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Agricultura na aglomeração urbana de Presidente Prudente-SP

Agriculture in the urban agglomeration of Presidente Prudente - State of São Paulo

Agricultura en la aglomeración urbana de Presidente Prudente - estado de São Paulo

Resumo

Analisamos aspectos relativos à produção agrícola na cidade vinculando duas dimensões essenciais: morfologia urbana e condições socioeconômicas. A primeira envolve condições estruturais onde existe prática agrícola, tendo como fundamentos a lógica subjacente de produção da cidade e as prerrogativas de apropriação do solo urbano como negócio. A segunda se estrutura a partir de condicionantes econômicos e culturais e de novos valores atrelados ao consumo alimentar, pelos quais a prerrogativa de acesso a alimentos saudáveis vem cumprindo novos papéis na produção para consumo próprio e mesmo na dirigida ao mercado. Depois de mapear a incidência da agricultura e aplicar formulários junto aos produtores com finalidade comercial, construímos uma tipologia de análise da agricultura urbana, mostrando as funções que a prática agrícola proporciona aos sujeitos e às cidades. Constatamos que parte considerável dos lugares de cultivo está em lotes não edificados, reforçando a relação entre elementos da morfologia e da agricultura urbana.

Palavras-chave:
Agricultura urbana; Morfologia urbana; Tipologia da agricultura

Abstract

In this article, we analyzed aspects related to agricultural production in the city, putting together two essential dimensions: the urban morphology, and the socioeconomic conditions. The first one deals with structural conditions from which the agricultural practice takes place. Its fundament is the underlying logic of the city’ production and the prerogatives of urban land appropriation as a business. The second is structured based on economic, cultural conditions and new values linked to food consumption, in which the prerogative of access to healthy foods has been playing new roles in production for the purpose of self-consumption or even directed to the market. From the agriculture incidence mapping and from forms application to commercial crop growers, we built a typology of urban agriculture analysis, to demonstrate the different functions the agricultural practice offer to people and the cities. We’ve verified that the cultivation sites are, to a considerable extent, on unbuilt lands, reinforcing the relationship between elements of morphology and urban agriculture.

Keywords:
Urban agriculture; Urban morphology; Agriculture typology

Resumen

En el artículo científico analizamos aspectos relacionados a la producción agrícola en la ciudad, a partir de dos dimensiones esenciales: la morfología urbana y las condiciones socioeconómicas. La primera aborda las condiciones estructurales en que la práctica agrícola se efectiva y tiene como fundamento la lógica subyacente de producción de la ciudad, y, asimismo, las prerrogativas de apropiación del suelo urbano en cuanto negocio. La segunda, se estructura a partir de condicionantes económicos, culturales y de nuevos valores enlazados al consumo alimentario, en el cual la prerrogativa de acceso a alimentos saludables viene cumpliendo nuevos papeles en la producción con fines de autoconsumo o aun, direccionado al mercado. Después de mapear la incidencia de la agricultura y de la aplicación de formularios a los productores que producen comercialmente, construimos una tipología de análisis de la agricultura urbana, que pudo demostrar diferentes funciones que la práctica agrícola ejerce sobre los sujetos y sobre las ciudades. Encontramos que los sitios de cultivo se encuentran, en gran medida, en los lotes no construidos, lo que refuerza la relación entre elementos de morfología y agricultura urbana.

Palabras-clave:
Agricultura urbana; Morfología urbana; Tipología de la agricultura

Introdução

A prática agrícola, realizada na cidade ou em suas imediações pelos citadinos, tem um longo percurso histórico, com registros desde a Antiguidade. Todavia, nas últimas décadas, tem aumentado o interesse por essa agricultura de pequena escala na literatura científica e em instituições públicas e privadas, as quais têm proposto mecanismos de fomento por meio de orientação técnica e organização coletiva e financeira.

Atualmente, o entendimento da inserção da agricultura na cidade deve-se subordinar aos diferentes usos do solo urbano e suas relações para fins residenciais, comerciais ou industriais, que estão correlacionados com a estrutura urbana e a estruturação da cidade.

As características do parcelamento do solo em termos de dimensão dos lotes, a renda fundiária e a propriedade privada da terra, a existência de lotes não edificados e glebas em diferentes áreas da cidade - formando descontinuidades -, a composição socioeconômica dos residentes, além das divisões técnica e social do trabalho, são fatores que potencializam ou não as práticas agrícolas em certas localidades.

Nesse sentido, o principal objetivo do artigo é mostrar que a análise da agricultura urbana deve considerar as características do tecido urbano e as condicionantes socioeconômicas. O objetivo específico é relativo às condições físico-ambientais, que podem potencializar a prática ou restringi-la. Para atingir os objetivos propostos, o texto se estrutura em quatro partes, incluída a introdução. Na segunda parte, abordamos os procedimentos metodológicos do mapeamento em campo dos locais com cultivos agrícolas nos anos de 2016 e 2019, além da construção de tipologia de análise, na qual evidenciamos a existência de tipos de cultivo e suas finalidades. Na terceira parte, discutimos os componentes da morfologia urbana e sua influência na agricultura urbana e analisamos como esse fenômeno está presente nas áreas onde se aplicou este estudo, contextualizado quanto à tipologia de análise proposta. Na última parte, discutimos os mecanismos de incentivo à prática agrícola de pequena escala e como as condições estruturais nas cidades são fatores potenciais.

