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Filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração tratando lixiviado de aterro sanitário

Anaerobic filter associated with microfiltration membrane treating landfill leachate

Resumos

O objetivo deste artigo foi avaliar o desempenho de filtro anaeróbio em associação à membrana de microfiltração no tratamento de lixiviado de aterro sanitário. Os resultados obtidos indicaram que é possível tratar lixiviado com essa configuração de MBR (do inglês membrane bioreactor) com um tempo de detenção hidráulica de 2,04 dias. O valor médio da demanda química de oxigênio (DQO) foi 10.359 mg O2/L na entrada dos reatores, e a carga orgânica volumétrica aplicada aos reatores foi de 5,07 ± 2,90 kg DQO/m³.d. A eficiência média de remoção de DQO do filtro anaeróbio associado à membrana foi de 90,4% contra 21,5% do filtro anaeróbio. A eficiência de remoção de turbidez no filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração foi de 90,3%, apresentando valores de saída de 2,0 ± 2,0 NTU. A velocidade ascensional foi de 0,05 m/h no filtro anaeróbio e 31,5 m/h no filtro anaeróbio associado à membrana, o que resultou em um número de Reynolds calculado de 2,9 e 1.799, respectivamente.

filtro anaeróbio; microfiltração; lixiviado de aterro sanitário; biorreator associado à membrana


The objective of this paper was to evaluate the performance of anaerobic filter associated with a microfiltration membrane, treating landfill leachate. The results obtained showed that it is possible to treat wastewater using this MBR configuration with a hydraulic retention time of 2.04 days. The average values of organic volumetric load were 5.07 ± 2.90 kg COD/m³.d at the inlet of both reactors. The efficiencies of chemical oxygen demand (COD) removal were 90.4% to the anaerobic filter associated with microfiltration and 21.5% to the anaerobic filter. The turbidity removal was 90.3% to the MBR configuration with average values at the outlet of 2.0 ± 2.0 NTU. Values of upflow velocity of 31.5 m/h were reported in the anaerobic filter associated with microfiltration membrane and 0.05 m/h in the anaerobic filter which promoted a Reynolds number of 2.9 and 1,799, respectively.

anaerobic filter; microfiltration; landfill leachate; membrane bioreactor


ARTIGO TÉCNICO

Filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração tratando lixiviado de aterro sanitário

Anaerobic filter associated with microfiltration membrane treating landfill leachate

Marisa DacanalI; Lademir Luiz BealII

IEngenheira Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Materiais pela Universidade de Caxias do Sul (UCS)

IIEngenheiro Químico pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS. Professor e Pesquisador do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lademir Luiz Beal Rua Francisco Getúlio Vargas, 1.130 Petrópolis 95070-560 - Caxias do Sul (RS) Brasil E-mail: llbeal@ucs.br

RESUMO

O objetivo deste artigo foi avaliar o desempenho de filtro anaeróbio em associação à membrana de microfiltração no tratamento de lixiviado de aterro sanitário. Os resultados obtidos indicaram que é possível tratar lixiviado com essa configuração de MBR (do inglês membrane bioreactor) com um tempo de detenção hidráulica de 2,04 dias. O valor médio da demanda química de oxigênio (DQO) foi 10.359 mg O2/L na entrada dos reatores, e a carga orgânica volumétrica aplicada aos reatores foi de 5,07 ± 2,90 kg DQO/m3.d. A eficiência média de remoção de DQO do filtro anaeróbio associado à membrana foi de 90,4% contra 21,5% do filtro anaeróbio. A eficiência de remoção de turbidez no filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração foi de 90,3%, apresentando valores de saída de 2,0 ± 2,0 NTU. A velocidade ascensional foi de 0,05 m/h no filtro anaeróbio e 31,5 m/h no filtro anaeróbio associado à membrana, o que resultou em um número de Reynolds calculado de 2,9 e 1.799, respectivamente.

