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EPISTEMOLOGIAS TRANSFEMINISTAS NEGRAS: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA MULHERIDADES MÚLTIPLAS

Black transfeminist epistemologies: perspectives and issues for multiple femininities

Epistemologías transfeministas negras: perspectivas y los desafíos para las múltiples feminidades

RESUMO

Este artigo pretendeu debater epistemologias trans negras com base numa produção brasileira elaborada por intelectuais transfeministas. A proposta é refletir sobre um campo de conhecimento emergente e apontar seus aspectos transversais: a desnaturalização da categoria mulheres e feminilidades, a autodefinição, a perspectiva interseccional, a despatologização, a luta contra o cissexismo e o racismo, e a multiplicidade identitária. Com destaque para ativistas, pesquisadoras e docentes, o texto apresenta convergências e tensões entre esta produção de conhecimento e certas correntes da teoria feminista e do pensamento feminista negro.

Palavras-chave:
Transfeminismo; Travesti; Feminismo Negro; Intelectuais Negras; Raça; Gênero

ABSTRACT

This article aims to discuss black trans epistemologies based on a Brazilian production developed by transfeminist intelectuals. The proposal is to reflect about an emergent field of knowledge and point out the transversal aspects: the denaturalization of the category women and femininity; the self-definition; the intersectional perspective; depathologization; the struggle against cissexism and racism and identity multiplicity. Focused on activists, researchers and professors, the text presents similarities and tensions between such knowledge production and some schools of feminist theory and black feminist thought.

Keywords:
Transfeminism; Tranvestite; Black Feminism; Black Women Intelectuals; Race; Gender

RESUMEN

Este artículo se propone hablar de las epistemologías trans negras a partir de la producción brasileña hecha por intelectuales transfeministas. La intención es reflexionar sobre este campo de conocimiento emergente y señalar sus aspectos transversales: la desnaturalización de la categoría mujer y feminidad; la autodefinición; la perspectiva interseccional; la despatologización; la lucha contra el cissexismo y el racismo y la multiplicidad identitaria. Centrándose en las activistas, investigadoras y profesoras, el texto presenta las confluencias y tensiones entre esta producción de conocimiento y ciertas líneas de la teoría feminista y del pensamiento negro feminista.

Palabras clave:
Transfeminismo; Travesti; Feminismo Negro; Intelectuales Negras; Raza; Género

INTRODUÇÃO

Quando se fala em travesti, muita gente escuta “perigosa, piranha, puta, criminosa, vulgar” e outros adjetivos negativos, que eu faço questão de demarcar e lembrar a essas pessoas que eu posso ser tudo isso, mas sou doutora e professora universitária, pesquisadora. Essa categoria precisa passar por um processo de ressignificação. […] Eu me recuso a pedir licença para ocupar o mundo, eu chego chegando, porque é assim que tem que ser (Oliveira, 2020cOLIVEIRA, M. R. G. Resistência: conversa com Megg Rayara. YouTube, 2020c. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6yrtP2MeawE. Acesso em: 10 nov. 2020.
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).

“Quem pode se tornar mulher?” Essa pergunta provocadora de Letícia Carolina Nascimento (2021NASCIMENTO, L. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. (Coleção Feminismos Plurais.)), travesti, negra, gorda, ativista e professora da área de Educação da Universidade Federal do Piauí, continua a ecoar para dar legitimidade ao transfeminismo dentro do campo de negociação dos feminismos no Brasil. Se, para feministas negras, a célebre fala de Soujourner Truth, no final do século 19, “E eu não sou uma mulher?”, tornou-se emblemática para destacar os marcadores de raça e classe que atravessam os primeiros (e os atuais) feminismos brancos e eurocentrados; e se, para os feminismos de modo geral, a frase de Simone de Beauvoir (2008BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.): “Não se nasce mulher, torna-se”, faz todo o sentido para pensar nas construções sócio-históricas das desigualdades de gênero e para desnaturizá-las; para os transfeminismos, no século 21, é necessário levar a sério, ou melhor, radicalizar essa desnaturalização para dar legitimidade política a diversas formas de mulheridade e de feminilidade que não foram designadas como do “sexo feminino” ao nascer, apesar de possuírem esse direito. Não se trata apenas de se tornarem mulheres, mas de serem reconhecidas como sujeitos políticos para os feminismos, inclusive os feminismos negros.

No Brasil, travestis e mulheres trans, muitas delas negras, em movimentos organizados e, nos últimos anos, inseridas cada vez mais em espaços universitários e pesquisas acadêmicas, passaram a dar visibilidade a uma perspectiva transfeminista para denunciar os violentos efeitos das transfobia, do racismo, do sexismo e do heteropatriarcado na vida de pessoas transfemininas e, além disso, para destacar a centralidade das construções e desconstruções de gênero em corpas trans que não foram designadas (pelos poderes médicos) como femininas ao nascer e assumiram suas identidades para além dos determinismos binários. Em outras palavras, desvelaram, por meio da materialidade de seus corpos transicionados, modificados, transformados, montados, hormonizados, múltiplas possibilidades de experienciar formas de mulheridade e feminilidade1 1 Quando menciono as categorias feminilidade e mulheridade, eu me refiro a construções socioculturais de gênero do que se entende por atributos femininos. Estes não estão determinados pela genitália e o sexo atribuído ao nascimento, e dependem de autoafirmações de gênero feminino, em sua multiplicidade e variações localizadas em determinados contextos históricos e geográficos. possíveis, atravessadas por marcadores sociais da diferença (Brah, 2006BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, n. 26, p. 329-376, 2006. https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000100014
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), como raça, etnia, geração, região, nacionalidade, entre outros. Nesse sentido, criaram a própria corrente feminista para ter suas vozes ouvidas e reconhecidas.

Esse movimento é o foco das preocupações deste artigo. Pretende-se delinear, em caráter inicial, o que descrevo como pensamento transfeminista negro no Brasil, parafraseando a expressão já cunhada por Patricia Hill Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.), com a intenção de dar visibilidade a produções recentes de intelectuais negras transfemininas, apontando alguns elementos centrais para a formulação de suas epistemologias2 2 Entendo epistemologia, segundo Linda Alcoff (2016), como a maneira pela qual o conhecimento é produzido, a quem deve ser autorizado e à maneira pela qual é possível construir um pensamento politicamente reflexivo. permeadas tanto pelos conhecimentos tradicionais das pistas e do pajubá quanto pela produção teórica acadêmica.

O pensamento transfeminista negro pode ser pensado como um campo de conhecimento que tensiona questões que perpassam os feminismos de modo geral, sobretudo no que se refere à desnaturalização da categoria mulheres e feminilidades e, ao mesmo tempo, desloca a discussão central das sexualidades dissidentes presentes nos movimentos LGBTQIA+3 3 A sigla LGBTQIA+ refere-se a lésbicas, gays, pessoas trans, queers, intersexos, assexuais, entre outras categorias identitárias. para o tema das identidades de gênero, que vão além daquelas produzidas pelas cisnormatividades4 4 A cisnormatividade pode ser pensada como um sistema aliado à heteronormatividade, um conjunto de normas que atribui o caráter essencial e naturalizado à existência de “homens” e “mulheres”, como se suas definições ao nascimento pudessem ser permanentes e imutáveis. Assim, nos anos 1990, movimentos trans passam a descrever as pessoas não trans como cisgêneras, apontando também o caráter marcado não apenas dos próprios corpos, mas de todas as identidades de gênero (Vergueiro, 2015; Moira, 2016). . Assim, mais do que problematizar as heteronormatividades hegemônicas, voltam-se para processos de autodefinição e autoafirmação de identidades raciais e gênero, aproximando-se das preocupações dos feminismos negros.