Procedimentos metodológicos do mapeamento e tipologia de análise da agricultura

A compreensão do fenômeno da agricultura urbana na área de estudo demandou procedimentos para identificar, caracterizar e analisar como os cultivos agrícolas se vinculam, do ponto de vista espacial, a elementos da morfologia e a lógicas de expansão urbana.

Entender o que se produz e onde se cultivos, os sistemas de manejo - com destaque para o convencional, o agroecológico, o orgânico e o hidropônico -, além da finalidade da produção, compõe facetas das diferentes estruturas produtivas do setor agrícola, especificamente o hortícola.1 1 Neste texto, não nos aprofundamos sobre a produção hortícola voltada aos mercados em razão da delimitação de páginas e por requerer, em nosso entendimento, a incorporação dos espaços periurbano e rural como áreas fundamentais para o abastecimento em escala comercial no âmbito da aglomeração estudada. Contudo, inserimos na pesquisa os espaços periurbanos e rurais para entender as múltiplas conexões e variáveis relacionadas à horticultura comercial.

As divisões técnica, social e espacial do trabalho são aspectos a considerar no amplo processo de reprodução do capital. Tratar da produção, distribuição, troca e consumo no âmbito do setor agrícola e, principalmente, hortícola, requer adequações na abordagem em função das articulações que se efetivam entre empresas, produtores agrícolas e espaços, os quais, dada as diversas escalas de produção e destinação, tornam-se fatores complicadores na análise.

A produção agrícola se vincula a um modo de consumo, o qual se vincula àquela. São relações atinentes à produção realizada em espaços urbanos e periurbanos. Os produtos orgânicos e agroecológicos mantêm vínculos não apenas com sistemas de cultivos, também são mecanismos para valorização do consumo de produtos saudáveis: um parâmetro alimentar que conquista cada vez mais adeptos. Contrapõem-se aos produtos convencionais, que usam agrotóxicos em parte expressiva dos cultivos.

Indiretamente, há restrições à capacidade de aquisição de alimentos orgânicos e agroecológicos pelos consumidores. Aqueles que têm condições financeiras de pagar o preço dos produtos de melhor qualidade, fazem-no; enquanto outra fração da população não pode arcar com esse custo, em função do baixo rendimento familiar. E, dependendo dos lugares de produção onde se efetua a troca, outros agentes atuam no âmbito da distribuição e da comercialização, elevando o preço ao consumidor.

A par dessas condições, os estudos que abordam a agricultura urbana e a vertente periurbana cresceram, apesar do fenômeno no espaço urbano ser milenar, como atestam Le Goff (1998LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. Trad. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.), Mumford (2008MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Trad. Neil R. S. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.), Howard (2012HOWARD, A. Um testamento agrícola. Trad. Eli Lino de Jesus. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.) e Pereira (2020aPEREIRA, C. S. Agricultura, abastecimento e consumo na aglomeração urbana de Presidente Prudente-SP. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2020a.). No caso brasileiro, Pereira (2020bPEREIRA, C. S. A produção agrícola por habitantes urbanos no Brasil: análise dos períodos colonial, imperial e a transição para o século XX. Nera, Presidente Prudente, v. 23, n. 53, p. 263-287, 2020b.) analisou a produção realizada por habitantes urbanos no período colonial e imperial.

No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) é uma das principais agências a incentivar, por meio de projetos de financiamento e apoio técnico, o cultivo de plantas alimentícias como estratégia de combate à fome e à subnutrição, de fomento à geração de trabalho e renda nos âmbitos urbano e periurbano. A FAO (1999) afirma que uma parcela dos habitantes das cidades tem complementado a alimentação e a renda doméstica mediante o cultivo nos espaços urbano e periurbano. Quanto à definições de agricultura urbana e periurbana, a instituição reconhece que não há uma que abranja todas as localidades e ainda enfatiza que a agricultura urbana e periurbana já não deve ser relacionada apenas a períodos de crises econômicas e guerras, como no passado, mas deve ser desenvolvida e apoiada como elemento integrante das cidades, provendo alimentos e concorrendo para a sustentabilidade ambiental.

O Mapa 1 situa a área pesquisada em processo de junção dos tecidos urbanos de Álvares Machado e Presidente Prudente, os quais formam a aglomeração urbana de Presidente Prudente.

A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) estimou, para o ano 2020, a população municipal de Álvares Machado de 23.828 habitantes e a taxa de urbanização em 91,41%. Em Presidente Prudente, estimou-se um total de 221.938 habitantes e taxa de urbanização de 97,96 %. Trata-se de um alto contingente demográfico residindo em espaços urbanos. Quanto ao processo de constituição da aglomeração, ver Miyazaki (2008MIYAZAKI, V. K. Um estudo sobre o processo de aglomeração urbana: Álvares Machado, Presidente Prudente e Regente Feijó. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008.).