Palavras-chave: filtro anaeróbio; microfiltração; lixiviado de aterro sanitário; biorreator associado à membrana.

ABSTRACT

The objective of this paper was to evaluate the performance of anaerobic filter associated with a microfiltration membrane, treating landfill leachate. The results obtained showed that it is possible to treat wastewater using this MBR configuration with a hydraulic retention time of 2.04 days. The average values of organic volumetric load were 5.07 ± 2.90 kg COD/m3.d at the inlet of both reactors. The efficiencies of chemical oxygen demand (COD) removal were 90.4% to the anaerobic filter associated with microfiltration and 21.5% to the anaerobic filter. The turbidity removal was 90.3% to the MBR configuration with average values at the outlet of 2.0 ± 2.0 NTU. Values of upflow velocity of 31.5 m/h were reported in the anaerobic filter associated with microfiltration membrane and 0.05 m/h in the anaerobic filter which promoted a Reynolds number of 2.9 and 1,799, respectively.

Keywords: anaerobic filter; microfiltration; landfill leachate; membrane bioreactor.

Introdução

O tratamento de líquidos lixiviados, oriundos do processo de degradação anaeróbia de resíduos sólidos dispostos no solo de forma desordenada ou em aterros sanitários, atualmente, é um dos problemas enfrentados pela área do saneamento. Esses líquidos se caracterizam por um alto teor de matéria orgânica dissolvida e uma cor negra de difícil remoção. A biodegradabilidade do lixiviado varia com o tempo e pode ser determinada pela variação da relação DBO5/DQO. Em aterros jovens, a relação DBO5/DQO fica em torno de 0,5 ou maior, índices entre 0,4 e 0,6 são indicadores de boa biodegradabilidade. Em aterros mais velhos, esta relação varia, geralmente entre 0,05 e 0,2 (TCHOBANOGLOUS; THEISEN; VIGIL, 1993). Os lixiviados com índices de biodegradabilidade (DBO5/DQO) superiores a 0,4, são efetivamente tratados por processos biológicos; entretanto, para lixiviados de aterros antigos, estes tratamentos não são suficientes (WARITH; SHARMA, 1998).

Vários métodos de tratamento de lixiviado são propostos (THOMAS; JUDD; MURRER, 2000), destacando-se os processos biológicos e processos de alta eficiência de retenção de partículas, como as membranas de separação.

Nos anos 1980, as membranas de separação de partículas do tipo microfiltração (MF) e ultrafiltração (UF) foram lançadas no mercado para utilização no tratamento de efluentes, promovendo um grande avanço na área de Engenharia Ambiental.

A combinação de filtração com membranas com o reator biológico é conhecida como um biorreator associado à membrana (MBR, do inglês membrane bioreactor). Segundo Thomas, Judd e Murrer (2000), a membrana normalmente substitui o estágio de sedimentação dos processos biológicos convencionais, pois realiza a separação sólido/líquido. Os biorreatores podem então ser operados com alta concentração de biomassa e reduzida área, além de permitirem potencial operação sem excesso de lodo devido à baixa relação A/M (KIM; LEE; CHANG, 2001). Além disso, a unidade de microfiltração serve como tratamento avançado para bactérias e sólidos suspensos, os quais não podem ser removidos completamente pelos processos convencionais (TCHOBANOGLOUS; BURTON; STENSEL, 2003).

Assim, a tecnologia de membranas contribui para viabilizar a construção de sistemas compactos de tratamento de esgotos, que produzem água de reúso de alta qualidade a um preço cada vez mais competitivo com o preço de produção de água de reúso dos sistemas convencionais.