Desse modo, neste texto, pretendo dialogar com algumas pesquisadoras transfeministas negras brasileiras, tais como Jaqueline Gomes de Jesus, Megg Rayara Gomes de Oliveira e Letícia Carolina Nascimento, que têm elaborado várias publicações a respeito dessas problemáticas e colaborado para a construção de epistemologias emergentes que, apesar de reconhecidas dentro dos movimentos LGBTQIA+, continuam pouco visíveis na academia e no campo dos estudos de gênero e sexualidade.

ANTECEDENTES

De modo geral, o transfeminismo deve ser pensado como um movimento diverso que, no Brasil, começa a despontar e ter seu termo utilizado publicamente no início dos anos 2000, especialmente por jovens trans e travestis ativistas que produziam conteúdos em blogs e em páginas e comunidades do Facebook5 5 Estas páginas, atualmente desativadas, deram origem ao site https://transfeminismo.com/. . Anteriormente, já havia tentativas de aproximações e diálogos de mulheres trans e travestis em encontros feministas, como os Encontros Feministas Latino-Americanos e do Caribe que, somente em 2005, passaram a aprovar, em plenária, a participação de mulheres não cisgênero, cujos corpos não tinham sido designados ao nascer como femininos. Contudo, essa participação sempre se mostrou bastante tensa. Como mostra Tiago Coacci (2014COACCI, T. Encontrando o transfeminismo brasileiro: um mapeamento preliminar de uma corrente em ascensão. História Agora, n. 1, 2014.), havia uma discussão sobre uma ideia de autenticidade em relação à feminilidade de mulheres trans e travestis, como se a estas pudesse ser atribuído o caráter da masculinidade pelo fato de terem genitálias “masculinas” ou sido educadas como “homens”. Além disso, nos anos 1980, já havia conflitos com feministas negras e lésbicas, evidenciando que, naquele momento, esses encontros não tinham preocupação interseccional e consideravam certa singularidade pré-discursiva ao sujeito “mulher” do feminismo.

Coacci (2018COACCI, T. Conhecimento precário e conhecimento contra-público: a coprodução dos conhecimentos e dos movimentos sociais de pessoas trans no Brasil. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.) mostra que essas tensões com os movimentos feministas também estiveram presentes em outros países, como Estados Unidos e Espanha. Um livro polêmico marcou a exclusão de mulheres trans nos movimentos feministas estadunidenses, The transsexual empire: the making of the she-male, de Janice Raymond, publicado pela primeira vez em 1979, que faz uma espécie de “denúncia”, se é que podemos chamá-la assim, sobre o caráter supostamente artificial do “transexualismo”, que produziria masculinidades e feminilidades por meio de intervenções cirúrgicas e médicas. Raymond (1979RAYMOND, J. The transsexual empire: the making of the she-male. Nova York e Londres: Teachers College Press, 1979.) também associava a participação de mulheres trans a eventos e espaços reservados apenas a mulheres cisgênero como um “estupro” que, segundo ela, poderia ocorrer tanto por meio da violência sexual em si quanto por meio da “fraude”, ou seja, ela alegava que mulheres trans não eram “mulheres de verdade”.

Oito anos depois, em 1987, a ativista e atualmente professora na Universidade do Texas, Sandy Stone (2006STONE, S. The empire strikes back: a posttranssexual manifesto. In: STRYKER, S. (org.). Transgender Studies Reader. Nova York: Routledge, 2006. v. 1. p. 221-235.), escreveu “The Empire Strikes Back: a posttranssexual manifesto”, e apresentou o texto em uma conferência na Universidade da Califórnia em Santa Cruz (USCS), em 19886 6 O texto de Sandy Stone foi publicado pela primeira vez em 1991, em uma antologia de textos, Body Guards: The Cultural Politics of Gender Ambiguity, organizada por Julia Epstein e Kristina Straub (editora Routledge). Em 2006, foi republicado em coletânea organizada por Susan Stryker, livro que se tornou referência fundamental para o campo dos estudos trans em nível internacional, Transgender Sudies Reader, pela mesma editora. , instituição onde ela cursava seu doutorado. Nesse texto, ela não somente reagiu ao livro de Raymond como fez uma leitura crítica do discurso médico à época em relação à transexualidade e à maneira pela qual pessoas trans terminavam por reproduzir e aceitar o discurso da patologização para poder realizar as intervenções corporais necessárias para sua transição de gênero. Também ressaltou o modo como os médicos eram vistos como salvadores, cuja relação médico-paciente reproduzia opressões de gênero e dominação masculina.

Para Stone (2006STONE, S. The empire strikes back: a posttranssexual manifesto. In: STRYKER, S. (org.). Transgender Studies Reader. Nova York: Routledge, 2006. v. 1. p. 221-235.), a produção de contradiscursos tornou-se fundamental para afirmar o lugar de perturbação dos discursos de gênero hegemonicamente aceitos e dar visibilidade a experiências ambíguas e múltiplas. Assim, para ela, era necessário pessoas trans se tornarem sujeitas falantes para fora do enquadramento tradicional de gênero e, portanto, para um movimento em direção ao “pós-transexual”.

Praticamente dez anos depois, em 2000, na Espanha, surgiram debates políticos onde apareceram, pela primeira vez, pessoas trans que se autodenominavam transfeministas nas Jornadas Feministas Estatales7 7 As Jornadas Feministas Estatales foram encontros que reuniram diferentes organizações feministas da região de Andaluzia, na Espanha, que se realizavam periodicamente. Eventos com o mesmo nome também foram e são realizados em diversas regiões do país. , em Córdoba, com a apresentação de duas falas, uma do Grupo de Lésbicas Feministas de Barcelona: “El vestido nuevo de la emperatriz” e outra de Kim Pérez, “¿Mujer o trans? La inserción de las transexuales en el moviemiento feminista”. Posteriormente, em 2009, nas Jornadas Feministas Estatales, em Granada, foi lido o “Manifiesto para la insurrección transfeminista”, assinado pela Red PutaBolloNegraTransFeminista:

Venimos del feminismo radical, somos las bolleras, las putas, lxs trans, las inmigrantes, las negras, las heterodisidentes… somos la rabia de la revolución feminista, y queremos enseñar los dientes; salir de los despachos del género y de las políticas correctas, y que nuestro deseo nos guíe siendo políticamente incorrectas, molestando, repensando y resignificando nuestras mutaciones. Ya no nos vale con ser sólo mujeres. El sujeto político del feminismo “mujeres” se nos ha quedado pequeño, es excluyente por sí mismo, se deja fuera a las bolleras, a lxs trans, a las putas, a las del velo, a las que ganan poco y no van a la uni, a las que gritan, a las sin papeles, a las marikas (Parole de Queer, 2022PAROLE DE QUEER. Manifiesto para la insurrección transfeminista. Parole de Queer, 2022. Disponível em: https://paroledequeer.blogspot.com/2022/01/manifiesto-para-la-insurreccion-transfeminista.html. Acesso em: 6 maio 2022.
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).

Desde então, o campo transfeminista espanhol tem ganhado amplos debates dentro dos movimentos feministas e no campo acadêmico, com destaque para a publicação de uma importante coletânea, Transfeminismos: epistemes, fricciones y flujos, publicada pela primeira vez em 2013 e organizada por Miriam Solá e Elena Urko. Problemáticas importantes têm sido levantadas por diferentes ativistas transfeministas espanholas e catalãs, que dialogam com os debates e preocupações brasileiras, tais como o protagonismo político de travestis trabalhadoras sexuais já nos anos 1970 e 1980, as articulações com os movimentos LGBTQIA+, sobretudo as lésbicas, o movimento trans e as teorias queer.

