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A justiça e a terapêutica: Significados atribuídos por médicos psiquiatras e por juízes de direito à legislação relativa à maconha

Therapeutic justice: Meanings attributed by psychiatrists and judges to the law regarding marijuana

Resumos

Este artigo analisa significados atribuídos por médicos psiquiatras e por juízes de direito à legislação relativa à maconha. O texto decorre de pesquisa qualitativa baseada em entrevistas individuais em profundidade. Foram entrevistados quatro psiquiatras e seis juízes atuantes nas cidades de Petrolina, Pernambuco, e Juazeiro, Bahia, as maiores cidades da região popularmente conhecida como Polígono da Maconha. A análise se baseia na antropologia interpretativa de Clifford Geertz. As conclusões apontam que as práticas de cultivo, consumo e comércio de maconha, em relação às quais esses profissionais precisam se posicionar, refletem as amplas estruturas simbólicas que são constitutivas de seus campos de atuação: o direito e a psiquiatria. Nessas estruturas, impera, sobre a maconha, uma lei determinada e proibitiva, com consequências a priori indeterminadas e deterioradoras do sistema nacional de justiça, polícia e saúde. Os magistrados se mostraram mais críticos em relação à legislação atual sobre essa matéria e favoráveis à sua reforma.

Palavras-chave:
Maconha; Lei de Drogas; psiquiatras; juízes de direito


This article aims to investigate the meanings attributed by psychiatrists and judges to the Brazilian legislation on marijuana. The text is based on qualitative research from in-depth individual interviews. A total of four psychiatrists and six judges who work in the cities of Petrolina, Pernambuco, and Juazeiro, Bahia, the largest cities in the region popularly known as Polígono da Maconha [Marijuana Polygon]. The analysis draws on Clifford Geertz’s interpretive anthropology. The conclusions point out that the practices of cultivation, consumption, and sale of marijuana, in relation to which these professionals need to position themselves, reflect the broad symbolic structures that are constitutive of their fields of action: law and psychiatry. In these structures, the legal regulation of marijuana is mostly based on prohibitionism, with a priori undetermined and deteriorating consequences for the national system of justice, police, and health. The magistrates were more critical of the current legislation on this matter and favorable to its reform.

Keywords:
Marijuana; Drug Law; psychiatrists; judges


Introdução

No Brasil, a criminalização de psicoativos foi influenciada pela emergência da droga como problema social nos Estados Unidos, notadamente no que concerne ao ópio, à morfina e à cocaína (ESCOHOTADO, 2004ESCOHOTADO, Antonio. História elementar das drogas. Lisboa: Antígona, 2004.), ainda que houvesse leis municipais no país perseguindo o uso da maconha desde o século XIX. No caso particular da maconha, no entanto, foram médicos brasileiros que defenderam sua proscrição em convenções internacionais, agenciamento decisivo para sua proibição em diversas partes do mundo (BRANDÃO, 2016BRANDÃO, Marcílio Dantas. “Os ciclos de atenção à maconha e a emergência de um ‘problema público’ no Brasil”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 103-132.).

Os médicos foram pioneiros e os principais empreendedores morais da cruzada antidrogas no país. Eles forneceram caráter científico ao discurso moral em defesa da sobriedade e de uma legislação rigorosa (ADIALA, 2016ADIALA, Júlio Cesar. “Uma nova toxicomania: O vício de fumar maconha”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 85-102.; SAAD, 2019SAAD, Luísa. “‘Fumo de negro’: A criminalização da maconha no pós-abolição”. Salvador: Edufba, 2019.). O discurso médico produziu o conceito de toxicomania enquanto doença mental particular, responsável pelos impulsos criminosos e pelos traços patológicos da personalidade. O investimento nessa narrativa contribuiu para justificar o incremento da repressão policial (ADIALA, 2016ADIALA, Júlio Cesar. “Uma nova toxicomania: O vício de fumar maconha”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 85-102.).

A atuação dos médicos, sobretudo psiquiatras, esteve associada aos seus interesses no monopólio do tratamento e da cura dos denominados toxicômanos e do direito de prescrição de novas substâncias, a excluir a concorrência de curandeiros e rezadeiras, bem como na oportunidade de transferir, para o campo do comportamento social, o modelo de combate às endemias, empregado com êxito em relação às doenças tropicais, o que fortaleceu a posição do estamento médico no debate político e no interior da máquina estatal (ADIALA, 2016ADIALA, Júlio Cesar. “Uma nova toxicomania: O vício de fumar maconha”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 85-102.). Nesse segmento profissional, as posições não eram homogêneas, havendo muita diversidade e disputa, majoritariamente vencida pelos alopatas (BRANDÃO, 2023BRANDÃO, Marcílio Dantas. “A maconha na jurisdição médica brasileira”. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 21-39.).

Assim, a toxicomania passou a existir enquanto fenômeno social ao ser classificada, nomeada e publicamente percebida como uma demanda a ser equacionada, tornando-se uma categoria diagnóstica produtora de novos significados hegemônicos, impulsora da repressão às substâncias psicoativas, em particular a maconha. Esse processo inaugurado por autoridades médicas, que influenciou os meios legais e judiciais, alcança ampla divulgação na imprensa, contribuindo para conformar um senso comum acerca da maconha enquanto problema social e de saúde pública (ADIALA, 2016ADIALA, Júlio Cesar. “Uma nova toxicomania: O vício de fumar maconha”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 85-102.; FRAGA; MARTINS; RODRIGUES, 2020FRAGA, Paulo; MARTINS, Rogéria; RODRIGUES, Luzania Barreto. “Discursos sobre a maconha na imprensa brasileira na primeira metade do século XX”. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, MG, vol. 15, n. 2, pp. 28-43, nov. 2020.; MAIA, 2022MAIA, Gustavo. A maconha no Brasil através da imprensa (1808-1932). 2022. Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.).

As notícias sobre uso, plantio e comércio de maconha circulavam na imprensa brasileira pelo menos desde a década de 1870 (SAAD, 2019SAAD, Luísa. “‘Fumo de negro’: A criminalização da maconha no pós-abolição”. Salvador: Edufba, 2019.; MAIA, 2022MAIA, Gustavo. A maconha no Brasil através da imprensa (1808-1932). 2022. Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.). Contudo, foi com a publicação, em 1915, de “Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício” que a tônica de discussões sobre o tema mudou em nosso país. O referido texto foi escrito pelo médico, professor, jurista e político José Rodrigues da Costa Dória. Por meio desse texto ocorreu a disseminação de significados acerca do uso e dos usuários da maconha, bem como o recrudescimento da temática nos jornais e revistas. O artigo foi apresentado no II Congresso Científico Pan-Americano, em Washington, e, em 1916, a imprensa brasileira o divulgou, reverberando sua repercussão no Congresso, de modo a ampliar seu prestígio e de outros psiquiatras do Sanatório Botafogo, no Rio de Janeiro (MAIA, 2022MAIA, Gustavo. A maconha no Brasil através da imprensa (1808-1932). 2022. Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.).

Os “fumadores de maconha” do título seriam os pretos africanos e seus descendentes - os quais teriam legado à nação brasileira, ao modo de uma vendeta, “o vício pernicioso e degenerativo de fumar as sumidades floridas da planta” (DÓRIA, 2016DÓRIA, José Rodrigues. “Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 65-84., p. 66) -, os “índios amansados”, os mestiços, trabalhadores rurais, pescadores, canoeiros e soldados.

Fruto de suas observações às margens do rio São Francisco, na região Nordeste do Brasil, o artigo de Dória também faz referência à maconha como “planta da felicidade” - que causa “delícias” e êxtase aos que a fumam - e aponta para seus usos medicinais pela população ribeirinha. A par disso, reconhece que seus efeitos predominantes são satisfação, lubricidade, alegria, euforia, clareza das ideais, amabilidade e sono calmo. De acordo com esse autor, os sintomas variam na proporção da dose fumada, levando-se em conta a origem e a quantidade dos seus princípios ativos, as sugestões e o temperamento do indivíduo. No entanto, o acento é posto nos efeitos negativos relativos ao abuso da substância, como o embrutecimento, a criminalidade, a depressão psíquica e física e as bronquites, recomendando a proibição do comércio da maconha, reduzindo sua progressiva disseminação (DORIA, 2016).

