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O ATIVISMO DIGITAL DAS CRIANÇAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

CHILDREN’S DIGITAL ACTIVISM IN TIMES OF PANDEMIC

ACTIVISMO DIGITAL INFANTIL EN TIEMPOS DE PANDEMIA

RESUMO

O presente trabalho, realizado pelo viés da Sociologia da Infância, tem como objetivo principal apresentar algumas das ações das crianças consideradas digital influencers para a promoção de conscientização e enfrentamento daCovid-19. A recolha dos dados foi realizada a partir de uma etnografia digital, analisando as redes sociais e notícias vinculadas na mídia de onze crianças de diferentes países (Brasil, Estados Unidos, Uganda e Suécia). Foi possível identificar que a Internet tem possibilitado uma visibilidade a grupos minoritários, como as crianças, permitindo que esse grupo social se engaje em ações que considera relevantes, obtendo maior visibilidade de suas lutas por meio das redes e acessando pessoas que até então eram desconsideradas nas agendas dos movimentos sociais.

Palavras-chave
Crianças; Redes sociais; Participação cívica; Ativismo; Pandemia

ABSTRACT

The present work has as main objective to present some of the actions of children considered digital influencers to promote awareness and coping for preventing Covid-19. The data collection was carried out from a digital ethnography, analyzing the social medias and linked news in the media of eleven children from different countries (Brazil, United States, Uganda and Sweden). It was possible to identify that the Internet has enabled visibility to minority groups, such as children, allowing this social group to engage in actions that they consider relevant in an articulated way, obtaining greater visibility of their activism through social media and accessing people who until then were disregarded in the agendas of social movements.

Keywords
Children; Social media; Civic participation; Activism; Pandemic

RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo principal presentar algunas de las acciones de los niños considerados influencers digitales para promover la conciencia y el afrontamiento del Covid-19. La recolección de datos se realizó a partir de una etnografía digital, analizando las redes sociales y noticias enlazadas en los medios de once niños de diferentes países (Brasil, Estados Unidos, Uganda y Suecia). Se pudo identificar que Internet ha permitido visibilizar a grupos minoritarios, como los niños, permitiendo que eso grupo social se involucre en acciones que considere relevantes, obteniendo mayor visibilidad de sus luchas y accediendo a personas que hasta ese momento estaban desatendidas en las agendas de los movimientos sociales.

Palabras-clave
Niños; Redes sociales; Participación cívica; Activismo; Pandemia

Introdução

Ao final de 2019, o mundo foi alertado sobre um vírus que causaria a principal crise de saúde global desta geração, causando impacto nas estruturas políticas, sociais e econômicas de todos os continentes. De acordo com Adhikari et al (2020)ADHIKARI, S. et al. Epidemiology, causes, clinical manifestation and diagnosis, prevention and control of coronavirus disease (Covid-19) during the early outbreak period: a scoping review. Infectious Diseases of Poverty, London, v. 9, n. 29, 2020. https://doi.org/10.1186/s40249-020-00646-x
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, o coronavírus (cuja manifestação foi identificada como Covid-19), pertence a uma família de vírus que pode causar diferentes sintomas, como febre, pneumonia, dificuldade respiratória e infecção pulmonar, sendo constatada pelos especialistas a facilidade de propagação do vírus de pessoa para pessoa, mesmo quando não são apresentados sintomas (FARIA, 2020FARIA, N. Estudo: testes à Covid-19 deram positivo para metade das pessoas sem sintomas nem contactos de “risco”. Jornal Público, 2020. Disponível em: https://www.publico.pt/2020/05/03/sociedade/noticia/covid19-testes-deram-positivo-metade-pessoas-assintomaticas-contactos-risco-1914848. Acesso em: 05 maio 2020.
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).

Com o aumento de casos em todo o mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência na saúde pública global, caracterizando a Covid-19 como uma pandemia em 11 de março de 2020 (WHO, 2020aWHO [WORLD HEALTH ORGANIZATION]. Novel Coronavirus (2019-nCoV). Situation Report. Organização Mundial de Saúde, 2020a. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200121-sitrep-1-2019-ncov.pdf?sfvrsn=20a99c10_4. Acesso em: 10 maio 2020.
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). Como estratégia de prevenção, a OMS buscou alertar as medidas necessárias para a população global, sendo orientado que a melhor maneira de proteção seria evitar a exposição ao vírus, com uso de máscara e atenção aos hábitos de higiene pessoal, além do isolamento social como a ação mais eficaz para conter a disseminação do vírus.

Alguns países seguiram de imediato as medidas adotadas, decretando o isolamento social para a contenção da doença (CARBINATTO, 2020CARBINATTO, B. Um terço da população mundial está sob quarentena. Super Interessante, 26 mar. 2020. Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/um-terco-da-populacao-mundial-esta-sob-quarentena/. Acesso em: 21 maio 2020.
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). Entretanto, outros buscaram priorizar aspectos econômicos, decidindo contra o isolamento ou defendendo o isolamento vertical (estratégia de resguardar apenas os mais suscetíveis ao coronavírus), que comprovadamente foi avaliado por especialistas como algo inexistente e ineficaz (FERGUNSON et al., 2020FERGUSON, N. M. et al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce Covid-19 mortality and healthcare demand. Imperial College Covid Response Team, London, 16 Mar. 2020. https://doi.org/10.25561/77482
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; ALMEIDA-FILHO, 2020ALMEIDA-FILHO, N. O isolamento vertical defendido por Bolsonaro é uma fraude pseudocientífica. Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 22 maio 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/opiniao/o-isolamento-vertical-defendido-por-bolsonaro-e-uma-fraude-pseudocientifica-artigo-de-naomar-de-almeida-filho/48549/. Acesso em: 30 jun. 2020
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). Por existir esse conflito entre o plano da saúde pública e o da economia, o que seria incoerente, já que só é possível garantir a economia garantindo a vida das pessoas, alguns países que resistiram às recomendações da OMS foram os mais prejudicados. Estados Unidos, Reino Unido, Brasil e Itália foram alguns dos países que mais reagiram contra as medidas e onde houve maior número de mortes, de acordo com dados da OMS (WHO, 2020bWHO [WORLD HEALTH ORGANIZATION]. Painel do Coronavírus da OMS (COVID-19). Organização Mundial de Saúde, 2020b. Disponível em: https://covid19.who.int/. Acesso em: 30 jun. 2020.
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).