No Brasil, segundo Tiago Coacci (2018COACCI, T. Conhecimento precário e conhecimento contra-público: a coprodução dos conhecimentos e dos movimentos sociais de pessoas trans no Brasil. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.), é possível que Aline Freitas, vinculada a diferentes movimentos sociais, inclusive o zapatista, tenha sido a primeira pessoa a abrir o debate para o transfeminismo, bastante influenciada por Kim Pérez. No início dos anos 2000, criou um blog sobre transfeminismo e publicou, em 2005, o texto “Ensaio de construção do pensamento transfeminista”8 8 Este texto já não se encontra mais disponível na internet. . Alguns anos depois, em 2011, outro blog com o título transfeminismo também foi criado, desta vez por Hailey Kaas (Figura 1), mulher trans, tradutora e pesquisadora, e outres ativistas e intelectuais, como Beatriz Bagagli, Viviane Vergueiro e Luc Athayde Rizzaro9 9 https://transfeminismo.com/ . Esse blog nasceu de um grupo de discussão criado no Facebook, como já mencionado, e ativo por alguns anos. Kaas, que já atuava em grupos de discussões feministas, foi percebendo equívocos na maneira como jovens ativistas percebiam as experiências transfemininas e notava a ausência da perspectiva interseccional nas discussões. Em alguns momentos, foi muito agredida nas redes sociais por parte de grupos de jovens autointituladas feministas radicais, e foi perdendo o desejo de debater em comunidades da internet10 10 Hailey Kaas tem atuado como tradutora e elaborado um projeto de pesquisa para um mestrado na área de antropologia ou humanidades. .

Figura 1
Hailey Kaas.

TRAVESTIS E PUTAS PRETAS NA LINHA DE FRENTE

O campo transfeminista negro, no Brasil, deve-se às atuações de travestis, principalmente negras, originárias de regiões periféricas, que sobrevivem do trabalho sexual nas calçadas, batendo porta de cliente em cliente, o berço de suas reivindicações por direitos fundamentais à saúde, educação, trabalho etc. Além disso, foram elas que denunciaram inúmeras violências cometidas pelo Estado contra pessoas trans, desde o período da ditadura militar até hoje, que produziu políticas da inimizade e da abjeção contra corpos travestis (Cavalcanti, Barbosa e Bicalho, 2018CAVALCANTI, C.; BARBOSA, R. B.; BICALHO, P. P. G. Os tentáculos da tarântula: abjeção e necropolítica em operações policiais a travestis no Brasil pós-redemocratização. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 38, n. esp. 2, p. 175-191, 2018. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212043
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).

No Brasil, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), mais de 90% da população transfeminina atua ou atuou em algum momento da vida na prostituição, e é nesses locais de trabalho que elas se encontram em situação de maior vulnerabilidade em relação à violência transfóbica. De acordo com pesquisas da organização Transgender Europe (TGEU) (TRANSRESPECT VERSUS TRANSPHOBIA WORLDWIDE, 2019TRANSRESPECT VERSUS TRANSPHOBIA WORLDWIDE. TMM Update Trans Day of Remembrance 2019. Transrespect versus Transphobia Worldwide, 2019. Disponível em: https://transrespect.org/en/tmm-update-tdor-2019/. Acesso em: 10 nov. 2022.
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), em 2019, foram registrados 331 casos de homicídio de pessoas trans no mundo. Os dados mostram que o Brasil se encontra em primeiro lugar, com 130 mortes, seguido de México, com 63, e Estados Unidos, com 30.

Segundo o dossiê da ANTRA (2021)ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS (ANTRA). Boletim nº 002-2021. Antra, 2021. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/07/boletim-trans-002-2021-1sem2021-1.pdf. Acesso em: 10 nov. 2022.
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, em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, sendo 135 travestis e mulheres transexuais e 5 homens trans (Benevides, 2022BENEVIDES, B. Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. ANTRA, 2022.). Dentre as pessoas transfemininas, 81% eram negras com idade média de 29 anos e 78% eram profissionais do sexo. Para Berenice Bento (2014BENTO, B. Brasil: país do transfeminicídio. Centro Latino Americano em Sexualidade e Saúde, 2014.: 2), “o transfeminicídio seria a expressão mais potente e trágica do caráter político das identidades de gênero. A pessoa é assassinada porque, além de romper com os destinos naturais do seu corpo-generificado, faz isso publicamente”.

Apesar desta realidade assustadora, e que, muitas vezes, ganha imagens de espetacularização pelas mídias, é nos espaços de trabalho sexual que travestis e mulheres trans podem estabelecer redes de afeto, de apoio e de cuidados, além de ser um espaço para a construção identitária feminina. As casas de prostituição são também locais de convívio e sociabilidade, geralmente lideradas por travestis e mulheres trans mais velhas e/ou experientes, que são chamadas de mães ou madrinhas (Patriarca, 2018PATRIARCA, L. Donas de casa, de prostituição: sobre as violências decorrentes da criminalização dos contextos destas práticas. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 5, n. 3, p. 212-223, 2018. https://doi.org/10.19092/reed.v5i3.379
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).

Muitas das principais ativistas e precursoras do movimento trans no Brasil, de certo modo, possuem a prostituição nas suas trajetórias e experiências de vida, como Jovanna Baby Cardoso da Silva11 11 Para conhecer sua trajetória, sugere-se o filme “Jovanna Baby: uma trajetória do Movimento de Travestis e Trans no Brasil” (https://www.facebook.com/memorialgbti/videos/824532954626683/). e Keyla Simpson12 12 Para conhecer sua trajetória, sugere-se o filme “Atentado violento ao pudor”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=idrUxKJ5IzI. , travestis negras. Jovanna Baby nasceu no sul da Bahia, em um pequeno município rural e, aos 13 anos, saiu de casa para a capital do Espírito Santo, Vitória. Lá já começou a trabalhar na prostituição. Naquele tempo, “para nós, travestis, não era permitido andar livremente pelas ruas, durante o dia, éramos alvo de zombarias e à noite, de batidas policiais constantes e violentas” (Silva, 2021SILVA, J. B. C. Bajubá Odara: resumo histórico do nascimento do movimento de travestis no Brasil. Piauí: Picos, 2021.: 18). Já na década de 1980, “movida pelo interesse de conhecer outros lugares”, mudou-se para o Rio de Janeiro e lá continuou a atuar no trabalho sexual. Na capital fluminense, por meio de ações de enfrentamento da AIDS promovidas pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER)13 13 O Instituto de Estudos da Religião teve importante atuação no movimento de enfrentamento da AIDS, apoiou diferentes movimentos de prostitutas, travestis e mulheres cisgênero, inclusive a ONG Davida, que foi liderada por Gabriela Leite, uma das precursoras do “Puta Feminismo” no Brasil. , nos anos 1990, atuou como multiplicadora de informações sobre prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Nessa cidade, Jovanna também se deparou com a violência de Estado contra travestis, além da perseguição policial, e, desse modo, ela e outras companheiras mobilizaram travestis em diferentes pontos de prostituição para criar, em 1992, a primeira entidade trans de que se tem notícia no país, a Associação de Travestis e Liberados (ASTRAL) (Figura 2). Esta foi a responsável por organizar, em 1993, o primeiro encontro nacional de travestis e transexuais, e que continua, até hoje, como um dos mais importantes eventos sobre questões trans no país: o I Encontro Nacional de Travestis e Liberados, que passou a se chamar Encontro Nacional de Travestis e Transexuais que Atuam na Luta e Prevenção à AIDS (ENTLAIDS) e posteriormente mudou para Encontro Nacional de Travestis e Transexuais.

Figura 2
Fundadoras da ASTRAL: da esquerda para a direita: Claudia Pierra Fance, Josy Silva, Jovanna Baby e Monique Du Bavieur.