Durante os vinte anos subsequentes, outros artigos científicos foram publicados, como o do agrônomo Francisco de Assis Iglésias (1986)IGLÉSIAS, Francisco de Assis “Sobre o vício da diamba”. In: HENMAN, Anthony; PESSOA JR., Osvaldo (org.). Diamba sarabamba: Coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986. pp. 39-51., do médico e professor de psiquiatria Adauto Botelho e do médico Pedro Pernambuco Filho (1924BOTELHO, Adauto; PERNAMBUCO FILHO, Pedro. Vícios sociaes elegantes (cocaína, éther, diamba, ópio e seus derivados etc): Estudo clínico, médico-legal e prophylático. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924.), a reproduzir o fulcro das ideias de Dória. Pernambuco Filho representou o Brasil na II Conferência Internacional do Ópio, em 1925, apoiando a inclusão da maconha no rol das substâncias proibidas. A proibição nacional da maconha, em 1932, e o avanço da eugenia brasileira destacaram sobremaneira os estudos de Dória sobre o vício de fumar maconha (SAAD, 2019SAAD, Luísa. “‘Fumo de negro’: A criminalização da maconha no pós-abolição”. Salvador: Edufba, 2019.; MAIA, 2022MAIA, Gustavo. A maconha no Brasil através da imprensa (1808-1932). 2022. Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.). Os jornais e as delegacias de polícia cada vez mais se ocuparam dessa nova toxicomania, levando à criação da Comissão Nacional de Fiscalização dos Entorpecentes (CNFE), em 1936, com o empenho de médicos, autoridades sanitárias e policiais preocupadas em combater o “maconhismo” (BRANDÃO, 2014BRANDÃO, Marcílio Dantas. “O ‘problema público’ da maconha no Brasil: Anotações sobre quatro ciclos de atores, interesses e controvérsias”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, pp. 703-740, 2014.). Na primeira metade do século XX, os jornais da época destacavam as narrativas médicas sobre os perigos do uso da maconha, a qual, entre outras denominações, era também conhecida como ópio brasileiro (FRAGA; MARTINS; RODRIGUES, 2020FRAGA, Paulo; MARTINS, Rogéria; RODRIGUES, Luzania Barreto. “Discursos sobre a maconha na imprensa brasileira na primeira metade do século XX”. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, MG, vol. 15, n. 2, pp. 28-43, nov. 2020.).

A CNFE produzia estatísticas e estudos sobre o problema do uso de drogas no Brasil, forjando teorias acerca de seus malefícios, estimulando a repressão do cultivo, comércio e uso médico e recreacional da maconha. Em 1938, criou o Decreto-lei nº 891 e, em 1940, o artigo 281 do Código Penal, que vigorou por 35 anos. Esse artigo foi alterado em 1968, de modo a equiparar o consumidor de droga ao traficante, atribuindo-lhes penas idênticas. Apenas em 1976, com a promulgação da Lei nº 6.368, essa equiparação é abolida por meio da tipificação do crime de tráfico e de consumo em distintos artigos, mantendo-se a pena de prisão (BARROS; PERES, 2011BARROS, André; PERES, Marta. “Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas”. Periferia, Duque de Caxias, RJ, vol. 3, n. 2, pp. 1-20, jul./dez. 2011.).

Trinta anos depois, com a Lei nº 11.343/2006, é suprimida a pena privativa de liberdade para usuário de drogas ilegais e para aqueles que plantam Cannabis para consumo próprio. No entanto, a nova lei mantém a criminalização do uso de drogas proscritas, estabelecendo ao infrator penas restritivas de liberdade, o que, segundo Karam (2008)KARAM, Maria Lucia. “A Lei nº 11.343/2006 e os repetidos danos do proibicionismo”. In: LABATE, Beatriz et al. (org.). Drogas e cultura: Novas perspectivas. Salvador: Edufba, 2008. pp. 105-120., viola o princípio da lesividade e a própria liberdade individual, uma regra geral do Estado democrático de direito. Ainda segundo Karam (2008)KARAM, Maria Lucia. “A Lei nº 11.343/2006 e os repetidos danos do proibicionismo”. In: LABATE, Beatriz et al. (org.). Drogas e cultura: Novas perspectivas. Salvador: Edufba, 2008. pp. 105-120., na legislação sobre drogas, o Estado invade a esfera da vida privada.

A tipificação da conduta de indivíduos que portam ou cultivam Cannabis enquanto usuário ou traficante é amparada nos artigos 28 e 33 da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, vigente no Brasil. Para decidir se a substância psicoativa ou o cultivo das plantas se destina ao consumo pessoal ou a fins comerciais, o juiz de direito deverá atentar para a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais dos envolvidos, bem como a conduta e os antecedentes do sujeito autor do crime. Assim, essa lei não contribui significativamente para a diferenciação entre usuário e traficante, pois manteve os critérios gerais e abstratos da Lei nº 6.386/1976. Essa ausência de diferenciação contribuiu para o aumento do número de presos por tráfico de drogas. Como sinalizaram Boiteux e Pádua (2013BOITEUX, Luciana; PÁDUA, João Pedro. A desproporcionalidade da Lei de Drogas: Os custos humanos e econômicos da atual política do Brasil. Rio de Janeiro: Coletivo de Estudos Drogas e Direito (CEDD), 2013. Disponível em: http://www.drogasyderecho.org/wp-content/uploads/2015/03/proporcionalidad-brasil.pdf. Acesso: 17 abr. 2023.
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, pp. 25-26), cinco anos depois da promulgação da Lei nº 11.343, o número de pessoas privadas de liberdade pelo crime de tráfico de drogas no país havia crescido 111%, passando de 15,5% do total da população carcerária em 2007 para 25,2% em 2012.

Esse crescimento é maior que aquele atinente ao total de presos no sistema penitenciário brasileiro. Naquele mesmo período, as taxas de consumo de substâncias ilícitas, no Brasil e no mundo, permaneceram estáveis, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2013UNODC - UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. World Drug Report 2013. New York: United Nations, 2013. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_drugs/WDR/2013/World_Drug_Report_2013.pdf. Acesso em: 30 nov. 2022.
https://www.unodc.org/documents/lpo-braz...
). Depreende-se, desse modo, que um número maior de usuários passou a ser preso como traficante. A superlotação dos presídios é uma consequência inevitável da proibição, em particular a da Cannabis, substância ilegal mais consumida no Brasil e no mundo (UNODC, 2013UNODC - UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. World Drug Report 2013. New York: United Nations, 2013. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_drugs/WDR/2013/World_Drug_Report_2013.pdf. Acesso em: 30 nov. 2022.
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).

Não obstante a repressão e as políticas de enfrentamento ao tráfico de drogas persistirem em todo o mundo, o debate internacional acerca da legalização das substâncias tornadas proibidas, notadamente da maconha, vem se intensificando e, não raro, levando à sua legalização para o uso recreativo e/ou medicinal, como em Portugal, México, Canadá, Reino Unido e Uruguai, além de unidades federativas dos Estados Unidos. No Brasil, uma nova regulamentação da maconha é defendida por distintos atores da sociedade civil, mas esbarra no conservadorismo do Legislativo (REZENDE; FRAGA; SOL, 2022REZENDE, Daniela; FRAGA, Paulo; SOL, Aruna. “Audiências públicas sobre maconha/Cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020”. Opinião Pública, Campinas, SP, vol. 28, n. 2, pp. 425-461, maio/ago. 2022.).

Por outro lado, desde o final do século XX, a Cannabis medicinal é bastante estudada em alguns países após a descoberta, em 1992, a partir de estudos iniciados pelo cientista israelense Raphael Mechoulam, do sistema endocanabinóide. Em 1995, o uso terapêutico da Cannabis e seu cultivo foi regulado na Califórnia. No Brasil, o cultivo de maconha para fins medicinais permanece proscrito. Após considerável repercussão midiática acerca da eficácia do tratamento de crianças portadoras de epilepsia refratária, em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação de medicações à base de canabidiol (BRASIL, 2015BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 17, de 6 de maio de 2015. Define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de canabidiol… Brasília, DF: Anvisa, 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2015/rdc0017_06_05_2015.pdf. Acesso: 23 abr. 2023.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). Diante de dificuldades financeiras, algumas famílias conquistaram, na Justiça, a autorização legal para cultivar a planta (POLICARPO; MARTINS, 2019POLICARPO, Frederico; MARTINS, Luana. “‘Dignidade’, ‘doença’ e ‘remédio’: uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica, Niterói, RJ, n. 47, pp. 143-166, 2019.). Entretanto, devido ao processo burocrático e moroso, muitas famílias ainda fazem cultivos ilegais para obtenção de medicamento, expondo-se a risco de prisão por tráfico de drogas (BATISTA, 2019BATISTA, Rodrigo. “Maconha medicinal coloca governo e famílias de pacientes em lados opostos”. Agência Senado, Brasília, DF, 9 jul. 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/07/09/maconha-medicinal-coloca-governo-e-familias-de-pacientes-em-lados-opostos. Acesso em: 30 nov. 2022.
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).

