobre os indígenas da América colonial, e não um saber histórico proveniente dos indígenas da América colonial.

Um dos propósitos de Silvia Rivera Cusicanqui gira em torno de uma proposta de descolonização epistêmica ao transformar Guamán Poma de Ayala em sujeito do conhecimento. Ela também demonstra que a experiência do estético e da visualidade podem ser elementos importantes na formulação epistemológica da história para um posicionamento crítico e descolonizador. Guamán Poma de Ayala, em seus desenhos, não trata somente das relações entre colonizadores e colonizados. Ao abordar a cosmogonia andina, se refere a um tema mais universal que é a relação entre os seres humanos e os demais seres (vivos e não vivos).

É importante sublinhar, ainda, que o trabalho de Silvia Rivera Cusicanqui tem um caráter emancipatório e utópico, pois ela vê nas organizações comunitárias de economia sagrada, nos intercâmbios materiais e simbólicos, uma inspiração para formas mais saudáveis de resistir às lógicas totalizadoras do mercado. Se por um lado a imagem da tecelã ( Figura 2) e seu sofrimento podem ser acionados para uma reflexão sobre a ideologia o progresso, que continuou e continua a subalternizar as populações indígenas na Bolívia, a imagem do índio caminhante ( Figura 3) e da tecelã jovem ( Figura 1) são acionados pela autora como conceitos utópicos, representantes de um projeto de descolonização. Conforme Rivera Cusicanqui, “As imagens do índio caminhante e da tecelã emancipada seguirão latentes até que se abra uma nova brecha por onde filtrar para contribuir para uma emancipação futura” (RIVERA CUSICANQUI, 2015RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b. , p. 219).