Mapa 1
Aglomeração urbana de Presidente Prudente-SP

A metodologia para identificar, caracterizar e analisar a agricultura no âmbito da aglomeração ocorreu em três períodos: 2016, 2017 e 2019. No primeiro, entre setembro e dezembro de 2016, mapeamos as localidades que tinham cultivos na área urbana. O período foi definido considerando a ocorrência da estação chuvosa2 2 Na região, prevalece o clima tropical, com dois períodos bem definidos: primavera e verão (chuvoso e com altas temperaturas), outono e inverno (seco e com temperaturas amenas). Para mais detalhes, consultar Sant’Anna Neto e Tommaselli (2009). e a possibilidade do plantio sem irrigação de determinadas culturas. Para levantar os dados, percorremos todas as ruas nas duas cidades.3 3 Exceto as ruas situadas nos loteamentos residenciais fechados. Devido à existência de portarias e à dificuldade de conseguir autorização para o acesso, optamos por não fazer levantamento nesses espaços. Utilizamos o aparelho Global Positioning System (GPS) e caderneta para anotar os tipos de cultivos e espécies. Usamos a motocicleta como meio de transporte porque facilitou a mobilidade e permitiu avistar os lugares com cultivos ao longo do percurso.

O mapeamento horizontal realizado defronte aos lotes tem a vantagem de permitir distinguir as espécies cultivadas, a consorciação de culturas, a criação de pequenos animais e infraestruturas utilizadas na produção. Contudo, os cultivos em quintais residenciais podem ser subestimados quando situados atrás da residência ou se os lotes forem murados.

Em 2019, no mês de janeiro, realizamos o mesmo procedimento de levantamento nas cidades, para verificar se a prática agrícola se constituía em fenômeno integrante das cidades ou se era esporádico. Acusamos mudanças em relação ao levantamento anterior, referente aos cultivos frutíferos, que deixamos de registrar em diversos quintais de residências, pois ocupavam áreas pequenas e não eram preocupação central no mapeamento de 2016.

Entretanto, após novas leituras e reflexões sobre os benefícios do plantio de árvores frutíferas na cidade - além do fornecimento de alimentos, do sombreamento que melhora o conforto térmico (Shinzato; Duarte, 2018SHINZATO, P.; DUARTE, D. H. S. Impacto da vegetação nos microclimas e no conforto térmico em espaços abertos em função das interações solo-vegetação-atmosfera. Revista Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 197-215, 2018. doi: https://doi.org/10.1590/s1678-86212018000200250.
https://doi.org/10.1590/s1678-8621201800...
), da infiltração da precipitação e da possibilidade de reaproveitamento de resíduos orgânicos domésticos para nutrir plantas -, passamos a dar mais atenção aos pequenos pomares durante o mapeamento. Dessa forma, nos mapas de 2019, será perceptível o aumento dos lugares com plantas frutíferas em relação a 2016. Aparecem também em calçadas defronte às residências, porém não as mapeamos.

Depois de levantar e organizar os dados de 2016, elaboramos um formulário e aplicamos, durante o inverno de 2017, aos produtores hortícolas nos espaços urbanos que dirigem sua produção ao mercado. Visávamos compreender o sistema de manejo, a forma de acesso a terra, as origens dos fertilizantes e mudas, a inserção dos produtos no mercado local/regional e a composição da mão de obra.

O levantamento e a caracterização da agricultura urbana possibilitam, em termos de particularidades dos tipos de cultivo, compreender por meio do circuito espacial de produção como os alimentos, na contemporaneidade, estão vinculados a preceitos da economia de mercado, na qual diferentes sujeitos atuam no circuito, desde a escala local à regional, dependendo da espécie comercializada. Os resultados do mapeamento nas áreas urbanas constam na Tabela 1.

Tabela 1
Aglomeração urbana de Presidente Prudente: localidades com agricultura mapeadas no tecido urbano - 2016 e 2019

Construímos tipologias da agricultura urbana com os dados da pesquisa. A metodologia de produção dos dados, ao levantar em campo as formas de inserção da agricultura no espaço urbano, permite distinguir os sujeitos sociais praticantes, a componente renda da terra e o processo de produção da cidade, que são importantes fatores na análise do fenômeno.

A finalidade do cultivo para consumo próprio ou comercialização reflete-se na dimensão da área, nas infraestruturas, nas espécies cultivadas, nos sistemas de manejo e nas relações estabelecidas pelos produtores agrícolas com outros agentes, sejam eles fornecedores de insumos ou intermediários da comercialização da produção.

As tipologias que propomos (Quadros 1 a 5) consideram o lugar dos cultivos, os gêneros produzidos, as finalidades, as infraestruturas, os sistemas de manejo e as formas de comercialização. A cartografia é um elemento diretamente vinculado à tipologia, que articula o fenômeno com sua inserção espacial. Um primeiro esboço dessa tipologia foi publicado por Pereira e Hespanhol, A. (2017PEREIRA, C. S.; HESPANHOL, A. N. Agricultura urbana e a construção de tipologia de análise. In: JORNADAS INTERDISCIPLINARES DE ESTUDIOS AGRARIOS Y AGROINDUSTRIALES ARGENTINOS Y LATINOAMERICANOS, 10., 7-10 nov. 2017, Buenos Aires. Annales... Buenos Aires, nov. 2017.).