Existe uma discussão recente sendo realizada a partir de um estudo publicado pelo The Lancet Journal, no qual foi apontado por Horton (2020)HORTON. R. Offline: Covid-19 is not a pandemic. The Lancet Journal, London, v. 396, n. 10255, p. 874, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32000-6/fulltext. Acesso em: 13 out. 2020.
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que o novo coronavírus, em conjunto com falhas no sistema de saúde pública e com o aumento de doenças crônicas, pode ser considerado uma sindemia, não uma pandemia, já que o que tem acontecido é reflexo das desigualdades sociais existentes, em especial para grupos étnicos minoritários, idosos e trabalhadores mal remunerados que não têm acesso a recursos adequados. De acordo com o autor, “a agregação dessas doenças em um contexto de disparidade social e econômica exacerba os efeitos adversos de cada doença separada” (HORTON, 2020HORTON. R. Offline: Covid-19 is not a pandemic. The Lancet Journal, London, v. 396, n. 10255, p. 874, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32000-6/fulltext. Acesso em: 13 out. 2020.
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, p. 874). Já para Mendenhall (2020)MENDENHALL, E. The Covid-19 syndemic is not global: context matters. The Lancet Journal, London, v. 396, n. 10264, p. 1731, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32218-2/fulltext. Acesso em: 30 nov. 2020. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32218-2
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, chamar o novo coronavírus sindemia global é equivocado, pois, em outros contextos sociais diferentes dos EUA, como a Nova Zelândia, houve uma boa resposta na prevenção e na contenção da Covid-19. O que é possível identificar é que, de fato, países com contextos de maior vulnerabilidade, desigualdades sociais e onde houve uma crise das lideranças políticas sobre como gerenciar a contenção da doença estão sendo os mais afetados. Até o presente momento, houve 4.713.543 mortes em 220 países, de acordo com a OMS.

Em relação ao impacto da pandemia na vida das crianças, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2020aUNICEF. Não permitam que crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia de Covid-19. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020a. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 18 abr. 2020.
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) afirma que 99% das crianças em todo o mundo (2,34 bilhões) vivem em um dos 186 países que estão com alguma forma de restrição em virtude da Covid-19. De acordo com o relatório mencionado, 60% das crianças vivem em um dos 82 países em confinamento total (7%) ou parcial (53%), representando 1,4 bilhão de vidas (UNICEF, 2020aUNICEF. Não permitam que crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia de Covid-19. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020a. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 18 abr. 2020.
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). O objetivo principal, de acordo com o UNICEF, é, nesse momento, preservar a saúde das crianças, mantendo-as saudáveis e, principalmente, buscando alcançar aquelas que se encontram em regiões mais vulneráveis e necessitam do acesso a água, condições básicas de higiene e saneamento, além de oferecer suporte para suas famílias.

Dado que as crianças vivenciam diferentes trajetórias em decorrência da desigualdade social instalada em contextos sociais tão distintos, essas continuam sendo invisibilizadas (SARMENTO, 2007SARMENTO, M. J. Visibilidade social e estudo da infância. In: VASCONCELLOS, V. M. R; SARMENTO, M. J (orgs.). Infância (in)visível. Araraquara: Junqueira & Marin, 2007. p. 25-49.) nas ações estruturadas para o enfrentamento da pandemia. Em países mais pobres, crianças que não tem acesso à Internet ou a dispositivos eletrônicos não estão assistindo às aulas. Somado a isso, com o fechamento das escolas, as crianças mais vulneráveis têm dificuldades para o acesso à alimentação (MACHADO, 2020MACHADO, U. FAO alerta sobre crianças sem alimentos após fechamento de escolas na América Latina. ONU News, 18 mar. 2020. Saúde. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/03/1707752. Acesso em: 27 abr. 2020.
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), além de as situações de violência e abuso ficarem mais camufladas. De acordo com Marques et al. (2020)MARQUES, E. S. et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela Covid-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 4, n. 00074420, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311x00074420
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, com as medidas de isolamento social, houve um aumento de casos de violência contra a mulher e contra crianças em diferentes países, como Brasil, China, Estados Unidos, Reino Unido e França. Os autores apontam algumas consequências nos níveis sociais (escola), comunitário (competição por recursos, principalmente na área da saúde), relacional (sobrecarga de trabalho) e individual, especialmente no tocante à saúde mental (agravamento de doenças preexistentes, comportamentos agressivos ou irritabilidade com as restrições) das crianças durante o período pandêmico.

A escola é avaliada como portadora de um papel fundamental para identificar e notificar situações de violência contra crianças durante esse período, sendo apontada a importância de um olhar atento, em especial dos/as educadores/as no acionamento da rede de proteção (PLATT et al., 2020PLATT, V. B. et al. Violência contra crianças e adolescentes: notificações e alerta em tempos de pandemia. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 39, n. e2020267, Epub, 2020. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2021/39/2020267
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). Entretanto, isso se torna ainda mais desafiador, já que, de acordo com o UNICEF (2020b)UNICEF. Covid-19: mais de 95% das crianças estão fora da escola na América Latina e no Caribe, estima o UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020b. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/covid-19-mais-de-95-por-cento-das-criancas-fora-da-escola-na-america-latina-e-caribe. Acesso em: 12 maio 2020.
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, existe uma estimativa de que 154 milhões de crianças na América Latina e no Caribe estejam sem acesso às aulas em virtude das medidas de isolamento social. Em agosto de 2020, o UNICEF divulgou um novo relatório, afirmando que um terço das crianças em idade escolar – ou seja, 463 milhões de crianças no mundo – foi incapaz de acessar o ensino remoto desde que houve o fechamento das escolas.

A partir de uma análise globalmente representativa (cem países) sobre a disponibilidade de tecnologia doméstica e ferramentas necessárias para o aprendizado remoto entre crianças com diferentes faixas etárias, foi identificado pelo UNICEF (2020c)UNICEF. Covid-19: as crianças são capazes de continuar aprendendo durante o fechamento da escola? Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020c. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/remote-learning-reachability-factsheet/. Acesso em: 21 set. 2020.
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que, mesmo quando as crianças têm acesso à tecnologia e a dispositivos em casa, elas podem não ser capazes de aprender graças a fatores provenientes da casa, incluindo pressão para a realização de atividades domésticas, ser forçada a trabalhar, viver em um ambiente negativo para a aprendizagem e falta de suporte para a compreensão dos currículos on-line. Os países dos continentes africano e asiático foram avaliados no relatório com o maior número de alunos/as incapazes de acessar ensino e aprendizagem remotos.

Na Noruega, país mais desenvolvido do mundo, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, 2020IDH Global. Ranking dos países de maior IDH do mundo. Índice de Desenvolvimento Humano 2020. A próxima fronteira: o desenvolvimento humano e o Antropoceno. New York: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2020. Disponível em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2020_pt.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
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), as medidas de isolamento foram realizadas de imediato e o acesso à Internet e a dispositivos eletrônicos para assistir às aulas não é um problema para as crianças. Além disso, existem diferentes ações sendo realizadas com o intuito de ouvi-las sobre os seus receios em relação ao momento que está sendo vivido em decorrência da Covid-19. A primeira-ministra Erna Solberg realizou uma conferência de imprensa infantil (SCANDINAVIAN WAY, 2020NA NORUEGA, primeira-ministra explica o coronavírus às crianças. Scandinavian Way, 2020. Disponível em: https://scandinavianway.com.br/noruega-primeira-ministra-explica-o-coronavirus-as-criancas/. Acesso em: 19 mar. 2020.
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) para responder às dúvidas das crianças sobre o que está acontecendo. Acompanhada pelo ministro das Crianças e da Família e pela ministra da Educação, foram respondidas perguntas sobre a pandemia e os receios identificados pelas crianças nesse período.