Sistemas de reator biológico com membrana geralmente são usados com biorreatores de crescimento suspenso aeróbios ou anaeróbios para separar o efluente tratado da biomassa ativa. Tipicamente, nos MBR, a unidade de separação por membranas pode ser interna e imersa no biorreator ou externa ao biorreator (BEAL, 2005). Segundo Kennedy e Guiot (1986), as membranas utilizadas podem ser de micro ou ultrafiltração, e os materiais das membranas podem ser poliméricos ou cerâmicos. Diversas aplicações de reatores anaeróbios associados a membranas têm sido pesquisadas com diferentes configurações, e novos processos, como o MARS® e ADUF®, são propostos. A Tabela 1 apresenta algumas aplicações desses processos e as eficiências obtidas.

Portanto, este trabalho teve como objetivo avaliar e comparar a eficiência de dois filtros anaeróbios, sendo um associado à membrana de microfiltração para o tratamento de lixiviado gerado em aterro sanitário, com baixo tempo de detenção hidráulica para esse tipo de efluente. Também serão apresentados o perfil de biomassa nos filtros, o comportamento hidrodinâmico e sua influência no desempenho das duas configurações.

Metodologia

A unidade experimental foi composta por dois filtros anaeróbios com altura de 2,5 m e diâmetro de 0,15 m. O volume total para ambos os reatores foi 0,044 m3 e o volume útil, preenchido com o meio suporte, de 0,039 m3. O filtro anaeróbio R2 operou em associação à unidade de microfiltração, enquanto o filtro anaeróbio R1 operou sem associação, conforme é apresentado nas Figuras 1 e 2.



Para ambos os reatores, o tempo de detenção hidráulica foi de 2,04 dias, com uma vazão de alimentação de 0,9 L/h de fluxo ascendente. A temperatura, durante todo o experimento, foi mantida entre 34ºC e 36ºC, pois essa é a temperatura ótima para crescimento microbiano mesofílico.

O meio suporte desses reatores foi composto de anéis Pall de polipropileno reciclado, com as seguintes características: diâmetro de 2,54 cm, área superficial de 206 m2/m3 e área livre de 90%.

A configuração da membrana de microfiltração utilizada era tubular e constituída por material cerâmico (α-Al2O3), com diâmetro de poro de 0,2 µm, comprimento de 500 mm e diâmetro da secção de escoamento de 6,0 mm. A área de filtração corresponde a 0,0094 m2. A alimentação da unidade de microfiltração foi efetuada por uma bomba helicoidal com faixa de vazão nominal de 600 a 2.200 L/h e 1,5 CV. A compactação da membrana foi realizada durante quatro horas a uma pressão de 7 bar e vazão de alimentação de 600 L/h, visando a minimizar os possíveis efeitos de compactação com a membrana durante o experimento.

Como apresentado na Figura 1, o lixiviado foi armazenado em um reservatório (T1) e bombeado através das bombas B1 e B2 para os filtros anaeróbios R1 e R2, respectivamente. O efluente do filtro anaeróbio R2 alimentava a unidade de microfiltração através de uma bomba. O rejeito da operação de microfiltração retornava para o filtro anaeróbio R2 e o permeado era o efluente tratado. Os pontos de amostragem foram: efluente bruto (reservatório), saída do reator R1 (R1s), saída do reator R2 (R2s) e no permeado (efluente tratado para R2-UMF).

Os parâmetros monitorados e respectivos métodos analíticos foram: pH (potenciométrico), DQO (refluxo fechado), sólidos suspensos totais (SST) (gravimétrico), sólidos suspensos voláteis (SSV) (gravimétrico), nitrogênio amoniacal (titulométrico com destilação prévia), alcalinidade total (titulométrico), ácidos voláteis totais (titulométrico). As análises foram realizadas de acordo com APHA/AWWA/WEF (1998).

O lixiviado utilizado para este experimento foi obtido de uma célula em operação do aterro São Giácomo, na cidade de Caxias do Sul. A Tabela 2 apresenta os valores médios do lixiviado durante todo o período de monitoramento do experimento. A grande variação observada se deve às variações climáticas e de composição dos resíduos depositados na célula.

