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James Joyce, Hélio Oiticica, labirintos, redes e tramas

James Joyce, Hélio Oiticica: labyrinths, networks and plots

Resumo

Labirinto como imagem e estrutura de narrativa, de pensamento e de rede: este artigo propõe uma investigação de base filosófica sobre a presença dessa configuração em produções literárias, manifestações artísticas e redes digitais. Ao relacionar o labirinto como matriz construtiva da obra Ulisses, de James Joyce, com o labirinto praticado e descrito por Hélio Oiticica, pretende-se traçar caminhos espaciais e temporais que emergem de produções estéticas e que também podem ser aplicados aos trânsitos nas redes da internet. O tom ensaístico reúne autores como Umberto Eco, Lucia Santaella, Gaston Bachelard, Paolo Santarcangeli, Josep M. Català, Lucia Leão, Antoinette Rouvroy e o próprio Hélio Oiticica.

Palavras-chave
labirinto; James Joyce; Hélio Oiticica; matriz construtiva; redes digitais

Abstract

Labyrinth as image and structure of narrative, thought and network: this article proposes a philosophical based investigation on the presence of this configuration in literary productions, artistic manifestations and digital networks. By relating labyrinth as the constructive matrix of James Joyce's work Ulysses with the labyrinth practiced and described by Hélio Oiticica, this paper intends to trace spatial and temporal paths that emerge from aesthetic productions and that can also be applied to forms of transit in internet networks. Written in an essayistic tone, this work brings together authors such as Umberto Eco, Lucia Santaella, Gaston Bachelard, Paolo Santarcangeli, Josep M. Català, Lucia Leão, Antoinette Rouvroy and Hélio Oiticica himself.

Keywords
labyrinth; James Joyce; Hélio Oiticica; constructive matrix; digital networks

Matrizes labirínticas

O impulso de conhecer, a paixão de conhecer. Os seres humanos sempre buscaram o desconhecido, desejando reconhecer ou de algum modo nomear, classificar, entender. Labirintos digitais contemporâneos estimulam caminhos para o desconhecido, ao mesmo tempo que parecem atender com mais eficácia a necessidade de conhecer, ou melhor, o conhecimento se apresenta como mais acessível. Mas será essa a natureza dos labirintos? Conhecer, memorizar, saber voltar atrás, refazer o caminho percorrido? E qual a relação com o instinto narrativo da psique humana?

Labirintos são imagens milenares. Lucia Leão mostra que essa longa, contínua e mutante permanência nos revela questões profundas do pensamento humano. E acrescenta: “mais do que o senso comum costuma definir, os labirintos são signos de complexidades. Talvez o maior encanto dos labirintos resida no fato de eles próprios serem paradoxais e proporem, cada um à sua maneira, lógicas contrárias e diversas” (LEÃO, 2002LEÃO, L. (org.). Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002., p. 17). Além das construções humanas, a autora lembra que existem também os labirintos naturais — grutas, cavernas, imagens exemplares do tema da espiral, as flores e suas construções mandálicas, as raízes, os rizomas — e acrescenta que o labirinto está presente em nosso corpo, em espaços como o cérebro, o ouvido e até mesmo na impressão digital, marca única de nossa identidade. Geralmente, o labirinto é associado à dificuldade, oferecendo uma estrutura em que o caminhante pode perder várias vezes o senso de direção e ter embaraços para alcançar o centro ou a saída. Esse é o labirinto problematizante. Mas há labirintos construídos tanto em jardins, que propõem percursos de prazer e divertimento, como nos pisos das igrejas medievais, que não visavam provocar inquietações nos peregrinos. Não há caminho a ser escolhido nos labirintos religiosos; não há como se perder, o ir e vir trazia significados espirituais para os fiéis.

Gaston Bachelard, em A poética do espaço (1978), trabalha com diferentes configurações imaginárias, como casa, porão, sótão, armários, gaveta, ninho, concha, entre outras. A concha é um invólucro que suscita forças de saída. Os labirintos pedem forças de saída – forças de nascimento e de produção que desenvolvem vida. Para Bachelard, as conchas correspondem a uma fenomenologia do verbo sair. Quando são desenhadas, podem corresponder a saídas inventadas. O molusco que as produziu é apenas um pretexto para multiplicar as imagens do sair:

O homem vive das imagens. Como todos os grandes verbos, sair de exigiria numerosas pesquisas nas quais reuniríamos, ao lado das estâncias concretas, os movimentos apenas sensíveis de certas abstrações. Quase não sentimos mais uma ação nas derivações gramaticais, nas deduções, nas induções. Os próprios verbos se cristalizam como se fossem substantivos. Só as imagens podem recolocar os verbos em movimento

(BACHELARD, 1978BACHELARD, G. A poética do espaço. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978., p. 269).

Muitos verbos se cristalizam como se fossem substantivos. Bachelard nos diz que só as imagens podem recolocar os verbos em movimento. Podemos deduzir que as imagens cinematográficas colocaram verbos em movimento. Porém, imagens como a dos emojis funcionam de modo diverso: configuram a cristalização de uma ação ou de uma sensação. Movimento é produzido no espaço. Nesse sentido, narrativas incluem tempo e espaço — e suas estruturas podem ser observadas enquanto formas visuais. Josep M. Català, professor da Universidad Autònoma de Barcelona, que vem desenvolvendo estudos sobre a fenomenologia das imagens, reflete sobre o pensamento esférico. Após citar Shakespeare, Balzac e Zola, diz:

Por que singularizo Velázquez ou Dante? Não faço isso para contrapô-los ao dramaturgo inglês ou aos escritores realistas ou naturalistas, nem para fazer distinções entre a capacidade da literatura ou da pintura para expressar a realidade; e sim que me refiro a eles para pôr de manifesto de maneira diáfana o tipo de espaço que pretendo delimitar, um espaço da representação que é o eco metafórico ou simbólico da forma específica como se organiza a realidade de uma época