Quadro 1
Tipologia das localidades ocupadas com agricultura nos espaços urbanos em Álvares Machado e Presidente Prudente
Quadro 2
Tipologia dos cultivos quanto aos gêneros produzidos em Álvares Machado e Presidente Prudente
Quadro 3
Tipologia da produção de hortaliças quanto à finalidade em Álvares Machado e Presidente Prudente
Quadro 4
Tipologia das hortas quanto a infraestrutura e sistemas produtivos em Álvares Machado e Presidente Prudente
Quadro 5
Tipologia das formas de comercialização de hortaliças na aglomeração urbana de Presidente Prudente

Propomos articular a dimensão da produção da cidade como negócio (Santos, C., 2006SANTOS, C. R. S. Dos negócios na cidade à cidade como negócio: uma nova sorte de acumulação primitiva do espaço. Revista Cidades, Presidente Prudente, v. 3, n. 5, p. 101-112, 2006.) e a coexistência de atividades agrícolas, que são potencializadas pelo fato de haver milhares de lotes não edificados na aglomeração estudada.

Inserção da agricultura no tecido urbano

A agricultura na cidade deve ser analisada considerando os componentes da morfologia urbana, os quais baseamos em Capel (2013CAPEL, H. La morfología de las ciudades: sociedad, cultura y paisaje urbano. Barcelona: Sebral, 2013. ), destacando: tipos de parcelamento, tamanho dos lotes, áreas públicas e lotes não edificados, notadamente aqueles que não foram edificados pelo proprietário, pois vêm cumprindo a função de reserva de valor ou para práticas especulativas (Sayad, 1977SAYAD, J. Preço da terra e mercados financeiros. Revista Pesquisa e Planejamento econômico, Rio de Janeiro, n. 7, v. 3, p. 623-662, 1977.).

A implantação de loteamentos relaciona-se a novos produtos fundiários-imobiliários, além do embate entre proprietários fundiários e agentes incorporadores sobre quem extrairá a maior fração da renda da terra, seja vinculada à produção agropecuária ou a sua transformação em terra urbana.

O Mapa 2 representa a existência dos lotes não edificados resultantes do processo de produção da cidade - como mercadoria - na qual a dimensão da renda da terra é fundamental para o entendimento subjacente da espacialidade da agricultura urbana. Parte majoritária dos cultivos agrícolas da tipologia diversificada está situada em lotes não edificados e estes perfaziam mais de 8 mil unidades. Os lotes foram vetorizados pelo Google Earth Pro - cena de julho de 2018 - e sobrepostos à imagem de satélite Sentinel-2.

Mapa 2
Presidente Prudente: lotes não edificados no tecido urbano - 2018

Os lotes não edificados situam-se predominantemente nas bordas do tecido urbano, pois são áreas de expansão recente. Entretanto, próximos à área central, permanecem lotes resultantes de loteamentos implantados na década de 1970 ou antes, mostrando como frações da cidade seguem sendo apropriadas como reserva de valor ou para fins especulativos.

Em Álvares Machado (Mapa 3), a dinâmica de expansão dos loteamentos se efetivou mediante a permanência de centenas de lotes não edificados, reforçando o processo de crescimento descontínuo da malha urbana. Destaca-se a implantação de loteamentos fechados direcionados ao público consumidor no contexto da aglomeração.

Mapa 3
Álvares Machado: lotes não edificados no tecido urbano - 2018

A dimensão socioeconômica revelada no aspecto da segregação socioespacial pode potencializar as práticas agrícolas na cidade, ora restringi-las. Um dos fatores é a condição sociocultural do produtor agrícola, outro é a existência de áreas potencialmente aproveitáveis para cultivos em quintais residenciais, em lotes não edificados, áreas públicas e glebas.

O fator idade é importante, tendo em vista que pessoas aposentadas são responsáveis por um conjunto de locais cultivados. Durante os mapeamentos, dialogamos com dezenas de indivíduos que estavam aposentados e nos relataram que realizavam os cultivos para se manterem ativos, já que permaneciam longo tempo em suas residências sem terem outra ocupação. A agricultura urbana permite aos idosos se exercitarem, sentirem-se úteis e produzirem alimentos frescos para consumo próprio.

O estudo coordenado por Santandreu e Lovo (2007SANTANDREU, A.; LOVO, I. C. Relatório Panorama da agricultura urbana e periurbana no Brasil e diretrizes políticas para sua promoção: identificação e caracterização de iniciativas de AUP em regiões metropolitanas brasileiras. Brasília, DF: MDS/FAO, 2007.) sobre agricultura urbana e periurbana abordou um conjunto de experiências, marcos legais e estrutura de apoio por parte do poder público e da sociedade civil. As hortas comunitárias realizadas em Curitiba (PR), com o apoio da prefeitura, destacam-se pela quantidade e longevidade das experiências.