Resultados

Demanda química de oxigênio

O comportamento dos valores de demanda química de oxigênio (DQO) para os diferentes pontos do processo ao longo do tempo é apresentado na Figura 3.


As oscilações na eficiência de remoção de DQO foram diminuídas significativamente pela presença da membrana de microfiltração, a qual possui capacidade de retenção de biomassa e de compostos macromoleculares. Tal fato pode ser observado pela menor variabilidade dos resultados de DQO no permeado em comparação aos valores de DQO na saída do reator R1. Analisando-se os dados apresentados na Figura 3, verifica-se que, em alguns períodos, os valores de DQO do efluente bruto são menores do que os valores de saída do reator R1. Tal comportamento pode ser explicado pela influência dos fatores climáticos sobre a composição do lixiviado. Lixiviados coletados após períodos chuvosos são mais diluídos. A influência da biomassa sobre a DQI foi descartada pela análise estatística que indicou uma correlação entre SSV e DQO na saída de R1 de apenas 0,18, um valor muito baixo para sustentar tal associação. O reator R2 foi responsável, em valores médios, por 59,5% da remoção total de DQO da associação R2-UMF, confirmando a importância da unidade de microfiltração para o desempenho do reator R2 na remoção de DQO. A retenção física promovida pela membrana foi responsável, em valores médios, por 40,5% da remoção total de DQO da associação R2-UMF. Essa capacidade de retenção pode propiciar uma adaptação da biomassa às condições ambientais do reator e um tempo maior para que os compostos macromoleculares sejam degradados. Esse comportamento pode ser exemplificado pela maior eficiência do R2 em comparação ao R1.

Os valores de DQO obtidos com a utilização da associação R2-UMF foram bastante inferiores àqueles encontrados na saída do reator R1, como apresentado na Tabela 3.

O reator R2, quando avaliado individualmente, também apresentou valores de DQO inferiores aos do reator R1, indicando maior atuação da biomassa. A eficiência de R1 foi de 21,51% em relação à remoção de DQO, enquanto a eficiência de R2 foi de 53,76%. Esse fato pode ser creditado à melhor distribuição da biomassa ao longo do reator R2 devido à maior velocidade ascensional promovida pelo reciclo do rejeito. Também resultado dessa maior velocidade, houve uma maior turbulência e, por conseqüência, uma taxa maior de transferência de massa o que permite que ocorra uma biodegradação mais efetiva dos compostos orgânicos por parte dos microrganismos, aumentando a eficiência do reator.

Biomassa

Perfil da biomassa nos reatores

A distribuição de biomassa suspensa ao longo da altura dos reatores é apresentada na Figura 4. Foram realizadas duas coletas da biomassa dos reatores: uma no 266º dia de monitoramento e outra no 333º dia. Na segunda coleta (333º dia), quando foram coletadas amostras do fundo dos reatores, foi possível notar uma distribuição de biomassa não uniforme no reator R1, constatando-se que a maior parte da biomassa concentrava-se no fundo (primeira quinta parte). Já no reator R2, tal comportamento não foi observado tendo em vista que a biomassa mostrou uma distribuição bastante homogênea ao longo de toda a sua altura. Tal comportamento pode ser explicado pelo reciclo do rejeito da membrana de microfiltração, o qual produzia uma velocidade ascensional de 31,5 m/h.


Na Tabela 4 são apresentados os valores médios de biomassa suspensa obtidos em cada uma das coletas. Vale ressaltar que na primeira coleta (266º dia) não foram retirada amostras do fundo, e na segunda coleta, amostras do topo é que não foram coletadas. Analisando os dados da Tabela 4, nota-se que a quantidade média de biomassa do reator R1 aumentou da primeira para a segunda coleta.

