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Autoetnografias e análises da pandemia por neófitas(os) em antropologia: Descobertas, reinvenções e sensibilidades

Autoethnographies and Analysis of the Pandemic by Neophytes in Anthropology: Discoveries, Reinventions, and Sensitivities

RESUMO

Este artigo apresenta percepções que 84 estudantes tiveram dos quatro primeiros meses da pandemia de Covid-19, muitas(os) delas(es) calouras(os) em ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP). A partir de autoetnografias e reportagens, interpretadas em diálogo com textos clássicos da antropologia e artigos de antropólogas(os) brasileiras(os), somos apresentadas(os) a variados espaços de confinamento, diversos arranjos familiares, sofrimentos, dúvidas, descobertas e reinvenções. Em meio a um contexto inusitado, fundamentos da antropologia se revelaram capazes de alargar horizontes cognitivos e analíticos, contribuindo para a ressignificação de vivências e emoções.

Palavras-chave:
pandemia; percepções de estudantes; autoetnografias; ressignificação de vivências; sensibilidades

ABSTRACT

Autoethnographies and Analysis of the Pandemic by Neophytes in Anthropology: Discoveries, Reinventions, and Sensitivities brings to light perceptions that 84 students had from the first four months of the Covid-19 pandemic, many of them freshmen in social sciences at the Universidade de São Paulo (USP). From autoethnographies and reports, interpreted in dialogue with anthropological classic texts and articles by Brazilian anthropologists, we are introduced to various spaces of confinement, different family arrangements, sufferings, doubts, discoveries and reinventions. In the midst of an unusual context, fundamentals of anthropology proved to be capable of broadening cognitive and analytical horizons, contributing to the resignification of experiences and emotions.

Keywords:
pandemic; perceptions of students; autoethnographies; resignification of experiences; sensitivities

A vida é feita de poucas certezas e muitos dar-se um jeito.

- João Guimarães Rosa

Prosseguir com intensidade e novos sentidos

Desde março de 1988, sempre presencialmente, vivencio, a cada novo semestre, a constatação de que o conteúdo humano que preenche o espaço físico de uma sala de aula jamais se repete. Olhares, rostos, corpos e histórias de vida compõem um conjunto inevitavelmente único. Além disso, o programa da disciplina pode estar traçado, o número de estudantes determinado, mas não há como saber se brotará alguma sinergia daquele arranjo de expectativas e sonhos. E seja qual for o desenrolar da dinâmica grupal, os semestres geralmente terminam, depois de um prolongado convívio, sem que professoras(es) saibam de onde e como as(os) estudantes vinham à faculdade, com quem e como moravam, em que espaços e como estudavam, quais projetos acalentavam e que dificuldades enfrentavam.

A maior e melhor oportunidade que a pandemia me proporcionou foi justamente, pela primeira vez em 32 anos de docência, obter algumas respostas para essas perguntas. Elas foram elaboradas sob a forma de autoetnografias que 84 estudantes me entregaram como trabalho de conclusão de Antropologia I, disciplina lecionada todo primeiro semestre de cada ano para ingressantes na graduação em ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP), aberta também a matriculadas(os) em outras graduações e a ouvintes.

Vale registrar que, a princípio, eu sequer lecionaria essa disciplina, pois já estava escalada para a pós-graduação, mas problemas enfrentados por dois colegas me fizeram assumir suas turmas de graduação do noturno. Uma delas eu acolhi desde o início e chegamos a ter duas aulas presenciais. Pela outra eu me responsabilizei somente no final de abril, quando os espaços físicos da universidade já estavam fechados1 1 Registro o meu agradecimento ao doutorando Julián David Cuaspa Ropaín, monitor da disciplina nessas duas turmas que em muito contribuiu para o bom andamento do curso. .

Sobre o susto e as angústias de, subitamente, ter-me visto às voltas com aulas emergenciais a distância, escrevi um breve texto que saiu publicado no livro Cientistas Sociais e o Coronavírus (SCHRITZMEYER, 2020SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Não soltei (virtualmente) muitas mãos, mas várias outras me escaparam”. In: GROSSI, Miriam Pillar; TONIOL, Rodrigo (orgs). Cientistas Sociais e o Coronavírus. São Paulo: Anpocs; Florianópolis: Tribo da Ilha, 2020, pp. 692-695., p. 694)2 2 Esse livro, organizado por Miriam Pillar Grossi e Rodrigo Toniol (2020), reúne 148 artigos de cientistas sociais, agrupados em 29 tópicos, sendo o último deles, com sete artigos, intitulado “Educação e ensino à distância” :

As primeiras aulas ou encontros remotos me deixaram tão nervosa quanto as minhas entradas inaugurais em salas de aula, há 32 anos. Haveria boa receptividade? Participação? Funcionaria a relação conteúdo-tempo? Quantas pessoas “compareceriam”? (...) Estar em uma sala virtual, com nomes associados a fotos ao lado de uns poucos rostos “ao vivo”, cada qual tendo por moldura fragmentos de salas ou quartos, foi insólito, assim como saber que meu escritório virara um cenário. Não mais falar andando, algo que me cadencia as ideias, e ainda ver meus próprios trejeitos, caras e bocas na telinha-espelho, em tempo real e depois gravados, foi desnudante.

Passado o trauma inicial de ter que reinventar o cotidiano, projetos e minhas dimensões espaço-temporais, desafios que compartilhei com colegas imersos na mesma situação, considerei que faria muito mais sentido prosseguir com o programa de Antropologia I relacionando-o aos dilemas apresentados pela e na pandemia.

De imediato, indiquei como leituras complementares alguns textos de antropólogas(os) brasileiras(os) que já haviam escrito sobre epidemias ou estavam pensando a pandemia atual (BELTRÃO, 2007BELTRÃO, Jane Felipe. “Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991): Tragédias se repetem?”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 14, suplemento, pp. 145-167, 2007.; QUEIROZ, 2004QUEIROZ, Renato. “As epidemias como fenômenos sociais totais: O surto de gripe espanhola em São Paulo (1918)”. Revista USP. São Paulo, n. 63, pp. 64-73, 2004.; SCHWARCZ, 2020; SOUZA, 2020). Além disso, para a minha sorte, como em Antropologia I são trabalhados autores clássicos e muitas de suas reflexões ultrapassam lugares e épocas, aos poucos criei pontes entre suas abordagens e possibilidades de pensar a pandemia, transcendendo os horizontes mais óbvios.