Em Maringá (PR), segundo Serafim e Dias (2013SERAFIM, M. P.; DIAS, R. B. Agricultura urbana: análise do Programa Horta Comunitária do município de Maringá (PR). In: COSTA, A. B. (org.). Tecnologia social e Políticas Públicas. São Paulo/Brasília: Instituto Pólis/Fundação Banco do Brasil. 2013. p. 133-152.), a prefeitura implantou o Programa Horta Comunitária nos terrenos ociosos da prefeitura, em 2009. O programa estimula as práticas produtivas e concorre para a alimentação saudável dos participantes, além de possibilitar geração de renda ao propor a comercialização do excedentes na vizinhança. Covarrubias (2011COVARRUBIAS, J. D. R. Agricultura urbana em Porto Ferreira-SP: mapeamento, caracterização e tipificação. Dissertação (Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011.) analisou a agricultura urbana em Porto Ferreira (SP). Resende (2004RESENDE, S. Entre o rural e o urbano: a agricultura urbana em Uberlândia (MG). Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2004.) vinculou a produção agrícola à lógica de especulação imobiliária em Uberlândia (MG).

A literatura destaca funções exercidas pela atividade agrícola aos praticantes e às cidades (Quadro 6). Ressaltam-se a sustentabilidade ambiental, a adoção de sistemas agroecológicos, a melhoria na saúde e a alimentação das famílias.

Quadro 6
Componentes, variáveis e finalidades relativos à agricultura urbana

Para compreender as peculiaridades da agricultura urbana, devem-se considerar os aspectos climáticos regionais e a fertilidade dos solos, que podem restringir o plantio de alimentos ao consumo próprio. Outro elemento é a biodiversidade de plantas sem apelo comercial, vinculada à herança dos hábitos culturais/alimentares de moradores provenientes de outras regiões ou de hábitos que são importantes na dieta alimentar local e que carregam consigo o saber-fazer, tendo em vista que essas espécies são ingredientes de pratos típicos, dificilmente encontradas em estabelecimentos comerciais.

Sobre esse tema, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo. Manual de hortaliças não convencionais. Brasília: Mapa/ACS, 2010.) elaborou o manual de plantas alimentícias não convencionais, destacando as principais espécies, características de cultivo e compostos nutricionais. A publicação ressalta a falta de estudos sobre os benefícios nutricionais e a ausência de políticas de incentivo ao cultivo e ao consumo.

Em algumas localidades, devido a dificuldades financeiras e à mudança dos hábitos alimentares, o baixo consumo de hortaliças é um problema alimentar e nutricional, notadamente quando se as substitui por produtos processados ou ultraprocessados, que podem ser mais baratos. Segundo o Ministério, a difusão de pesquisas que mostram a riqueza nutricional de plantas não convencionais é um meio de incentivar o consumo e a preservação do patrimônio alimentar e cultural brasileiro.

No Mapa 4, resultante do mapeamento de 2016, constam os lugares com cultivos em Presidente Prudente, classificadas segundo a tipologia que elaboramos. Representamos os cultivos destinados a consumo próprio da família; a fins pedagógicos na horta municipal; e a entidades beneficentes: Associação Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e um centro de reabilitação para dependentes químicos. Tais cultivos são adotados com o objetivo de complementar a dieta alimentar e, ao mesmo tempo, promover atividades laborais e terapêuticas, no caso específico do cultivo no centro de reabilitação.

Mapa 4
Presidente Prudente: tipologia da agricultura urbana - 2016

A horta municipal situa-se num terreno com área de 36 mil m². Tem por objetivo atender ao Programa Cidade-Escola da prefeitura ao fomentar a educação de alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental da rede pública municipal. Entre as atividades de educação ambiental, os alunos visitam a horta para aprender a cultivar e colher as hortaliças. Após o fim da atividade didática, a produção é doada aos próprios alunos e a entidades educacionais e socioassistenciais no município.

As hortas comerciais e os cultivos de hortaliça de extensão retratam a inserção desses cultivos no tecido urbano em localidades pertencentes à prefeitura (área institucional), lotes não edificados, quintais residenciais e em propriedades que não foram parceladas como lotes urbanos - com dimensões que refletem o tipo de propriedade anterior: pequenos sítios - incorporados pela expansão urbana.

A localização dos cultivos consorciados e diversificados, além de frutas e hortas para consumo próprio, tem correlação direta com a morfologia dos loteamentos, majoritariamente situados em lotes não edificados e em quintais de residências. Nos loteamentos implantados para programas de habitação popular, os lotes são pequenos (menores que 200 m²) e, além de não haver lotes não edificados, a incidência da agricultura é baixa.

Nos loteamentos implantados em áreas com topografia acidentada situados na zona leste, nas proximidades da linha férrea e ao centro, os quarteirões são delimitados por ruas estreitas e íngremes. Os lotes estão com a área praticamente toda ocupada com a residência ou as residências, visto que em alguns há a construção de edículas. Os cultivos são esporádicos, em razão da topografia desfavorável ou da menor presença de lotes não edificados. À medida que nos afastamos para a borda da cidade, amplia-se a ocorrência de cultivos, porquanto as condições físicas e morfológicas dos loteamentos sejam favoráveis, aumentando os lotes não edificados.

Os cultivos predominam nos bairros onde ocorrem mais lotes não edificados, principalmente nos setores oeste e sudoeste. Enquanto no leste e no sudeste, correspondentes às áreas mais pobres, a agricultura tem presença significativa nos bairros recentes, situados na extremidade da mancha urbana. Esse fato evidencia que a agricultura urbana tende a ocorrer mais quando há lotes não edificados e/ou os quintais das residências são maiores. É importante para o entendimento da agricultura urbana que os condicionantes socioeconômicos e os componentes da morfologia urbana sejam agregados na análise.