Nos anos 1990, depois da fundação da ASTRAL e dos ENTLAIDS, associações de travestis foram criadas em diferentes regiões (Paraná, Brasília/DF, Santo André/SP, Salvador/BA, Baixada Santista/SP, Piauí e Belo Horizonte/MG), cujas principais pautas estavam voltadas para a prostituição e a prevenção contra a AIDS. Em 1995, também foi criada a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), durante o VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas, na capital paranaense, Curitiba14 14 A ABGLT formou uma rede de mais de 30 grupos no país, e hoje conta com mais de 300 organizações filiadas. A entidade tornou possível o fortalecimento de organizações LGBTQIA+ em vários estados. , onde, pela primeira vez, travestis puderam ganhar certa representação política e o “T” foi incorporado à sigla (Carvalho e Carrara, 2013CARVALHO, M.; CARRARA, S. Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sexualidade, Salud y Sociedad, n. 14, p. 319-351, 2013. https://doi.org/10.1590/S1984-64872013000200015
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). Assim, o protagonismo travesti esteve na base das construções do movimento LGBTQIA+.

Por meio da mobilização e do fortalecimento político das travestis, pouco menos de dez anos depois, criou-se a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em dezembro de 2000, que é atuante até os dias de hoje, reunindo por volta de 80 organizações filiadas. Nos anos 2000, aos poucos, temas relacionados à prostituição e à AIDS vão saindo de cena, mas o problema da violência continua como uma preocupação central15 15 Atualmente, as pautas dos movimentos trans foram ampliadas e estão voltadas, além da transfobia e do transfeminicídio, para a empregabilidade, a inserção no mercado de trabalho e a educação. . Também se iniciam os trabalhos para a construção de políticas de atenção à saúde da população trans e de sua despatologização (Arán e Murta, 2009ARÁN, M.; MURTA, D. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Physis, v. 19, n. 1, p. 15-41, 2009. https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000100003
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), que culmina com o lançamento do Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), lançado em 2008.

A primeira presidente da ANTRA foi Liza Mineli, fundadora do Grupo Esperança, de Curitiba. Nesse momento, Jovanna Baby afastou-se do movimento trans por causa de tensões e conflitos políticos e éticos com outras integrantes, e retornou à ANTRA em 2009, quando assumiu sua presidência, gerindo a entidade por dois anos. Tendo em vista que a grande maioria das travestis que atuam na prostituição, e que também são infectadas por ISTs, são negras, Jovanna percebeu a necessidade de enfocar sua militância no recorte racial e, em 2013, fundou o Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, o FONATRANS16 16 Disponível em: http://www.fonatrans.com/. Acesso em: 10 nov. 2022. .

Por sua vez, a trajetória de Keyla Simpson é muito próxima à de Jovana (Figura 3). Nasceu nasceu no interior do Maranhão, mas se mudou, na adolescência, para Teresina (PI), e depois São Luís (MA), Recife (PE) e Salvador (BA). Especialmente nestas duas últimas capitais, passou a atuar exclusivamente na prostituição. Impulsionada pela fundação da ASTRAL, também fundou a Associação de Travestis de Salvador, em 1995.

Figura 3
Capa do livro de Jovanna Baby Cardoso da Silva, 2021.

Keila Simpson (Figura 4) ocupou a presidência da ANTRA de 2004 a 2006 e de 2006 a 2008, posição que voltou a assumir em 2016, e continua até hoje. Em sua primeira gestão, ela coordenou uma iniciativa que se tornou um marco histórico nas lutas e reinvindicações de pessoas trans: a campanha “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”, em parceria com o Programa Nacional de DST/AIDS, lançada em 29 de janeiro de 2004, data em que, desde então, se celebra o Dia Nacional de Visibilidade Trans. Essa campanha teve como propósito trabalhos de conscientização em escolas, serviços de saúde, comunidade e clientes de profissionais do sexo para desfazer preconceitos e reforçar a construção da cidadania travesti. O material foi construído com fotografias de 27 travestis, como Fernanda Benvenutty17 17 Uma importante parceira ao longo de trajetória de Keila Simpson foi Fernanda Benvenutty, travesti negra, paraibana, técnica em enfermagem e carnavalesca, que se tornou também uma grande amiga. Fundadora da Associação de Travestis e Transexuais da Paraíba (ASTRAPA), em 2000, Benvenutty teve importante participação na construção de políticas públicas de saúde para a população trans (BENVENUTTY; NASCIMENTO; LIMA, 2022). Fernanda faleceu aos 55 anos, em 2020, vítima de câncer. (Figura 5), Janaína Dutra, Cris Stefanny, Keila Simpson, Liza Minelli, Paulette, Tatiana Araújo e muitas outras. Assim, a ANTRA investiu fortemente no reconhecimento e na visibilidade das travestis como sujeitos políticos.

Figura 4
Keyla Simpson.
Figura 5
Fernanda Benvenutty: cartaz da campanha Travesti e Respeito.

Atualmente, a ANTRA e a FONATRANS são consideradas duas importantes redes que articulam questões fundamentais em torno dos direitos das pessoas trans no Brasil, destacando, para a primeira, o monitoramento e a produção de dados sobre transfobia e assassinato de pessoas trans e, para a segunda, sua atuação em prol do combate ao racismo contra travestis e pessoas trans. Além delas, diversas militantes trans estão envolvidas com o movimento nacional de prostitutas e com o puta feminismo (Prada, 2018PRADA, M. Puta feminista. São Paulo: Veneta, 2018.), como Indianara Siqueira, que hoje atua no Rio de Janeiro, na direção de uma casa de acolhimento de pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social, a Casa Nem.

Assim, apesar das articulações imbricadas entre gênero, raça e classe, a pauta antirracista no movimento transfeminista surgiu com mais força apenas no século 21, revelando a invisibilidade e o silenciamento dessa temática a despeito dos eixos de opressão que atravessam corpos e experiências travestis e trans. E neste momento, também começam a despontar os escritos de transfeministas que ingressam no universo acadêmico como pesquisadoras e docentes, como Jaqueline Gomes de Jesus e, posteriormente, Megg Rayara de Oliveira Gomes, Letícia Carolina Nascimento, Thiffany Odara, entre outras18 18 Cada uma delas busca marcar seu lugar como intelectual e docente trans e/ou travesti negra no campo dos estudos de gênero e raça, entre outras temáticas, ocupa postos em universidades, participa de movimentos e organizações trans e LGBTQIA+, realiza lives, publicam artigos e livros e têm ganhado cada vez mais espaço como produtoras de conhecimento em relação a temáticas trans. .

O transfeminismo reconhece a intersecção entre as variadas identidades, identificações dos sujeitos e o caráter de opressão sobre corpos que não estejam conforme os ideiais racistas e sexistas da sociedade, de modo que busca empoderar os corpos das pessoas como eles são, deficientes ou não, independente de intervenções de qualquer natureza (Jesus et al., 2015JESUS, J. G. et al. Transfeminismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Metanoia, 2015.: 11).

Dests nova geração de intelectuais transfeministas, Jaqueline Gomes de Jesus (Figuras 6 e 8), mestre e doutora em Psicologia e professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, foi a pioneira em organizar a primeira publicação sobre transfeminismo no país, em 2014, com autoras/es brasileiras/os. Nessa coletânea, em seu artigo que abre o livro, ela mostra a importância de intelectuais feministas negras, sobretudo estadunidenses, para a formação campo transfeminista no Brasil.

Figura 6
Capa do livro de Jaqueline Gomes de Jesus, 2014.
Figura 7
Megg Rayara Gomes de Oliveira.
Figura 8
Jaqueline Gomes de Jesus.

“SER TRAVESTI É SE AUTOAFIRMAR. É SER QUEM EU SOU, UMA MULHER DE PAU. E DAÍ?”

A fala de Jovanna Baby, que nomeia o subtítulo desta seção, traz à cena vários elementos presentes no pensamento transfeminista negro. Grande parte das contestações contra as transfeministas, nos EUA, na Espanha ou no Brasil, centraram-se no questionamento em relação à autenticidade do feminino autoatribuído a pessoas transfemininas. Assim, estas ficaram sempre à margem dos movimentos feministas hegemônicos e, ao mesmo tempo, são o principal alvo das mais graves formas de violência transfóbica que faz com que a média de vida, no Brasil, de travestis e mulheres trans, seja de 35 anos (BENEVIDES, 2022BENEVIDES, B. Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021. ANTRA, 2022.). E tudo gira em torno de ter ou não um pênis.