Referências

  • ADORNO, Rolena. Paradigmas perdidos: Guamán Poma examina la sociedad española colonial. Revista Chungará, Arica, p. 67-91, 1984. Disponível em: http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/Paradigmas_perdidos.pdf Acesso em: maio de 2022.
    » http://www.chungara.cl/Vols/1984/Vol13/Paradigmas_perdidos.pdf
  • AVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (org.). A História (in)Disciplinada: teoria, ensino e difusão de conhecimento histórico. Vitória: Milfontes, 2019.
  • AVILA, Arthur. O que significa indisciplinar a história? In: AVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (org.). A História (in)Disciplinada: teoria, ensino e difusão de conhecimento histórico. Vitória: Milfontes , 2019. p. 19-52.
  • BENGOA, Jorge. La emergencia indígena en América Latina. México D. F.: FCE, 2016.
  • CAL Y MAYOR, A.B. Autonomía: la emergencia de un paradigma en las luchas por la descolonización. In: M. GONZÁLEZ; A.B. CAL Y MAYOR; P. ORTIZ-T. La autonomia en debate: autogobierno indígena y Estado plurinacional en América Latina. Quito: FLACSO-CIESAS-UNICH, 2010. p. 63-95.
  • CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramon (coord.). El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007.
  • DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: historias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf Acesso em: junho 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rieb/a/m9S6Cn7yqLFmftGHfddCk5b/?lang=pt&format=pdf
  • FERNANDES, Luiz Estevam; KALIL, Luis Guilherme Assis. A historiografia sobre as crônicas americanas: a criação de um gênero documental. In: KARNAL, Leandro [et al] (org.). Cronistas do Caribe. Campinas: Unicamp, 2012. p. 47-70.
  • FREITAS, Artur. História e imagem artística: por uma abordagem tríplice. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 34, v. 2, p. 3-21, 2004. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2224/1363 Acesso em: jun. 2022.
    » https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2224/1363
  • GONÇALVES, Chryslen Mayra Barbosa. Epistemologias manchadas: mestiçagem e sujeitos políticos da descolonização na Bolívia andina. 2019. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas-SP, 2019.
  • GUAMAN POMA DE AYALA, Felipe. Nueva Crónica y Buen Gobierno. Caracas, Venezuela: Biblioteca Ayacucho, volume 1, 1980a.
  • GUAMAN POMA DE AYALA, Felipe. Nueva Crónica y Buen Gobierno. Caracas, Venezuela: Biblioteca Ayacucho , volume 2, 1980b.
  • KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
  • LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autônoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005.
  • LIMA, Vinicius Soares de. Os curacas nas crônicas de Felipe Guaman Poma de Ayala e Inca Garcilaso de la Vega. 2019. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Franca, 2019.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia; Ch’ixinakax Utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Más allá del dolor y del folclor. [S. l.: s. n.], 2015a. 1 vídeo (45 min 31 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AC_ySMO5-P0&ab_channel=OsMilNomesdeGaia Acesso em: 30 mai. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=AC_ySMO5-P0&ab_channel=OsMilNomesdeGaia
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: miradas ch’ixi desde la historia andina. Buenos Aires: Tinta Limón , 2015b.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la Imagen: una visión desde la historia colonial andina. In: RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Ch’ixinakax Utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón , 2010. p. 19-52.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Un mundo ch’ixi es posible. Buenos Aires: Tinta Limón , 2018.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia; EL COLECTIVO. Princípio Potosí Reverso. Madrid. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 31-83.
  • SMITH, Linda Tuhiwai. Descolonizando metodologias: pesquisa e povos indígenas. Curitiba: Editora da UFPR, 2018.
  • ZAPATA, Claudia. (comp.). Intelectuales Indígenas piensan América Latina. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar, Ediciones Abya-Yala; 2007, p. 247-270, 2007.
  • ZAPATA, Claudia. Intelectuales indígenas en Ecuador, Bolivia y Chile: diferencia, colonialismo y anticolonialismo. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2013.
  • ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y el pensamiento anticolonialista. Revista de Literaturas Latinoamericanas, Santiago, n. 2, v. 1, p. 113-140, 2008. Disponível em: https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf Acesso em: 20 jun. 2022.
    » https://www.discursospracticas.ucv.cl/pdf/numerodos/claudia_zapata_silva.pdf
  • ZAPATA, Claudia. Los intelectuales indígenas y la representación: uma aproximación a la escritura de José Jara y Silvia Rivera Cusicanqui. História Indígena, Santiago, n. 9, v. 1, p. 51-84, 2005. Disponível em: https://revistahistoriaindigena.uchile.cl/index.php/RHI/article/view/40180 Acesso em: 20 jun. 2022.
    » https://revistahistoriaindigena.uchile.cl/index.php/RHI/article/view/40180
  • ZAPATA, Claudia; STECHER, Lucía. Representación y memoria en escrituras indígenas y afrodescendentes contemporâneas. Revista Casa de las Américas, Havana, n. 280, v. 3, p. 3-20, jul/set 2015. Disponível em: http://www.casadelasamericas.org/publicaciones/revistacasa/280/hechosideas.pdf Acesso em: 10 jun. 2022.
    » http://www.casadelasamericas.org/publicaciones/revistacasa/280/hechosideas.pdf
  • 1
    Silvia Rivera Cusicanqui utiliza tanto a palavra “imagem” como “desenho” para se referir à parte escrita não alfabética de Primer nueva corónica y buen Gobierno.
  • 2
    Existe uma variação na data atribuída a escrita da crônica, bem como na quantidade de páginas e desenhos presentes na obra. Para este trabalho foram adotadas as referências indicadas por Rivera Cusicanqui (2010RIVERA CUSICANQUI, Silvia; Ch’ixinakax Utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010. ).
  • 3
    As três obras foram publicadas pela editora argentina Tinta Limón. A única obra com tradução para o português até o momento é o livro de 2010, recentemente publicado pela editora brasileira N-1 e um ensaio da obra Sociologia de la imagem traduzido para o livro Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à Idade da Terra, volume I, de 2022.
  • 4
    Algumas vertentes enfatizaram a importância de analisá-las na perspectiva literária, considerando os tipos discursivos a que pertenciam e suas implicações.
  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Preprint

    O artigo não é um preprint.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica.

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe
Fabio Duarte Joly - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2022
  • Revisado
    14 Set 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) Rua do Seminário, s/n, Centro. , CEP: 35420-000, Tel: +55 (31) 3557 9423 - Mariana - MG - Brazil
E-mail: sbthh@yahoo.com.br