(CATALÀ, 2017CATALÀ DOMÈNECH, J. M. Viaje al centro de las imágenes: una introducción al pensamiento esférico. Santander, Espanha: Shangrila, 2017., p. 260, tradução nossa)

Ao propor um espaço da representação como eco metafórico ou simbólico da forma de organização da realidade de uma época, esse autor reforça nosso caminho. Se priorizarmos a dimensão espacial das narrativas, o labirinto pode ser trabalhado como matriz construtiva de textos contemporâneos e inclusive aplicado aos fluxos da internet e das redes sociais. De um modo geral, as metaestruturas do mundo digital trabalham em fluidez. Català diz que a fluidez não é mais do que uma característica dos processos de transformação “e que estes implicam uma nova forma de montagem pela qual os elementos mais do que se sucederem, se oporem ou se sobreporem uns aos outros, mudam de forma e de modalidade” (CATALÀ, 2017CATALÀ DOMÈNECH, J. M. Viaje al centro de las imágenes: una introducción al pensamiento esférico. Santander, Espanha: Shangrila, 2017., p. 173, tradução nossa). Cita Christina Ljunberg, pesquisadora de formas de cognição, para a qual

[...] as estruturas espaciais são fundamentais na maneira em que formamos conceito para compreender o mundo: através da construção de esquemas, a imaginação media entre os objetos da sensação, por um lado, e os conceitos abstratos por outro, o que ajuda a nos situarmos e a compreender as situações cotidianas

(CATALÀ, 2017CATALÀ DOMÈNECH, J. M. Viaje al centro de las imágenes: una introducción al pensamiento esférico. Santander, Espanha: Shangrila, 2017., p. 173, tradução nossa).

Assim, ao mesmo tempo que esta derivada espacial do pensamento se produz no campo da teoria, há no campo da tecnologia uma revolução digital que permite a formação de formas retóricas equivalentes. Para Català, é possível considerar que a disposição de novas formas visuais reproduz os sistemas de pensamento. Não se sabe qual das duas transformações ocorreu primeiro, ainda que o mais provável seja que ambas se produziram mais ou menos em uníssono ao longo de um tempo “graças a uma conjunção metafórica entre a atuação de distintas áreas culturais” (CATALÀ, 2017CATALÀ DOMÈNECH, J. M. Viaje al centro de las imágenes: una introducción al pensamiento esférico. Santander, Espanha: Shangrila, 2017., p. 173-174, tradução nossa).

A forma labirinto espraia-se nas obras de dois autores que foram pontos de inflexão e de transformação de concepções estéticas: o irlandês James Joyce, nascido em 02/02/1882 e morto em 13/01/1941, em Zurique, Suíça, e o brasileiro Hélio Oiticica, que nasceu em 26/07/1937 no Rio de Janeiro, onde também morreu em 22/03/1980. Assim, este artigo pretende pontuar a presença do labirinto nas criações desses artistas. Ambos elaboraram obras labirínticas. Joyce espacializou e corporificou a narrativa literária, principalmente em Ulysses, escrito entre 1914 e 1921 e publicado em 2 de fevereiro de 1922, tendo completado assim seu centenário de publicação em 2022. A primeira edição brasileira, grafada como Ulisses, com tradução de Antonio Houaiss, é de 1966, publicada pela editora Civilização Brasileira; utilizamos aqui a segunda edição, de 1967. O artista plástico Oiticica produziu grande quantidade de textos sobre seu processo criativo — pinturas, esculturas, instalações, performances, filmes, intervenções em espaços públicos. Para ele, o labirinto era uma matriz criativa, tanto que textos básicos de sua autoria sobre sua produção entre os anos 1954 e 1969 foram reunidos no livro Aspiro ao grande labirinto, publicado postumamente em 1986.

Labirintos orgânicos em Ulisses

Umberto Eco, no prólogo de El libro de los laberintos, de autoria de Paolo Santarcangeli, lembra que a história milenar da imagem do labirinto revela que, em todos os tempos, o homem se sentiu fascinado por algo que, de algum modo, lhe diz da condição humana ou cósmica. Existem infinitas situações nas quais é fácil entrar, mas difícil sair, assim como é complicado pensar em situações em que seja difícil de entrar, mas fácil de sair. O labirinto do Ulisses apresenta dificuldades tanto para entrar como para sair. Os labirintos de Oiticica geralmente convidavam para entrar.

Há muitos tipos de labirinto. Santarcangeli enumerou vários deles; porém, Eco quis se referir somente a três modelos fundamentais. O primeiro tipo é o labirinto univiário — este é o labirinto clássico. O labirinto univiário é a imagem de um cosmo de habitabilidade complicada, mas ordenada, pois resultou de uma mente que o planejou. Visto de cima, parece uma trama indescritível, e percorrê-lo provoca uma angústia da qual não se poderá sair nunca, ainda que na realidade o percurso seja gerado por um algoritmo muito simples: um novelo de um fio com duas pontas, de modo que ao entrar por um lado, só se pode sair pelo lado oposto. O problema desse labirinto não é por onde vou sair?, mas sim sairei?, sairei vivo?.

O segundo tipo de labirinto é o maneirista, que tem a forma de árvore, com infinitas ramificações, e 99% delas nos conduzem a um ponto morto; há somente uma ramificação binária que conduz à saída. Esse labirinto nos força a voltar pelo caminho já percorrido inúmeras vezes para tentar achar essa única saída.

O terceiro é o rizoma, ou rede infinita, onde cada ponto pode conectar-se com todos os pontos restantes; a sucessão das conexões não tem um término teórico, na medida em que não há um exterior ou um interior. O rizoma pode estender-se infinitamente. No rizoma, as escolhas erradas dão lugar a soluções que contribuem ainda para complicar o problema. Mesmo que uma mente tenha concebido o rizoma, ela não pode haver concebido e estabelecido de antemão as possibilidades de sua estrutura.