A disparidade entre as ações e os recursos oferecidos por países desenvolvidos no momento em que se vive uma crise com impactos socioeconômicos tão devastadores, principalmente para grupos minoritários como as crianças, demonstra que elas estão ainda mais invisibilizadas em decorrência da pandemia. Na maioria dos países, as necessidades das crianças para além do acesso às aulas não estão sendo apontadas como prioridade, inclusive porque as crianças não estão sendo identificadas como grupo de risco em relação à doença (CHOI et al., 2020CHOI, S. H. et al. Epidemiology and clinical features of coronavirus disease 2019 in children. Clinical and Experimental Pediatrics, Seoul, v. 63, n. 4, p. 125-132, 2020. https://doi.org/10.3345/cep.2020.00535
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) – elas estão apenas confinadas em casa, não sendo avaliadas outras necessidades e o modo como elas podem contribuir nesse momento.

Mesmo com mudanças significativas na concepção do que é infância no ocidente, em especial a partir das contribuições da Sociologia da Infância, prevalece uma visão da criança como alguém considerado incapaz e que deve ser protegido a partir do que é avaliado pelos adultos como adequado. Qvortrup (2010)QVORTRUP, J. Infância e política. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 777-792, 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000300006
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aponta que sustentar essa concepção de afastar as crianças da economia e da política é irreal, já que elas devem ser parte de um projeto para a construção do futuro. Sarmento (2005)SARMENTO, M. J. Geração e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 91, p. 361-378, 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 13 out. 2020. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000200003
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reforça essa concepção, em conjunto com questões relacionadas a classe, gênero e cultura, oprime socialmente a infância, sendo necessário pensar por uma perspectiva crítica, articulando investigações participativas com ações promovidas na estrutura social. Com as alterações realizadas de forma tão repentina nos hábitos e modos de vida cotidiano, as crianças buscam, pelas redes sociais, compartilhar ações e reflexões sobre o que tem acontecido, bem como estratégias de mobilização para contribuir para a prevenção da doença sem sair de suas casas.

Essa forma de mobilização on-line não é algo novo e que surgiu em decorrência da pandemia. Para Livingstone (2013)LIVINGSTONE, S. Children’s internet culture: power, change and vulnerability in twenty-first century childhood. London: Taylor & Francis, 2013. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/63975/. Acesso em: 05 ago. 2019.
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, atualmente, houve uma reorganização das esferas sociais, familiares, do entretenimento e da rotina das crianças, que foram sendo alteradas e conduzidas por meio da Internet e para a Internet. A autora aponta que, enquanto, antigamente, as crianças esperavam e se acomodavam à cultura dos adultos, hoje, com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), elas são consideradas pioneiras na exploração desses espaços, o que lhes permite oportunidades digitais que proporcionam o desenvolvimento de identidade, socialidade, aprendizado e participação.

Como as redes sociais são espaços cada vez mais acessados por crianças, esses ambientes promovem interações e articulações para diferentes questões que lhes interessam. Por esses espaços, essas crianças têm alcançado um número considerável de seguidores em suas plataformas, sendo nomeadas pela indústria cultural como digital influencers, dadas as amplas visibilidade e influência que possuem no comportamento de seus pares com o conteúdo que publicam.

Essa participação tem sido cada vez mais relevante para alertar sobre problemas sociais que estão ocorrendo nos níveis local e global e, pela Internet, pessoas estão tendo a oportunidade de se manifestar e criar comunidades, tanto on-line quanto offline, de modo a lutar por seus direitos e expressar sua indignação contra injustiças sociais que acontecem ao redor do mundo. De acordo com Pathak (2014)PATHAK, J. Digital Activism through social media; its applicability in creating political awareness in India. In: Popular Culture: a cliché or empowering the masses? 2014, Departamento de Comunicação e Jornalismo, Universidade Guwahati, Guwahati, v. 2, 2014., o ativismo digital utiliza as redes sociais para promover uma comunicação mais rápida e eficaz com movimentos sociais e com uma ampla audiência. Segundo o autor, as plataformas digitais são usadas em todo o espectro do ativismo on-line, o que envolve desde campanhas políticas locais até movimentos sociais globais.

Houve um período em que a expressão “ativismo de sofá” foi bastante utilizada, mas muitas vezes em um tom pejorativo, para criticar as ações realizadas pela nova geração, sendo essa estratégia apontada como forma de enfraquecimento de ações e protestos realizados em espaços públicos. Entretanto, o filósofo e sociólogo Pierre Lévy, referência na área da cibercultura, foi questionado em uma entrevista sobre o ativismo de sofá e legitimou essa ação como válida, reforçando que os movimentos democráticos, pela rede, permitem uma inteligência coletiva mais habilidosa e reflexiva, e que vai permitir maior transparência dos governos em diferentes âmbitos (LUPION, 2013LUPION, B. Não sou contra o ativismo de sofá, afirma o filósofo francês Pierry Levy. Estadão, 2013. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nao-sou-contra-o-ativismo-de-sofa-afirma-o-filosofo-frances-pierre-levy,1007313. Acesso em: 13 abr. 2020.
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).

Para Dencik e Wilkin (2018)DENCIK, L.; WILKIN. Digital activism and the future of worker resistance. In: MEIKLE, G. (ed.). Routledge Companion to Media and Activism. [s. l.]: Routledge, 2018. p. 125-133., os modos digitais de ativismo permitem estratégias mais espontâneas e inclusivas, diferentemente de uma forma de organização política tradicional, que necessita, em muitos casos, de hierarquia e estrutura mais rígidas para promover uma mudança social. Pela realização e a participação em abaixo-assinados, petições on-line, fóruns e redes sociais, é possível ter uma organização com pessoas de diferentes lugares do mundo e permitir que essas vozes, principalmente de grupos minoritários, como as crianças, sejam ecoadas, ouvidas e compartilhadas, em especial em um momento em que a única estratégia segura de mobilização é através da Internet.

No que se refere a essas participação e mobilização on-line, de acordo com Cohen e Kahne (2013)COHEN, C.; KAHNE, J. Participatory politics. New Media and Youth Political Action. Youth & Participatory Politics Survey Project. Chicago: MacArthur Research Network on Youth & Participatory Politics/University of Chicago and Mills College, 2013., crianças e jovens que se engajam na política participativa digital têm muito mais probabilidade de se engajar na participação política offline. Para os autores,

[...] políticas participativas são atos interativos, baseados em pares, não guiados por deferência a elites ou instituições formais e destinados a abordar questões de interesse público. Embora a política participativa possa ser praticada offline, esses atos são frequentemente facilitados por meio de plataformas on-line. Os exemplos incluem iniciar um novo grupo político on-line, escrever e divulgar um blog sobre uma questão política, encaminhar um vídeo político engraçado para a rede social de alguém ou participar de um slam de poesia. A política participativa fornece uma maneira em que indivíduos e grupos podem potencialmente exercer voz e influência.