Está em tramitação no Congresso brasileiro o Projeto de Lei (PL) nº 399/2015, cujo objetivo é regular, no território nacional, o cultivo legal para fins medicinais e comerciais da Cannabis. Rezende, Fraga e Sol (2022)REZENDE, Daniela; FRAGA, Paulo; SOL, Aruna. “Audiências públicas sobre maconha/Cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020”. Opinião Pública, Campinas, SP, vol. 28, n. 2, pp. 425-461, maio/ago. 2022. analisaram as audiências públicas da Comissão Especial da Câmara e verificaram como grupos conservadores e de interesses comerciais, religiosos e profissionais se mobilizaram para impedir a aprovação do PL, em uma demonstração de que o debate no Brasil ainda será longo.

A lentidão legislativa ante a reivindicada mudança na regulamentação da maconha impacta o cotidiano laboral de operadores do direito e profissionais de saúde. Os dois grupos profissionais, somados às polícias, são os que mais são demandados e cujas ações e posições ideológicas mais influenciam os destinos das políticas de drogas. Por isso, e em decorrência de pesquisa que temos desenvolvido há alguns anos na região conhecida como maior produtora de Cannabis do Brasil, sistematizamos e analisamos os significados atribuídos por médicos psiquiatras e juízes de direito, atuantes nas cidades de Petrolina, Pernambuco, e Juazeiro, Bahia, ao uso de maconha medicinal e recreativa e sua regulamentação no país.

O percurso metodológico

Este artigo decorre de uma pesquisa qualitativa,1 1 Trata-se da pesquisa A justiça e a terapêutica: Significados atribuídos por médicos psiquiatras e por juízes de direito ao uso de maconha medicinal e recreativa, que contou com a colaboração do bolsista de iniciação científica (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq]) Erick Maddson Rodrigues Bonfim, o qual participou das entrevistas e as transcreveu, assim como colaborou com a classificação dos dados empíricos. cujo principal instrumento foi a entrevista individual em profundidade, orientada por um roteiro semiestruturado com os sujeitos objeto de investigação, isto é, médicos psiquiatras e juízes de direito. Um dos juízes não concedeu entrevista gravada, mas tivemos uma conversa informal. Vale destacar que as entrevistas foram conduzidas por apenas uma das autoras deste texto.

Foram entrevistados quatro médicos psiquiatras que atuam em dispositivos públicos de saúde, como centros de atenção psicossocial - álcool e outras drogas -, policlínicas e Sanatório Nossa Senhora de Fátima. Entre os magistrados, entrevistamos seis juízes das varas criminais e das varas regionais da Infância e Juventude das comarcas de Juazeiro e Petrolina. As entrevistas se realizaram presencialmente e por meio virtual, entre janeiro e junho de 2022, de acordo com a conveniência das pessoas entrevistadas.

A finalidade desta investigação é sintetizada pela intenção de compreender os significados atribuídos por psiquiatras e juízes de direito à proibição da maconha medicinal e recreativa. Buscamos saber como esses profissionais significam seu posicionamento acerca dos usos de uma substância tornada ilegal e quais elementos legais e extralegais - morais, científicos etc. - lastreiam tais significações

Para obter a concessão das entrevistas, uma das pesquisadoras visitou os fóruns das cidades de Juazeiro e Petrolina, contactando os juízes de direito por meio dos seus assessores e através da indicação de outras pessoas entrevistadas, as quais repassavam o contato direto de seus colegas. No caso dos médicos psiquiatras, a mesma pesquisadora teve indicação de outros médicos do sistema público de saúde local - pertencentes à sua rede de relações pessoais e profissionais. Assim como se deu com os psiquiatras, alguns juízes entrevistados também repassaram contatos de seus colegas.

A constituição desse grupo de pessoas entrevistadas representa, portanto, uma materialização do método de amostragem não probabilística conhecido como “bola de neve”. A sistematização desse método remonta a estudos de séries matemáticas, como o empreendido por Goodman (1961)GOODMAN, Leo. “Snowball Sampling”. The Annals of Mathematical Statistics, Chicago, vol. 32, n. 1, pp. 148-170, Mar. 1961.. A extensão da sistematização do método para estudos sociais e epidemiológicos não tardou muito, de modo que Biernacki e Waldorf (1981)BIERNACKI, Patrick; WALDORF, Dan. “Snowball Sampling: Problems and Techniques of Chain Referral Sampling”. Sociological Methods and Research, Thousand Oaks, CA, vol. 10, n. 2, 1981. realizaram um importante registro dos problemas e técnicas de encadeamento referencial dessa estratégia de amostragem em sociologia, o que continua válido e bastante referido por estudiosos de outras áreas, a exemplo de Vinuto (2014)VINUTO, Juliana. “A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: Um debate em aberto”. Temáticas, Campinas, SP, vol. 22, n. 44, pp. 203-220, 2014..

Como método de amostragem por conveniência, o ponto de partida de formação de uma amostra por bola de neve é a maior viabilidade de acesso aos indivíduos investigados. Nesse método, há uma figura central denominada “semente”. Trata-se pelo termo “semente” aqueles indivíduos previamente conhecidos e associados às características do universo populacional que se pretende investigar. A sucessão do processo de indicação de novos informantes se encerra quando a pesquisa atinge um “ponto de saturação”, o que indica o fim da indicação de novos informantes ou, por outro lado, o encerramento de novas informações entre os indivíduos da população pesquisada.

As análises do material coletado mediante as entrevistas se ancoram na antropologia interpretativa ou hermenêutica de Clifford Geertz (1989)GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. e sua abordagem semiótica da cultura, que possibilita acessar o universo conceitual no qual vivem os nativos e conversar com eles, em sentido amplo, de modo a compreender os significados que atribuem a determinadas práticas sociais correntes em sua sociedade. Situando seu conceito de cultura na sociologia compreensiva de Max Weber (2006)WEBER, Max. “A objetividade do conhecimento nas ciências sociais”. In: COHN, Gabriel (org.). Weber. 7. ed. São Paulo: Ática, 2006. pp. 79-127. (Grandes Cientistas Sociais). - para quem o homem constrói teias de significados em que se emaranha irremediavelmente -, Geertz concebe a cultura como algo que é cotidianamente produzido. Nessa perspectiva, a antropologia constituiria uma ciência interpretativa interessada nos sentidos que orientam a ação humana. Esses sentidos estão em estruturas complexas de significação atadas umas às outras, inexplícitas, porém públicas, pois os significados são compartilhados por aqueles que os estabelecem socialmente. A análise dessas estruturas consiste em elaborar uma leitura hermenêutica do universo imaginativo no qual as pessoas agem e interpretam sua ação. A tarefa do antropólogo seria, portanto, interpretar suas interpretações.

Na pesquisa da qual deriva este artigo, interessou-nos penetrar no universo imaginativo de médicos psiquiatras e juízes de direito para compreender os significados que eles produzem sobre os usos da maconha, colocando-os em estruturas mais extensas de significação, as quais compõem seu universo simbólico-representacional. Na perspectiva de Geertz (2000GEERTZ, Clifford. “O saber local: Fatos e leis em uma perspectiva comparada”. In: GEERTZ, Clifford. Saber local: Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000., pp. 270-277), o direito e a ciência são formas de ver o mundo, sob as quais fatos e leis podem ser vistos como “uma dialética entre uma linguagem de coerência coletiva […] e uma outra de consequência específica, por mais oportunista e improvisada que seja”. Entender essa dialética entre os casos particulares de julgamento e a pretensão de coletivização universal das leis é uma de nossas motivações de fundo na pesquisa sobre os significados atribuídos por psiquiatras e juízes em relação à maconha.

O cotidiano laboral de juízes de direito e psiquiatras em Juazeiro e Petrolina

Situadas na região do Submédio São Francisco, Juazeiro e Petrolina são cidades conurbadas, separadas pelo rio São Francisco e unidas por muitos aspectos, que incluem um frequente fluxo de transporte fluvial e rodoviário. De acordo com o Censo, em 2023, a população de Petrolina atingiu o total de 386.786 pessoas e a de Juazeiro chegou a 235.816. Juntas, as cidades constituem o polo comercial, educacional, agrícola e sanitário da região.