James Joyce articulou uma narrativa labiríntica rizomática que possibilita infinitas conexões; exterior e interior mesclam-se indistintamente, à maneira de uma improvisação musical. O rizoma é como se fosse um livro em que, depois de cada leitura, a ordem das letras se altera e um texto novo se configura. Joyce fornece, ao final de sua obra, o roteiro-chave do romance em colunas verticais que se relacionam horizontalmente, inclusive com a indicação das páginas respectivas.

A obra está dividida em três partes: I – Telemaquia, II – Odisséia e III – Nostos, as quais compreendem os 18 episódios que têm nomes de personagens da Odisseia, como Telêmaco, Proteu, Hades, Penélope, além de Os rochedos serpeantes, As sereias, Gado do Sol etc. Essas nomeações funcionam como atores ideais pairando sobre a narrativa. A enumeração dos episódios e as cenas correspondentes, todas com a localização espacial, podem ser relacionadas com a poética do espaço de Bachelard.

Os episódios de Ulisses se relacionam horizontalmente com as seguintes colunas: CENA – HORA – ÓRGÃO – ARTE – COR – SÍMBOLO – TÉCNICA.

Assim, as configurações espaciais são também espaços simbólicos, a começar do início: A torre. Apenas duas cenas não têm um espaço tão definido — O desjejum e O almoço — embora essas refeições remetam a locais específicos. Podemos imaginar que as cenas seriam fases ou paradas no percurso do labirinto. No romance, a maioria das cenas contêm imagens: A torre, A escola, A praia, A casa, O banho, O cemitério... Os Órgãos também são imagens. A dimensão espacial é soberana: a forma visual desse roteiro, com a marcação das suas articulações, nos permite pensar na concepção labiríntica. Aliás, a narrativa mantém o tempo todo uma relação com a cidade de Dublin, cenário onipresente. Não há órgãos correspondentes às três primeiras horas, que se repetem na parte II, aí sim com órgãos (Figura 1); não há cores correspondentes a todas as cenas. No entanto, temos 18 artes, 18 símbolos e 18 técnicas.

Figura 1
Roteiro-chave de Ulisses, de James Joyce.

Enquanto escrevia o romance, Joyce foi construindo esse roteiro, que encaminhou em uma carta, em 1920, ao tradutor e amigo Carlo Linati, para facilitar a leitura do texto original: “acredito que em razão do volume enorme e da mais do que enorme complexidade do meu romance três vezes maldito seria melhor lhe enviar uma espécie de sumário — chave ? esboço ? esquema (apenas para seu uso pessoal)” (AMARANTE, 2022AMARANTE, D. W. do. Leia a carta de James Joyce para o escritor e tradutor italiano Carlo Linati. O Globo, 3 fev. 2022. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/leia-carta-de-james-joyce-para-escritor-tradutor-italiano-carlo-linati-1-25376753>. Acesso em: 5 fev. 2022.
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/...
). Nem todas as edições de Ulisses, no Brasil e no mundo, apresentam esse roteiro ao final.

No início, como se fosse um jogo, existe A torre, como CENA, um marco externo de elevação em relação ao solo. As horas derradeiras vão chegar até A cama, um local interior, próximo ao solo. Até a cena 5, as ações acontecem num contexto de interioridade, para irem a locações externas e voltarem ao abrigo nas três cenas finais. O ciclo das três partes se fecha.

No original grego, Telemaquia é a ausência de Ulisses e a presença de Telêmaco, seu filho; Odisseia são as viagens de Ulisses; e Nostos é a volta à terra natal, ao seu território. Homero relata as aventuras de Ulisses (Odisseu), que regressava da Guerra de Troia, a qual durou dez anos, à ilha de Ítaca, onde era rei. Sua esposa, a rainha Penélope, resistiu a pretendentes que tentavam tomar o lugar de seu marido. Com a ajuda do filho Telêmaco, Ulisses finalmente retoma o seu lugar. Como na Odisseia, Ulisses, de Joyce, apresenta três personagens principais: Leopold Bloom, Stephen Dedalus e Molly Bloom que, na Odisseia, correspondem a Ulisses, Telêmaco e Penélope. Joyce também agrupou seu romance em três partes, a primeira corresponde à Telemaquia; a segunda, às andanças de Bloom; e a terceira, ao encontro definitivo de Stephen e de Bloom e ao monólogo de Molly.

Os dez anos do Odisseu grego foram transformados em dezoito horas de percepções, sensações e pensares do agente de publicidade Leopold Bloom enquanto se deslocava pela cidade de Dublin no dia 16 de junho de 1904 e início da madrugada do dia seguinte. Às 8h da manhã desse dia, na Martello Tower, em Dublin, aparece em cena o problematizado intelectual Stephen Dedalus, que havia retornado de Paris por causa da morte iminente da mãe. No mesmo horário, Leopold Bloom sai de seu lar, após o desjejum, porque imagina que Molly Bloom, sua esposa, irá traí-lo em sua casa com seu amante. Após esse longo dia, com muitos encontros e desencontros em diferentes endereços de Dublin, a história finaliza com a volta de Bloom e de Stephen à casa da família Bloom, às 3h33 da manhã de 17 de junho.

Na carta a Carlo Linati, Joyce explica que sua obra “É um épico de duas raças (israelita-irlandesa) e ao mesmo tempo o ciclo do corpo humano bem como uma historinha de um dia” (AMARANTE, 2022AMARANTE, D. W. do. Leia a carta de James Joyce para o escritor e tradutor italiano Carlo Linati. O Globo, 3 fev. 2022. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/leia-carta-de-james-joyce-para-escritor-tradutor-italiano-carlo-linati-1-25376753>. Acesso em: 5 fev. 2022.
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/...
). E descreve sua composição:

Por sete anos tenho trabalhado nesse livro — maldito seja! É também um tipo de enciclopédia. Minha intenção é transpor sub specie temporis nostri. Cada aventura (isto é, cada hora, cada órgão, cada ponta estando interconectadas e interrelacionadas no esquema estrutural como um todo) não deve apenas condicionar mas também criar sua própria técnica. Cada aventura é digamos assim uma pessoa embora seja composta de pessoas — como Tomás de Aquino conta a respeito do exército angelical

(AMARANTE, 2022AMARANTE, D. W. do. Leia a carta de James Joyce para o escritor e tradutor italiano Carlo Linati. O Globo, 3 fev. 2022. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/leia-carta-de-james-joyce-para-escritor-tradutor-italiano-carlo-linati-1-25376753>. Acesso em: 5 fev. 2022.
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/...
).