Desenvolvemos discussões sobre corpo (HERTZ, 1980HERTZ, Robert. “A preeminência da mão direita: Um estudo sobre as polaridades religiosas”. Revista Religião e Sociedade, vol. 6, pp. 99-128, 1980.; MAUSS, 2003cMAUSS, Marcel. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003c, pp. 401-422., pp. 401-422; WACQUANT, 2002aWACQUANT, Loïc. “Prólogo” In: Corpo e alma: Notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002a, pp. 19-29.), pessoa (MAUSS, 2003b, pp. 367-397), dádiva (MAUSS, 2003a, pp. 183-314), expressões de sentimentos (MAUSS, 1979, pp. 147-153), percepções de sons e de hábitos culturais (BOAS, 2004BOAS, Franz. “Raça e Progresso”. In: CASTRO, Celso (org). Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 67-86.; MINER, 1956MINER, Horace. “Body Ritual Among the Nacirema”. American Anthropologist, vol. 58, n. 3, pp. 503-507, 1956.), etnocentrismo e diversidade (LÉVI-STRAUSS, 1973LÉVI-STRAUSS, Claude. “Raça e história”. In: Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973, pp. 328-366.; ONU, 1948; GEERTZ, 2001GEERTZ, Clifford. “Os usos da diversidade”. In: Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, pp. 68-95.; RORTY, 2002RORTY, Richard. “Acerca do etnocentrismo: Uma réplica a Clifford Geertz”. In: Objetivismo, relativismo e verdade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, pp. 271-280.). Até os evolucionistas contribuíram (CASTRO, 2005CASTRO, Celso (org). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.) para pensarmos noções que, embora superadas na antropologia, passaram a aparecer em discursos sobre, por exemplo, povos indígenas, luto e pandemia. Também discutimos aspectos do trabalho de campo etnográfico a partir de Malinowski (1984aMALINOWSKI, Bronislaw. “Introdução: Tema, método e objetivo desta pesquisa”. In: Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril, 1984a, pp.17-34., 1984b) e de artigos de antropólogas(os) brasileiras(os), como Roberto Da Matta (1978), Roberto Cardoso de Oliveira (1996), Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2018), Silvana de Souza Nascimento (2019NASCIMENTO, Silvana de Souza. “O corpo da antropóloga e os desafios da experiência próxima”. Revista de Antropologia, vol. 62, n. 2, pp. 459-484, 2019.), além de duas pesquisas minhas (SCHRITZMEYER, 2002SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Uma leitura antropológica do Tribunal do Júri”. In: Controlando o poder de matar: Uma leitura antropológica do Tribunal do Júri - ritual lúdico e teatralizado. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, pp. 152-191., 2015).

Arrisquei, por fim, investir na proposta, antes obrigatória, depois transformada em optativa, de pequenos grupos apresentarem seminários, exibindo slides com passagens desses textos que considerassem relevantes, notas sobre os(as) autores(as), dúvidas e insights. Para a minha alegria, as apresentações foram muito cuidadosas, suscitaram ótimos debates e reiteraram minha convicção de que, mesmo virtualmente, vale acreditar que envolvimento coletivo, cumplicidades e trocas são o melhor caminho para o processo de ensino-aprendizagem.

As duas turmas que no início do semestre tinham, cada qual, aproximadamente 70 estudantes, diminuíram depois que foi aberta a possibilidade de trancamento ou exclusão da disciplina em função da pandemia. Como cada “encontro virtual”, reunindo essas duas turmas, passou a ser acompanhado, em tempo real, por cerca de 60 estudantes, mas outras(os) acessavam as gravações nos dias seguintes, seja por problemas de conexão seja por questões profissionais ou domésticas, eu só soube que haviam persistido 84 das(os) originalmente 140 matriculadas(os) (60%) quando findou o prazo da entrega do trabalho que substituiu as provas.

Naquele meu breve texto, já mencionado, assim concluí minhas reflexões (Idem, 2020, pp. 695):

O semestre letivo me teria sido muito mais difícil não fossem essas experiências. Termino-o gratificada pelas mãos que consegui segurar e que não me soltaram, mas muito triste por saber que várias outras me escaparam, provavelmente as mais vulneráveis, o que só reforça que a pandemia, neste país, se tornou tão seletiva e desigual quanto a nossa sociedade.

Mesmo sem saber quantos seriam exatamente os muitos trabalhos finais que eu teria que ler, avaliar e comentar, decidi propor um exercício subdividido em três tópicos: o primeiro obrigatório e um dos outros dois a ser escolhido.

No primeiro, a partir de uma “breve autoetnografia dos espaços de confinamento”, as(os) estudantes tinham que narrar seus cotidianos em diálogo com textos sobre o fazer etnográfico, o que implicava enfrentarem o desafio de escrever em primeira pessoa, sem deixarem de atentar para as complexidades envolvidas nos atos de observar, perceber, sentir, analisar e narrar. Deixei em aberto a possibilidade de, além da escrita, inserirem fotos e desenhos próprios, o que instigou algumas(ns) a também indicarem playlists com músicas que consideraram suas “trilhas sonoras da pandemia”3 3 Na aula em que apresentei minha pesquisa de doutorado (SCHRITZMEYER, 2002) e mencionei o uso que faço de desenhos em meus cadernos de campo, estimulei as(os) estudantes a se informar a respeito dessa possibilidade, especialmente lendo textos da antropóloga Karina Kuschnir (2019, 2016, 2014, 2012a, 2012b; GAMA e KUSCHNIR, 2014). .

Até então, “autoetnografia” não me era algo familiar, de modo que, antes de propor a empreitada (às)aos estudantes, selecionei, li e indiquei às turmas alguns artigos, em português, que faziam um apanhado do surgimento, desenvolvimento e principais aspectos do método autoetnográfico (MAGALHÃES, 2018MAGALHÃES, Célia Elisa Alves de. “Autoetnografia em contexto pedagógico: entrevista e reunião como lócus de investigação”. Veredas Temática, vol. 22, n. 1, pp. 16-33, 2018.; MOTTA e BARROS, 2015MOTTA, Pedro Mourão Roxo da; BARROS, Nelson Filice de. “Autoetnografia (Resenha)”. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 31, n. 6, pp. 1337-1340, 2015.; SANTOS, 2017SANTOS, Sílvio Matheus Alves. “O método da autoetnografia na pesquisa sociológica: Atores, perspectivas e desafios”. Plural. Revista de Ciências Sociais, vol. 24, n. 1, pp. 214-241, 2017.). Enfatizei, em especial, a proposta de partirem de experiências pessoais e realizarem exercícios autorreflexivos a fim de pensarem questões familiares, sociais, políticas e culturais, experimentando formas criativas de observação e registro, com base nas quais a subjetividade, em vez de dissimulada, se tornaria central na produção do conhecimento.

Logo me dei conta de que havia uma farta bibliografia em língua inglesa e que também não eram poucas as pesquisas brasileiras baseadas no método autoetnográfico, inclusive realizadas em outras áreas, como a da saúde coletiva (GAMA, 2020GAMA, Fabiene. “A autoetnografia como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla”. Anuário Antropológico, vol. 45, n. 2, pp. 188-208, 2020.; RAIMONDI, 2019RAIMONDI, Gustavo Antonio. Corpos que (não) importam na prática médica: Uma autoetnografia performática sobre o corpo gay na escola médica. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.). Passei, assim, a notar detalhes que antes me passavam despercebidos, como o fato de que haveria, em dois congressos nos quais eu estava inscrita, uma oficina e um simpósio voltados para a autoetnografia4 4 Refiro-me à “Oficina de autoetnografia”, ocorrida na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), e ao simpósio “A autoetnografia e a produção de conhecimento corporificado: potencialidades e limitações”, ocorrido no VI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Antropología (ALA), ambos realizados em 2020. Ver (on-line), respectivamente: https://www.32rba.abant.org.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=1704; https://ala2020.com.uy/?page_id=246 . Nos resumos dessas atividades, esta era apresentada como uma proposta metodológico-conceitual engajada, crítica, política e emotiva, centrada em “experiências corporificadas” e sensível à exposição de vulnerabilidades, temas silenciados, invisibilizados ou pouco abordados em discussões acadêmicas, valorizando a potência de uma pessoa ser, simultaneamente, pesquisadora e “nativa”.