É na circunvizinhança de Juazeiro e Petrolina que se encontra a região vulgarmente conhecida como Polígono da Maconha, a qual engloba os municípios pernambucanos de Cabrobó, Orocó, Carnaubeira da Penha, Belém de São Francisco, Betânia, Floresta e Santa Maria da Boa Vista, e os baianos de Paulo Afonso, Glória e Curaçá. O Polígono da Maconha é considerado o maior produtor dessa erva no Brasil, abastecendo as cidades do sertão do São Francisco e as capitais do Nordeste. Desde a década de 1970, a região é alvo de ações de erradicação da planta por parte da Polícia Federal (PF), intensificadas a partir do final dos anos 1990 (FRAGA, 2006FRAGA, Paulo. “Plantios ilícitos no Brasil: Notas sobre a violência e o cultivo de Cannabis no Polígono da Maconha”. Cadernos de Ciências Humanas: Especiaria, Ilhéus, BA, vol. 9, n. 15, jan./jun., 2006. pp. 95-118.). Todavia, os trabalhadores rurais que cultivam a maconha não costumam se envolver no seu comércio, que fica a cargo dos donos das plantações, localmente denominadas “roças”. Quando essas roças são localizadas pela polícia, em geral, os trabalhadores desertam com antecedência, o que leva à abertura de processos judiciais de crime sem autor (FRAGA; MARTINS, 2020FRAGA, Paulo; MARTINS, Rogéria. “Cannabis Plantations as an Aspect of Population Survival and as a Public Policy and Security Issue in the Northeast Region of Brazil”. Cultura y Drogas, Manizales, vol. 25, n. 30, pp. 37-60, 2020.). Contudo, quando são alcançados, estes trabalhadores podem sofrer tortura física e psicológica operada por agentes policiais (RODRIGUES; BRANDÃO; FRAGA, [2023RODRIGUES, Luzania Barreto; BRANDÃO, Marcílio Dantas; FRAGA, Paulo. “O flagelo do século: Argumentos em defesa da saúde nos processos judiciais relativos ao plantio de Cannabis no Polígono da Maconha”. In: MACRAE, Edward (org.). Maconha. Salvador: Edufba, [2023]. No prelo.]).

Os processos judiciais cujo objeto são os plantios ilícitos costumam ser instaurados nas comarcas das cidades produtoras de maconha, como Santa Maria da Boa Vista, Cabrobó, Orocó e em Curaçá. Em Petrolina e Juazeiro, os processos judiciais têm por objeto o narcotráfico e o tráfico em pequena escala, ou varejista - este mais frequente, requerendo operações policiais e de toda a cadeia do sistema de justiça.

Na teia do sistema penal também são enredadas pessoas que fazem uso de maconha. Nesta situação, procuram argumentar que são usuários e não traficantes. Em muitos casos, de acordo com os juízes de direito entrevistados, a venda de pequenas quantidades de maconha, cocaína e crack pode ocorrer, com o fito de garantir porções de tais substâncias para consumo próprio, uma vez que sua renda legal não é suficiente para tal. Esse perfil de “usuários”, como são designados os consumidores dessas substâncias no sistema público e privado de saúde, constitui parte das pessoas em tratamento nos centros de atenção psicossocial (especialmente aqueles classificados na modalidade CAPS Álcool e Drogas) e noutros dispositivos, como apontaram os psiquiatras entrevistados.

O consumo exclusivo de maconha não costuma gerar demanda por tratamento no sistema público de saúde. De acordo com os psiquiatras entrevistados, a maior demanda por tratamento advém de alcoolistas, secundados por “usuários de crack” e por aqueles que combinam o uso de maconha com o uso de crack, cocaína inalada e álcool. No entanto, a mera posse da maconha pode acarretar a prisão do consumidor, onerando o sistema penal. O paradoxo parece crucial para reorientar a regulação da produção, do comércio e do consumo da erva.

O debate a respeito dessa questão tem ocorrido e mobilizado distintos atores na cena pública nacional, como o Coletivo Marcha das Favelas, Policiais Antifascismo, Rede Latinoamericana de Pessoas que Usam Drogas (LANPUD), Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (APEPI), Pastoral Carcerária Nacional e Associação Juízes para a Democracia. A defesa da regulamentação da maconha por esses coletivos se apoia em dados estatísticos e qualitativos, os quais demonstrariam que a repressão é mais nociva que o seu consumo. Argumentam ainda que, quando comparada a outras substâncias, legais e ilegais, a maconha apresentaria níveis de risco menores à saúde. A par disso, sua proibição atingiria majoritariamente pessoas pobres, periféricas e negras - alvos constantes de discricionariedade judicial, de violência policial e dos narcotraficantes -, mostrando-se muito dispendiosa para o erário público, sem alcançar os objetivos aos quais se propõe: a redução da demanda, da produção e do comércio (PRADO, 2020PRADO, Monique. “‘As bocas de fumo devem ser tombadas’: O que significa reparação histórica para quem trabalha no narcotráfico?” Platô: Drogas e Políticas, São Paulo, vol. 4, n. 4, pp. 29-62, out. 2020.).

O tema foi debatido, em 2017, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Na ocasião, médicos, psicólogos, pedagogos e parentes de pessoas que fazem uso medicinal expuseram os benefícios terapêuticos da maconha para indivíduos com epilepsia e autismo, e reivindicaram a imperativa regulação do cultivo para a produção dos remédios, além de assinalarem que “muitos médicos ainda não receitam substâncias”, o que dificulta o acesso e incrementa o estigma social (CDH…, 2017“CDH discute a legalização do cultivo de maconha para consumo próprio”. Agência Senado, Brasília, DF, 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2017/10/cdh-discute-a-legalizacao-do-cultivo-de-maconha-para-consumo-proprio. Acesso em: 30 nov. 2022.
https://www12.senado.leg.br/noticias/aud...
).

Em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou o uso compassivo do canabidiol (CBD) como tratamento médico - exclusivamente para epilepsias na infância e na adolescência refratárias às medicações convencionais -, normatizando essa prescrição para as especialidades de neurologia e psiquiatria.2 2 Este artigo decorre de pesquisa realizada antes da Resolução nº 2.324/2022, do Conselho Federal de Medicina (CFM) (BRASIL, 2022). A restrição, no entanto, não cessou os acionamentos na Justiça requerendo usos de medicamentos à base de maconha para distintas enfermidades, com ganhos de causa. Em 2019, a Anvisa publicou a Resolução nº 327 (BRASIL, 2019BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 dez. 2019. seção 1, p. 194.), atualizando a regulamentação para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos à base de maconha para fins medicinais, em face da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 26, de 2014 (BRASIL, 2014aBRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 26, de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos… Brasília, DF: Anvisa, 2014a. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/daf/pnpmf/orientacao-ao-prescritor/Publicacoes/resolucao-rdc-no-26-de-13-de-maio-de-2014.pdf/@@download/file. Acesso em: 20 jul. 2023.
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). Desde então, aumentou o número de médicos, de diferentes especialidades, que fizeram cursos de capacitação para a prescrição de medicamentos à base de maconha, para distintas enfermidades físicas e psíquicas, sobretudo com as demandas geradas no bojo da pandemia da covid-19 (COLLUCCI, 2021COLLUCCI, Cláudia. “Uso de Cannabis medicinal cresce na pandemia; idosos já representam 23% do mercado”. Valor Econômico, São Paulo, 22 nov. 2021.).

Outro espaço público no qual esse debate ocorre é a Câmara dos Deputados. O PL nº 399/2015, de autoria do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE), permite a comercialização de medicamentos que contenham maconha em sua formulação, bem como seu cultivo para fins industriais. A Comissão Especial da Câmara de Deputados aprovou o referido PL em junho de 2021, com desempate do relator, ante dezessete votos favoráveis e dezessete contrários (NASCIMENTO, 2021NASCIMENTO, Luciano. “Comissão da Câmara aprova projeto que autoriza plantio de Cannabis”. Agência Brasil, Brasília, DF, 8 jun. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-06/comissao-da-camara-aprova-projeto-que-autoriza-plantio-de-cannabis. Acesso em: 28 nov. 2022.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politic...
). No entanto, o PL não foi encaminhado ao Senado porque o deputado federal Diego Garcia (Republicanos-PR) solicitou votação no plenário da Câmara (CANNABIS…, 2022“CANNABIS: Por que a legislação não avança?” UOL, São Paulo, 11 ago. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/08/11/cannabis-por-que-a-legislacao-nao-avanca.htm. Acesso em: 29 nov. 2022.
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).