Em Álvares Machado (Mapa 5), a agricultura urbana se vincula a dois elementos da morfologia: dimensão dos lotes e lotes não edificados. Os loteamentos abertos apresentam certa configuração em termos de tamanho dos lotes e área edificada. Os loteamentos de chácaras para fins de primeira, segunda residência e/ou lazer estão sendo incorporados pela expansão urbana, devido à proximidade e à implantação de novos loteamentos em descontínuos.

Mapa 5
Álvares Machado: tipologia da agricultura urbana - 2016

Esses fatores são importantes por indicar como a morfologia é variável a ser considerada nos estudos que preconizam os espaços sujeitos a uso agrícola para fins comerciais. Existem áreas públicas, mas isso requer autorização ou participação do poder público e pode não ocorrer, seja por falta de recursos financeiros ou por desinteresse da administração pública.

Essas características são relevantes numa análise de médio prazo. Em decorrência da intensificação no uso do solo e de possíveis subdivisões nos lotes, a configuração do tipo de loteamento permite compreender como, em determinado lugar, é possível a prática agrícola em área de tamanho médio, embora tenha mudado a morfologia no que concerne à densidade construtiva.

Quanto à dimensão dos lotes, os loteamentos implantados até a década de 1970, que atualmente formam um “semicírculo” adjacente ao centro, principalmente no vetor sul, os lotes mediam aproximadamente 400 m². Contudo, uma parcela deles foi desmembrada, formando lotes menores e aumentando a densificação.

Nas demais áreas da cidade, nos loteamentos em descontínuos, não há padronização nas dimensões dos lotes, pois foram implantadas em diferentes períodos por agentes distintos. Os conjuntos habitacionais se assemelham no aspecto dos lotes serem pequenos e diferem por não existirem lotes não edificados.

A predominância dos cultivos da tipologia diversificado está correlacionada com lotes não edificados. Na mancha urbana formada pelos bairros Parque Pinheiro I e II e Panorama, setor nordeste, há grande concentração de lotes não edificados, que são muito utilizados para o plantio de espécies de ciclos curto e médio (feijão, milho, mandioca). As hortas para consumo próprio têm distribuição ampla, cultivadas em quintais de residências e em lotes não edificados.

No que concerne à provisão de alimentos, as hortas para consumo próprio são adequadas à área urbana, porque há produção na maior parte do ano, de modo a prover uma maior variedade de espécies com diferentes nutrientes; fomentar a educação alimentar das crianças com alimentos saudáveis; contribuir na redução dos gastos com alimentos; ampliar o reaproveitamento de matéria orgânica doméstica para elaboração de compostagem; elevar os índices de permeabilidade do solo.

O mapeamento realizado em 2019 (Mapa 6) corrobora o argumento de que a agricultura é um componente da cidade de Presidente Prudente, e a existência das plantas frutíferas o reforça ainda mais. Os pequenos pomares em quintais residenciais aumentaram de 2016 para 2019, porque passamos a considerar importante seu registro.

Mapa 6
Presidente Prudente: tipologia da agricultura urbana - 2019

A constatação evidencia um dos argumentos neste trabalho, isto é, mesmo que as cidades tenham modificado e aumentado a complexificação de suas funções ao longo da história, as divisões técnica, social e espacial do trabalho entre cidade e campo, permeadas por contradições no que tange à incompletude do processo de separação das atividades econômicas entre os espaços, possibilitam aos sujeitos buscarem na agricultura urbana uma forma de complementação da alimentação familiar ou um meio de trabalho e renda.

Em função da época do levantamento (janeiro), havia menos hortas para consumo próprio do que em 2016. Nesse período, devido às condições climáticas desfavoráveis (dias longos, elevadas temperaturas, chuvas torrenciais), cessa a prática em diversas localidades que geralmente são retomadas a partir de março, quando as condições são propícias ao cultivo de hortaliças de folhagem.

Tais cultivos são importantes na complementação da dieta alimentar das famílias por ser colhidos diária ou semanalmente. Essas famílias são motivadas por razões de segurança alimentar, ou seja, reduzir os gastos com alimentação, em que o elemento renda familiar influi muito a necessidade de cultivar e no que se cultiva. Há cultivos vinculados a princípios de soberania alimentar, quando o produtor agrícola utiliza seus conhecimentos para cultivar alimentos baseados em manejo saudável, sem uso de agrotóxicos e fertilizantes inorgânicos, a fim de colhê-los frescos.

Boncondin, Campila e Prain (2000BONCONDIN, R.; CAMPILAN, D.; PRAIN, G. A dinâmica das hortas caseiras tropicais. Revista de Agricultura Urbana, n. 1, v. 1, p. 40-44, jul. 2000. Disponível em: Disponível em: https://ruaf.org/assets/2000/10/rau01_total.pdf . Acesso em: 24 maio 2021.
https://ruaf.org/assets/2000/10/rau01_to...
) fizeram estudos sobre as hortas domésticas nas Filipinas, destacando as relações de interdependência entre as funções de segurança alimentar, melhoria no consumo de alimentos saudáveis e nutritivos, bem como a contribuição à preservação da biodiversidade de plantas alimentícias.