Como segundo tópico do exercício, cada estudante tinha que escolher entre relacionar trechos de suas autoetnografias com temas e textos da disciplina ou selecionar uma curta notícia jornalística sobre a pandemia, reproduzi-la e comentá-la à luz de outros textos da disciplina.

Levei um mês para concluir a leitura dos 84 trabalhos (168 tópicos, com até cinco mil caracteres cada, totalizando aproximadamente 350 páginas digitalizadas), pois não apenas os li, mas os devolvi detalhadamente comentados. Foi exaustivo, mas tive a certeza de que, como um grupo, embora virtual, havíamos conseguido fazer de um semestre particularmente difícil e desafiador uma criativa oportunidade de conjugar vida e antropologia. Essa é a principal razão que me fez escrever este artigo, de certa forma também uma autoetnografia, pois ele não deixa de ser um exercício reflexivo de uma antropóloga-docente em tempos de pandemia.

Se esse meu exercício estivesse no centro deste artigo, seu rumo seria outro, pois se multiplicaram, quase tão rapidamente quanto os casos de contaminações e mortes pelo novo coronavírus, reflexões de docentes, brasileiras(os) e estrangeiras(os), relativas ao ensino-aprendizagem da antropologia e ao fazer etnográfico em condições de ensino a distância e de isolamento. No Brasil, além dos Boletins da Anpocs, posteriormente reunidos e publicados em livro (GROSSI e TONIOL, 2020GROSSI, Miriam Pillar; TONIOL, Rodrigo (orgs). Cientistas Sociais e o Coronavírus. São Paulo: Anpocs; Florianópolis: Tribo da Ilha, 2020.), várias revistas inauguraram seções especiais e/ou organizaram números específicos, sem contar blogs e redes5 5 Entre outras seções de revistas, vale citar “Reflexões na Pandemia”, seção excepcional de Dilemas, e o número 59 da revista Horizontes Antropológicos, intitulado “Antropologias de uma Pandemia”, iniciativa conjunta dos editores e da Rede Covid-19 Humanidades do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que mobilizou mais de 90 pesquisadoras e pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas, sociais e da saúde do Brasil e do exterior. Ver (on-line), respectivamente: https://www.reflexpandemia.org/; https://www.scielo.br/j/ha/i/2021.v27n59/ , tendo o mesmo movimento ocorrido em diversos países6 6 Revistas como a Teaching Anthropology, do Royal Anthropological Institute, reuniram vários textos voltados à compreensão dos desafios envolvidos no ensino da antropologia e na prática da etnografia em tempos de Covid-19 . Associações como a Society of Cultural Anthropology (Culanth) criaram blogs sobre o tema. Ver (on-line), respectivamente: https://www.teachinganthropology.org/2021/04/29/teaching-anthropology-during-a-global-pandemic/; https://culanth.org/fieldsights/editors-forum/covid-19 .

Neste artigo, todavia, proponho-me a compartilhar alguns dos aspectos que mais me chamaram a atenção nas leituras e interpretações das(os) estudantes, dando a elas(es) a palavra, pois, normalmente, muito mais lemos e ouvimos docentes do que discentes7 7 Citarei trechos de 47 dos 84 trabalhos indicados pela numeração que lhes atribuí. Em alguns casos, fiz pequenos ajustes gramaticais, além de ter omitido quaisquer referências que pudessem identificar as(os) autoras(es) a fim de preservar suas identidades e privacidades. Inicialmente, selecionei muitos mais trechos do que os que mantive, mas em função das dimensões deste artigo e após várias revisões, deixei apenas os trechos que considerei mais representativos. .

Deslocamentos, retornos, lares e famílias

Conforme já apontei, graças às autoetnografias pude conhecer um pouco mais os universos de cada estudante. Constatei, por exemplo, que várias(os) haviam, no início do ano, se mudado para a cidade de São Paulo e deixado as casas onde antes viviam com suas famílias, tendo a elas retornado à medida que o confinamento se prolongou. Houve quem voltasse para outras cidades do estado de São Paulo e não foram poucos os retornos para cidades de outros estados do Sudeste, do Sul e até do Nordeste, decisões essas sempre carregadas de complexidades.

(...) devido à pandemia do novo coronavírus, voltei para a minha cidade, no interior de Minas, com cerca de sete mil habitantes. Não ficava tanto tempo [nela], há mais de 3 anos, já que saí cedo de casa para estudar. Desde então, os meus processos interiores-exteriores tornaram-se menos visíveis para a minha família, em especial para a minha mãe, o que gera diversos tensionamentos e enfrentamentos, por vezes dolorosos, pois ao olhá-la me reconheço, entendo de onde eu vim a partir de onde ela veio (T.07).

Duas semanas após a grande conquista adolescente de sair da casa dos pais, me deparei de volta à situação inicial. [Retornei a uma] cidade do interior do estado de São Paulo, (...) pequena e conservadora. Creio que minha forte ligação afetiva com a casa tornou o confinamento menos torturante. Dividindo esse ambiente comigo, há minha mãe, (...) responsável por tornar os cômodos aconchegantes, meu pai, minha irmã e, durante um período de dois meses, meu cunhado (companheiro da minha irmã). A interação entre nós não é exatamente como a de uma “família de comercial de margarina”, (...), mas diria que temos uma relação próxima e afetuosa, na medida do possível (T.39).

(...) decidi voltar para [a cidade] onde nasci. Ela representa meu lar, lugar que guarda minhas melhores recordações, memórias e a versão que guardo com mais carinho de mim. De início, tudo parecia familiar, fácil de reviver em seus espaços quase inalterados. Mas nenhuma cidade é apenas um complexo geográfico sem suas complexas relações humanas e, nesse ponto, minha nova experiência de quarentena foi repleta de estranhamentos (T.55).

Meu parceiro [e eu] passamos exatamente dois meses em isolamento social em um apartamento de dois cômodos no centro de São Paulo. (...) o espaço pequeno parecia ficar cada vez menor. O sol batia durante algumas horas pela tarde (...) e os joelhos começavam a doer por falta de exercício (um sintoma da escoliose que me acomete). Da janela, a cidade parecia ficar vazia e triste e nos sentíamos tristes (...). Decidimos ir para o interior. (...) fomos para a casa de meus sogros em [uma cidade do RJ] (T.83).