Desse modo, o roteiro-chave radiografa e norteia o exercício de sua técnica. Então, a ARTE inicial é a Teologia, COR Branco e ouro, com Herdeiro como SÍMBOLO, e a TÉCNICA como Narrativa (juvenil). Por onde passa o labirinto? Da torre vai para a escola e a praia, que não tem órgãos correspondentes. Depois, relacionam-se as cenas e os órgãos: O desjejum e A casa/Rim; O banho/Sexo; O cemitério/Coração; O jornal/Pulmão; O almoço/Esôfago; A biblioteca/Cérebro; As ruas/Sangue; A sala de concerto/Orelha; A taverna/Músculo; As rochas/Olho, Nariz; O hospital/Ventre; O bordel/Aparelho locomotor; O abrigo/Nervos; A casa/Esqueleto e A cama/Carne. O corpo humano apresenta várias estruturas labirínticas que se relacionam com as diferentes locações da narrativa.

As ARTES pertencem ao espectro dos saberes humanos; apenas a Mágica destoa de todas as outras, mais convencionais. Para A torre, convocou-se a Teologia; para As ruas, a Mecânica; para A taverna, a Política; para A casa, a Ciência. Alguns SÍMBOLOS apontam para relações não tão óbvias, como Zelador e O cemitério; Servidoras em bar e A sala de concerto; e A casa e Cometas.

A trilha espacial percorre toda a narrativa. No início, surge o personagem Buck Mulligan:

Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha. Seu roupão amarelo, desatado, se enfunava por trás à doce brisa da manhã. Elevou o vaso e entoou:

— Introibo ad altare Dei.

Parando, perscrutou a escura escada espiral e chamou asperamente:

— Suba, Kinch. Suba, jesuíta execrável

(JOYCE, 1967JOYCE, J. Ulisses. 2. ed. Tradução de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967., p. 3).

Ao terminar, há o monólogo feminino:

[...] e Gibraltar eu mocinha onde eu era uma Flor da montanha sim quando eu punha a rosa em minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam ou devo usar uma vermelha sim e como ele me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem a ele como a outro e então eu pedi a ele com os meus olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os meus braços em torno dele sim e eu puxei ele pra baixo pra mim para ele poder sentir meus peitos todos perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sims

(JOYCE, 1967JOYCE, J. Ulisses. 2. ed. Tradução de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967., p. 846).

Após a última frase, temos a referência real do tempo e do espaço da escritura: Trieste-Zurich-Paris, 1914–1921. Joyce levou sete anos, que incluíram a Primeira Grande Guerra, vivendo nessas três cidades, para escrever o fluxo de consciência de um único dia. No episódio 10, tendo passado mais ou menos o primeiro terço do romance, a linha horizontal do roteiro-chave vai do EPISÓDIO Os rochedos serpeantes e passa por CENA As ruas, HORA 15, ÓRGÃO Sangue, ARTE Mecânica, (COR não há), SÍMBOLO Cidadãos, TÉCNICA Labiríntica.

O labirinto como técnica foi definido especificamente no roteiro-chave para o EPISÓDIO Os rochedos serpeantes, que percorre nomeando ruas e ruas e circula em rizomas pela corrente sanguínea, em uma arte mecânica. Na linearidade horizontal, é indicada a relação serpeantes/ruas/sangue/arte mecânica/cidadãos/TÉCNICA labiríntica. É possível considerarmos que a forma labirinto se inscreve ao longo das 850 páginas de Ulisses. São muitos os índices: epígrafes, a reelaboração da Odisseia, passagens em ritmo poético, a criação de palavras, a presença da visualidade urbana, o esquema visual do roteiro, com uma espécie de glossário de termos identificadores interligados entre si. O sobrenome do personagem Stephen Dedalus, uma espécie de alter ego de James Joyce, também carrega uma referência ao labirinto: Dédalo é o arquiteto que projetou o labirinto de Creta, onde vivia o Minotauro. Caminhos infinitos pulsam ao longo do texto.

Oiticica: o corpo e o labirinto

O brasileiro Hélio Oiticica relacionava igualmente corpo, espaço e tempo em seus registros sobre arte e sobre suas obras plásticas, performáticas, cinematográficas. Para ele, o labirinto funcionava como um conceito fundamental, presente em muitos de seus textos. O livro Aspiro ao grande labirinto reúne escritos de 1954 a 1969, todos com indicação da data ou do ano específico.

No primeiro relato, Oiticica, com 17 anos, iniciava com uma marcação espacial suas observações sobre o fazer artístico.

31 de março de 1954

Observando como a formiga desviava a pouca distância do meu dedo, resolvi experimentar o seu radar. Pus o dedo indicador cortando a direção em que ela ia, porém longe. Quando chegou a certa distância do dedo, desviou. Marquei o ponto de desvio com o lápis e onde o meu dedo estava, também. Fiz o mesmo com o polegar. Observei que a distância entre o ponto de desvio e a ponta do dedo é igual à distância da falanginha à ponta do dedo

(OITICICA, 1986OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Seleção de textos de Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 15).

Assim como em Ulisses, o texto final de Aspiro ao grande labirinto, de 24 de novembro de 1969, é um fluxo de consciência, com referências corporais a ambientes íntimos, inclusive com invenção de palavras:

[...] roedores que se escondem pra noite que vem mesmo na ausência ao meu teu redor “te vejo logo mais” — límpido polido e limpo sem sons subidas sol mas no escuro central só sós sois lembranças de dias no cool noite tépido trópico corpos: transparência ou memória? Ancestrais incestos restos distancilândios ou o revelar do mundo transpi-suor linhorência quarto abafado escada estreita mas a noite não me se engana porque acolhe o mundo aspira transpira assinala o suor têmpora carcoporal oral molhar orar expansão do corpo edificação tropotropical sal sem mal bonomia rua ponto final o despedir ir e vir

(OITICICA, 1986OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Seleção de textos de Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 134).