As hortas possibilitam o ensino de hábitos alimentares saudáveis às crianças, que podem acompanhar o ciclo produtivo, aprender os tipos de manejo e conhecer nutrientes e benefícios de cada espécie. Aumenta a sensibilidade à sustentabilidade, colabora na construção de uma sociedade mais saudável e na valorização da atividade agrícola, tanto no aspecto do saber-fazer, como no reconhecimento da importância do trabalho dos horticultores que se dedicam profissionalmente à atividade, valorizando os alimentos nas dimensões sociocultural e da biodiversidade.

Visando aumentar a produção agrícola na cidade, a prefeitura de Presidente Prudente instituiu, em 2018, o programa “Semeando Prudente”, que autoriza a população a cultivar hortaliças e outros alimentos nas áreas públicas que estão sem uso. O interessado deve requerer autorização na Secretaria de Meio Ambiente para ter acesso às áreas, caso atenda aos requisitos exigidos (Presidente Prudente, 2018PRESIDENTE PRUDENTE. Secretaria Municipal de Comunicação. “Semeando Prudente” destina áreas públicas para cultivo de hortas e frutíferas. Portal da Transparência, 27 set. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.presidenteprudente.sp.gov.br/site/noticias.xhtml?cod=40462 . Acesso em: 29 jan. 2019.
http://www.presidenteprudente.sp.gov.br/...
).

Quanto aos programas de incentivo à produção, é necessária a prestação de serviços de orientação técnica por parte dos órgãos públicos, principalmente para fomentar sistemas agroecológicos, visto que parte dos produtores agrícolas na área urbana não tem um saber-fazer de longa duração ou se insere na atividade produtiva de hortaliças para aumentar a renda familiar, quando a finalidade é a comercialização. Aspectos relativos à produção agroecológica, soberania alimentar e nutricional estão em segundo plano. A produção urbana se assemelha, em diversos casos, à prática agrícola desenvolvida nas áreas rural e periurbana.

Em Álvares Machado (Mapa 7), houve ampliação dos locais com cultivos em todas as áreas da cidade. Em razão do período do levantamento (janeiro), o número de hortas para consumo próprio foi menor que o do mapeamento de 2016. Além disso, uma horta comercial foi abandonada pelo produtor, que, em idade avançada e com problemas de saúde, não tinha condições de continuar com o cultivo.

Mapa 7
Álvares Machado: tipologia da agricultura urbana - 2019

A presença da agricultura com finalidade de consumo próprio é sazonal devido ao período chuvoso, que na região é entre outubro e fevereiro. Percorrendo os bairros a partir de outubro, observamos o crescimento de espécies de ciclo curto recém-plantadas. No inverno, período de estiagem, a ocupação dos lotes não edificados está quase circunscrita aos cultivos de ciclo médio, por exemplo: a cultura da mandioca com ciclo de plantio-colheita com duração em torno de um ano. As hortas para consumo próprio aumentam, pois, no inverno, reduzem-se as temperaturas médias, tornando propício o cultivo, por exigir menor cuidado com irrigação e controle de pragas.

A Figura 1 exemplifica uma horta para consumo próprio, situada em quintal de residência, mostrando que aspectos da morfologia urbana são basilares para entender os lugares com cultivos.

Figura 1
Horta para consumo próprio em quintal de residência - Álvares Machado

Nos últimos anos, novos nichos produtivos vêm surgindo, notadamente o orgânico, para se contrapor ao modelo de produção hortícola baseado no uso de agrotóxicos. No espaço urbano e em seu entorno, novos produtores com mentalidade empresarial investem na produção de alimentos orgânicos. Cumprem importante papel para redução dos agroquímicos na alimentação, porém, estão pautados por estratégias mercadológicas. Inserem-se em outras escalas no que concerne ao circuito espacial de produção vinculado à exigência de insumos e procedência dos alimentos não cultivados localmente, quando detêm a área de produção e o estabelecimento comercial. Consultar Hespanhol, A. et al. (2021HESPANHOL, A. N.; PEREIRA, C. S.; HESPANHOL, R. A. M.; CARMOS, J. G.; GRASSI, J. L. Heterogeneidade da horticultura comercial urbana no interior do estado de São Paulo. In: JACINTO, R. (org.). Dinâmicas socioeconômicas em diferentes contextos territoriais. Lisboa: Âncora, 2021. p. 367-382. ) para uma análise dos diferentes sistemas de cultivos comerciais em cidades paulistas.

Os gastos energéticos no transporte de insumos e alimentos não se relacionam diretamente com a preocupação em diminuir o impacto no consumo energético, elemento importante quanto aos fatores positivos que a produção agrícola na cidade deve cumprir. São contradições existentes no embate entre os sistemas produtivos.

No âmbito da oferta de insumos aos produtores hortícolas, há a ampliação de agentes econômicos na provisão de mudas, adubos de aves ou bovinos e fertilizantes inorgânicos, não apenas para os que produzem para o mercado, como também para aqueles que cultivam para consumo próprio. Visando atender esse público, algumas lojas agropecuárias passaram a comercializar as mudas de hortaliças, modificando uma lógica em que os produtores agrícolas eram os responsáveis pela produção das mudas que cultivavam, apenas adquirindo as sementes nos estabelecimentos.