Tal fato se justifica por ter sido considerado o fundo na segunda coleta, onde havia uma quantidade de biomassa bem superior aos demais pontos, comportamento que já tinha sido descrito por alguns autores (YOUNG; DAHAB, 1983). Se for desprezada a concentração do fundo, o valor médio de biomassa suspensa na parte superior do reator R1 passa a ser de 6.295 mg/L para 2.048 mg/L, valor muito próximo ao da primeira coleta (1.907 mg/L). Tal consideração mostra que como o valor médio pode ser influenciado pelo acúmulo de biomassa na parte inferior do reator o que pode levar a conclusões errôneas. Isso, associado ao fato de que como o volume do reator onde a biomassa está mais concentrada é reduzido, há uma diminuição do tempo de contato entre a maior quantidade de biomassa e o substrato. Esse fato, aliado à baixa velocidade ascensional faz com que a taxa de transferência de massa seja menor, podendo comprometer a eficiência do reator. O reator R2, por sua vez, apresentou quantidade de biomassa, na segunda coleta, inferior à da primeira. Como a biomassa era mantida no sistema devido à membrana de microfiltração, não houve perda. A explicação para tal fato é que parte da biomassa se aderiu ao meio suporte, proporcionado uma redução da quantidade de biomassa suspensa.

Ao final dos ensaios, os reatores foram cortados longitudinalmente. Foi possível observar que no reator R1 a biomassa presente estava principalmente na forma de biofilme, com exceção do fundo, onde se observou uma grande concentração de biomassa suspensa. Já no reator R2, a biomassa apresenta-se tanto aderida (biofilme) como suspensa ao longo do reator, fato resultante da ação do reciclo do rejeito.

Remoção de sólidos suspensos voláteis e totais

Os valores médios de SSV e SST nas saídas dos reatores R1 e R2 não apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Esse comportamento indica que, no reator R2, ocorreu uma maior retenção e/ou adesão (formação de biofilme) da biomassa devido à sua retenção pela unidade de microfiltração associada ao reator R2, mesmo considerando que esse reator teve uma velocidade ascensional bem superior a R1.

O comportamento das concentrações de sólidos suspensos voláteis e sólidos suspensos totais ao longo de todo o monitoramento é apresentado nas Figuras 5 e 6.



O reator R1 apresentou menor eficiência média de retenção de sólidos (49,13% para SSV e 49,10% para SST) do que o reator R2 (60,67% para SSV e 64,44% para SST). Tal efeito pode ser creditado à inexistência de um sistema externo de retenção de sólidos no reator R1, uma vez que a retenção da biomassa no reator R2, promovida pela unidade de microfiltração, possibilitou uma adaptação desta aos efeitos dos compostos tóxicos existentes no lixiviado. Essa afirmativa pode ser confirmada analisando-se as Figuras 5 e 6. A concentração de biomassa no rejeito da unidade de microfiltração foi sempre menor do que aquela encontrada no efluente bruto. Se não houvesse remoção/transformação de SSV no reator R2, os valores de SSV no rejeito seriam próximos ou superiores àqueles encontrados na entrada do R2 (efluente bruto).

As eficiências médias de remoção de SSV e SST, quando considerada a unidade de microfiltração, foram avaliadas como 100%. Essa eficiência decorre do fato de que o diâmetro médio do poro da membrana utilizada para a análise de sólidos suspensos é de 0,47 µm, enquanto o diâmetro médio do poro da membrana de microfiltração utilizada no experimento é de 0,2 µm. Assim, por definição, entende-se que a eficiência seja de 100%.

pH, ácidos voláteis totais e alcalinidade total

O pH dos processos variou, durante todo o período de monitoramento, entre 6,9 e 9,3. Os valores mais frequentemente obtidos foram entre 8,3 e 8,5. Após três meses de monitoramento, foi adicionado ácido clorídrico comercial (33%) ao afluente bruto, na tentativa de reduzir o pH para que a alimentação dos reatores ficasse na faixa ótima indicada para a digestão anaeróbia. Entretanto, devido à alta capacidade de tamponamento apresentada por esse lixiviado, possível resultado da presença de compostos inorgânicos que não foram determinados, em poucas horas, o pH do afluente bruto já voltava à condição inicial (pH elevado).