O uso medicinal e recreativo da Cannabis é também objeto de muitas controvérsias entre médicos e magistrados, cujo consenso está longe de ser atingido (KARAM, 2008KARAM, Maria Lucia. “A Lei nº 11.343/2006 e os repetidos danos do proibicionismo”. In: LABATE, Beatriz et al. (org.). Drogas e cultura: Novas perspectivas. Salvador: Edufba, 2008. pp. 105-120., RODRIGUES; FRAGA, 2018RODRIGUES, Luzania Barreto; FRAGA, Paulo. “Justiça e variáveis legais: Processos contra adolescentes varejistas do tráfico de drogas”. Revista da Associação Portuguesa de Sociologia, Lisboa, vol. 3, pp. 57-78, 2018.). Há ainda controvérsias históricas no interior de cada uma dessas áreas profissionais (BRANDÃO, 2023BRANDÃO, Marcílio Dantas. “A maconha na jurisdição médica brasileira”. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 21-39.). Mas, neste artigo, o que nos interessa são as posições locais nesse embate. Questões como as que reproduzimos adiante estão no bojo de nossas preocupações investigativas. Como têm se posicionado profissionais de saúde e do sistema de justiça a respeito de uma nova regulação da maconha para fins medicinais e recreativos? O que pensam e como decidem, em seu cotidiano laboral, acerca desse problema que se impõe ao debate público? Interessa-lhes participar do debate nacional sobre tal rubrica? Costumam refletir sobre os impactos da regulação para a região em que atuam, maior produtora de maconha do Brasil?

A problematização refletida nessas questões se amplia ao considerarmos que estamos em um momento decisivo do debate concernente aos distintos usos da maconha e sua regulação. Médicos e agentes do sistema penal são os principais influenciadores das políticas de drogas no Brasil. Desse modo, importa averiguar seus posicionamentos no debate atual uma vez que estão numa região na qual (1) o tráfico varejista de drogas leva dezenas de adolescentes e jovens ao sistema penal, reprodutor de desigualdades sociais, punitivo e controlador dos seus destinos (RODRIGUES; FRAGA, 2018RODRIGUES, Luzania Barreto; FRAGA, Paulo. “Justiça e variáveis legais: Processos contra adolescentes varejistas do tráfico de drogas”. Revista da Associação Portuguesa de Sociologia, Lisboa, vol. 3, pp. 57-78, 2018.); (2) a produção em média e grande escalas de maconha envolve famílias pobres, sem alternativa de trabalho legal (FRAGA, 2019FRAGA, Paulo. “A economia do plantio extensivo de Cannabis no Brasil e as estratégias de repressão”. In: FRAGA, Paulo; CARVALHO, Maria Carmo. (org.). Drogas e sociedade: Estudos comparados Brasil e Portugal. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019. pp. 140-154.); e (3) o sistema de saúde público, notadamente aquele dirigido a usuários problemáticos de substâncias psicoativas, é deficitário (MARTINS; BUCHELE; BOLSONI, 2021MARTINS, Matheus; BUCHELE, Fatima; BOLSONI, Carolina. “Uma revisão bibliográfica sobre as estratégias de construção da autonomia nos serviços públicos brasileiros de atenção em saúde a usuários de drogas”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 37, n. 8, e00358820, ago. 2021. DOI: 10.1590/0102-311X00358820.
https://doi.org/10.1590/0102-311X0035882...
).

Os médicos psiquiatras e os significados produzidos acerca da regulamentação da maconha

O debate nacional relativo ao uso medicinal da maconha e as atividades das associações canábicas não têm sido acompanhados sistematicamente por médicos psiquiatras atuantes em Juazeiro e Petrolina. Na maioria dos casos, atêm-se a informações pontuais sobre o uso da maconha medicinal em cursos de pós-graduação em Psiquiatria, por meio de pacientes ou de reportagens televisivas. Nenhum deles é prescritor dos produtos medicinais à base da planta, mas todos detêm algum conhecimento dos seus prováveis benefícios, como sua eficácia no arrefecimento da dor crônica, da fibromialgia, epilepsia e mesmo para o sofrimento mental. Os quatro psiquiatras entrevistados não fizeram o curso que os habilita a prescrever tais medicamentos, sendo que dois deles criticaram os limites impostos à prescrição pelo CFM, apesar da autorização da prescrição para uso compassivo em 2014 (BRASIL, 2014bBRASIL. Conselho Federal de Medicina (CFM). “Resolução CFM nº 2.113/2014”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 2014b. seção 1, p. 183.).

Dois dos psiquiatras compreendem que o extrato de maconha industrializado, produzido no Brasil ou importado, é vendido nas farmácias por preços exorbitantes quando comparados àqueles praticados por associações sem fins lucrativos, como a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace). Enfatizam que as informações sobre as concentrações das substâncias derivadas da Cannabis sativa nos rótulos dos frascos produzidos e vendidos pelas indústrias farmacêuticas não seriam fidedignas, como o são aquelas nos rótulos dos produtos das associações canábicas.

A composição das medicações à base de maconha e a concentração das distintas substâncias em plantios determinados lastreiam os argumentos contrários ao cultivo doméstico da planta para fins medicinais. Roberto,3 3 Os nomes dos psiquiatras são fictícios. um dos psiquiatras que trabalham no CAPS ad de Petrolina, por exemplo, entende que deve haver composições específicas nos extratos de maconha para cada patologia: “Eu tenho que ter essa composição não só para a maconha. Para todas as substâncias precisa dessa regulamentação, precisa de certo cuidado. Então, eu sou contra esse cultivo para fins medicinais, se você não tiver esse controle” (informação verbal).4 4 Depoimento de psiquiatra do CAPS ad de Petrolina, em 2022. Entendimento análogo ao de Levi, seu colega do CAPS I, apontando que, no processo de extração das substâncias para a produção do medicamento, é preciso separar aquelas que “não são benéficas”, como o tetrahidrocanabinol (THC), “que é a molécula que pode induzir algumas pessoas e terem a dependência” (informação verbal).5 5 Depoimento de psiquiatra de CAPS de Petrolina, em 2022. Luiz, um dos psiquiatras que atua no CAPS ad de Juazeiro ponderou sobre a composição da própria planta em cultivos distintos, asseverando que a região e o solo podem influir na concentração do THC, o que interferiria no “grau de pureza dessas substâncias terapêuticas”, dificultando “prever o efeito que vai ter no paciente que fizer o uso dela” (informação verbal).6 6 Depoimento de psiquiatra de CAPS ad de Juazeiro, em 2022.

A princípio, as preocupações desses profissionais apontariam para a urgência de uma regulamentação legal da produção da maconha medicinal, incluindo o cultivo da planta, a produção farmacológica dos remédios, sua prescrição e comercialização. No entanto, tais preocupações não os levam a atuar, no interior da sua categoria profissional, em favor da regulamentação.

Na avaliação de Augusto, um dos psiquiatras atuantes em um CAPS de Juazeiro - e na rede privada de Petrolina -, o debate acerca do uso medicinal da maconha estaria obliterado no meio médico-psiquiátrico por razões políticas: “Eu acho que, de uma maneira geral, a pandemia mostrou isso pra gente, que a base ideológica de cada prescritor acaba interferindo na condução da terapêutica mesmo” (informação verbal).7 7 Depoimento de psiquiatra de CAPS de Juazeiro, em 2022. No seu entender, o viés político-ideológico orientaria ainda condutas dos profissionais da psiquiatria - e da própria Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) - não apenas em relação à maconha e seus usos, mas também em relação a determinadas enfermidades, artefatos e práticas culturais:

Então, assim, não tem esse posicionamento contrário à liberação das armas de fogo como tem contrário aos estudos e ao avanço na pesquisa com Cannabis. E eu acho que isso é ideológico, porque a gente sabe que tem pesquisa que mostra que ter acesso a armas de fogo aumenta o risco de suicídio, aumenta a possibilidade de você, numa situação de maior sofrimento, você vir de fato a cometer suicídio. Então, não há uma discussão nesse sentido tão forte e tão necessária como deveria ser no ponto de vista de tratamento, mesmo, de prevenção, de mortes. E eu acho que é enviesado pela ideologia mesmo e a gente perde muito com isso (informação verbal).8 8 Depoimento de psiquiatra de CAPS, em Juazeiro, em 2022.