Frustrações, desafios, gratas satisfações e tensões decorrentes do confinamento brotaram das autoetnografias. Guiou várias narrativas a importante discussão a respeito do trabalho de campo etnográfico envolver a díade identidade-alteridade, do que resultou a constatação de que autopercepções dependem de entendimentos do entorno e das relações estabelecidas com quem nele está. Pela primeira vez, algumas(ns) estudantes parecem ter lido suas vivências a partir de noções pertinentes à etnografia e, assim, ensaiaram inaugurais trabalhos de campo em seus próprios espaços, permitindo-me conhecê-los e permitindo que se reconhecessem.

Minha primeira experiência de campo se deu na casa de meus pais, um casal de médicos, representantes da classe média paulistana. (...). Apesar do alto de grau de escolarização dos dois habitantes, (...), eles adotavam uma posição quase negacionista. (...). Após 20 dias de meu isolamento quase total, (...), os habitantes da residência foram contaminados pela Covid-19, como eu já imaginava. Por isso, decidi me retirar imediatamente e partir para a segunda experiência de campo, na casa de minha companheira. Ela reside com uma família numerosa, incluindo seus pais, irmãos e um grupo de crianças de 10 a 15 anos (...). As condições para o trabalho etnográfico, nesse cenário, se mostraram mais favoráveis. Todos os habitantes, de certa forma, respeitavam o isolamento social. Ademais, realizavam suas refeições em conjunto, com lugares pré-estabelecidos à mesa e respeitavam a autoridade matriarcal suprema dentro do grupo. (...) por não ter muito contato com crianças, anteriormente à pandemia, imediatamente voltei a minha atenção a esse subgrupo específico. (...) consegui conquistar a confiança delas, motivo pelo qual fui convidado a participar de um de seus rituais sagrados, denominado “jogar videogame”. (...) Minha participação constante nessa prática ritual (...) resume o que Malinowski (1984) atribui ao trabalho de campo, cujos fenômenos devem ser observados em sua plena experiência (T.15).

[Sou] um garoto pardo que acaba de ingressar na faculdade com apenas dezessete anos (...). Escrever sobre o próprio cotidiano, invertendo o papel de familiar em exótico e também o contrário (...) é um exercício complicado, por ser comigo mesmo e não com um terceiro. (...) minha casa é mais especificamente um apartamento popular de dois quartos na periferia da Região Metropolitana de São Paulo. (...). Desde o início do isolamento, minha animação com este ano só decaiu. Era o primeiro ano da faculdade, momento de conhecer gente nova, conhecer e viver o melhor que São Paulo oferece, expandindo os horizontes além do pequeno quarto que divido com minha irmã. Mas isso foi interrompido pela pandemia. (...) a relação com minha família continuou conflituosa, porém são conflitos que considero normais, como quem vai escolher o que colocar para assistir na TV ou vai entrar primeiro no banheiro pela manhã (T.33).

(...) moro nesta casa com meus pais, porém não há muito diálogo entre nós. São escassas as conversas com minha mãe, nenhuma palavra com meu pai. (...) Vivo, por assim dizer, em um isolamento dentro de minha própria casa. (...) Cada um se ancora na imagem que lhe é mais confortável (...). O afastamento que existe entre nós é corroborado por essa imagem que nenhum abre mão de construir. Assim como no etnografar, o olhar e o ouvir também constituem um aspecto fundamental nas relações (...), de posse desta analogia entendi que eu tenho muito a aprender com a antropologia (T.40).

(...) eu estou vivenciando minha primeira experiência universitária, o que nunca imaginei que aconteceria longe da universidade. É um pouco frustrante tentar ampliar o meu mundo (através do conhecimento, do estudo e das aulas) estando presa, fisicamente, no meu mundo (dentro do quarto, olhando para a tela do computador). Tenho a impressão de não estar aprendendo como deveria, que todo mundo está absorvendo os conteúdos melhor do que eu, que não sou boa o suficiente. Talvez seja verdade, ou talvez seja minha mente me autossabotando. De qualquer forma, estou fazendo o meu melhor. (...) lembro-me de Da Matta, que diz que a tristeza e a saudade aparecem no processo do trabalho de campo. Mas no meu caso a tristeza é por aqueles que partem e pelo luto dos que ficam, por aqueles em situação mais vulnerável e pelo descaso de muitos com as vidas que cessam (T.64).

(...) meus cenários cotidianos (...) passaram da selva de pedra e suas lotações a um singelo quadrante. (...) Meu quadrante situa-se no sul de “Sampa”, no Jardim Miriam (...). Minha casa é simples, mas de espaço aconchegante, envolta por comunidades, uma barbearia e duas escolas. Em meu quarto passei a maior parte do tempo e assim continuo. (...) minha mesa bagunçada com livros e cadernos abraça-me com um ar consolador do tipo “vai valer a pena”. Moram comigo meus pais. (...) Trago para o meu contexto os fenômenos que compõem os “imponderáveis da vida real” citados por Malinowski (1984, p. 29): “Pertencem a essa classe de fenômenos: a rotina de trabalho diário (...); os detalhes de seus cuidados corporais; a existência de hostilidade ou de fortes laços de amizade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas (T.78).

Além de narrativas, também fotos e desenhos me conduziram por casas, apartamentos, salas, cozinhas, quintais, quartos e paisagens vistas de janelas e varandas. Várias(os) estudantes descreveram detalhadamente seus locais de confinamento e refletiram a respeito do quanto estranhar a relação que antes tinham com “o familiar” lhes suscitou novas percepções e emoções. Muitas(os) passaram a não sair de onde antes mal ficavam e tiveram que conviver com quem pouco se relacionavam. Percebo que horizontes se alargaram.

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Em algumas autoetnografias foi explicitamente registrado que a oportunidade de narrar o vivido com base em fundamentos etnográficos fez com que fosse possível entendê-lo a partir de outras perspectivas. Fiquei especialmente tocada com registros sobre o quanto o desafio de fazer uma autoetnografia do confinamento propiciou ressignificações dele próprio e de outros aspectos do cotidiano, dando lugar a mais e melhores recursos para seguir vivendo em meio a adversidades.

O processo de terapia, as novas experiências que vivi durante o isolamento social, o primeiro emprego, a primeira graduação e o encarceramento do meu tio paterno criaram um movimento de consciência dos meus marcadores e como eles estavam presentes em vários âmbitos da minha vida. O próprio processo do trabalho da etnografia fez com que eu necessitasse consolidar as minhas experiências e encontrar uma legitimidade dentro da minha narrativa (T.08).

Articular sentimentos e reflexões que tive durante os meses de quarentena ao aparato teórico que adquiri na disciplina “Introdução às Ciências Sociais (Antropologia)” me possibilita transformar, de maneira singular, esse período da minha vida (T.23).

(...) como Roberto Cardoso de Oliveira diz em seu texto, “O trabalho do antropólogo: Olhar, ouvir e escrever”, o ouvir e o observar andam juntos (...) [e] me ajudaram a compreender, de uma forma totalmente nova, as relações dentro de minha família. (...) o julgamento precedia a compreensão e o diálogo. Dar ouvidos implicou transformar minha família em interlocutora da própria história, [o] que eu até então só observava tirando conclusões através daquilo que eu mesmo queria ver (T.35).