Os movimentos transfeministas têm sofrido ataques de outras correntes feministas, sobretudo daquelas que se intitulam feministas radicais trans excludentes, bastante atuantes nas redes digitais, que têm ressuscitado, de forma anacrônica e descontextualizada, debates que nasceram de certos movimentos feministas dos anos 1980, sobretudo no combate à exploração sexual e à pornografia (Dworkin, 1981DWORKIN, A. Pornography: men possessing women. Nova York: Perigee, 1981.; Walker, 1981WALKER, A. Coming Apart in You Can't keep a Good woman down. Nova York: Harcourt Brace Jonavich, 1981.; Mackinnon, 1987MACKINNON, C. Feminism unmodified. Harvard: Harvard University Press, 1987.) e que hoje terminam por reforçar essencialismos sobre o que se entende por mulher, mulheridade e feminilidade. Organizadas sobretudo por meio de publicações, páginas e comunidades em distintas redes sociais19 19 Para saber mais, consultar #TERF no Twitter. , fazem constantemente ataques à legitimidade dos transfeminismos com o argumento de que corpos transfemininos não poderiam ser identificados como mulheres, pois estas, segundo elas, definiriam-se fundamentalmente pela presença de seus órgãos genitais e reprodutivos. Nesaa linha de pensamento, pessoas transfemininas, inclusive, seriam vistas como “falsas mulheres”, o que reforça inúmeras formas de transfobia e de sexismo, e escorrega justamente naquilo que é o centro da reflexão clássica de grande parte dos pensamentos feministas: a construção social e histórica da categoria gênero (Scott, 1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.). Além disso, do ponto de vista do feminismo radical, a prostituição é, essencialmente, a objetificação e a exploração do corpo feminino, retirando toda a agência daquelas que oferecem serviços voltados aos mercados do sexo (Corrêa e Olivar Nieto, 2014CORRÊA, S.; OLIVAR Nieto, J. M. The politics of prostitution in Brazil between “state neutrality” and “feminist troubles”. In: MURTHY, L.; SESHU, M. S. (org.). The Business of Sex. Nova Délhi: Zuban Books, 2014. p. 1-24.).

Paul Preciado (2008PRECIADO, P. Texto Junkie. Paris: Grasset et Fasquel, 2008., 2014PRECIADO, P. O manifesto transexual. São Paulo: n-1, 2014.) mostra como, nas sociedades contemporâneas, a sexualidade e suas práticas sexuais constroem o desejo fundamentado na genitalização. Segundo ele, por meio da chamada indústria farmacopornográfica, produzem-se e intensificam-se os afetos narcoticossexuais pautados numa lógica masturbatória e de uma cadeia de excitação-frustração estimuladas pelo consumo capitalista, que produz uma imagem hiperbólica do corpo por meio de medicamentos e manipulações estéticas. Nessa indústria, a imagem falocêntrica é produzida como lugar de prazer e poder, mas também hierarquiza e racializa corpos.

Osmundo Pinho (2008FIGUEIREDO, A. Gênero: dialogando com os estudos de gênero e raça no Brasil. In: PINHO, A. O.; SANSONE, L. (Org.). Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 237-255.) mostra que corpos coloniais (mulheres e homens negros e indígenas, e pessoas que não reproduzem a lógica heteronormativa) são vistos, de um lado, como hipersexualizados ou com sexualidades que não podem ser contidas, “selvagens”, e de outro como sujeitados à lógica branca colonizadora. Nesse cenário, geralmente, as imagens de homens negros são construídas a partir de genitálias avantajadas, símbolos da masculinidade e da heterossexualidade, e as mulheres negras, por sua vez, são construídas como pessoas submissas, sempre disponíveis para o sexo.

De certo modo, podemos pensar que o estereótipo em torno das travestis negras também se confunde com essas imagens racistas e sexistas em relação a corpos negros, que reproduz um pensamento binário e uma matriz de dominação cissexista. Para Pinho (2008FIGUEIREDO, A. Gênero: dialogando com os estudos de gênero e raça no Brasil. In: PINHO, A. O.; SANSONE, L. (Org.). Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 237-255.), é necessário pensar na dominação racial também como dominação sexual que, na economia política de produção de uma alteridade sexualizada e racializada, provoca a sujeição de certos corpos. Ângela Figueiredo (2008FIGUEIREDO, A. Gênero: dialogando com os estudos de gênero e raça no Brasil. In: PINHO, A. O.; SANSONE, L. (Org.). Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 237-255.), por sua vez, demonstra que sexo, raça e classe são produtos de um mesmo discurso que legitima a dominação masculina, racial e de classe. Nesse discurso, a figura da “mulata”, para a autora, não é somente uma categoria racial, mas reflete uma construção social onde raça/cor e gênero estão associados a certos comportamentos que possuem relação direta com a sexualidade. Para Lélia Gonzalez (1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na sociedade brasileira. Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984.), a imagem da mulata, que é exaltada nas passarelas do samba e ganha enorme visibilidade e reconhecimento, na verdade, revela a neurose do racismo à brasileira. Apesar de ser uma figura emblemática do carnaval, com seus dons artísticos dos passes de samba e da beleza negra sexualizada e desejada, depois dos festejos, a mulata retorna para o mundo da casa dos patrões e volta a ser uma empregada doméstica explorada como mão de obra barata e objeto sexual. Do mesmo modo, a imagem das travestis negras, que estimula o desejo de homens brancos e negros heterossexuais, nos vídeos e fotografias pornográficas e nas calçadas e esquinas das cidades, também se dissolve e retorna para o lugar “de onde nunca deveriam ter saído”, de negação de sua humanidade, sendo exterminadas.

Nas passarelas das ruas, as travestis desfilam seus esplêndidos corpos e atraem homens afeitos a sexo e afeto. Ali, nas calçadas, tecem redes de solidariedade, aprendem saberes sobre hormonização, modificações corporais, masculinidades, relações sexuais, prevenção e segurança, e ganham sua sobrevivência. Entretanto, naquele mesmo território, correm riscos e estão expostas a inúmeras formas de violência transfóbica e racista. Muitas narrativas de violência em lugares públicos contra travestis e mulheres trans, perpetuadas por homens cisgênero (policiais, clientes, parceiros, seguranças etc.), revelam situações comuns nas quais há uma tentativa clara de dominação masculina, de demonstração de autoridade e de humilhação. Inspirando-nos em Lélia Gonzalez (1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na sociedade brasileira. Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984.), poderíamos chamar esse cistema de dominação como “transfobia à brasileira”, o lugar do desejo e da repulsa por pessoas que contestam as normatividades patriarcais cisnormativas atravessadas pela branquitude.

Entretanto, nos meandros de processos de discriminação e de segregação sexual e racial, os espaços de prostituição são os primeiros lugares onde travestis podem se sentir desejadas e dar visibilidade a seus corpos ainda muito jovens. Nas esquinas, experimentam performatividades de um feminino que também reproduz as lógicas dos mercados do sexo e da indústria farmacopornográfica. E constroem processos de autoafirmação e de autodefinição20 20 Os processos mencionados estão presentes, por exemplo, em concursos de beleza gay e/ou trans, como os concursos de Miss Gay e Miss Trans, que ocorrem em diferentes regiões, em concursos de drag queens e, mais recentemente, em competições de dança (as balls) que performam vários modos do voguing. .

Megg Rayara Gomes de Oliveira (Figura 7), travesti preta, formada em artes visuais e professora doutora na área de Educação na Universidade Federal do Paraná, conta que suas primeiras referências de pessoas trans, na adolescência, estavam em páginas de revistas pornográficas levadas por meninos para a escola. Ela conta que, nesse período de sua trajetória, apesar de as imagens associadas a travestis serem muito depreciativas e limitadas à pornografia, ela podia se reconhecer nelas. Aquilo que parecia ser uma provocação transfóbica no universo escolar, para Oliveira, tornou-se a imagem de um corpo possível para ela. Aquele corpo discriminado no espaço público (e desejado nas casas de prostituição e nas revistas pornôs) era uma referência “de corpo e de revolução”.