Essa mudança de comportamento elimina o manejo e tempo requerido para a produção de mudas, principalmente quando se trata de pequenas quantidades. A intermediação tem reduzido a oferta de sementes e mudas crioulas. Os viveiros especializados na produção de mudas adquirem sementes de alta capacidade produtiva fornecidas por grandes empresas desenvolvedoras de sementes de diferentes variedades, entre elas, sementes híbridas, além das importadas.

Em Álvares Machado, um empresário fundou duas empresas especializadas na produção de insumos. A empresa Bioterra é responsável pela produção de compostos (substrato, terra vegetal, adubo orgânico) utilizados na produção de mudas, cultivos hortícolas e em jardinagem. A matéria-prima é adquirida em frigoríficos (rume), em agroindústrias (cascas de amendoim, arroz), em aviários (esterco), além da casca de coco utilizada na produção de substratos provenientes de outros estados. A empresa Viveiro Raposo produz mudas de hortaliças, frutíferas, nativas e eucalipto. Os insumos são comercializados na loja agropecuária do empresário situada nesta cidade. Os clientes podem adquirir poucas mudas, por exemplo, bandeja de mudas com 200 células ou em unidades, embalagens com adubos de aves ou bovinos e terra vegetal, conforme a demanda.

São facilidades que concorrem para difundir o plantio de hortaliças por pessoas que não têm um conhecimento ou buscam produzir parte do que consomem, seja em decorrência do aumento de agrotóxicos nos cultivos convencionais, seja à procura de novas experiências com a agricultura de pequena escala. A agricultura urbana destinada a consumo próprio envolve diferentes sujeitos, os quais a praticam em decorrência de especificidades. A tradição cultural originou-se na área rural e ao migrar para a cidade foi dada continuidade aos cultivos em pequena escala. Há outros sujeitos que, mesmo não tendo uma trajetória de vida relacionada ao campo ou à vida rural, passaram a praticar a agricultura.

Considerações finais

A discussão sobre as diferentes facetas da agricultura urbana destacando a direcionada ao consumo próprio permite relacionar a multidimensionalidade desse fenômeno, seja pela produção de alimentos atendendo à segurança alimentar, seja à soberania alimentar, com a diversificação das fontes alimentares e nutricionais vinculadas a fatores socioeconômicos e culturais.

A produção com finalidade comercial envolve um conjunto de situações, quer de pessoas desempregadas que encontraram no cultivo um meio de geração de renda, quer de sujeitos como pessoas jurídicas, que construíram nichos de mercado com produtos orgânicos, visando consumidores preocupados com a qualidade da alimentação sem agrotóxicos.

A dimensão ambiental se vincula ao reaproveitamento de resíduos orgânicos domésticos, à manutenção de áreas permeáveis a chuvas nos quintais, à redução dos gastos energéticos no transporte de alimentos e ao conforto térmico urbano ao cultivar plantas frutíferas em quintais ou em calçadas.

São relações que diferentes sujeitos travam no espaço urbano, envolvendo a dimensão socioeconômica e aspectos relativos à produção da cidade como negócio, que, pela ampliação do tecido urbano e a permanência de centenas a milhares de lotes não edificados, ensejam usos para fins de produção agrícola. Demonstramos que parte considerável dos lugares de cultivo são lotes não edificados, reforçando a relação entre elementos da morfologia e da agricultura urbana.

É fundamental que, por meio de políticas públicas, o poder público conceda incentivos financeiros e técnicos para ampliar a produção agrícola nos espaços urbanos, seja voltada a comercialização ou a consumo próprio, porquanto haja, no caso da horticultura, a potencialidade de gerar trabalho e renda para a população de baixa renda, num contexto de desemprego estrutural e formas precárias de inserção laboral no âmbito das cidades. Ao mesmo tempo, a agricultura urbana estimula o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, os quais concorrem para a diversificação da dieta alimentar e a valorização do patrimônio alimentar local/regional.

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    » https://doi.org/10.1590/s1678-86212018000200250
  • 1
    Neste texto, não nos aprofundamos sobre a produção hortícola voltada aos mercados em razão da delimitação de páginas e por requerer, em nosso entendimento, a incorporação dos espaços periurbano e rural como áreas fundamentais para o abastecimento em escala comercial no âmbito da aglomeração estudada. Contudo, inserimos na pesquisa os espaços periurbanos e rurais para entender as múltiplas conexões e variáveis relacionadas à horticultura comercial.
  • 2
    Na região, prevalece o clima tropical, com dois períodos bem definidos: primavera e verão (chuvoso e com altas temperaturas), outono e inverno (seco e com temperaturas amenas). Para mais detalhes, consultar Sant’Anna Neto e Tommaselli (2009SANT’ANNA NETO, J. L.; TOMMASELLI, J. T. G. O tempo e o clima de Presidente Prudente. Presidente Prudente, SP: FCT/Unesp, 2009.).
  • 3
    Exceto as ruas situadas nos loteamentos residenciais fechados. Devido à existência de portarias e à dificuldade de conseguir autorização para o acesso, optamos por não fazer levantamento nesses espaços.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2020
  • Aceito
    24 Maio 2021
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