O fato de os reatores terem operado com pH fora da faixa ótima da digestão anaeróbia pode ser a principal justificativa para os baixos desempenhos dos reatores R1 e R2 individualmente, com eficiências de remoção de DQO de 21,51 e 53,76%, respectivamente. O tempo de detenção hidráulica utilizado para filtros anaeróbios no tratamento de lixiviado de aterro sanitário pode passar de 50 dias para obter uma eficiência de 90%. Neste experimento, optou-se por tempos mais baixos (2,04 dias) para que a avaliação comparativa entre os dois sistemas fosse mais efetiva. Esse baixo tempo de detenção hidráulica pode ser outro fator a influenciar a eficiência de remoção. No reator R2, essa influência foi diminuída devido ao reciclo. Nas Figuras 7, 8 e 9 são apresentadas as concentrações de ácidos voláteis totais, as alcalinidades e os valores da relação de AVT/AT, respectivamente, obtidos para os diferentes pontos dos processos.




A maioria dos valores de ácidos voláteis totais foram inferiores a 1.667 mg CaCO3/L ( equivalente a 2.000 mg CH3COOH/L). Esse valor foi superado no 28º dia na saída do reator R1 e do 33º dia ao 82º dia no afluente bruto. Embora valores dessa magnitude possam provocar toxicidade às arqueias metanogênicas independentemente do pH (MCCARTY, 1964), o valor para R1 foi um ponto isolado, não mostrando tendência no comportamento do processo. Já no período em que os valores de ácidos voláteis equivalentes a ácido acético do afluente bruto estavam acima de 2.000 mg CH3COOH/L, notou-se que a concentração de ácidos voláteis na saída do reator R1 estevena média de 506 mg CaCO3/L (607 mg CH3COOH/L), bem abaixo do valor médio encontrado para a concentração de ácidos voláteis no afluente bruto (3.013 mg CaCO3/L, equivalente a 3.616 mg CH3COOH/L).

Esse comportamento mostrou a capacidade de tamponamento do R1 e atividade da biomassa suficiente para que não ocorresse desequilíbrio, mantendo-se a estabilidade do processo.

Considerando-se o balanço de massa para ácidos voláteis, verifica-se que uma parcela de 46,70% da DQO removida no reator R1 correspondeu a ácidos voláteis. Já no reator R2, a parcela correspondente a ácidos voláteis foi de 17,28% da DQO removida. Tendo em vista que a remoção de DQO foi maior no reator R2, pode-se concluir que a ação microbiológica (atividade de biomassa) foi muito superior nesse reator, ou seja, houve uma remoção efetiva de matéria orgânica e não somente uma retenção física realizada pela membrana de microfiltração. Também, através dos valores correspondentes a ácidos voláteis de DQO removida, pode-se inferir que uma parcela significativa da remoção de DQO foi realizada pela atividade acetoclástica (degradação de ácido acético) da biomassa. Em relação ao reator R2, pode-se afirmar que houve uma transformação de matéria orgânica mais complexa para ácidos voláteis e produção de metano devido à retenção de biomassa e sua aclimatação.

Pode-se observar, nas Figuras 7 e 8, que nos pontos onde a concentração de ácidos voláteis do afluente bruto apresentava-se mais elevada, a alcalinidade também estava elevada. Isso pode ser explicado pela atividade da célula do aterro. Também é notável, através dessas figuras, que, nos pontos onde a concentração de ácidos voláteis do afluente bruto estava elevada, o reator R1 apresentava baixa concentração de ácidos voláteis e elevada alcalinidade. Esse fato pode ser considerado resultado da biodegradação desses ácidos.