Quando eu digo que sou travesti preta, eu faço questão de marcar esse conceito de ser preta por ser um termo extremamente depreciativo. Quando eu penso nos estudos das relações raciais e no movimento de negras e negros, quase não se discute pessoas LGBT nesse espaço. Também faço questão de demarcar a categoria travesti também por ser uma categoria depreciativa (Oliveira, 2020cOLIVEIRA, M. R. G. Resistência: conversa com Megg Rayara. YouTube, 2020c. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6yrtP2MeawE. Acesso em: 10 nov. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=6yrtP2Me...
).

Ser travesti é o reconhecimento de um outro corpo possível, legítimo, além daquele normatizado. É a constituição de uma identidade real (quando apresenta materialmente seu corpo), social (quando transita entre os espaços) e política (quando reivindica direitos — de fato e de direito). Essa mesma identidade social, que é produtora de cultura, rompe com os signos binários estáticos e expressa-se como pertencente ao gênero feminino (York, Oliveira e Benevides, 2020YORK, S.; OLIVEIRA, M. R. G.; BENEVIDES, B. Manifestações textuais (insubmissas) travestis. Estudos Feministas, v. 28, n. 3, e75614, 2020. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n75614
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: 2).

Como demonstram as falas acima, o processo de autodefinição é uma peça-chave para o reconhecimento coletivo de mulheres trans e travestis, e dialoga diretamente com o pensamento feminista negro elaborado por Patricia Hill Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.). Como descreve a socióloga, esse pensamento tem sido produzido há décadas, de forma oral, por mulheres negras, em seus papéis de mãe, professora, música e pastora, e que recentemente passa por um processo de documentação, registro, interpretação e divulgação. Ela sugere que as teorias não necessariamente são produzidas por um grupo seleto e especializado, e está baseado em uma sabedoria tradicional, refletindo as posições materiais das suas praticantes. Assim, ela utiliza o termo “pensamento feminista negro” para elevar o feminismo negro ao status de um conhecimento legítimo no universo acadêmico, não apenas como militância, mas como certo tipo de esforço teórico e intelectual.

Neste artigo, permito-me fazer um pequeno deslocamento para pensar, ainda que de forma embrionária, nas bases de um “pensamento transfeminista negro”, que nasce do protagonismo travesti que tem no trabalho sexual seu território de conhecimento encarnado, acompanhado de estratégias de sobrevivência à violência e à limitação de acesso a políticas públicas de prevenção em saúde, e brota nos interstícios de um espaço acadêmico ainda reduzido, com algumas intelectuais e ativistas que tiveram a oportunidade de completar os mais altos graus de formação superior e da pós-graduação, e hoje são docentes universitárias.

Segundo Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.), há três temas-chave do pensamento feminista negro:

  • a autodefinição e a autoavaliação;

  • a natureza interligada das opressões;

  • a cultura das mulheres afro-americanas.

Primeiro, a autodefinição envolve desafiar o processo de validação do conhecimento que resultou em imagens estereotipadas externamente definidas da condição da mulher afro-americana dentro de uma matriz de dominação e controle. Por sua vez, a autoavaliação enfatiza o conteúdo específico das autodefinições e substitui essas imagens externamente definidas por outras autênticas de mulheres negras.

Esta primeira chave, na teoria de Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.), relaciona-se à construção de imagens de controle em relação às mulheres negras, como a mãe preta, a mucama e a mulata. Para ela, é necessário refazer essas imagens por meio de processos de autovalidação: um conjunto de imagens criadas pelas próprias mulheres negras para definir a si mesmas e criar os próprios parâmetros avaliativos.

O conceito de autodeterminação nos coloca como protagonistas de nossas experiências subjetivas, retirando a autoridade que, na sociedade vigente, ainda está tutelada por instituições médicas, jurídicas, religiosas e estatais, que nos delimitam em uma condição subalterna, patológica, criminosa e imoral. Quando os corpos trans* assumem processos de produções discursivas sobre suas subjetividades, passam a rechaçar o pensamento colonizador e os processos de patologização (Nascimento, 2021NASCIMENTO, L. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. (Coleção Feminismos Plurais.): 107).

Em relação a pessoas trans, ao longo de décadas, a questão da autodefinição estava subsumida a processos de patologização das transgeneridades, travestilidades e transexualidades por meio da falta de acesso, primeiro, à mudança de nome no registro civil; segundo, a processos de hormonização no Sistema Único de Saúde; terceiro, a processos de intervenções cirúrgicas também no SUS. Apenas em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito à mudança de nome e de sexo no registro civil para pessoas trans sem a necessidade de apresentação de laudo médico atestando a transgeneridade, travestilidade ou transexualidade de uma pessoa (JUSBRASIL, 2019JUSBRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.275/2019. 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/768143102. Acesso em: 10 nov. 2022.
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).

Com relação ao Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde, implantado em 2008, para ter acesso às intervenções cirúrgicas, pessoas trans necessitam seguir inúmeros protocolos, bastante demorados, com uma longa fila de espera e também apresentar um laudo médico que ateste sua identidade de gênero. Além disso, até janeiro de 2022, pessoas trans eram categorizadas, na Classificação Internacional das Doenças (o CID 10), dentro do campo dos transtornos mentais e de comportamento e, mais especificamente, como “transtornos da identidade de gênero”. Mais recentemente, o CID 11, que passou em janeiro de 2022, alterou a questão do “transexualismo”, que saiu do capítulo sobre transtorno de identidade de gênero e passou a ser classificado como “incongruência de gênero” no item “Condições relacionadas com a Saúde Sexual”. Esta foi uma conquista importante, que precisa ser implantada nos atendimentos à saúde de toda a população dentro do guarda-chuva T.

Nesse sentido, o processo de despatologização das identidades trans mostra-se fundamental para suas autodeterminações e para a possibilidade de reconhecimento de múltiplas formas de viver experiências de feminilidade e mulheridade. Como quer Simone de Beauvoir (2008BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.: 20), “sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres”. Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada, que é a feminilidade” (Beauvoir, 2008BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.: 20).

Para Beauvoir (2008BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.), a necessidade de definição de “ser mulher” está associada à construção de uma feminilidade que é elaborada em relação a uma categoria não marcada e supostamente neutra, que é a de “homem”. Assim, a mulher é pensada como Outro, ameaçador, diferente e sujeitado, e o homem é visto como Sujeito absoluto. E as mulheres trans e travestis? Como explica Letícia Nascimento (2021NASCIMENTO, L. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. (Coleção Feminismos Plurais.): 52), “nossas outridades estão além; somos, de certa maneira, o Outro do Outro do Outro, uma imagem distante daquilo que é determinado normativamente na sociedade como homem e mulher”. Ao relacionar essas outridades à reflexão de Collins, a autora sugere pensar que mulheres trans e travestis são as outsiders non sisters.

Para Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.), as mulheres negras afro-americanas podem ser pensadas como outsiders within, “estrangeiras de dentro”, como aquelas que, durante séculos, trabalharam para famílias brancas sem, contudo, estar totalmente integradas a elas, mesmo sendo consideradas por estas “como se fossem da família”. Segundo a socióloga, essa posição tem proporcionado às mulheres afro-americanas um ponto de vista especial quanto ao self, à família e à sociedade, e também pode ser pensado para intelectuais negras que ocupam espaços acadêmicos. Estas podem questionar teorias existentes, enxergar anomalias e invisibilidades e identificar distorção de fatos sobre mulheres negras. Também podem colocar suas vozes no centro da análise e apontar quais questões levam ou não em consideração suas experiências.