O multiartista Oiticica foi da pintura e da escultura a instalações e performances que resultavam em cinema, música, cenografia, arquiteturas. Apesar de ter morrido jovem, sua atuação teve grande repercussão midiática. Contestava a noção de objeto de arte; para ele, a arte não era apenas para ser contemplada, precisava ser vivenciada. Nos anos 1960, criou o Parangolé, uma espécie de capa, bandeira ou estandarte: era uma arte para ser vestida e exibida com movimento. Ele fez o penetrável Tropicália, que inspirou e deu nome ao movimento cultural brasileiro que revolucionou a música, o cinema, o design, a moda e as artes do país nos anos 1970. Os Penetráveis eram ambientes coloridos que só funcionavam quando habitados por espectadores participantes; o artista fez uma série de penetráveis, exibidos em diferentes momentos. O movimento de entrada por pessoas do público fazia parte da concepção da obra, justificando nossa relação com a forma labirinto; ao sair do Penetrável, as pessoas teriam se modificado. Oiticica considerava que o penetrável Tropicália, que trazia imagens da nossa flora e fauna, era uma primeiríssima tentativa consciente de impor uma imagem brasileira ao contexto da vanguarda.

Os textos correspondentes à sua produção entre 1954-1969 foram reunidos no livro Aspiro ao grande labirinto. O labirinto, eixo central do trabalho de Oiticica, a ponto de nomear esse livro de sua autoria, é uma característica visceral de sua trajetória. Kris Herik de Oliveira (2021)OLIVEIRA, K. H. Hélio Oiticica e a magia do labirinto. In: Labirinto. Labjor. Unicamp, 2021. Disponível em: <https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/wp-content/uploads/2021/06/Helio-Oiticica-e-a-magia-do-labirinto.pdf>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/...
escreveu um texto, em que relata sua aproximação com as obras de Oiticica, quando iniciava sua participação no Laboratório de estudos socioantropológicos sobre tecnologias da vida da Universidade de Campinas (Unicamp). Ao tomar contato com o dossiê sobre Oiticica da revista Ars (outubro de 2017), Oliveira afirma:

Entre textos e imagens, no dossiê encontrei algumas entradas possíveis à trajetória e ao pensamento do artista, um universo inventivo e experimental completamente novo. Vi, então, a imagem do labirinto habitar o quadro, o ambiente, o corpo e a subjetividade em inspiradores processos de devir

(OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, K. H. Hélio Oiticica e a magia do labirinto. In: Labirinto. Labjor. Unicamp, 2021. Disponível em: <https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/wp-content/uploads/2021/06/Helio-Oiticica-e-a-magia-do-labirinto.pdf>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/...
, p. 2).

Oiticica foi levado por Jackson Ribeiro em 1964 ao Morro da Mangueira, para pintar, junto com Amílcar de Castro, os carros alegóricos que iriam desfilar no Carnaval. O contato físico com o Morro da Mangueira e com a favela marcou um deslocamento espacial e de transformação em suas produções. Antes de 1964, Oiticica fazia anotações sobre seu trabalho; depois dessa iniciação popular, passou a desenvolver uma escrita própria, na qual a reflexão interagia cada vez mais com seus projetos. A cidade e a paisagem do morro começaram a ter mais presença — sua arte ganhava características ambientais. Oiticica e Joyce inseriram a estética da cidade e as conexões corporais em seus processos de criação.

Em novembro de 1964, Oiticica escreveu o texto Bases fundamentais para uma definição do ‘Parangolé’, do qual reproduzimos um trecho:

Seria pois o Parangolé um buscar, antes de mais nada estrutural básico na constituição do mundo dos objetos, à procura das raízes da gênese objetiva da obra, a plasmação direta perceptiva da mesma. Esse interesse, pois, pela primitividade construtiva popular que só acontece nas paisagens urbanas, suburbanas, rurais etc., obras que revelam um núcleo construtivo primário mas de um sentido espacial definido, uma totalidade

(OITICICA, 1986OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Seleção de textos de Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 66-67).

A inclusão e a utilização do ambiente adquirem grande força em seus textos, que apresentam, segundo Kris Herik de Oliveira, “críticas direcionadas ao estado da arte representacional cristalizada no quadro e ao intelectualismo extremo que sufocava a criação artística” e “diálogos com as principais referências nas artes, filosofia e vida cotidiana” (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, K. H. Hélio Oiticica e a magia do labirinto. In: Labirinto. Labjor. Unicamp, 2021. Disponível em: <https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/wp-content/uploads/2021/06/Helio-Oiticica-e-a-magia-do-labirinto.pdf>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://www.labirinto.labjor.unicamp.br/...
, p. 6). Observações como essas já haviam surgido em nossas reflexões, convergindo para a aproximação entre a narrativa de Ulisses e as obras plásticas e teóricas do multiartista brasileiro. Joyce também realiza uma crítica ao romance representacional com uma escrita labiríntica/ambiental que mescla filosofia, corpo e vida cotidiana. Oiticica continua:

Nessa procura de uma fundação objetiva, de um novo espaço e um novo tempo na obra no espaço ambiental, almeja esse sentido construtivo do Parangolé a uma “arte ambiental” por excelência, que poderia ou não chegar a uma arquitetura característica. Há como uma hierarquia de ordens na plasmação experimental de Núcleos, Penetráveis e Bólides, todas elas, porém, dirigidas para essa criação de um mundo ambiental onde essa estrutura da obra se desenvolva e teça sua trama original. A participação do espectador é também aqui característica em relação ao que hoje existe na arte em geral: é uma “participação ambiental” por excelência

(OITICICA, 1986OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Seleção de textos de Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 67).