(COHEN; KAHNE, 2013COHEN, C.; KAHNE, J. Participatory politics. New Media and Youth Political Action. Youth & Participatory Politics Survey Project. Chicago: MacArthur Research Network on Youth & Participatory Politics/University of Chicago and Mills College, 2013., p. 02).

Crianças acompanhadas por suas produções, tanto na Internet quanto fora dela, ocuparam diferentes espaços na rede para sensibilizar sobre a contenção do vírus. Neste trabalho, serão apresentadas ações de algumas crianças que possuem o status de digital influencers e têm utilizado sua influência e visibilidade na rede para realizar mobilizações que promovam informação sobre formas de prevenção e estratégias de enfrentamento da Covid-19.

Método

A presente investigação é resultado de um estudo elaborado para a tese de doutorado Participação cívica de crianças em espaços on-line: A ocupação das redes sociais por crianças digital influencers. Em decorrência da pandemia, foi avaliada a importância de investigar as ações das crianças durante esse período, sendo coletados dados por meio de uma etnografia digital, que permite analisar “fenômenos digitais e a possibilidade de serem compreendidos em suas próprias experiências” (FERRAZ, 2019FERRAZ, C. P. A etnografia digital e os fundamentos da Antropologia para estudos em redes on-line. Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v. 12, n. 35, p. 46-69, 2019. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/aurora/article/download/44648/pdf. Acesso em: 23 set. 2020. https://doi.org/10.23925/v12n35_artigo3
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, p. 54). As crianças apresentadas nesta investigação foram acompanhadas por meio de diferentes plataformas (Instagram, Twitter, TikTok e YouTube), e a seleção dos participantes foi concebida de modo que, ao adicionar um perfil, o algoritmo sugerisse outros semelhantes de crianças ativistas e influenciadoras de diferentes países, sendo identificadas por meio de uma análise desses perfis e de notícias vinculadas na mídia quais crianças estavam promovendo ações de prevenção e estratégias de enfrentamento à Covid-19. Além disso, foram selecionadas crianças que possuíam um número de seguidores acima de 5 mil pessoas em uma de suas redes sociais. É válido salientar que a condução da etnografia da presente investigação foi realizada a partir do que é proposto por Morton (2001)MORTON, H. Computer-Mediated Communication in Australian Anthropology and Sociology. Social Analysis Journal of Cultural and Social Practices, Adelaide, v. 45, n. 1, p. 3-11, 2001. https://doi.org/10.2307/23169987
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, o qual aponta que uma das formas de utilizar esse método é por meio de uma análise distante (distanced research), sendo efetuada uma observação não participante das interações e publicações dos participantes em determinados ambientes on-line.

Neste trabalho, serão apresentadas as ações de onze crianças (sete do gênero feminino e quatro do gênero masculino), sendo identificadas por raça (atribuída pela pesquisadora) e país de origem. Considerando que o acesso à Internet e às plataformas digitais não está disponível para todos, pode-se afirmar, pelas notícias vinculadas na mídia e as informações acerca dos responsáveis por essas crianças, que em sua maioria são provenientes de famílias da classe trabalhadora autônoma, demonstrando ser de classe média.

Analisou-se o tipo de interação que produzem com os seguidores (crianças e adultos), o tipo de conteúdo que publicam regularmente, as entrevistas para a mídia, bem como as ações das crianças relacionadas à pandemia com empresas e organizações não governamentais. Conforme apontado por Standlee (2017)STANDLEE, A. Digital ethnography and youth culture: methodological techniques and ethical dilemmas. Researching Kids and Teens: Methodological Issues, Strategies, and Innovations. Sociological Studies of Children and Youth, Greenwich, v. 22, p. 325-348, 2017. https://doi.org/10.1108/S1537-466120180000022015
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, a prática de coleta de dados em ambientes digitais difere dos levantamentos presenciais, sendo as observações concentradas por meio de dados públicos disponibilizados na Internet. Esta análise etnográfica foca nas publicações referentes ao contexto da pandemia, iniciando observações e registros de março a dezembro de 2020. Os dados coletados serão apresentados a seguir.

Resultados e Discussão

Na Europa, Greta Thunberg, uma ativista climática sueca, branca, de 17 anos, que ficou mundialmente conhecida ao criar o movimento “fridaysforfuture”, por meio do qual todas as sextas-feiras realiza manifestações para o combate à crise climática, também promoveu, em parceria com o UNICEF, uma campanha para salvar e proteger as crianças mais vulneráveis afetadas pelo coronavírus. Em um comunicado divulgado pelo UNICEF (2020d)UNICEF. Greta Thunberg e a ONG Human Act lançam uma campanha de coronavírus impulsionada pelos direitos da criança para a UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020d. Disponível em: https://www.unicef.org/timorleste/press-releases/greta-thunberg-and-ngo-human-act-launch-child-rights-driven-coronavirus-campaign. Acesso em: 17 maio 2020.
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, Greta afirma que,

[...] como a crise climática, a pandemia do coronavírus é uma crise nos direitos da criança. Afetará todas as crianças agora e a longo prazo e serão os grupos vulneráveis mais impactados. Peço a todos que se unam a mim para apoiar o trabalho vital do UNICEF para salvar a vida das crianças, proteger a saúde e dar continuidade à educação.

(UNICEF, 2020dUNICEF. Greta Thunberg e a ONG Human Act lançam uma campanha de coronavírus impulsionada pelos direitos da criança para a UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020d. Disponível em: https://www.unicef.org/timorleste/press-releases/greta-thunberg-and-ngo-human-act-launch-child-rights-driven-coronavirus-campaign. Acesso em: 17 maio 2020.
https://www.unicef.org/timorleste/press-...
).

Além da divulgação da campanha, a ativista doou um prêmio de US$ 100.000 que ganhou do UNICEF para a luta contra o coronavírus. Ela também recebeu o prêmio dos Embaixadores da Consciência, realizado pela Anistia Internacional. Até o presente momento, ela possui 4 milhões de seguidores no Twitter e mais de 10 milhões no Instagram. Por meio dessas plataformas, ela promove mobilizações ao redor do mundo contra a crise climática e publica informações sobre o que tem acontecido em diferentes países, bem como seus discursos sobre a importância das mobilizações política e social para providenciar ações efetivas contra as mudanças climáticas.

Greta é uma das crianças mais influentes na atualidade, sendo possível identificar, pelos seus perfis, que outras crianças visualizam a sua luta e o seu ativismo como essenciais para o enfrentamento da crise climática e da pandemia. Em publicação no Twitter, Greta escreveu: “Solidariedade, ciência e bom senso devem estar sempre em primeiro lugar em todas as crises. Proteja as pessoas mais afetadas e vulneráveis, tanto a longo prazo como a curto prazo. Então, mais uma vez, vamos todos agir com responsabilidade. #achataracurva #lutecontratodasascrises” (UNICEF, 2020dUNICEF. Greta Thunberg e a ONG Human Act lançam uma campanha de coronavírus impulsionada pelos direitos da criança para a UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020d. Disponível em: https://www.unicef.org/timorleste/press-releases/greta-thunberg-and-ngo-human-act-launch-child-rights-driven-coronavirus-campaign. Acesso em: 17 maio 2020.
https://www.unicef.org/timorleste/press-...
). Esse tweet teve mais de 8.300 curtidas, 1.281 compartilhamentos e 108 comentários.