Na verdade, a posição de outsider within não está relacionada apenas às mulheres negras, mas a qualquer outro grupo que se defronte com o pensamento paradigmático de uma comunidade mais poderosa de insiders. Nesse sentido, mulheres trans e travestis negras também podem ocupar esse lugar mas, segundo Letícia Nascimento, elas ocupam-no de modo ainda mais precário e marginal, pois não são reconhecidas como mulheres nem para o feminismo negro nem para o movimento de mulheres negras (nem para certos feminismos brancos).

Retomando os temas-chave do pensamento feminista negro para Collins (2019COLLINS, P. H. O pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.), o segundo refere-se à natureza interligada das opressões ou, em outras palavras, da perspectiva interseccional entre gênero, raça e classe, entre outros marcadores sociais da diferença. A atenção a essa interligação é importante porque: primeiro, transforma o foco da investigação e articula os elos entre as diferentes opressões sem hierarquizá-las; segundo, cria uma perspectiva alternativa humanista para pensar a sociedade.

Por fim, o terceiro tema diz respeito à importância da “cultura das mulheres afro-americanas”, um espaço no qual se constroem autodefinições e autoavaliações para lidar com a simultaneidade de opressões que mulheres negras vivenciam. No caso dos Estados Unidos, são igrejas, famílias, expressões artísticas e musicais etc. onde se podem articular elementos comuns para o sentimento solidário de uma sororidade (sisterhood) possível. No caso que nos interessa aqui, esse sentimento de irmandade está presente nos conhecimentos produzidos nas esquinas e pelo compartilhamento do pajubá (ou bajubá), uma linguagem criada nas ruas por travestis baseada em línguas africanas, apreendidas nas religiões de matriz africana de tradição iorubá e nagô.

Para Sofia Favero (2020FAVERO, S. Por uma ética pajubariana: a potência epistemológica das travestis intelectuais. Revista Equatorial, v. 7, n. 12, p. 1-22, 2020. https://doi.org/10.21680/2446-5674.2020v7n12ID18520
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), psicóloga e escritora travesti, é preciso oferecer ao pajubá o status de uma ética: questionar as aberturas e os fechamentos dos campos de conhecimento para travestis intelectuais e perceber quais conhecimentos são reconhecidos e considerados relevantes. Ela se refere à ética para localizar a produção das travestis intelectuais em um contexto situado, no qual a transfobia está presente, e perceber quais relações são produzidas partindo dessa posição. Desse modo, pajubar a ética significa mudar as formas de fazer as perguntas e construir novas alianças e formas de estar junto.

Uma ética pajubariana às vezes está aquendada em campo, coberta de silêncios e reflexões, para que seja possível desaquendar em casa, na avenida, nos espaços de convivência entre travestis. Pois tal dialeto aqui se refere a uma prática, não somente a um vocabulário. Pajubar é subjetivar. E, então, estranhar quem nos estranhou. […] Tais processos metodológicos convocam quem pesquisa para que fale sobre as margens, visibilize os agenciamentos da violência, que sejam admitidas as intelectualidades das pistas, dos sites e das pensões. São processos que demandam que as epistemologias da navalha, do picumã e do xuxu sejam constatadas, que se exponham as tradições diagnósticas, noções de adoecimento e bem-estar, que sejam reconhecidas as cosmologias da travestilidade como esquemas específicos de apreensão de mundo. Não para dizer que a intelectualidade em questão aspira ao centro, pois o que se aspira é justamente a perturbação desse modelo de ciência hegemônica e apática. (Favero, 2020FAVERO, S. Por uma ética pajubariana: a potência epistemológica das travestis intelectuais. Revista Equatorial, v. 7, n. 12, p. 1-22, 2020. https://doi.org/10.21680/2446-5674.2020v7n12ID18520
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: 18).

A importância socioantropológica do pensamento transfeminista negro, nesse sentido, está, como sugere Favero (2020FAVERO, S. Por uma ética pajubariana: a potência epistemológica das travestis intelectuais. Revista Equatorial, v. 7, n. 12, p. 1-22, 2020. https://doi.org/10.21680/2446-5674.2020v7n12ID18520
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), em vincular as trajetórias coletivas e individuais das travestis e pessoas transfemininas à maneira como o conhecimento é produzido, partilhado e veiculado, conectando as encruzilhadas das esquinas com os atravessamentos conceituais acadêmicos.

“POR QUE VOCÊ NÃO ME ABRAÇA?”: CONCLUSÕES PARCIAIS

Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2018JESUS, J. G. Feminismos contemporâneos e interseccionalidades. REBEH, v. 1, n. 1, p. 5-24, 2018.: 16):

O transfeminismo é uma linha de pensamento e ação feminista em construção, na prática, uma literatura de fronteira fortemente baseada na internet e herdeira, principalmente, das contribuições teórico-práticas do Feminismo negro, no que concerne ao princípio da interseccionalidade, à não hierarquia de opressões, ao empoderamento das falas das pessoas historicamente oprimidas e ao questionamento da apropriação do conceito de mulher pelas feministas brancas.

Por ser uma literatura de fronteira, pode dialogar com diversos campos de conhecimento, de forma interdisciplinar, mas também está sujeita a certos silenciamentos e invisibilidades. Megg Rayara Gomes de Oliveira (2020aOLIVEIRA, M. R. G. Nem ao centro nem a margem: corpos que escapam às normas de raça e gênero. Salvador: Devires, 2020a.) aponta os desafios de incluir as pautas transfeministas negras no movimento negro no Brasil, onde se tem como prerrogativa a heteronormatividade compulsória e a forte presença de homens cisgênero. E faz a pergunta para este movimento: “Por que você não me abraça?” Apesar de reconhecer o genocídio da população negra e, especialmente de jovens rapazes, aponta que há uma postura de naturalização em relação à orientação sexual e à identidade de gênero que invisibiliza a violência contra travestis e mulheres trans negras. Desse modo, destaca a importância de uma perspectiva interseccional tanto no movimento LGBTQIA+ quanto no movimento negro e feminista para incluir e abraçar as pautas trans e travestis.

Megg Oliveira (2020aOLIVEIRA, M. R. G. Nem ao centro nem a margem: corpos que escapam às normas de raça e gênero. Salvador: Devires, 2020a.) enumera possibilidades e propostas políticas que cruzam, de forma certeira, elos de opressão que atravessam corpos trans negros: cruzamento de dados entre violência transfóbica e racismo, ações educativas e de formação para os movimentos negros e LGBTQIA+, organização de debates e seminários, elaboração de materiais de apoio, de campanhas publicitárias, incentivo à permanência de travestis e trans nos movimentos sociais, estabelecimento de parcerias com universidades, entre outras.

Assim como Leticia Nascimento (Figura 9), Oliveira (2020aOLIVEIRA, M. R. G. Nem ao centro nem a margem: corpos que escapam às normas de raça e gênero. Salvador: Devires, 2020a.) também reforça que pensamentos binários e cristalizados impedem uma visão ampliada de experiências transfemininas negras:

Figura 9
Capa do livro de Letícia Nascimento, 2020.

Quando trago o conceito de autodeterminação, pensado de modo coletivo, pretendo reforçar a necessidade de validação de diferentes performances trans* que não se encaixam no modelo cisnormativo. É importante que não criemos estruturas rígidas de enquadramento das corporalidades trans*, por isso, insisto que toda corporalidade não cisgênera é trans (Nascimento, 2021NASCIMENTO, L. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. (Coleção Feminismos Plurais.): 106).

Desse modo, o pensamento transfeminista negro aposta no princípio da multiplicidade para pensar nas corporalidades trans para além de categorias identitárias fixas e imagens de controle corporais que tentam enquadrar experiências, saberes e práticas que escapam da cisnormatividade. Nesse sentido, o lugar da fronteira pode ser pensado como uma posição que, em vez de construir muros, possibilita atravessá-los e permite aberturas e fissuras para existências numa terceira, quarta, quinta margens, em confluências e ramificações de vidas possíveis (Nascimento, 2019NASCIMENTO, S. O corpo da antropóloga e os desafios da experiência próxima. Revista de Antropologia, v. 62, n. 2, p. 459-484, 2019. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.161080
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).