Guilherme Wisnik reforça que experiências centradas no corpo, com estruturas fisicamente abertas para a participação, faziam parte do projeto de superar a arte da representação e da contemplação: “sua ideia era de que módulos ambientais constituídos pela alternância entre elementos fixos e móveis (manipuláveis e transformáveis) contribuiriam para desprogramar os sujeitos que deles se apropriassem” (WISNIK, 2017WISNIK, G. T. Dentro do labirinto: Hélio Oiticica e o desafio do “público” no Brasil. In: Revista ARS, São Paulo, v. 15, n. 30, p. 95-110, out. 2017. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ars/article/view/132781>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://www.revistas.usp.br/ars/article/...
, p. 97).

O livro Aspiro ao grande labirinto reúne textos de Oiticica, selecionados por Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Na Introdução, Figueiredo assinala que Oiticica é um dos casos raros na arte brasileira em que o artista elabora teorias, conceitua e pensa a própria obra. O artista sai do quadro, do plano, passa para o espaço, para o ambiente e para o corpo:

Nomear caixas de madeira, vidros, garrafões com pigmentos e terra, capas para serem colocadas no corpo e estandartes de Bólide e Parangolé é estabelecer, na própria magia do nome, a inquietação e a pulsação da obra. A palavra Parangolé não designa nada de imediato, não “classifica” a obra e não nos conduz senão ao “lugar” no qual a obra se funda

(FIGUEIREDOFIGUEIREDO, L. Introdução. In: OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., Introdução, em OITICICA, 1986OITICICA, H. Aspiro ao grande labirinto. Seleção de textos de Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 6).

Além da transformação do espaço e do lugar, Oiticica, assim como Joyce, criava palavras para traduzir pulsações estéticas.

Frederico Oliveira Coelho (2009)COELHO, F. O. Hélio Oiticica – Um escritor em seu labirinto. Revista Sibila, Ano 22, 26 out. 2009. Disponível em: <https://sibila.com.br/critica/helio-oiticica-um-escritor-em-seu-labirinto/3187>. Acesso em: 2 maio 2023.
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diz, na revista Sibila, que trabalhar com a obra de Hélio Oiticica é entrar em um labirinto: “esse já gasto lugar comum para tratar seu trabalho e sua trajetória ainda se impõe como a principal forma de compreender os incontáveis meandros e quebradas de sua vasta produção”. Por isso, “entrando pela porta da escrita no labirinto criativo de Oiticica, não devemos perder de vista a intensa relação do seu trabalho de artista plástico com a palavra”. Essa prática artística era acompanhada de uma produção textual autorreflexiva, escrita simultaneamente ao fazer artístico. Ele se interessava pelo aspecto experimental da arte e pela maneira como ela se inscrevia no mundo; além de explicar seu processo de criação e as propostas de suas obras, escrevia outros textos em que saía do universo de teórico da arte e passava ao ficcional muitas vezes em formatos híbridos: poemas, contos, crônicas. Ao longo de sua carreira, Oiticica foi construindo um acervo documental sobre seu trabalho:

A perspectiva do arquivo enquanto uma forma de depositário da “da verdade” sobre a vida e a trajetória intelectual de alguém foi levada a cabo por Oiticica de forma rigorosa. É o arquivo não só como lugar de memória, mas também como local de autoridade sobre os usos dessa memória

(COELHO, 2009COELHO, F. O. Hélio Oiticica – Um escritor em seu labirinto. Revista Sibila, Ano 22, 26 out. 2009. Disponível em: <https://sibila.com.br/critica/helio-oiticica-um-escritor-em-seu-labirinto/3187>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://sibila.com.br/critica/helio-oiti...
).

O romance Ulisses também trabalha com diversos usos da memória, seja como descrição de detalhes da vida cotidiana, seja como recriação de narrativas míticas. Ulisses e Aspiro ao grande labirinto terminam com fluxos de consciência: Molly rememorando sua vida amorosa; Oiticica, expressando percepções corporais e sentimentos, chega a perguntar “transparência ou memória?”. Joyce e Oiticica constroem textos visceralmente autorreflexivos.

Tramas digitais

A estrutura labiríntica está presente nas narrativas digitais; talvez o maior exemplo seja a proliferação dos games, produções que se valem da multiplicidade dos caminhos possíveis. Alguns games parecem ter progressão quase infinita. Lembremos que o roteiro para a criação de certos games é detalhado em milhares de páginas (MUNGIOLI, 2014MUNGIOLI, A. P. Videogames como obras narrativas: a arte de criar mundos possíveis. 2014. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade Cásper Líbero. Disponível em: <https://casperlibero.edu.br/mestrado/dissertacoes/videogames-como-obras-narrativas-a-arte-de-criar-mundos-possiveis/>. Acesso em: 2 maio 2023.
https://casperlibero.edu.br/mestrado/dis...
). As especificidades das narrativas em ambientes virtuais levaram Murray (2003)MURRAY, J. H. Hamlet no Holodeck – o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo, Itaú Cultural: Unesp, 2003. a propor quatro propriedades essenciais para os ambientes digitais, que são: procedimentais, participativos, espaciais e enciclopédicos. As duas primeiras propriedades correspondem, em grande parte, ao que queremos dizer com o uso genérico da palavra interativo; as duas propriedades restantes ajudam a fazer criações digitais parecerem tão exploráveis e extensas quanto o mundo real, correspondendo, em muito, ao que temos em mente quando dizemos que o ciberespaço é imersivo (MURRAY, 2003MURRAY, J. H. Hamlet no Holodeck – o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo, Itaú Cultural: Unesp, 2003., p. 78).