Nos comentários, constam mensagens como “quando adolescentes estão se conscientizando e não apenas espalhando o alerta entre as pessoas, você sentirá que existe uma oportunidade para este planeta prosperar”. Essa mensagem foi enviada por um garoto do Iraque, de 16 anos, na postagem realizada por Greta. Em outra mensagem recebida, outra criança afirma: “Eu te amo, Greta, você faz mais sentido do que a maioria dos humanos.” Embora a maioria dos comentários seja positiva e gere uma discussão sobre o tema, outros buscam minimizar as ações da ativista: “Você não tem dever de casa pra fazer? As provas de dezembro estão se aproximando, vá estudar.” Logo abaixo desse comentário, um adulto respondeu: “Por que estudar quando você recebe milhões?” com uma nova resposta “hahaha, ela está sendo paga pra ter acessos de raiva”. É possível identificar que Greta é uma das crianças que mais recebe comentários ofensivos ou que é questionada por sua postura nas redes sociais, sendo em sua maioria mensagens enviadas por adultos ou por perfis falsos.

Uma criança do Brasil que tem sido bastante acompanhada pelos vídeos que produz na rede é o Kaique Brito, negro, de 17 anos, residente da cidade de Salvador (BA). Em 2019, ele começou a compartilhar no aplicativo TikTok vídeos curtos e bem-humorados fazendo dublagens de falas de personalidades, representantes políticos ou de situações de racismo. Com o Governo Federal brasileiro sendo contra o isolamento social, Kaique tem publicado vídeos criticando esse posicionamento. Além disso, o influencer também produziu um vídeo intitulado “estude, e se não tiver Internet, você que lute” (BRITO, 2020BRITO, K. Estude!! e se não tiver internet, você que lute!! #adiaenem. 09 maio 2020. Twitter: @kaiquebritor. Disponível em: https://twitter.com/kaiquebritor/status/1259281674447261704?s=09. Acesso em: 09 maio 2020.
https://twitter.com/kaiquebritor/status/...
), no qual criticou a decisão do Ministério da Educação do país, que não queria adiar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em um momento de pandemia.

A postagem do conteúdo produzido por Kaique teve mais de 18 mil curtidas no Twitter, 2.346 compartilhamentos e 295 comentários, sendo publicadas pelos seguidores mensagens como “Kaique, você é um mito”, “suas edições são incríveis”, “essa versão realmente ficou melhor do que a propaganda oficial...”. Apesar da maioria dos comentários positivos, perfis que apoiam o atual governo no Brasil criticaram o vídeo.

No Brasil, por conta das desigualdades sociais, nem todos/as alunos/as estão tendo acesso às aulas, seja em função da falta de acesso à Internet, seja por não possuírem dispositivos eletrônicos, ou mesmo pelo fato de que muitas escolas da rede pública de ensino não estão realizando atividades remotas. O Enem avalia estudantes do ensino secundário e permite, pela realização de uma prova, o ingresso em universidades do país. Após pressão popular, em especial pelas redes sociais, houve o adiamento da data para a realização do exame. Além disso, Kaique publicou um vídeo no qual critica o posicionamento do presidente em incentivar o uso da cloroquina no combate à Covid, já que não houve comprovações científicas sobre a eficácia do medicamento em relação à doença. Atualmente, Kaique tem 119 mil seguidores no Instagram, mais de 161 mil no TikTok e 214 mil seguidores no Twitter. Inclusive, ao ser bloqueado pelo atual presidente do Brasil no Twitter, Kaique fez um vídeo celebrando com a legenda “os dias de glória chegaram”, conteúdo que viralizou, chegando a 131 mil curtidas, 11,5 mil compartilhamentos e quase 2 mil comentários. Alguns comentários recebidos foram reportados por violar os termos de uso do Twitter. Kaique deu entrevista para alguns veículos sobre ser bloqueado pelo presidente, considerado inadequada a atitude do atual chefe de Estado. Em entrevista ao jornal Extra, o influencer respondeu:

Fico me perguntando o que se passa pela cabeça do presidente. Sou um adolescente de 15 anos. Que mal eu poderia fazer para ele? Assim como outros usuários do Twitter e do Instagram, faço comentários nas postagens e algumas dublagens dos discursos dele. Eu não lembro o que ele escreveu, mas eu comentei: “Aleluia, arrepiei’’ [...]. E ele, simplesmente, me bloqueou. Sinceramente, acho um absurdo o presidente bloquear as pessoas de sua rede social. Se eu pudesse conversar com ele, falaria para levar mais a sério o cargo que ocupa e o mandaria ir trabalhar. Porque não é possível que no meio de uma pandemia ele esteja se comportando como um adolescente inconsequente.

(RIGEL, 2019RIGEL, R. Aos 15 anos, influencer Kaique Brito diverte as redes e irrita Bolsonaro: “Um absurdo o presidente bloquear as pessoas”. Jornal Extra, 2019. Disponível em: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/aos-15-anos-influencer-kaique-brito-diverte-as-redes-irrita-bolsonaro-um-absurdo-presidente-bloquear-as-pessoas-24477823.html.Acesso em: 19 jun. 2020.
https://extra.globo.com/tv-e-lazer/aos-1...
, s/n).

Outra criança da mesma cidade de Kaique chamou atenção na rede sobre suas publicações envolvendo a pandemia. Vinícius Oliveira Santos, negro, 13 anos, tem utilizado sua plataforma para produzir vídeos com humor sobre a Covid-19. Ao criar um vídeo ligando para o coronavírus e dizendo para ele “ir embora” e deixar as pessoas em paz, com um jeito bem-humorado, teve quase 2 milhões de acessos apenas pelo Instagram.

Além dessa publicação, Vinícius também postou um vídeo no Instagram utilizando máscara e afirmando que ouviu boatos pelo WhatsApp de que um país havia desenvolvido um “remédio” para a cura do coronavírus e não iria disponibilizar para os brasileiros. No vídeo, Vinícius aponta que:

Eu só vim aqui dizer um recado mesmo, aliás, desabafar, sabe por quê? [...] Eu ouvi boatos que um país aí inventou um remédio 100% cura do coronavírus e excluiu a gente. Aí eu falo pra vocês... Que egoísmo é esse? Que egoísmo é esse? Eles quer sair, a gente também quer, eles quer ir pra festa, a gente também quer, a gente é ser humano também, viu? A gente tem vida também, viu? A gente tem escola pra estudar também, pra ser alguém na vida também, viu? Dê esse remédio pra gente, não exclua, eu não vou ficar por baixo não, com o dinheiro do meu auxílio [auxílio emergencial que está sendo disponibilizado para a população pelo Governo Federal] eu vou comprar minha passagem, vou tomar minha vacina e vou ficar imunizado do coronavírus.