Contrariamente ao esperado, a alcalinidade total do reator R2 apresentou valor inferior ao do afluente bruto, mesmo desconsiderando-se os dados do afluente bruto para o período em que o reator R2 não estava em operação (valor médio de 3.804 mg CaCO3/L para afluente bruto). Uma possível explicação para esse fato é a compressão e descompressão às quais a alimentação da unidade de microfiltração está sujeita, que podem provocar uma alteração no equilíbrio das espécies químicas envolvidas na alcalinidade (CO2, OH-, HCO3-, H2CO3). O efeito da compressão pode alterar o equilíbrio do sistema carbônico, solubilizando maior quantidade de CO2, o que é explicado pela Lei de Henry. Quando ocorre a descompressão, o CO2 é liberado, provocando alteração das espécies e o surgimento da OH- livre (BEAL, 2004).

Na avaliação da relação AVT/AT, praticamente todos os valores dos reatores R1 e R2 mantiveram-se abaixo de 0,3, ou seja, na faixa ideal (STEIN; MALONE, 1980). A única exceção foi o reator R1, que atingiu o valor de 0,5, o que indica distúrbios no processo. Geralmente, distúrbios dessa natureza são provenientes da elevação da concentração de ácidos voláteis no sistema. Entretanto, tal comportamento, mesmo tendo como causa tal alteração, foi somente um ponto isolado e não mostrou tendência no comportamento do processo.

Em relação ao reator R2, embora o primeiro ponto tenha atingido o valor de 0,29, possível consequência do fato de a biomassa ainda estar se ambientando, observa-se que nos pontos seguintes se evidenciou uma redução da relação AVT/AT, o que significa mais estabilidade do processo.

Amônia livre

A concentração de nitrogênio amoniacal total não alcançou, em nenhum dos pontos avaliados durante todo o monitoramento, valores superiores 1.400 mg/L. Os reatores R1 e R2 e o afluente bruto, em algumas, circunstâncias ultrapassaram 1.000 mg/L, enquanto o permeado e o rejeito da membrana não superaram esse valor.

Assim, os reatores anaeróbios operaram em uma faixa indefinida de efeito (faixa entre 'sem efeitos adversos' e 'inibição'), ou seja, não está descartada a hipótese de inibição. Porém, avaliando-se a concentração de amônia livre, na Figura 10 percebe-se que todos os pontos de coleta avaliados ultrapassaram as quantidades de 80, 100 e 150 mg/L no decorrer do monitoramento, indicando uma possível toxicidade às arqueias metanogênicas. Isso pode ter ocorrido porque o pH do processo estava elevado e o equilíbrio do sistema amônia-amônio se deslocou, de modo a produzir amônia livre.


Comportamento hidrodinâmico dos reatores

A velocidade ascensional foi de 0,05 m/h no filtro anaeróbio e 31,5 m/h no filtro anaeróbio associado à membrana. O principal efeito desses valores de velocidade ascensional está no número de Reynolds calculado: 2,9 para o filtro anaeróbio e 1.799 para o filtro anaeróbio associado à membrana. Embora os reatores tenham sido projetados para atuar em fluxo laminar, o maior valor do número de Reynolds do filtro anaeróbio em associação à membrana produziu um coeficiente maior de transferência de massa e uma taxa melhor de utilização de substrato do que no filtro anaeróbio sem a membrana. Esse fato, juntamente com a retenção de biomassa e compostos macromoleculares e a melhor distribuição de biomassa, explica um desempenho melhor do filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração. Os resultados do índice modificado de fouling (MFI) indicaram que esse índice variou durante o processo, provavelmente devido a variações da pressão e de compostos presentes no lixiviado. O filtro anaeróbio associado à membrana de microfiltração estabelece uma nova alternativa eficiente, segura e ambientalmente correta de tratamento de efluentes.