Do mesmo modo que os ambientes digitais, as obras de Joyce e Oiticica são participativas, espaciais e enciclopédicas. Esse tipo de construção, ao mesmo tempo que coloca em jogo nossa visão espacial e nossa enciclopédia, amplia as possibilidades de interpretação criadas a partir de pontos de vista que aparecem como intercambiáveis. Quando pensamos em hipertexto, ainda estamos relacionando com estruturas narrativas e isso tem a ver com os sistemas de busca que nos conduzem por infinitos labirintos. No livro Arte e mídia (2007), Arlindo Machado disseca:

No atual estágio, chamado por Flusser de pós-histórico, a “escritura” é construída com ou por máquinas e consiste essencialmente numa articulação de imagens — no limite, imagens digitalizadas, multiplicáveis ao infinito, manipuláveis à vontade e passíveis de distribuição instantânea a todo o planeta. Caracteres se tornam bytes, sequências de texto convertem em sequências de pixels, os fins e os meios são substituídos pelo acaso, as leis pelas probabilidades e a razão pela programação

(MACHADO, 2007MACHADO, A. Arte e mídia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007., p. 40).

Rede e teia são significados que originam a denominação www — world wide web — para o conjunto de servidores de informação conectados entre si. No imaginário popular, o termo “teia” se relaciona a aranhas tecendo seus fios. Autores consideram a cibermídia uma teia ainda mais abrangente, não só interna ao hardware, mas também linkada a interfaces externas:

[...] a estrutura do rizoma, com seus platôs e linhas de fuga, se assemelha a uma teia, não tendo um único caminho possível, mas muitos, clicados por ações que refletem pensamentos que, como o rizoma, não são só lineares nem controláveis em todas as instâncias

(LEMOS, BERGER; BARBOSA, 2006LEMOS, A, BERGER, C. e BARBOSA, M. Narrativas midiáticas contemporâneas. Porto Alegre: Sulina, 2006., p. 192).

Os labirintos são paradoxais, conforme aponta Lucia Leão. Os caminhos de muitas vertentes da web costumam propor lógicas contrárias. Escolher uma opção de direção não é garantia de atingir o destino desejado; outros percursos levam a espaços contraditórios. Dispersão? E quando se trata de redes sociais, o funcionamento pode não propiciar fluxos rizomáticos. Aplicativos como WhatsApp, Facebook, Telegram, Instagram, Twitter vem sendo utilizados para fins mercadológicos, publicitários e de propaganda política, sendo que sua intensa utilização, inclusive com aceleradores robóticos, acabou provocando polarização de atitudes e até influindo em eleições e plebiscitos políticos. Possivelmente até esteja havendo uma redução da complexidade dos labirintos.

As tecnologias digitais ampliaram exponencialmente as possibilidades da comunicação e das produções técnicas e artísticas dos indivíduos e das sociedades. Estamos numa época de transformações de objetos culturais em todas as suas fases, desde a concepção: produção, formas de apresentação, distribuição e recepção. Novos suportes e plataformas surgem a cada dia, trazendo novos formatos industriais e comerciais, novas formas de trabalho. Talvez a sensação do transcorrer do tempo fique suspensa durante os trânsitos pelos labirintos, principalmente os digitais. O tempo da narrativa, o tempo cronológico e até o tempo psicológico podem entrar num fluxo de menos percepção. É um mundo que vem alterando as percepções de tempo e espaço, como apontava, já em 2007, Lucia Santaella:

Como se verá, linguagens antes consideradas do tempo — verbo, som, vídeo — especializam-se nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais — imagens, diagramas, fotos — fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos. Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança das instabilidades. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se

(SANTAELLA, 2007SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007., p. 24).

E então entram em cena os algoritmos e a inteligência artificial. A belga Antoinette Rouvroy, filósofa do direito, reflete sobre as transformações que a tecnologia digital vem operando na política. Ela criou o conceito da governamentalidade algorítmica, que é um governo do mundo social que se baseia no processamento algorítmico de grandes volumes de dados (big data) e não em políticas, leis e normas sociais (ROUVROY, 2020ROUVROY, A. Entrevista com Antoinette Rouvroy: governamentalidade algorítmica e a morte da política. In: Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 15-28, 2020. Tradução de Marco Antônio Sousa Alves e Maria Cecília Pedreira de Almeida. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223>. Acesso em: 11 mar. 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/...
, p. 17). Rouvroy aprofunda os efeitos da revolução tecnológica, que está operando uma transformação social fundamental: “Com os big data, a ideia é gerar hipóteses e critérios de classificação a partir dos dados”. Para ela, a computação de big data domestica a incerteza:

O objetivo é dispensar a produção estatística de probabilidades — o que ainda exigiria interpretação e seria exposto a contestações ? por meio de uma intervenção preventiva: para além de reagir em tempo real a sinais digitais ou alertas, o governo algorítmico gera “alertas” ou “estímulos” para obter como resposta reflexos, e não reflexividade, dúvidas, hesitações e decisões “conscientes”. É um modo de governo relativamente subliminar que consiste em direcionar a atenção de pessoas para certas coisas, modificando o ambiente informativo ou físico para que os comportamentos não sejam mais obrigatórios, mas necessários

(ROUVROY, 2020ROUVROY, A. Entrevista com Antoinette Rouvroy: governamentalidade algorítmica e a morte da política. In: Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 15-28, 2020. Tradução de Marco Antônio Sousa Alves e Maria Cecília Pedreira de Almeida. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223>. Acesso em: 11 mar. 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/...
, p. 17-18).

Enquanto os labirintos da imaginação e da interpretação eram tão vibrantes em Joyce e Oiticica, os labirintos das redes digitais estão sendo modelizados pelos algoritmos, que resumem a vida a uma aglutinação de dados. Rouvroy reforça que é preciso repensar profundamente a situação dos dados, “para que as instituições possam exercer algum papel, garantindo a transparência e a finalidade de sua utilização”

(ROUVROY, 2020ROUVROY, A. Entrevista com Antoinette Rouvroy: governamentalidade algorítmica e a morte da política. In: Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 15-28, 2020. Tradução de Marco Antônio Sousa Alves e Maria Cecília Pedreira de Almeida. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223>. Acesso em: 11 mar. 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/...
, p. 15).