(SANTOS, 2020SANTOS, A. P. Estudante é vítima de racismo em troca de mensagens de alunos de escola particular da Zona Sul do Rio. Portal G1, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/05/20/estudante-e-vitima-de-racismo-em-troca-de-mensagens-de-alunos-de-escola-particular-da-zona-sul-do-rio.ghtml. Acesso em: 16 ago. 2020.
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/n...
).

O vídeo teve mais de 700 mil visualizações e quase 3 mil comentários. Nos comentários, a maioria de adultos respondeu com sorrisos e mensagens como “vou pegar carona dele e vou também tomar minha vacina”, “o dinheiro do meu auxílio é pra passagem”, “gostei da máscara, Vini! Tá no caminho certo!” Só nessa rede social, Vinícius tem mais de 2 milhões de seguidores.

A preocupação de Vinícius ao compartilhar seu receio de não ter acesso a vacina e não poder sair de casa e voltar para a escola refere-se a uma matéria divulgada em maio de 2020, que afirma que o Brasil poderia ser um dos últimos países a receber a vacina para a Covid-19 em decorrência da falta de investimento do país e de conflitos causados pelo posicionamento do Presidente da República Jair Bolsonaro sobre as medidas indicadas pela OMS para auxiliar na contenção do vírus. Com isso, de acordo com informações disponibilizadas na mídia, o país não teria sido convidado para participar da campanha “Colaboração global para acelerar o desenvolvimento, produção e acesso equitativo a diagnósticos, tratamento e vacina contra a Covid-19”. O objetivo era reunir países e diferentes organizações com o intuito de financiar o desenvolvimento da vacina e outros instrumentos contra a pandemia. Pelo conteúdo disponibilizado por Vinícius, é possível identificar que há crianças atentas às decisões políticas que estão sendo tomadas pelo país, bem como o modo com que essas crianças avaliam o impacto nas suas vidas cotidianas.

McSoffia, negra, rapper e influencer de 17 anos, residente de São Paulo (SP), foi uma das convidadas, juntamente com um médico e terapeuta, pelo UNICEF Brasil para participar de uma campanha da organização intitulada #coronanareal, com o tema “Dá pra ficar bem em casa?”. Foi realizada uma live na rede social Instagram e, em sua participação, a primeira dica que McSoffia buscou oferecer foi seguir as recomendações de higiene para evitar a contaminação (lavar bem as mãos, utilizar álcool em gel e máscara em locais públicos, evitar contato com o rosto). Ela sensibilizou para a importância de ter empatia com o próximo, realizando, quando possível, doações para organizações e para sua própria comunidade e, em especial, reforçou a importância de denunciar situações de violência doméstica, já que houve um aumento no número de casos desde o início do isolamento social. Ela afirmou que “se você é um vizinho, um parente e está percebendo que algo está acontecendo, denuncie”.

Além disso, McSoffia reforçou a dificuldade que crianças, em especial negras e pobres que não tem acesso a equipamentos para assistir às aulas, estão tendo em decorrência da pandemia, indicando a importância do suporte do Estado para minimizar tais dificuldades, as quais ocorrem em diferentes regiões do Brasil. Como estratégia para ocupar o tempo, ela relatou sua experiência, indicando a leitura de livros, ouvir música e estar com a família, já que, de acordo com ela, muitas pessoas não podem ter um contato mais próximo e uma relação mais íntima com os pais, que precisam sempre estar fora, sendo essa uma oportunidade para aproveitar momentos em família. Ao final, ela cantou um trecho do seu mais novo single Empoderada. McSoffia ficou nacionalmente conhecida em 2015, ao publicar no YouTube e nas redes sociais seus videoclipes, como Brincadeira de Menina, Menina Pretinha e Minha Rapunzel tem Dread. Atualmente, é acompanhada por mais de 386 mil seguidores no Instagram e mais de 690 mil no TikTok. Nos comentários do perfil do UNICEF, pessoas enviaram mensagens como “foi incrível, muito obrigada por todas as dicas e reflexões” e “foi simplesmente maravilhosa a live”.

Fatou Ndiaye, negra, 15 anos, residente do Rio de Janeiro (RJ), foi vítima de racismo em sua escola por meio de mensagens trocadas pelo aplicativo WhatsApp. O caso teve repercussão nacional no Brasil e, desde então, Fatou Ndiaye tem buscado dar visibilidade à sua luta contra o racismo, bem como promover a África Arte, empresa especializada em moda, gerida por sua família. Atualmente, tem utilizado suas redes sociais para apresentar as ações positivas que têm sido realizadas por países do continente africano para prevenção e contenção da Covid-19. Em junho, Fatou publicou que todas as máscaras compradas no site da África Arte serão destinadas para a compra de computadores e a instalação de Internet para duas famílias de Belo Horizonte terem acesso à educação. Na publicação, a influencer relata que conheceu a história de dois garotos pelo Twitter que não tinham acesso à rede e não estavam conseguindo assistir às aulas on-line. “Eu tô aqui no Rio de Janeiro, eu não consigo olhar isso e ficar parada.” Ela complementa em sua mensagem que “o Robert a mãe dele é analfabeta e o Philip Mateus a mãe dele trabalha, não tem ninguém pra auxiliar eles”. A publicação teve mais de 8.600 likes e 157 comentários. Em sua maioria, pessoas parabenizando Fatou e se disponibilizando a ajudar as famílias mencionadas. Em sua conta no Instagram, ela tem sido acompanhada por mais de 107 mil seguidores e 91 mil seguidores no Twitter.

Eric, branco, 7 anos, de São Leopoldo (RS), possui um canal no YouTube sobre poemas, meditação e espiritualidade. Com a pandemia, desenvolveu um quadro em seu canal intitulado “Jornalzinho da Quarentena”, no qual apresenta imagens engraçadas de como as pessoas estão buscando se proteger do vírus e indicando sua opinião ao visualizar as estratégias utilizadas pela população. Eric possui mais de 30 mil seguidores no Instagram e seu canal no YouTube tem mais de 70 mil inscritos.

Com 11 anos, as gêmeas Helena e Eduarda Ferreira, do Rio de Janeiro (RJ), negras, criadoras do canal de YouTube “Pretinhas Leitoras”, cujo principal objetivo é incentivar a leitura, em especial para crianças que moram em regiões com alto índice de violência, têm buscado, por suas plataformas, indicar algumas dicas sobre como se proteger do coronavírus. Em um vídeo mais recente, as irmãs ensinam, em conjunto com a sua irmã mais nova, a lavar as mãos da forma adequada como medida de prevenção contra a Covid-19. Ao final do vídeo, reforçam a importância de ficar em casa. O canal possui mais de 29 mil inscritos e o Instagram das meninas é acompanhado por mais de 57 mil pessoas. Os comentários são respondidos pela mãe das crianças, que gerencia a conta do Instagram. As meninas publicam em grande parte conteúdos que envolvem combate ao racismo, empoderamento e aprendizagem para além do que é ensinado no espaço escolarizado.