Dois psiquiatras se posicionaram favoravelmente ao cultivo doméstico, tanto para fins medicinais quanto recreativos, por acreditarem ser uma planta cujas flores têm substâncias menos lesivas que aquelas contidas nas bebidas alcoólicas e no cigarro de tabaco, psicoativos legalizados. Consentir tais cultivos significaria respeitar as liberdades individuais. No entender destes profissionais, na psiquiatria, deve-se realizar, com base no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), a “avaliação cultural” da trajetória de vida do paciente. Assim, para classificar um comportamento enquanto transtorno mental, como o consumo recreativo de maconha, Roberto entende ser preciso “avaliar aquele aspecto no contexto cultural da pessoa… Eu não posso falar de um transtorno por uso de maconha, se, dentro da cultura, a maconha faz parte dos ritos, faz parte da história. Porque essa questão de ser certo e errado depende muito da cultura” (informação verbal).9 9 Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Petrolina, em 2022.

De modo complementar, Luiz, um psiquiatra atuante no CAPS ad de Petrolina considera que o manejo terapêutico deve ter acento na noção de autonomia, entendida enquanto capacidade do indivíduo de fazer escolhas baseadas em informações fornecidas pelo médico, inclusive sobre medicamentos e psicoativos. O que é saúde mental? Pergunta retórica acionada por este profissional para demonstrar como significa a autonomia e o uso da maconha:

Saúde mental é a minha capacidade de resiliência frente a frustrações. Então, se eu consigo ter equilíbrio frente às dificuldades da vida e eu tenho estudo, eu tenho qualificação, eu tenho a informação correta, eu consigo decidir pela minha vida, aí é a minha autonomia. Se eu quiser beber e eu consigo me controlar, por que eu não posso? Eu posso ter uma cachaça em casa e eu não posso ter um cultivo de maconha? Qual é a diferença? Entendeu? Então, essa é a minha visão (informação verbal).10 10 Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Petrolina, em 2022.

A essas significações assentadas na dimensão sociocultural do consumo de maconha se contrapõem àquelas de caráter biologizante, fundadas na noção de dependência química, concebida enquanto geneticamente determinada ou em razão de alterações da conformação cerebral supostamente provocadas pela substância. Os psiquiatras que atribuem significados ao consumo da maconha assentes em fatores orgânicos são contrários à regulamentação do cultivo doméstico e ao consumo recreativo da planta.

Atuando na região do Submédio São Francisco - na qual o cultivo de Cannabis para consumo doméstico, para fins recreativos ou terapêuticos, vem sendo registrado há mais de cem anos (DÓRIA, 2016DÓRIA, José Rodrigues. “Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 65-84.; IGLÉSIAS, 1986IGLÉSIAS, Francisco de Assis “Sobre o vício da diamba”. In: HENMAN, Anthony; PESSOA JR., Osvaldo (org.). Diamba sarabamba: Coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986. pp. 39-51.; PIERSON, 1972PIERSON, Donald. O homem no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Ministério do Interior; SUVALE, 1972. 3 t.) -, estes dois últimos psiquiatras entendem que, uma vez regulamentado, o cultivo de maconha seria realizado por uma pequena parcela de consumidores, pois poucos teriam disposição, espaço físico e conhecimento para o cultivo da erva. Por outro lado, não bastasse o conhecimento tradicional acerca do cultivo de maconha para consumo próprio, há registros de sites que orientam como manejá-lo a um crescente número de plantadores individuais, que compartilham experiências e até competem entre si (VERÍSSIMO, 2016VERÍSSIMO, Marcos. “Do maconheiro ao cannabier: Os autocultivos domésticos e outras domesticações”. In: MACRAE, Edward; ALVES, Wagner (org.). Fumo de Angola: Cannabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: Edufba, 2016. pp. 275-295.).

No entendimento desses dois psiquiatras, o mercado criaria e estimularia a necessidade de consumo de maconha recreativa, o que multiplicaria o número de fumantes e intensificaria a emergência de psicoses. A relação de causa e efeito entre consumo de maconha e psicose constitui objeto de meta-análises, apontando que a hipótese causal é atenuada após ajuste estatístico para potenciais vieses, e nenhum estudo teria avaliado as principais esguelhas, como a combinação de maconha com outras substâncias psicoativas e a incidência da patologia entre usuários de maconha e não usuários (HALL; DEGENHARDT, 2009HALL, Wayne; DEGENHARDT, Louisa. “Adverse Health Effects of Non-Medical Cannabis Use”. The Lancet, London, vol. 374, pp. 1383-1391, 17 Oct. 2009.).

Ao serem instados a refletir sobre possíveis impactos na saúde pública de uma nova regulamentação da maconha, durante as entrevistas, os psiquiatras se mostraram relativamente ponderados. A visão mais peremptória foi expressa por Magnobaldo, psiquiatra que atua há décadas em Juazeiro e Petrolina, considerando que o fim da proibição elevaria o número de consumidores e conduziria à consequente elevação do risco de psicotizações. Os demais psiquiatras, que atuam há dez anos ou menos nestas cidades, sopesaram as implicações positivas e negativas de uma possível mudança na regulamentação. Um deles, Tales, antevê o aumento de “usuários”, entretanto, situa as consequências pela chave da escolaridade, compreendendo que, “de forma geral, pessoas que tenham um melhor poder cognitivo, que tem maior estudo, normalmente eles podem fazer um uso mais racional” (informação verbal).11 11 Depoimento de psiquiatra do CAPS ad, em Petrolina, em 2022. No seu entender, o fim da proibição em nada afetaria o “usuário” do serviço público de saúde e, portanto, a saúde pública em si: “Não vai mudar em nada, porque o acesso pra quem já conhece ali a boca e as pessoas que vendem, acredito que não vai mudar pra esses pacientes que já são do serviço” (informação verbal).12 12 Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Juazeiro, em 2022. Outros dois psiquiatras, por sua vez, destacaram a relevância de acesso dos profissionais de saúde ao conhecimento científico produzido naqueles países que já dispõem de regulamentação da maconha e da produção de conhecimento no Brasil, que seria incrementada com a regulamentação dos usos da planta. Com mais pesquisas científicas, seria possível “um ganho social”, levando a maconha medicinal a pessoas economicamente desprivilegiadas, que dependem do serviço público de saúde. O quinto psiquiatra vê “um impacto positivo” na saúde pública. Considera que não seja razoável manter as bebidas alcoólicas legais e a maconha na ilegalidade, destacando a ausência de critérios farmacológicos para tal.

Entre os elementos ausentes das entrevistas com os psiquiatras, destacamos o fato de nenhum deles ter mencionado a importância da atuação de seu próprio segmento profissional na interdição das transações com maconha e na caracterização da psicodependência de drogas como “estado mórbido do qual a psiquiatria deve se ocupar”, como afirmou um ex-presidente da ABP, José Lucena (1987)LUCENA, José. “Algumas mudanças atuais do estilo de dependência de drogas”. Revista de Neurobiologia, Recife, vol. 50, n. 2, pp. 69-88, 1987., no auge de sua carreira, ao final dos anos 1980, quando atuou como perito da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o tema da dependência às drogas.

“Aqui no Fórum, nós somos um hospital social”: Juízes de direito e a regulamentação da maconha

Por que ainda estamos proibindo a maconha no Brasil? Onde estamos errando? A proibição veio dos Estados Unidos, mas lá já tem mudança nesse sentido. Mas por que aqui no Brasil ainda tem proibição? Será que tem algo a ver com moralismo e conservadorismo? Ou com as bancadas existentes? De onde vêm esses interesses? Bancada Evangélica? Bancada da Bala? Os interesses por trás dessa proibição são interesses que não representam a vontade da população. Deixa de tirar o lucro de grupos criminosos armados por não regulamentar a maconha, perdemos em impostos, que poderia ser investido. Não justifica estarmos nesta Santa Inquisição contra o tráfico de drogas.

Depoimento de juiz de direito de Juazeiro, em 2021

Os questionamentos e afirmativas acima foram proferidos, em conversa informal, por Herculano,13 13 Usamos nomes fictícios a fim de preservar o anonimato dos entrevistados. juiz de direito da comarca de Juazeiro, para o qual, “aqui no Fórum, nós somos um hospital social” (informação verbal).14 14 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021. Sua longa experiência como juiz criminal o faz interpretar a Lei de Drogas de 2006 como ineficaz, contraproducente, institucional e socialmente. O sentido do Fórum como um “hospital social” estaria no tratamento dos usos dos psicoativos enquanto “problema criminal”, conquanto constituiria “um problema de saúde pública”, pois “as pessoas não deixam de usar drogas porque é proibido. Então, como juiz, o que vem pra mim é a parte da miséria social, o furto, o roubo… Foi alguém que não recebeu uma educação adequada. Nós precisamos de lazer, qual é o lazer deles? É a droga” (informação verbal).15 15 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021.