Voltemos à reflexão de Eco sobre o labirinto; ele considera que todo o pensamento da Razão se propôs como pensamento de uma Lei ou de uma Ordem que deveria reduzir a complexidade do Labirinto:

Enquanto o labirinto evocava a imaginação, o Pensamento da Razão procurava eliminá-lo. Naturalmente, quanto mais procurava o Pensamento da Razão eliminá-lo, mais a imaginação mística — ou o que é o mesmo, o Pensamento do Mistério — o reformulava

(ECOECO, U. Prólogo. In: SANTARCANGELI, P. El libro de los laberintos: historia de un mito y de un símbolo. Madrid: Siruela, 1997. apud SANTARCANGELI, 1997SANTARCANGELI, P. El libro de los laberintos: historia de un mito y de un símbolo. Madrid: Siruela, 1997., p. 16, tradução nossa).

Estamos numa ecologia paradoxal em que o labirinto das redes parece estender-se ao infinito. Ao mesmo tempo, a Razão impõe algoritmos que pré-direcionam os caminhos possíveis. No seio da cultura digital, a realidade se tornou múltipla. Trabalhando com as ideias do professor americano Mark Poster, que caracterizou a segunda idade da mídia, Lucia Santaella já apontava, em 2007, que os termos realidade virtual e tempo real atestam a força das novas mídias: “as camadas de mediações se tornaram tão múltiplas e intensas que tudo que é mediado não pode fingir não estar afetado” (SANTAELLA, 2007SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007., p. 92). Há uma relação entre a linguagem e a constituição do sujeito; essa mediação toma a forma de interpelação e “a posição do sujeito não está nunca suturada ou fechada, mas permanece instável, excessiva, múltipla” (SANTAELLA, 2007SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007., p. 91). Ainda se referindo ao pensamento de Poster, a pesquisadora continua:

O efeito das novas mídias, tais como a internet e a realidade virtual, entre outras, é potencializar as comunicações descentralizadas e multiplicar os tipos de realidade que encontramos na sociedade. Toda a variedade de práticas inclusas na comunicação via redes — correio eletrônico, serviços de mensagens, videoconferência etc — constituem o sujeito múltiplo, instável, mutável, difuso e fragmentado; enfim, uma constituição inacabada sempre em projeto

(SANTAELLA, 2007SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007., p. 92).

Mesmo com a multiplicidade identitária dos sujeitos, a possibilidade de operar e construir conjuntos de perfis pelos algoritmos da inteligência artificial está se tornando um meio de controle e de produção de condutas humanas. Para Rouvroy, “os algoritmos não lidam com sujeitos, objetos, e nem imagens: seu universo computacional é composto exclusivamente de pontos de dados, padrões, métricas...” (ROUVROY, 2020ROUVROY, A. Entrevista com Antoinette Rouvroy: governamentalidade algorítmica e a morte da política. In: Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 15-28, 2020. Tradução de Marco Antônio Sousa Alves e Maria Cecília Pedreira de Almeida. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223>. Acesso em: 11 mar. 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/...
, p. 18).

Já estamos conscientes das manipulações que são operadas intencionalmente por intermédio das redes sociais. Porém, processos mais direcionadores ainda começam a ser levantados e analisados por pesquisadores. É a questão da governamentalidade algorítmica, termo cunhado por Antoinette Rouvroy e Thomas Berns a respeito da modelização do real que está sendo fabricada e imposta às condutas humanas. Essa pré-fabricação do comportamento é um tema de grande alcance, que demanda aprofundamentos e está sendo apenas apontado neste artigo como um alerta epistemológico.

A configuração das redes na internet parece possibilitar infinidades de caminhos, o que significaria mais liberdade imaginativa. Todavia, a direcionabilidade dos algoritmos apresenta escolhas relacionadas com o perfil das buscas anteriores do usuário. Assim, em vez de decisões de liberdade imaginativa, o navegante é direcionado para caminhos que os algoritmos e a inteligência artificial apontam para agrupamentos de perfis configurados automaticamente.

Rouvroy aponta o declínio da imaginação:

Continuamos a imaginar, mas a imaginação não é mais levada em conta, pois a ideologia técnica dos big data promete uma transparência total do social para si mesmo, bem como a dissipação da camada de representação axiologicamente suspeita, ideologicamente tendenciosa, politicamente contestável, subjetivamente parcial. Mas não é apenas a representação do passado e do presente que é fechada, mas também a imaginação de futuros alternativos. A otimização, diferentemente da imaginação ou da antecipação, é exatamente o oposto da política. A política considera transcender o estado atual das coisas. A governamentalidade algorítmica, por outro lado, considera a otimização da situação atual para que ela permaneça o mais favorável possível a certas partes interessadas

(ROUVROY, 2020ROUVROY, A. Entrevista com Antoinette Rouvroy: governamentalidade algorítmica e a morte da política. In: Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 15-28, 2020. Tradução de Marco Antônio Sousa Alves e Maria Cecília Pedreira de Almeida. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223>. Acesso em: 11 mar. 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/...
, p. 20).

Joyce e Oiticica apresentam labirintos de imaginação infinita, que abrem diferentes caminhos e espaços de criação. Seus labirintos tiveram trilhas exteriores e interiores. Penetraram nos corpos. Eles já exibiam a multiplicidade do sujeito. Ao trazer personagens comuns e seus pequenos gestos do dia a dia, os dois autores fazem uma crítica da arte elitista: a política estava implícita nas obras e nas vivências cotidianas. Por outro lado, o trânsito nas redes apresenta labirintos, mas geralmente com trajetos pré-programados. Acabam reduzindo a multiplicidade dos sujeitos por lógicas algorítmicas, ou pior, os sujeitos não são considerados. Aparentemente, parecem proporcionar uma infinidade de escolhas. Porém, com a governamentalidade algorítmica, as condutas, em vez de escolhas livres, são fornecidas quase sempre como modelos de aceitação passiva. Os algoritmos e a inteligência artificial estão enredando a imaginação e modelizando ações futuras. Há uma redução das complexidades. O romance de Joyce e as produções artísticas de Oiticica não circunscrevem em redes, são labirintos de abrir, não de fechar.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2023
  • Aceito
    28 Abr 2023
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