Por Eric, Helena e Eduarda serem menores de 13 anos, seus canais no YouTube possuem comentários desativados. Isso ocorre porque, em 2019, a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) multou o Google por entender que o YouTube violou leis de proteção à privacidade das crianças (Lei COPPA). Com isso, a empresa decidiu desativar comentários, além de não permitir anúncios segmentados em conteúdo para crianças. Em comunicado, o YouTube informou que essas e outras medidas estão sendo tomadas com o intuito de manter a segurança das crianças na plataforma.

É válido salientar que, exceto Eric, todas as outras crianças brasileiras mencionadas que produziram conteúdo sobre a Covid-19 são negras, sendo identificado, a partir da análise etnográfica, que, de todas as crianças que foram acompanhadas, essas foram as que mais promoveram em suas plataformas informações sobre a prevenção à doença. Foi possível identificar pelas redes sociais desses/as influenciadores/as que a maioria é seguida por jovens e adultos, sendo o número de curtidas maior do que o número de comentários e esses, em sua maioria, positivos, reforçando as ações das crianças e suas publicações sobre o tema.

Nos Estados Unidos, especificamente em Conneticut, Charli D’Amelio, branca, 17 anos, que ficou mundialmente conhecida por ser a pessoa mais seguida no aplicativo TikTok, tem sido uma digital influencer que utiliza sua visibilidade para promover ações de prevenção ao coronavírus. Com uma audiência de mais de 125 milhões de seguidores no TikTok e mais de 44 milhões de usuários que a acompanham pelo Instagram, a influencer realizou uma parceria com o UNICEF e a OMS, ensinando a lavar as mãos e utilizando a hashtag #safehands. Esse vídeo teve um alcance de mais de 3 milhões de visualizações e 60 mil comentários, nos quais crianças ao redor do mundo compartilham seus relatos sobre quais medidas estão sendo tomadas em suas casas para se protegerem da Covid-19. Alguns comentários compartilhados são “imagine ser um modelo a seguir com apenas 15 anos, Charli realmente vai longe”, “obrigada por isso Charli, continue se cuidando”, “olá, meu deus, estou chorando, obrigada por nos dizer como nos mantermos seguros, você é muito legal, continue agindo” e “eu amo que mesmo com toda a fama você ainda se importa com seus fãs”.

Além da campanha #safehands, Charli também estreou a campanha #DistanceDance, em parceria com a marca P&G, a fim de impulsionar doações, durante a pandemia da Covid-19, para as organizações Feeding America e Matthew 25: Ministries. Ambas as organizações estão trabalhando para atender populações em risco que foram mais atingidas pela proliferação do coronavírus. Por meio de uma articulação entre o governador do estado de Ohio e a marca P&G, foi proposta a participação de Charli pelo alcance que tem nas redes sociais. A campanha #DistanceDance teve mais de 8 bilhões de visualizações na rede. A partir dessa parceria, Charli escolheu sua cidade natal, Norwalk, para realizar uma doação de US$ 50.000 ao Norwalk Hospital, com o objetivo de garantir suprimentos essenciais para a equipe do hospital durante a crise. A influencer afirmou que aderiu à campanha por compreender que “não é fácil ficar em casa quando você sente falta de seus amigos, família e vida cotidiana normal, mas agora é a melhor opção que temos para ajudar a manter as pessoas seguras e saudáveis”. Pela ampla audiência de Charli nas redes sociais, especialmente no TikTok, foi possível identificar que ela é a criança que mais realiza publicidades com empresas nos ramos da beleza e da moda e até mesmo parcerias no ramo alimentar. Ela também já fez parceria com o UNICEF em campanhas de combate ao bullying (Dia da Internet Segura) e divulgando o suporte que o UNICEF estava realizando para crianças e famílias após a explosão ocorrida no Líbano, em agosto de 2020.

Outra criança dos Estados Unidos que está contribuindo para informar sobre a Covid-19 é Avi Schiffmann, branco, 17 anos, residente de Washington (DC). Ele desenvolveu um site que atualiza em tempo real o avanço do coronavírus ao redor do mundo. Avi afirmou em uma entrevista ao The New Yorker que o objetivo era informar as pessoas, permitindo que os dados fossem acessíveis para todos. A estratégia de Avi para o site foi compilar dados de diferentes fontes, como a OMS, os CDC e a Agência de Notícias Yonhap, na Coreia do Sul, permitindo que as pessoas pudessem acessar, em apenas um local, o número mais recente de casos em todos os países. Seu interesse por programação começou quando ele tinha 7 anos. Com o aumento dos acessos, uma empresa contactou Avi Schiffmann para contratá-lo e ter o controle editorial do site. No entanto, ele não aceitou a proposta.

A negativa de Avi foi alvo de críticas e ele recebeu muitas ofensas em suas redes sociais, mas continuou tendo o controle do site. Em sua conta no Twitter, publicou: “obrigado a todos por me apoiarem para manter o site sem anúncios para sempre. Nunca haverá patrocínios, pop-ups, links de referência ou anúncios indesejados de qualquer tipo. Você tem minha promessa sobre isso, e agradeço a cada um de vocês por suas doações e apoio [...].” Em outra publicação na rede social, ele postou: “há mais na vida que dinheiro e haverá mais oportunidades de ganhá-lo, por enquanto estou promovendo um serviço para milhões de pessoas.”. Até o presente momento, o site tem mais de 700 milhões de acesso e ele possui 54 mil seguidores no Twitter e mais de 20 mil no Instagram. Recentemente, Avi Schiffmann foi indicado para o prêmio de Pessoa do Ano pelo The Webby Awads, premiação que é realizada desde 1996 e busca condecorar os melhores da Internet.

Em Uganda, Leah Namugerwa, negra, é uma ativista climática de 16 anos que também tem utilizado sua plataforma para contribuir para ações de prevenção e auxílio de pessoas que mais necessitam de suporte em decorrência da pandemia. Ela ficou conhecida quando começou a liderar uma campanha para a plantação de árvores e uma petição para reforçar a proibição de sacolas plásticas em Uganda. Em entrevista realizada pelo Independent (CROWE, 2019CROWE, P. As Greta Thunberg inspires a world revolution, one young Ugandan is bringing the climate fight home. Independent, 2019. Disponível em: https://www.independent.co.uk/climate-change/news/climate-change-leah-namugerwa-greta-thunburg-activism-protest-uganda-a9261326.html. Acesso em: 02 mar. 2020.
https://www.independent.co.uk/climate-ch...
), afirma que começou a se mobilizar sobre o tema quando tinha 13 anos, depois de assistir a notícias sobre deslizamentos de terra e inundações que ocorriam em partes rurais do país. Recentemente, Leah publicou no Twitter uma imagem com os irmãos distribuindo alimentos em sua cidade para auxiliar as crianças que foram mais afetadas por conta do coronavírus e das inundações ocorridas em alguns locais do país. Na legenda, ela escreveu: “Compartilhe o pouco que você tem com aqueles que precisam. Não espere pelos outros, apenas faça sua parte. Hoje estou doando mais parcelas de alimentos para as crianças famintas que foram afetadas pela Covid-19 e pelas inundações. Estou aqui junto com meus irmãos.” Nos comentários, pessoas parabenizam a inciativa e buscam informações com a ativista sobre como podem ajudar e contribuir com doações. Leah Namugerwa é acompanhada por 28 mil seguidores na rede social Twitter e tem realizado mobilizações de forma on-line todas as sextas-feiras em conjunto com outros ativistas do movimento #fridaysforfuture.