O significado do Fórum como “hospital social” converge com aquele acionado por uma defensora pública de Porto Alegre, responsável por contendas relativas ao direito à saúde, que definiu o seu escritório na Defensoria Pública como “hospital jurídico”, no qual fornece assistência jurídica gratuita a pessoas pobres que necessitam solicitar medicações ao Estado, mediante ações judiciais, conforme analisou Biehl (2013BIEHL, João. “The Judicialization of Biopolitics: Claiming the Right to Pharmaceuticals in Brazilian Courts”. American Ethnologist, Hoboken, NJ, vol. 40, n. 3, pp. 419-436, 2013., pp. 422-423). A referida defensora atribui a excessiva necessidade de judicialização à ausência de uma medicina preventiva e de políticas públicas de saúde bem delineadas e atualizadas em termos nosológicos e tecnológicos, e de sua execução. Nessa direção, o planejamento e a execução de tais políticas não poderiam ser realizados “em detrimento de melhorias igualmente necessárias na segurança financeira e alimentar, educação, habitação e condições ambientais” (LANTZ; LICHTENSTEIN; POLLACK, 2007LANTZ, Paula; LICHTENSTEIN, Richard; POLLACK, Harold. “Health Policy Approaches to Population Health: The Limits of Medicalization”. Health Affairs, Millwood, vol. 26, n. 5, p. 1253-1257, 2007. apud BIEHL, 2013BIEHL, João. “The Judicialization of Biopolitics: Claiming the Right to Pharmaceuticals in Brazilian Courts”. American Ethnologist, Hoboken, NJ, vol. 40, n. 3, pp. 419-436, 2013., p. 425).

Nesse diapasão, o juiz de direito, Herculano, assevera a necessidade de políticas de saúde pública eficazes em relação às transações com substâncias psicoativas e o fim da sua proscrição. No seu entender, uma nova regulamentação é premente, uma vez que a manutenção da criminalização das substâncias psicoativas, como a maconha, sobrecarrega as forças policiais e todo o sistema criminal, incluído o Judiciário:

A polícia quando está fazendo ronda e pequenas apreensões, ela está perdendo tempo, pois a sua serventia é a de prevenção. A ronda para prender traficante dura dias, [em vez] de fazer prevenção. Há interesse das forças policiais em manter a proibição? Não é força de transformação, como as universidades. Os gastos com as forças de repressão do Estado são grandes. O resultado da prisão dos infratores é pouco significativo. Resultados práticos: ações violentas das forças policiais, mortes de jovens. A cada pessoa que é presa, outra pessoa entra no lugar dela (informação verbal).16 16 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021.

Os magistrados Ramiro, Benedito e Vitorino se mostraram afinados com os significados produzidos por seu colega Herculano acerca dos possíveis impactos no sistema penal brasileiro da extinção da proibição da maconha. Entendem que haveria um esvaziamento dos presídios, as forças policiais passariam a se ocupar de crimes violentos e o sistema de justiça criminal deixaria de envidar esforços para julgar traficantes varejistas. Isso porque os pequenos traficantes - “são pessoas que estão ali com cinco, dez petecas de maconha, de cocaína, mas que de fato comercializam” - deixariam de constituir objeto das forças de repressão, “iriam desaparecer da cadeia do sistema, então teria um esvaziamento. No caso, o cara que tem um quilo de cocaína é exceção no sistema, o comum é dez gramas” (informação verbal).17 17 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022. Mesmo atuando nas bordas do Polígono da Maconha, os juízes de direito ressaltam que, “uma vez ou outra, lá em Santa Maria, Lagoa Grande, vai se pegar uma roça com plantio [de maconha], mas são exceções, o dia a dia é gente pequena que é vista pela Polícia Militar na rua e é presa por conta disso” (informação verbal).18 18 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022.

Os seis juízes de direito que conversaram conosco - informalmente ou cedendo entrevista - vivem um cotidiano laboral intenso, com sobrecarga de trabalho que, no seu entender, poderia ser evitada se não tivessem de realizar todos os esforços vãos exigidos pela Lei de Drogas, sobretudo em razão dos seus artigos 28 (que prevê restrição de liberdade para pessoas que usam substâncias psicoativas ilegalizadas ou as produzem para consumo próprio) e 33 (que prevê pena privativa de liberdade para quem comercializa ou doa tais psicoativos). Tais magistrados consideram “racional” que o Poder Legislativo elabore uma nova lei, regulamentando a “venda monitorada, não indiscriminada”, para pessoas cadastradas em um sistema, como acontece em países como Uruguai, Portugal e em unidades federativas dos Estados Unidos. Essa nova regulação, além de reduzir o número de pessoas presas por pequeno tráfico, diminuiria sensivelmente as hipóteses de termos circunstanciados envolvendo porte de psicoativos ilegalizados para uso pessoal.

Outra rubrica que emergiu nessas entrevistas foi a distinção discricionária entre “usuário” e “traficante”, em todo o fluxo do processo penal, desde a apreensão e o inquérito policiais até a decisão judicial. Isto é, as experiências profissionais dos juízes de direito entrevistados lhes revelam que a Lei de Drogas, apesar de prescrever restrição de liberdade para consumidores e privação de liberdade para traficantes, é imprecisa quanto aos quesitos que os diferenciam, o que leva a arbitrariedades dos operadores do sistema de justiça criminal. Como assevera Vitorino: “Eu acho que você tiraria muitas pessoas desse contexto, desse liame aí de usuário e traficante… quantas pessoas são colocadas numa situação de tráfico, [na qual,] na verdade, existia uma situação de uso?”, questiona (informação verbal).19 19 Depoimento de Vitorino, em Juazeiro, em 2022.

Os juízes de direito que entrevistamos em Juazeiro e Petrolina expressaram seus entendimentos e posições quanto aos possíveis impactos da regulamentação da maconha na saúde pública e individual. Acompanhando as experiências de regulamentação do consumo e do comércio de maconha noutros países, Vitorino compreende que haveria um ganho imediato para a saúde do consumidor, uma vez que deixaria de se expor à esfera da criminalidade, não precisando ir à “boca de fumo” no momento da aquisição da erva para fins medicinais ou recreativos. Nessa direção, Ramiro avalia que muitas pessoas são assassinadas por não quitarem dívidas com os pequenos traficantes: “O crime é muito hostil, o clima em volta do tráfico de entorpecentes. Por conta disso, me parece que o plantio recreativo, plantio medicinal traria benefícios à saúde, à paz social e à saúde pública, sim. Iria morrer menos gente” (informação verbal).20 20 Depoimento de Ramiro, em Petrolina, em 2022. Benedito, por sua vez, faz uma avaliação ainda mais abrangente:

Acho que ia morrer menos gente em razão de você encarar a saúde como algo inerente à vida. Mas não acho que ia ter mais gente viciada, não acho que ia ter um sujeito que usa pouco e ia começar a usar muito. Não acho que isso seria danoso à saúde alheia, mas do que já é, né? Não acho que ninguém vai começar a usar droga só porque legalizou. Acho que uma campanha informativa acerca do uso excessivo das drogas, inclusive da maconha, eu acho que seria válida (informação verbal).21 21 Depoimento de Benedito, em Petrolina, em 2022.

Ao expressarem os sentidos acerca dos impactos da regulamentação da maconha na saúde pública e individual, relacionaram-nos à cadeia de significados englobantes dos psicoativos, balizando seus malefícios. Herculano é categórico:

A maconha não é uma droga como a cocaína, o crack, pois a maconha não tem processamento. O álcool sempre matou mais do que a maconha, nos acidentes de trânsito, e mesmo assim é regulamentado, então por que esse preconceito com a maconha? Onde estão essas forças de transformação? Não posso dizer que o papel do juiz seja de transformar, porque não é. Então, por que não estamos regulamentando, se isso não é um problema criminal, é um problema de saúde pública? (informação verbal)22 22 Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022.

Vitorino considera que a regulamentação da maconha e de outras drogas “que cientificamente foram comprovadas não terem tantos malefícios” deve ser considerada, uma vez que o uso do álcool é regulamentado e causaria mais danos, dada a recorrência do abuso (informação verbal).23 23 Depoimento de Vitorino, Juazeiro, em 2022.