Comparação entre as duas configurações

Na Tabela 5 são apresentadas eficiências de remoção de DQO de processos de tratamento de lixiviado. Pode-se observar que as eficiências de remoção encontradas na literatura para tempos de detenção hidráulica e carga orgânica com valores próximos ao deste experimento em diferentes processos normalmente são baixas.

Os resultados obtidos aqui mostram que a associação de uma unidade de microfiltração aumenta consideravelmente a eficiência do processo anaeróbio no tratamento de lixiviado. Na Tabela 6 são apresentadas as eficiências médias de remoção de DQO, SSV, SST e turbidez dos reatores da UMF e da associação R2-UMF. Com as informações contidas nesta tabela, pode-se verificar a eficiência superior de remoção ou retenção da associação R2-UMF em relação aos reatores R1 e R2 em todos os parâmetros considerados (DQO, SSV, SST e turbidez).

A associação R2-UMF apresentou eficiência média de 90,4% e máxima de 98,5% para remoção de DQO. Quanto à remoção de turbidez, foram apresentadas eficiências média e máxima de 90,3 e 98,0%, respectivamente.

Também pode ser constatado, analisando-se a Tabela 6, que o reator R2 apresentou maior eficiência do que o reator R1 para DQO, SSV e SST. Quando analisada a turbidez, o reator R1 mostrou maior eficiência em relação ao R2, porém, considerando o efluente tratado como o permeado, fica patente a importância da membrana no aumento da sua qualidade.

Conclusões

Os resultados obtidos neste experimento permitem concluir que a associação de uma unidade de microfiltração aumenta consideravelmente a eficiência do processo anaeróbio no tratamento de lixiviado.

Os resultados alcançados no que diz respeito ao comportamento da biomassa no interior dos reatores R1 e R2 colocam em evidência o efeito do reciclo do rejeito da membrana dentro do reator associado a ela (R2). A manutenção da biomassa em associação à sua distribuição homogênea ao longo do reator é um aspecto que garantiu a maior eficiência média do reator R2 em relação ao R1. Além disso, o maior número de Reynolds (devido à velocidade ascensional maior), no reator R2, permitiu que houvesse atuação com um maior coeficiente de transferência de massa, fator decisivo para eficiência do processo.

O fato dos reatores terem operado com pH fora da faixa ótima da digestão anaeróbia, associado às concentrações consideráveis de nitrogênio amoniacal na forma de amônio e de amônia livre, pode ser a principal justificativa para os baixos desempenhos dos reatores, principalmente de R1. Os valores obtidos para ácidos voláteis totais, durante todo o monitoramento, não apresentaram significância para se inferir que tenha ocorrido toxicidade por conta desses parâmetros. Além disso, na faixa de pH na qual os reatores operaram, os ácidos voláteis encontram-se em sua forma dissociada, que é a menos tóxica.

Pôde-se observar que as eficiências de remoção encontradas na literatura para tempos de detenção hidráulica e carga orgânica com valores próximos ao deste experimento em diferentes processos, normalmente, são baixas. Sendo assim, a associação R2-UMF que apresentou um resultado de remoção de DQO de 90,4%, torna-se um sistema bastante atraente para o tratamento de lixiviados gerados em aterro sanitário, até mesmo nesse curto tempo de detenção hidráulica estudado.

Dessa forma, fica claro que a existência de uma unidade de microfiltração para reter biomassa e compostos macromoleculares promove um aumento substancial na eficiência do processo, com reduzido tempo de detenção hidráulica para esse tipo de efluente. Esse processo (reator anaeróbio associado à membrana de microfiltração) permite, também, que menores áreas sejam destinadas ao tratamento de efluentes, o que pode significar aproveitamento da área de um aterro sanitário para construção de novas células.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Caixa Econômica Federal, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) pelo apoio. Este projeto foi desenvolvido no Edital 4 do Programa de Pesquisas em Saneamento Básico (Prosab).

Recebido: 9/4/07

Aceito: 14/08/09

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      09 Abr 2007
    • Aceito
      14 Ago 2009
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