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Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face

RESENHAS

GOFFMAN, Erving. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva. Petrópolis: Vozes, 2011. 255 p.

Fernanda Valli Nummer; Luis Fernando Cardoso e Cardoso

Universidade Federal do Pará – Brasil

Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face é mais um trabalho de Erving Goffman, publicado originalmente em 1967, traduzido para língua portuguesa. Esta coletânea de artigos, resultados de pesquisas empíricas realizadas entre 1950 e 1960, é representativa da proposta do autor de uma sociologia das ocasiões, baseada em etnografias sérias que permitem identificar o comportamento de pessoas em interação.

No primeiro capítulo, "Sobre a preservação da fachada: uma análise dos elementos rituais na interação social", a análise está centrada no esforço necessário para se manter uma atitude coerente diante dos outros. Sustentar um comportamento-padrão, conceito de linha, é uma tarefa que exige esforços de atos verbais e não verbais com os quais se possa expressar opinião sobre dada situação, através da avaliação dos participantes da interação, especialmente de si próprio. Neste capítulo assume importância o conceito de fachada, definido como "o valor positivo que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma através da linha que os outros pressupõem que ela assume durante um contato particular" (p. 13). A fachada pessoal e aquela criada pelos outros são resultados da mesma ordem, ambas produto da vida social. O autor observa que a busca incansável pela manutenção da fachada e sua relação com aprovação social fazem do homem seu próprio carcereiro. Tal conceito é amplamente apresentado, revelando-nos suas várias implicações e fertilidades analíticas para as ciências sociais.

Em "A natureza da deferência e do porte", Goffman estabelece um diálogo frutífero com Émile Durkheim, buscando entender como no meio "urbano a pessoa recebe um tipo de sacralidade que é exibido e confirmado por atos simbólicos" (p. 51). Os dados de pesquisa são produtos de observações de pacientes de um hospital psiquiátrico. Nesse espaço, o autor quer entender o significado das regras de conduta e como a manutenção ou a quebra de tais regras são capazes de influenciar as relações entre os próprios pacientes e destes com os médicos. Os dados referem-se ao ambiente do hospital, mas suas possibilidades analíticas em muito superam esse espaço. Partindo dos conceitos de deferência, forma de comunicação simbólica da apreciação que um ator exibe para o outro sobre esse próprio outro, e também de aporte, que se refere aos comportamentos corporais, vestuários que servem para evidenciar que um ator tem certas qualidades desejáveis ou indesejáveis, Goffman apresenta uma rica análise dos rituais que cercam a vida cotidiana, sobretudo aqueles constituídos em momentos de encontros face a face.

Já em "Constrangimento e organização social" o autor apresenta como temática o significado do constrangimento nas interações face a face. As discussões como foram organizadas nos fazem perceber sua acuidade analítica quando registra eventos e situações que, para pesquisadores desatentos, seriam imperceptíveis. A análise permite que nos identifiquemos no texto, já que, num momento ou noutro, todos passamos por situações de constrangimento, sejam ligadas ao nosso eu, ou mesmo assistindo aos apuros de outras pessoas. A análise do autor revela o significado desses pequenos eventos, as minúsculas das situações em que sentimos a força do sistema social.

Em "A alienação da interação" o autor esclarece que encontros sociais do tipo conversacional compartilham da exigência do envolvimento espontâneo dos participantes num foco oficial de atenção, mas quando o encontro não captura essa atenção e mesmo assim não libera tais participantes da obrigação de envolvimento, as pessoas se sentem desconfortáveis. O objetivo do artigo é apresentar as formas pelas quais o indivíduo pode se alienar de um encontro conversacional e as consequências dessa alienação para a interação. Novamente aqui a interação falada será considerada como necessária à vida social, pois os indivíduos que obedecem às regras de conduta nesses encontros adquirem um senso de realidade fundamental para a organização social. O envolvimento alienante do indivíduo na interação pode se constituir em desvios de comportamento como: preocupação externa por algo que não está associado ao tema discutido, deslocamento do foco da atenção do indivíduo mais para sua própria performance, para a situação de interação ou em outro participante, do que no foco oficial do encontro. Nessas situações, os indivíduos não conseguem manter seu envolvimento espontâneo nos encontros conversacionais, sentindo e gerando desconfortos.

"Sintomas mentais e a ordem pública" estabelece uma associação entre a doença mental vista pelos psiquiatras e os comportamentos passíveis de sanções sociais negativas percebidos pelos leigos. Se as ofensas contra as regras da conduta nas interações face a face podem ser consideradas exemplos de desvios de conduta públicos, psicóticos e outros transgressores, ao cometê-las, manifestam perturbação da associação organizada de pessoas face a face.

No último capítulo, "Onde a ação está", o foco no individuo para a organização social está posto em sua capacidade para apreciar os riscos sérios em que está envolvido e mesmo assim não se tornar desorganizado ou desmoralizado. Nesse sentido, a sociedade, ao atribuir caráter forte aos que têm este autocontrole e fraco aos que não o têm, colabora no processo de decisividade. Para Goffman, os momentos que envolvem a tomada de decisão do indivíduo diante de situações de risco para si mesmo ou seus recursos são cruciais para que as pessoas mantenham suas conexões com alguns valores da sociedade. Nessa perspectiva, a ação está nas atividades que poderiam ser evitadas, fora da rotina normal, que envolvem riscos e, em consequência, decisividade. A experiência indireta da geração e do controle de uma situação que envolve uma aparente decisividade é oferecida pela mídia de massa. É evidente a crítica do autor à excitação, sem custo reais, promovida nessas circunstâncias, pois o indivíduo na sociedade burguesa tem mais facilidade de se identificar com outro indivíduo, fictício ou real, do que com uma coletividade, e porque o jogo de eventos que é apresentado na mídia acontece em um curto espaço de tempo para que possa ser testemunhado em toda sua trama. A comercialização da ação, por experiências indiretas de decisividade, tem a função social de reafirmar regras de conduta da organização social. Assim, quando as pessoas procuram lugares onde a ação está, em última análise, elas estão em busca de oportunidades em que há um aumento de chances de se arriscar, ou seja, onde os riscos de decisividade são fortes. Por isso, delinquentes, criminosos, apostadores profissionais e esportistas recebem certo reconhecimento social, porque se colocam em perigo por alguns momentos.

O título da obra já é esclarecedor dos pressupostos da sociologia goffmaniana: evidenciar como se constrói o emaranhado complexo de relações sociais num espaço-tempo em que atores sociais se encontram face a face, em copresença. Tais instantes de interação entre sujeitos são capturados pelo autor em etnografias perspicazes. Os dados considerados são as "olhadelas, gestos, posicionamento e enunciados verbais que as pessoas continuamente inserem na situação, intencionalmente ou não" (p. 9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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