Assim como entre os psiquiatras, a participação de pares profissionais de gerações anteriores no processo que levou à criminalização da maconha no Brasil e no mundo não foi objetivada nas entrevistas com os juízes. Por outro lado, como ressaltaremos na conclusão, as controvérsias entre o primeiro grupo profissional que tematizamos neste texto são mais notáveis que entre os juízes de direito. Há mais controvérsias sobre esse tema entre os médicos que entre os juristas com quem mantivemos interlocução. Em nossos dados, não há nenhum jurista que demonstre uma visão peremptoriamente contrária ao fim da proibição legal de transações com maconha.

Conclusão

Em meio às muitas controvérsias sobre maconha no Brasil, atualmente tramita, no âmbito do Poder Legislativo nacional, o já mencionado PL nº 399/2015, que autoriza a comercialização de maconha medicinal mediante constatação de sua eficácia terapêutica, atestada por laudo médico. Em defesa deste PL, seu autor, o deputado federal Fábio Mitidieri, argumenta que determinadas enfermidades podem ser tratadas com derivados da planta, substituindo medicamentos regulamentados, mas ineficazes. Ele também alude que medicamentos à base de maconha foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos (PROJETO, 2019“PROJETO permite comercialização de medicamentos baseados em Cannabis sativa”. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 9 out. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/596906-projeto-permite-comercializacao-de-medicamentos-baseados-em-cannabis-sativa. Acesso em: 28 nov. 2022.
https://www.camara.leg.br/noticias/59690...
). Embora a Comissão Especial da Câmara dos Deputados tenha aprovado esse projeto em junho de 2021, o passo seguinte do processo legislativo, que seria o encaminhamento do PL ao Senado, não se efetivou, pois um deputado da Frente Parlamentar Evangélica solicitou votação no plenário da Câmara (CANNABIS…, 2022“CANNABIS: Por que a legislação não avança?” UOL, São Paulo, 11 ago. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/08/11/cannabis-por-que-a-legislacao-nao-avanca.htm. Acesso em: 29 nov. 2022.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
). Assim, os médicos brasileiros seguem atuando em um vácuo legislativo sobre a maconha medicinal.

No caso particular de Juazeiro e Petrolina, não há atuação de médicos que sejam prescritores de medicamentos que contenham a planta na sua formulação. Parte dos psiquiatras entrevistados criticam a inexatidão da composição dos extratos de maconha e de composições específicas para patologias distintas. Eles se preocupam principalmente com os níveis de THC contidos nestes extratos. Opõem-se ao fim da proibição do cultivo doméstico da planta e ao seu uso recreativo por temerem a expansão do consumo e a emergência de psicoses dele decorrentes, o que tem sido contestado em meta-análises (HALL; DEGENHARDT, 2009HALL, Wayne; DEGENHARDT, Louisa. “Adverse Health Effects of Non-Medical Cannabis Use”. The Lancet, London, vol. 374, pp. 1383-1391, 17 Oct. 2009.). Parece-lhes evidente que o fim da proscrição da maconha levaria ao aumento do consumo e sobrecarregaria o sistema público de saúde. Os demais psiquiatras entrevistados se disseram favoráveis ao uso medicinal e recreativo. No seu entender, não há critérios farmacológicos que respaldam a proibição da maconha e a não proscrição do álcool e do tabaco. Argumentaram, ainda, que os usos de maconha estariam adscritos à autonomia e à liberdade individual. A par disso, mencionaram que o fim da sua proibição em nada afetaria o sistema público de saúde. Nenhum deles mencionou a importante participação de psiquiatras na história de proscrição da maconha no Brasil e no mundo.

Nas varas criminais das comarcas de Juazeiro e Petrolina, juízes de direito significam a proibição da maconha como uma determinação legal vã, que sobrecarrega seu cotidiano laboral e o sistema penal, bem como afasta a atividade policial do que deveria ser sua atuação principal. Ao apreciarem a situação de indivíduos tipificados como traficantes nos inquéritos policiais, afirmam ser muito cuidadosos, por entenderem que, em geral, constituem consumidores pobres na persecução de meios para adquirir seu psicoativo para consumo próprio. Nas decisões desses magistrados, são assim tipificados, à revelia do descontentamento e dos arroubos punitivistas dos agentes policiais que fazem a apreensão e abrem o inquérito.

Nos casos em que o crime de tráfico é tipificado, os juízes de direito das varas criminais e das varas de Infância e Juventude de Juazeiro e Petrolina relataram procurar “aplicar o privilégio” a réus primários, com bons antecedentes criminais e sem ligação com organizações criminosas. Nesses casos, apoiam-se no §4º do artigo 33 da Lei de Drogas, alterado pela Resolução nº 5, de 2012, do Senado, que passou a prever a conversão de penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos. Assim, disseram costumar aplicar a pena mínima de cinco anos, diminuindo-a a dois terços, a depender da quantidade apreendida de psicoativos ilegais, o que permite ao apenado cumprir a pena em liberdade. Ao comentarem essas decisões, os magistrados asseveram que os presídios não cumprem a função de recuperação, mas de propiciar a integração de réus primários com criminosos periculosos. Desse modo, os juízes de direito que investigamos contribuem para conter o aumento da população carcerária e se mostram mais coesos que os psiquiatras entrevistados na crítica à atual proibição de transações com maconha. Noutro estudo, verificaram-se decisões análogas em processos judiciais nas varas da Infância e Juventude de Juazeiro e Petrolina (FRAGA; RODRIGUES; MARTINS, 2021FRAGA, Paulo; RODRIGUES, Luzania Barreto; MARTINS, Rogéria. “Justicia juvenil, drogas y sentencias judiciales: El menor de edad como categoría política”. Estudios Sociológicos, Ciudad de México, vol. 39, n. 115, pp. 67-9109-1388, enero/abr., 2021.).

Isso posto, concluímos que as posições desses profissionais em relação ao tema refletem as amplas estruturas simbólicas que são constitutivas dos seus campos de atuação: o direito e a psiquiatria (GEERTZ, 1989GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.). Nessas estruturas, impera sobre a maconha uma lei determinada e proibitiva, com consequências deterioradoras do sistema nacional de justiça, polícia e saúde. O posicionamento a favor de uma legislação menos proibitiva foi mais evidenciado entre os juristas. Cogitamos que seu cotidiano laboral influencie seu posicionamento. Isto é, enquanto os juízes de direito acompanham todo o fluxo dos processos criminais, desde a apreensão policial até a sentença, os médicos psiquiatras têm acesso estritamente aos consumidores abusivos de substâncias psicoativas que procuram tratamento.

Notas

  • 1
    Trata-se da pesquisa A justiça e a terapêutica: Significados atribuídos por médicos psiquiatras e por juízes de direito ao uso de maconha medicinal e recreativa, que contou com a colaboração do bolsista de iniciação científica (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq]) Erick Maddson Rodrigues Bonfim, o qual participou das entrevistas e as transcreveu, assim como colaborou com a classificação dos dados empíricos.
  • 2
    Este artigo decorre de pesquisa realizada antes da Resolução nº 2.324/2022, do Conselho Federal de Medicina (CFM) (BRASIL, 2022BRASIL. Conselho Federal de Medicina (CFM). “Resolução CFM nº 2.324/2022”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 out. 2022. seção 1, p. 189.).
  • 3
    Os nomes dos psiquiatras são fictícios.
  • 4
    Depoimento de psiquiatra do CAPS ad de Petrolina, em 2022.
  • 5
    Depoimento de psiquiatra de CAPS de Petrolina, em 2022.
  • 6
    Depoimento de psiquiatra de CAPS ad de Juazeiro, em 2022.
  • 7
    Depoimento de psiquiatra de CAPS de Juazeiro, em 2022.
  • 8
    Depoimento de psiquiatra de CAPS, em Juazeiro, em 2022.
  • 9
    Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Petrolina, em 2022.
  • 10
    Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Petrolina, em 2022.
  • 11
    Depoimento de psiquiatra do CAPS ad, em Petrolina, em 2022.
  • 12
    Depoimento de psiquiatra atuante no CAPS ad, em Juazeiro, em 2022.
  • 13
    Usamos nomes fictícios a fim de preservar o anonimato dos entrevistados.
  • 14
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021.
  • 15
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021.
  • 16
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2021.
  • 17
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022.
  • 18
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022.
  • 19
    Depoimento de Vitorino, em Juazeiro, em 2022.
  • 20
    Depoimento de Ramiro, em Petrolina, em 2022.
  • 21
    Depoimento de Benedito, em Petrolina, em 2022.
  • 22
    Depoimento de Herculano, em Juazeiro, em 2022.
  • 23
    Depoimento de Vitorino, Juazeiro, em 2022.

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Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2022
  • Aceito
    29 Set 2023
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