O processo de relativização foi essencial para que eu, assim como afirma Boas, deixasse de estar “cego” pelas configurações do meu campo cognitivo, da minha subjetividade construída (T.46).

Ao ler Argonautas do Pacífico Ocidental de Malinowski, percebi que as pré-concepções que eu tinha do ambiente, especialmente das pessoas que viviam nele, não me deixavam observar características do local de uma forma mais sensível e com a mente aberta. O exemplo disso é meu padrasto, (...) preconceituoso, tem um racismo velado, junto com uma masculinidade tóxica que ele próprio não percebe (...). Antes, como ele saía diversas vezes, tinha mais opções de conversas, porém, agora, só tem a mim. (...) ele falava, eu ouvia e não conseguia dizer nada. Isso mudou na quarentena, ele ouviu e eu o olhei de uma forma diferente (...). O mais excepcional nessa quarentena foi eu conseguir falar. E ouvir (T.47).

Na pesquisa Fios da Vida: Crianças Abrigadas, hoje adultas, diante de seus prontuários, realizada pela professora [SCHRITZMEYER, 2015SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Fios da vida: crianças abrigadas, hoje adultas, diante de seus prontuários”. Vivência: Revista de Antropologia, vol. 1, pp. 93-112, 2015.], (...) laudos, relatórios e histórias de “ex-menores” fortaleceram a construção de suas memórias e identidades, possibilitando a ressignificação do passado. No meu caso, o acesso à memória, visualizando fotos e anotações antigas, ouvindo histórias passadas, revivendo experiências ou até mesmo observando a criação do meu sobrinho, permite maior entendimento da minha própria criação, articula-se de modo a reafirmar minha identidade que, por vezes, se perde na rotina exaustiva da vida na capital (T.55).

Eu moro na Zona Oeste de São Paulo. Minha casa fica em terreno consideravelmente grande, fruto de muito trabalho da minha avó, mineira. O terreno tem três casas. Na minha, moramos eu, minha mãe, um tio e minha avó. (...) Das minhas primeiras lembranças até hoje, este sempre foi um ambiente hostil. (...) Então, quando me vi no isolamento, nesse lugar de onde sempre tentei fugir, busquei abrigo em outras coisas que pudessem me salvar, uma vez que a “rotina externa”, por hora, não poderia. (...) Achei minha salvação no estudo, especialmente da antropologia. (...) Então, esse pequeno lugar, de onde eu fugia, passou a ser meu objeto de estudo, uma espécie de trabalho de campo para estudar algo em que, em condições “normais”, eu nunca prestaria a devida atenção. Acredito ser esse o maior acontecimento deste curto, porém sentimentalmente longo, período (T.69).

E vale pontuar que não foram poucas as menções diretas a sintomas de depressão e ansiedade próprios ou em familiares e pessoas conhecidas, na maioria dos casos já anteriores ao confinamento e agravados com o seu transcorrer: “(...) tendo uma saúde psicológica instável, a ideia de ficar confinada é um fardo, além disso moro com minha avó, idosa de 94 anos e homofóbica, portanto o convívio com ela é muito conturbado” (T.02).

Logo no início da quarentena eu não estava me sentindo muito bem, estava triste, desanimada, com saudade dos amigos e colegas, das aulas (...). Ademais, em um dia na primeira ou segunda semana da quarentena, ao tirar uma soneca (...) eu tive a sensação de estar sendo atacada por um espírito. Eu via uma sombra negra, em pé no meio do quarto, me encarando e eu senti dor física como se alguém estivesse batendo minha cabeça contra a parede. Foi uma experiência muito real (...) que me deixou perturbada e assustada com a sensação de que algo ruim iria acontecer. Nessa mesma semana, a minha mãe quase conseguiu se matar. (...) depois ela acabou me contando que (...), além da bebida, ingeriu cinco comprimidos do seu remédio para dormir. Eu fiquei muito mal com tudo isso (...) é muito complicado conviver com alguém que está com depressão e na quarentena essa situação se amplificou (T.49).

(...) um dos meus amigos me contou que um amigo dele havia, acidentalmente, morrido após ter caído da varanda. Essa tragédia desencadeou em mim crises de ansiedade e de pânico, coisas que nunca tive antes, me levando a não conseguir mais permanecer na minha própria varanda ou estar próximo da janela do meu quarto sem imaginar que eu poderia cair. Foi um momento muito difícil e senti que precisava de ajuda. No fim, acabamos colocando as redes de proteção de volta e, felizmente, esses surtos pararam de acontecer (T.62).

No início, sofri com crises diárias de ansiedade e recaídas graves da depressão. A incerteza e o medo eram recorrentes pois não sabia se minha mãe manteria ou não o emprego. Meu pai, advogado trabalhista, sem emprego e salário fixos; uma irmã grávida e eu recém-aprovada na universidade e desempregada (T.68).

Como alguém que sofre de transtorno de ansiedade generalizada e depressão, o agravamento do quadro me colocou em uma situação de instabilidade emocional e psicológica. Comecei a sentir o peso do isolamento social mais do que nunca. Depois de um mês e meio nessa situação, entre altos e baixos, comecei a melhorar. Percebi que tinha mais tempo para me dedicar às disciplinas da faculdade e (...) relembrei o porquê de gostar tanto das ciências sociais. Hoje, apesar de desempregada e sentindo falta dos meus amigos, da minha família e de momentos sociais no geral, tenho sentido muito prazer em poder estudar. Tenho ressignificado a universidade e cogitado, inclusive, a possibilidade de seguir carreira acadêmica em um futuro mais distante (T.83).

Muitos foram os registros de famílias centradas em figuras maternas (avós e mães), conforme já foi possível perceber em alguns trechos citados, bem como de casas e apartamentos pequenos, em que compartilhar espaços ou neles estar só implicou redescobrir histórias familiares e pessoais, relações e coisas. Cito apenas mais dois trechos que considerei significativos:

(...) o cenário do meu isolamento é a minha casa. Ela é dividida em quatro cômodos com um mini quintal, aos fundos de um terreno repartido com familiares. Uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro são compartilhados com minha mãe, única pessoa que convive comigo e que divide diariamente as dores e angústias da quarentena. (...). Ao fim de sua pesquisa, a professora percebeu que os adultos se reconheciam como protagonistas de uma epopeia da qual eram heróis-testemunhos e não vítimas de uma tragédia [SCHRITZMEYER, 2015SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Fios da vida: crianças abrigadas, hoje adultas, diante de seus prontuários”. Vivência: Revista de Antropologia, vol. 1, pp. 93-112, 2015.]. Ao ter mais abertura e ouvidos às histórias de uma infância difícil que minha mãe teve, como o fato de ela não ter tido acesso à educação formal, morar na zona rural de Minas Gerais e ter que trabalhar desde criança para não passar fome em casa, (...) [dialogamos mais] sobre o que foi mudando na percepção dela conforme ela foi se tornando adulta e a vida foi alterando seus rumos. (...) como foi reafirmado pela professora em sua pesquisa, o direito à memória em situações de recorrentes preconceitos e miséria social interferem em trajetórias de inúmeras vidas. Ao conseguir acessar a memória das dificuldades sociais enfrentadas por minha mãe tive exatamente essa clareza (...). Os depoimentos dela carregam, com certeza, traços de uma história coletiva de outros adultos que, assim com ela, também não tiveram acesso ao estudo e trabalham desde cedo para sobreviver (T.31).