Levando a sério esse campo intelectual, pessoas trans não bináries, homens (trans) e pessoas transmasculinas negres também podem se tornar feministas e pensar partir desse lugar. E assim poderemos sonhar com uma nova era, o que Sandy Stone (2006STONE, S. The empire strikes back: a posttranssexual manifesto. In: STRYKER, S. (org.). Transgender Studies Reader. Nova York: Routledge, 2006. v. 1. p. 221-235.) já anunciava nos anos 1990: a possibilidade de uma era pós-transexual ou, posso dizer, pós-feminista.

Todavia, ainda há muitas pautas para serem desdobradas, políticas a serem implantadas, diálogos e negociações a serem feitos, manifestos a serem escritos, investigações a serem abertas (e apoiadas). Além de propostas para políticas concretas, que envolvem uma mobilização interseccional de distintos ativismos e movimentos sociais, e da implantação de políticas públicas, pesquisas recentes têm sido realizadas para dar visibilidade à memória de travestis e pessoas trans negras (transancestrais), por exemplo, no período da colonização brasileira, como a figura de Xica Manicongo (Mott, 2005; Jesus, 2019JESUS, J. G. Xica Manicongo: a transgeneridade toma a palavra. Docência e Cibercultura, v. 3, n. 1, p. 250-260, 2019. https://doi.org/10.12957/redoc.2019.41817
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; Oliveira, 2020aOLIVEIRA, M. R. G. Nem ao centro nem a margem: corpos que escapam às normas de raça e gênero. Salvador: Devires, 2020a.; 2020bOLIVEIRA, M. R. G. O diabo em forma de gente: (r)resistências de gays afeminados, viados e bichas na educação. Salvador: Devires, 2020b.), que indicam uma antiga presença travesti em terras brasileiras. Ou ainda a importância da militância de Marsha Johnson, travesti negra estadunidense, e Sylvia Ribera, travesti porto-riquenha, em manifestações que antecederam a famosa revolta de Stonewall em 1969.

Contudo, a visibilização dessa memória transancestral ainda está por ser feita, por meio de um conhecimento partilhado, no passado e no presente, para a construção de um pensamento transfeminista negro plural, em que saltos altos são permitidos, mulheres de pau resistem, travestis pretas lecionam, mulheres trans pesquisam, transmasculines têm voz e podem parir. Como diz Megg Oliveira (2020cOLIVEIRA, M. R. G. Resistência: conversa com Megg Rayara. YouTube, 2020c. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6yrtP2MeawE. Acesso em: 10 nov. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=6yrtP2Me...
), “não precisamos colocar bomba em bancos porque nossos corpos já são incendiários”.

NOTES

  • 1
    Quando menciono as categorias feminilidade e mulheridade, eu me refiro a construções socioculturais de gênero do que se entende por atributos femininos. Estes não estão determinados pela genitália e o sexo atribuído ao nascimento, e dependem de autoafirmações de gênero feminino, em sua multiplicidade e variações localizadas em determinados contextos históricos e geográficos.
  • 2
    Entendo epistemologia, segundo Linda Alcoff (2016), como a maneira pela qual o conhecimento é produzido, a quem deve ser autorizado e à maneira pela qual é possível construir um pensamento politicamente reflexivo.
  • 3
    A sigla LGBTQIA+ refere-se a lésbicas, gays, pessoas trans, queers, intersexos, assexuais, entre outras categorias identitárias.
  • 4
    A cisnormatividade pode ser pensada como um sistema aliado à heteronormatividade, um conjunto de normas que atribui o caráter essencial e naturalizado à existência de “homens” e “mulheres”, como se suas definições ao nascimento pudessem ser permanentes e imutáveis. Assim, nos anos 1990, movimentos trans passam a descrever as pessoas não trans como cisgêneras, apontando também o caráter marcado não apenas dos próprios corpos, mas de todas as identidades de gênero (Vergueiro, 2015VERGUEIRO, V. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.; Moira, 2016MOIRA, A. E se eu fosse puta. São Paulo: Hoo, 2016.).
  • 5
    Estas páginas, atualmente desativadas, deram origem ao site https://transfeminismo.com/.
  • 6
    O texto de Sandy Stone foi publicado pela primeira vez em 1991, em uma antologia de textos, Body Guards: The Cultural Politics of Gender Ambiguity, organizada por Julia Epstein e Kristina Straub (editora Routledge). Em 2006, foi republicado em coletânea organizada por Susan Stryker, livro que se tornou referência fundamental para o campo dos estudos trans em nível internacional, Transgender Sudies Reader, pela mesma editora.
  • 7
    As Jornadas Feministas Estatales foram encontros que reuniram diferentes organizações feministas da região de Andaluzia, na Espanha, que se realizavam periodicamente. Eventos com o mesmo nome também foram e são realizados em diversas regiões do país.
  • 8
    Este texto já não se encontra mais disponível na internet.
  • 9
  • 10
    Hailey Kaas tem atuado como tradutora e elaborado um projeto de pesquisa para um mestrado na área de antropologia ou humanidades.
  • 11
    Para conhecer sua trajetória, sugere-se o filme “Jovanna Baby: uma trajetória do Movimento de Travestis e Trans no Brasil” (https://www.facebook.com/memorialgbti/videos/824532954626683/).
  • 12
    Para conhecer sua trajetória, sugere-se o filme “Atentado violento ao pudor”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=idrUxKJ5IzI.
  • 13
    O Instituto de Estudos da Religião teve importante atuação no movimento de enfrentamento da AIDS, apoiou diferentes movimentos de prostitutas, travestis e mulheres cisgênero, inclusive a ONG Davida, que foi liderada por Gabriela Leite, uma das precursoras do “Puta Feminismo” no Brasil.
  • 14
    A ABGLT formou uma rede de mais de 30 grupos no país, e hoje conta com mais de 300 organizações filiadas. A entidade tornou possível o fortalecimento de organizações LGBTQIA+ em vários estados.
  • 15
    Atualmente, as pautas dos movimentos trans foram ampliadas e estão voltadas, além da transfobia e do transfeminicídio, para a empregabilidade, a inserção no mercado de trabalho e a educação.
  • 16
    Disponível em: http://www.fonatrans.com/. Acesso em: 10 nov. 2022.
  • 17
    Uma importante parceira ao longo de trajetória de Keila Simpson foi Fernanda Benvenutty, travesti negra, paraibana, técnica em enfermagem e carnavalesca, que se tornou também uma grande amiga. Fundadora da Associação de Travestis e Transexuais da Paraíba (ASTRAPA), em 2000, Benvenutty teve importante participação na construção de políticas públicas de saúde para a população trans (BENVENUTTY; NASCIMENTO; LIMA, 2022BENVENUTTY, F.; NASCIMENTO, S.; LIMA, L. Fernanda Benvenutty: uma política travesti. São Paulo: Patuá, 2022.). Fernanda faleceu aos 55 anos, em 2020, vítima de câncer.
  • 18
    Cada uma delas busca marcar seu lugar como intelectual e docente trans e/ou travesti negra no campo dos estudos de gênero e raça, entre outras temáticas, ocupa postos em universidades, participa de movimentos e organizações trans e LGBTQIA+, realiza lives, publicam artigos e livros e têm ganhado cada vez mais espaço como produtoras de conhecimento em relação a temáticas trans.
  • 19
    Para saber mais, consultar #TERF no Twitter.
  • 20
    Os processos mencionados estão presentes, por exemplo, em concursos de beleza gay e/ou trans, como os concursos de Miss Gay e Miss Trans, que ocorrem em diferentes regiões, em concursos de drag queens e, mais recentemente, em competições de dança (as balls) que performam vários modos do voguing.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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