Considerações Finais

A partir dos casos apresentados, identifica-se a importância das ações das crianças por meio de suas plataformas na contribuição e na sensibilização sobre a prevenção à Covid-19, não só com o público que as acompanha, mas também com adultos e organizações que estão identificando suas práticas como fundamentais para o enfrentamento da pandemia.

De acordo com Liebel e Gaitán (2019)LIEBEL, M.; GAITÁN, L. El poder de los niños y niñas. Notas sobre el protagonismo de movimientos infantiles en la actualidad. Revista Sociedad e Infancias, Madrid, v. 3, p. 15-20, 2019. https://doi.org/10.5209/soci.65352
https://doi.org/10.5209/soci.65352...
, as ações das crianças demonstram compromisso com a mudança política desde muito cedo e suas iniciativas se desenvolvem a partir de suas próprias trajetórias e experiências, sendo repercutido para seus pares por meio de suas redes sociais e influenciando outras crianças por esse compromisso pessoal. Para os autores,

[...] o apoio não pode consistir em transformar movimentos em “cúpulas infantis” para as quais as crianças são gentilmente convidadas por adultos, nem em elogiar, recompensar e expressar solidariedade. O melhor e mais eficaz apoio é para que nós, adultos, sejamos ativos e trabalhemos por um mundo com políticas melhores e mais justas. Teremos que aceitar que crianças e jovens, cujos direitos políticos ainda são muito limitados, também violem as regras e reivindiquem o direito à desobediência civil.

(LIEBEL; GAITÁN, 2019LIEBEL, M.; GAITÁN, L. El poder de los niños y niñas. Notas sobre el protagonismo de movimientos infantiles en la actualidad. Revista Sociedad e Infancias, Madrid, v. 3, p. 15-20, 2019. https://doi.org/10.5209/soci.65352
https://doi.org/10.5209/soci.65352...
, p. 18).

O protagonismo das crianças na rede representa um grande passo para o reconhecimento de sua participação em diferentes âmbitos sociais e políticos, já que ainda existe uma invisibilização desse grupo social no que concerne a seus direitos políticos. Com isso, é possível identificar que a Internet tem possibilitado uma visibilidade a grupos minoritários que até então não eram escutados, como as crianças, permitindo que elas possam expressar suas opiniões e preocupações em assuntos relacionados à cidadania e à política, além de se engajarem em ações que considerem relevantes de forma articulada, obtendo maior visibilidade de suas lutas pelas redes e acessando pessoas que até então eram desconsideradas nas agendas dos movimentos sociais. Nas postagens relacionadas à pandemia, esses/as ativistas e digital influencers incentivam práticas de prevenção, além de se articulam com centenas ou até mesmo milhões de seguidores, promovendo dicas de higiene, distanciamento social e doações para organizações, além de receberem comentários da sua audiência sobre o que está fazendo em sua casa e como está contribuindo para que sua comunidade minimize os impactos da pandemia. Torna-se necessário destacar que as crianças ativistas e digital influencers compõem uma parcela minoritária das crianças que frequentam as redes sociais. Isso significa que o alcance da ação das crianças ainda pode ser considerado limitado. As crianças que conseguem fazer seus conteúdos circularem demonstram ter suporte familiar que favorece não apenas as condições materiais para o acesso às redes sociais, como também o incentivo e o apoio intelectual e cultural.

É importante salientar que a permanência das crianças nas redes é um dado de realidade e que existem muitos benefícios em um modo de vida em que crianças e adultos possam compartilhar opiniões, ações, formas de mobilização, modos de percepção do mundo etc. No entanto, cabe entender que esse é um espaço que envolve riscos, incluindo a apropriação do capital cultural e de influência das crianças por grandes corporações. As crianças precisam compreender os riscos a que estão submetidas e, para isso, é necessário promover espaços de conscientização e literacia digital, já que muitas crianças podem ser alvo de desinformação por meio das plataformas digitais, além de ofensas e violações nesses espaços. É necessário ter muita atenção sobre os cuidados com seus dados e a sua privacidade na rede. Assim, como apontado por Pelter (2020)PELTER, Z. Pandemic participation: youth activism online in the COVID-19 crisis. Unicef, 14 Apr. 2020. Disponível em: https://www.unicef.org/globalinsight/stories/pandemic-participation-youth-activism-online-covid-19-crisis. Acesso 14 maio 2020.
https://www.unicef.org/globalinsight/sto...
, é fundamental pensar como incorporar nos currículos escolares informações sobre modos de utilizar a Internet de forma segura, ética e responsável, como uma estratégia eficaz para maximizar oportunidades e reduzir riscos nesses espaços, em especial por crianças que são acompanhadas por uma audiência tão ampla e influenciam as ações e o comportamento de seus pares. O engajamento cívico das crianças necessita ser mediado e orientado, compreendendo, assim como apresentado por Livingstone (2013)LIVINGSTONE, S. Children’s internet culture: power, change and vulnerability in twenty-first century childhood. London: Taylor & Francis, 2013. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/63975/. Acesso em: 05 ago. 2019.
http://eprints.lse.ac.uk/63975/...
, que, além de reconhecer a ação das crianças e suas contribuições e produção na rede, a cultura infantil na Internet deve se apoiar em aspetos sociais (família, escola, política) para minimizar riscos a esse grupo social nos ambientes digitais.

Outro aspecto importante é que o distanciamento físico e a necessidade de comunicação através de dispositivos eletrônicos que são tão comumente utilizados por algumas crianças deram a elas uma oportunidade de demonstrar suas competências e seu engajamento em ações políticas, especialmente na prevenção à Covid-19. Mesmo com o desaparecimento das crianças das cidades em decorrência do fechamento das escolas e de políticas de atenção específicas para elas, deu-se uma ampliação do aparecimento da agência das crianças nas redes sociais. Ou seja, estar nas redes pode ser compreendido como uma forma de resistência desse grupo social. As crianças ainda podem ser desprovidas ou invisibilizadas no que concerne a seu direito político, mas não são desprovidas de voz e poder, como bem demonstram as crianças apresentadas neste trabalho. Com isso, sugere-se a realização de mais estudos que possam ampliar a discussão sobre o papel das crianças ativistas e o impacto na participação infantil em questões sociais relevantes e urgentes.

  • Este trabalho foi financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) no âmbito dos projetos do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com as referências UIDB/00317/2020 e UIDP/00317/2020.

Referências

Editor de seção: Licínio Lima

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2021
  • Aceito
    01 Mar 2022
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