O cenário do isolamento consiste de uma kitnet de 4m x 7m com alguns móveis, eletros e utensílios essenciais. (...). O texto “Ritos corporais entre os Nacirema” (MINER, 1976) foi essencial para eu compreender o trabalho de antropólogos (...). Durante o isolamento, adotei comportamento semelhante ao do autor do texto e passei a analisar constantemente minhas atividades ao longo do dia (...). Essas análises diárias de meus próprios rituais me levaram a realizar uma série de experimentos ao longo das semanas: um dia todo sem celular, uma semana com todos os espelhos cobertos, um mês sem usar o carro etc. Nenhum desses experimentos foi permanente, mas me tornou consciente de rituais diários que afetam minha saúde e qualidade de vida. Faço o paralelo com o autor de “Nacirema” que analisa sua própria tribo como se não pertencesse a ela. Concluo que o tempo que tenho passado introspectivo tem sido aproveitado para conhecer a mim mesmo como se fosse outra pessoa (T.77).

Estudantes percebendo sua diversidade e nela se percebendo, com a ajuda da antropologia

Uma breve menção a respeito da heterogeneidade das turmas de graduação em ciências sociais da USP é importante. Há muito tempo, as do período noturno são mais heterogêneas do que as do vespertino, especialmente em relação à situação socioeconômica, idade e raça-etnia, embora mais homogêneas no que diz respeito ao fato de a maioria trabalhar e estudar. Mas tal heterogeneidade, especialmente quanto à cor da pele, aumentou no noturno e alcançou o vespertino depois que, tardia e finalmente, em 2015, a USP aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, em 2018, adotou um sistema de cotas raciais8 8 37% por cento das vagas do vestibular da Fuvest-2018 foram destinadas a egressas(os) de escolas públicas, com a meta de, em 2021, chegar a 50%. As vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas (PPIs), conforme nomenclatura adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se propôs a ser proporcional à presença desses segmentos no estado de São Paulo: das 37% das vagas destinadas a egressas(os) de escolas públicas, 13,7% foram reservadas a PPIs (ALVAREZ, 06/02/2018). . Hoje em dia, bem mais do que antes, conforme ficou claro em certos relatos autoetnográficos, aumentou o número de estudantes egressas(os) de escolas públicas, não brancas(os), de baixa renda, moradoras(es) de bairros ou municípios periféricos. Com muita sensibilidade, algumas(ns) registraram seus marcadores sociais, deixando evidentes várias dificuldades e desafios pertinentes ao ingresso e à permanência na universidade, combinados com o advento da pandemia e, como já apontado, em meio a questões emocionais e psíquicas.

Sou um jovem qualquer na multidão, marcado pela periferia paulistana, pela cor levemente racializada da minha pele e, finalmente, pela deficiência que carrego em meu corpo. Não me movimentar pela cidade nunca foi um empecilho para mim, uma vez que sou um tanto introvertido e prefiro o ambiente caseiro e familiar a que estou acostumado. Entretanto, a “experiência de casa” é sempre um desafio, pois trato de uma depressão incapacitante e de uma ansiedade paralisante, aprofundadas por uma série de pequenas tragédias familiares - hoje, por exemplo, o falecimento de minha mãe completa um ano (T.14).

Entrei na USP através do Sisu, por cota de baixa renda, e vim diretamente de um cursinho popular no interior do estado para a maior cidade e melhor universidade da América Latina. Minha comemoração foi separar documentos que comprovam minha vulnerabilidade social para conseguir uma vaga no Crusp [Conjunto Residencial da USP] e os auxílios que tornaram minha vinda possível. (...) Divido minha rotina de isolamento com mais duas pessoas conhecidas recentemente, o que exigiu adaptação de todas as partes. Primeiro, meu namorado e amigo, (...), que estava no alojamento provisório e veio passar o isolamento em meu apartamento. E minha amiga, (...) residente (...) do mesmo bloco em que moro (T.28).

Ser um homem negro, pobre, periférico e gay situa-me nas margens da sociedade - apesar de ter privilégios em alguns fatores. (...) desde o início, minha mãe e irmã não deixaram de trabalhar, ou melhor, nossa situação de classe nos resignou à impossibilidade de cuidar da vida - é morrer de Covid-19 ou de fome. Além disso, entrar em uma universidade pública e elitista, como a USP, sendo um estudante advindo de um ensino precário, é complicado. Estando em condições adversas, sinto-me muito mais prejudicado (T.46).

Inevitável pensar no quanto compete a uma universidade pública, coerentemente mais aberta à diversidade, considerar deficiências dos ensinos fundamental e médio (principalmente públicos, mas também particulares), contribuir para enfrentá-las e, no caso de cursos da área de humanidades, estimular o gosto por um estilo de leitura e de escrita que não combina com a pressa das abreviações, tão comuns em textos veiculados em redes sociais.

Apesar de em um número significativo das 84 autoetnografias eu ter apontado e corrigido muitos problemas de redação, como a falta ou mau uso de vírgulas e de pontos finais, falhas na composição lógica de períodos e nas concordâncias nominal e verbal, percebi um inegável empenho, da maioria, em tentar registrar e transmitir, com primor, a descoberta de novos horizontes. Estudantes mais maduras(os), que declararam ter outras formações acadêmicas, distantes ou próximas das ciências sociais, como direito, letras, psicologia, medicina, biologia, engenharia e física, construíram, em geral, narrativas mais desenvoltas, mas algumas(ns) neófitas(os) também demonstraram uma potente e ousada criatividade analítico-poética.

Aqui tem uns 40m² e piso de taco. Nenhuma planta porque não entra sol suficiente. (...) Da minha janela, no terceiro andar, vejo o Minhocão à minha direita (...). Moro sozinha, estou desempregada. Não tive tempo de pegar meu diploma na Letras, antes da quarentena, mas ele já saiu. (...). Aqui dentro, a noção de tempo mudou. A métrica parece diferente: o tempo passou a durar a intensidade das coisas. As noites aumentaram. (...) o processo da elaboração, da escrita, dá corpo ao que paira no ar. Treinar esse olhar interessado, encantado, sedento das nuances da vida cotidiana, me ajudou e ajuda a enfrentar este período. (...) Dos muitos retalhos que estão compondo esta colcha da quarentena, talvez minha principal ferramenta tenha sido essa tríade que não pude aprender em sala de aula como gostaria: olhar, ouvir, escrever (T.34).

O trabalho como psicoterapeuta passou a acontecer com chamadas de WhatsApp e Skype. Outro cansaço, não pelo trânsito, por exemplo, mas talvez por encarar pacientes a partir de quadrados. (...) eu também me vejo como da etnia Nacirema, etnografada por Miner (1976). Sou deste curioso povo, espalhado pelo planeta, que evita a exposição do corpo e de funções excretoras naturais e que, ao mesmo tempo, transforma rios em fossas, que muitas vezes cultua o corpo ao mesmo tempo em que o atomiza e o desintegra da relação com os outros e com a natureza e que transforma o cuidado com a saúde em algo a ser comprado e vendido. (...) como diz Da Matta, “o homem não se enxerga sozinho (...) ele precisa do outro como seu espelho e seu guia (1978, p. 12) (T.61).

A voz tornou-se o corpo que no ar aniquila saudades e encurta distâncias onde os pés não podem nos levar. As palavras tornaram-se os braços que lançamos uns para os outros para demonstrar os sentimentos, e que lutamos para serem abraços carinhosos. Longos períodos de silêncio, de reflexão, também deram lugar a boas risadas e compartilhamento de conhecimento (...) (T.78).

Sou médico e jovem. Essas características puseram-me, automaticamente, em circulação pelos diversos hospitais da cidade. (...) Trabalhei em lugares com perfis diferentes: um grande hospital público e um elitista hospital particular, ambos em UTI [unidade de terapia intensiva]. Em casa, tenho o conforto de morar em um apartamento amplo perto dos meus empregos. Sempre tive dificuldades para lidar com minha categoria profissional por achar que grande parte dos médicos mercantiliza vínculos e age corporativamente (...). Apesar de ser visto com estranhamento por alguns, sou respeitado pelos meus feitos acadêmicos e profissionais. Porém, nesse momento de fragilidade e exposição de todos, as condutas, movimentos e vínculos com meus colegas médicos mudaram e nos aproximamos mais. Logo, minha autoetnografia pode ser ambígua, multilocalizada e afetada por relações com pontos de vista assimétricos, como alerta Silvana de Souza Nascimento. Porém, isso me torna vigilante para não adotar um único ponto de vista e procurar novas reflexões sobre os mais diversos acontecimentos (T.84).

Para mim, que cursei duas graduações e atuo na fronteira interdisciplinar entre antropologia e direito, foi impossível não concluir o quanto a antropologia deveria estar mais presente nas grades curriculares de outras áreas, sensibilizando diferentes profissionais para a relevância da diversidade humana e para os grandes desafios e riquezas dela decorrentes. Algumas passagens produzidas por estudantes com perfis interdisciplinares me chamaram especialmente a atenção.

Morar fora do lar familiar, em companhia de meu namorado e com pessoas novas, é um grande desafio de adaptação (...). Aos poucos, o familiarizar-se com o não familiar e estranhar o familiar fez parte de minhas percepções. As trocas com as pessoas que moram nessa nova casa me abriram um leque de conhecimentos e valores que não me eram habituais. Conviver com um estudante de pós-graduação, especialista em literatura portuguesa, e com um estudante de história, inserido no mundo corporativo, ambos do candomblé, é sempre um aprendizado e uma descoberta de contextos diferentes dos quais eu vivi (estudante de ciências biológicas e de família neopentecostal). Ao mesmo tempo, ao visitar minha mãe no Dia das Mães, fiquei uma semana em meu antigo lar e me senti uma estranha no ninho. (...) Estranhei o antigo familiar (T.50).

Engenheiro de computação por formação e profissão, o cenário da minha ida a campo para meu trabalho autoetnográfico localiza-se no bairro ironicamente denominado Paraíso. Antes desse pré-apocalipse, meu canto favorito era minha sala de estar, com meus discos e filmes. O menos frequentado era um dos quartos feito escritório. Agora era preciso “transformar o exótico no familiar e o familiar no exótico” (DA MATTA, 1978DA MATTA, Roberto. “O ofício do etnólogo, ou como ter anthropological blues”. Boletim do Museu Nacional, n. 27, pp. 1-12, 1978., p. 4): dia e noite trabalhando e estudando no escritório. Meu anthropological blues - “cuja melodia ganha mais força pela repetição” (idem) - prenunciava muita repetição e monotonia. (...). Entretanto, nenhum dia revelou monotonia: novas sensações (a respiração refletida no rosto pela máscara), novas visões (av. Paulista vazia), novas angústias (aulas recém-iniciadas na USP, agora remotas). Foi bom arriscar, against all odds, como cantava Phil Collins (...) no toca-discos certa manhã. Afinal, “se um homem parte numa expedição decidido a provar certas hipóteses e é incapaz de mudar seus pontos de vista constantemente, abandonando-os sem hesitar ante a pressão da evidência, sem dúvida seu trabalho será inútil” (MALINOWSKI, 1984, p. 22) (T.70).

(...) julgo interessante me apresentar como uma mulher de 28 anos, formada em física, seguindo carreira acadêmica, cujo doutorado, recém-iniciado, foi interrompido pela pandemia. Creio que a interrupção dos planos de vida é um acontecimento significativo, mas me parece menor do que ser expectadora de uma tragédia política e sanitária sem precedentes no Brasil. Ademais, ressalto a iniciação nas ciências sociais, sobretudo na antropologia, como o principal acontecimento da quarentena. (...) os textos logo se tornaram os mais interessantes dentre as disciplinas do curso e as aulas me trouxeram reflexões inesperadas. Tenho para mim que entrei na quarentena como uma estudante e sairei dela como uma antropóloga iniciante, pois percebi clara diferença no meu modo de observar a realidade (T.74).

Nós e os outros, nós com os outros, nós nos outros: corpos, identidades, alteridades, dores e lutos

Foi muito gratificante verificar que a disciplina propiciou aberturas, tanto perceptivas quanto analíticas, também relativas aos corpos e que, apesar de não termos trabalhado diretamente questões de gênero e sexualidade, elas atravessaram alguns textos e se mostraram relevantes.

(...) percebi o quanto o corpo da mulher está marcado pelo cenário doméstico. Descrevo meu “campo” da minha visão de uma mulher, branca, jovem, de classe média e infinitas outras caixinhas que definem minha perspectiva e a diferem das outras com que convivo (lésbica, de esquerda, estudante, filha, irmã caçula, namorada) (...) (T.39).

(...) com as leituras do curso de Antropologia I pude perceber como o corpo que escreve este trabalho não é só um corpo moldado pelo isolamento social e que molda um isolamento social, mas é um corpo atravessado pelo isolamento social. É ao vivenciar o isolamento social com meu corpo que posso entendê-lo e perceber coisas que um corpo de fora jamais poderia ver. Wacquant comenta (...) isso quando fala da sua experiência com o boxe: “(...) o pugilismo ‘faz sentido’ quando se toma o cuidado de dele nos aproximarmos o suficiente para apanhá-lo com o corpo, em situação quase experimental” (WACQUANT, 2002, p. 23). (...) apreendemos o mundo através de nossos corpos e fazendo uso deles podemos alcançar lugares da realidade que o intelecto sozinho não alcança (T.51).

(...) [comecei] a praticar ioga nessa quarentena (...) depois de ler o texto “As técnicas do corpo” de Marcel Mauss (2003). Ele me inspirou a prestar mais atenção em atos que praticamos com o corpo e que passam despercebidos. (...) também passei a pesquisar e descobri diferenças no corpo dos praticantes de ioga, como o aumento da flexibilidade, fortalecimento dos músculos, aumento da vitalidade e maior controle sobre o estresse e a ansiedade. (...) agora se tornou mais fácil controlar minha ansiedade pela respiração. (...) quando li esse texto (...) me lembrei de (...) como eu era acostumada a andar a cavalo, por horas (...), [o que deixava] (...) meus amigos [de São Paulo] muito espantados (...), [e] comecei a entender como meu corpo se adaptou a isso, por ter sido algo que eu pratiquei minha vida inteira (T.66).

Além de “outras” pessoas, as(os) estudantes também apontaram como fundamentais em seus tempos e espaços de confinamento a convivência com plantas e especialmente com cães e gatos, fazendo-me pensar nesse rico mundo dos afetos e significações constantemente reinventado entre humanos e não humanos.

(...) todos os dias, nos fins de tarde, vou até a varanda regar as diversas plantas que temos, algo que surgiu como uma espécie de “ritual”. Nesse momento, consigo sentir o calor do sol, os diferentes cheiros que as plantas exalam ao serem regadas, as mudanças pelas quais elas passam ao longo dos dias - visualmente muito mais rápidas do que em nós humanos - entre o desabrochar e o murchar (...). A partir dessa nova familiaridade, consigo me conectar não apenas com a terra, mas com as reflexões impostas pelo momento (T.54).

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(...) adotei uma gata que, por sua presença, não só ajuda meu psicológico, mas também me permite ter uma nova relação e interação com o lar que ocupo. [Ela] se desloca pelo ambiente com muita fluidez, logo ela redefine as relações previamente estabelecidas (T.02).

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Dos 84 trabalhos que recebi, todos, conforme já comentei, continham uma autoetnografia do “espaço de confinamento” em diálogo com ao menos um texto sobre o trabalho de campo etnográfico. A segunda metade do trabalho poderia ir por dois caminhos. Praticamente metade das(os) estudantes (49%) preferiu continuar suas autoetnografias comentando-as à luz de ao menos mais um texto adotado na disciplina, enquanto a outra metade (51%) optou por reproduzir uma matéria jornalística sobre a pandemia e discuti-la em diálogo com ao menos um outro texto da disciplina não trabalhado na autoetnografia. Entre as matérias jornalísticas selecionadas, a maior parte se reportou ao impacto da pandemia em povos indígenas, com especial destaque para o quanto proibições de certos ritos funerários, em função das medidas de segurança sanitária, representaram sofrimento redobrado e agravado, na maioria dos casos, pela falta de diálogo entre autoridades governamentais e as comunidades afetadas.

A partir de reportagens que descreviam rituais baseados em demorados contatos físicos entre a comunidade e a pessoa morta, nos quais o cadáver deveria ser pintado, adornado, abraçado e, entre os sobreviventes, alimentos deveriam ser preparados, compartilhados, parentes distantes recebidos, choros e cânticos coletivamente entoados (JUCÁ, 11/07/2020), estudantes se valeram especialmente do texto “Os usos da diversidade”, de Geertz (2001GEERTZ, Clifford. “Os usos da diversidade”. In: Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, pp. 68-95.), para lembrar que tanto o paroquialismo etnocêntrico quanto a indiferença exacerbadamente relativista diante da diversidade são condenáveis. Pontuaram a importância de serem compreendidas certas imposições hegemônicas, ditadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos Estados nacionais, mas sem desprezar que o “global” e o “nacional” são compostos por muitas especificidades culturais e morais, cabendo diálogos e mediações quando há conflitos e dilemas.

Nessa direção, foram várias as menções a uma situação, ocorrida no final de junho, envolvendo mães Yanomami e o desaparecimento inicial de seus bebês mortos, após elas e eles serem atendidos em hospitais de Boa Vista, Roraima. Quatro crianças faleceram e, sem que as mães fossem consultadas, três foram rapidamente enterradas em um cemitério local, devido à suspeita de terem contraído Covid-19, enquanto o corpo de um quarto bebê, que havia testado negativo para o novo coronavírus, ficou no Instituto Médico Legal (IML) e foi devolvido à comunidade9 9 Por exemplo: Thomas (03/07/2020), Amazônia Real (28/06/2020) e Brum (24/06/2020). . Valendo-se do já mencionado texto de Geertz, mas também de outros (BOAS, 2004BOAS, Franz. “Raça e Progresso”. In: CASTRO, Celso (org). Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 67-86.; ONU, 1948; LÉVI-STRAUSS, 1973LÉVI-STRAUSS, Claude. “Raça e história”. In: Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973, pp. 328-366.; MAUSS, 1979MAUSS, Marcel. “A expressão obrigatória dos sentimentos”. In: CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto (org). Marcel Mauss: Antropologia. São Paulo: Ática, 1979, pp. 147-153.), estudantes criticaram a persistência de preconceitos baseados na equivocada noção biológica de raça e na superada teoria do evolucionismo social que, costumeiramente, indicam povos indígenas como “atrasados” ou “primitivos”. No caso mencionado, ao menos a cremação dos corpos e a entrega das cinzas poderiam ter sido realizadas, em respeito a uma parte fundamental do rito funerário Yanomami.

(...) temos o dever de não repetir os mesmos erros colonialistas (...) a fim de minimizar ao máximo os epistemicídios e silenciamentos dos povos indígenas, o que não aconteceu no caso dos Yanomami. Considerar perspectivas diferentes e dialogar com as mães Yanomami possivelmente formaria um cenário diferente do que foi consolidado. (...) é entre o esvaziar das mentes e o calar das vozes que o “vírus” do etnocentrismo destrutivo continua a contaminar a diversidade humana (T.54).

O tema do luto, com certeza, sensibilizou muito as(os) estudantes. Quando discutimos o texto de Mauss, “As expressões obrigatórias dos sentimentos”, e o fato de que choros e gritos em situações fúnebres compõem uma linguagem que comunica e permite elaborar socialmente as emoções, foi longe o debate sobre a pandemia, a velocidade com que as mortes estavam se propagando e o quão violento era o cerceamento de expressões coletivas de luto. Uma estudante se valeu de um texto da psicanalista Vera Iaconelli (12/05/2020), publicado na Folha de S. Paulo, para, em diálogo com Mauss, pontuar a complexidade psíquica e social envolvida no luto, e não faltaram narrativas de casos em que mães, pais, outros parentes e amigos contraíram Covid-19, seja com sintomas amenos seja com internações e até falecimentos.

As mortes de alguns parentes e conhecidos fizeram com que o medo e a negação tivessem seu lugar garantido na rotina. A morte de quem a gente não espera morrer nos consterna. E quem espera morrer? Ninguém. No momento, o que nos resta aqui em casa é fazer o trabalho de luto, de recontextualizar a dimensão da vida para além do corpo. É preciso apostar em algo (T.10).

Por mais que eu tenha passado por momentos de muito medo com a contaminação da minha mãe pelo vírus, tive a sorte de não termos complicações sérias que a levassem à morte. Por isso, é difícil para mim, e seria até hipocrisia da minha parte, dizer que sei como essas pessoas se sentiram, porque eu não sei. Consigo, em um exercício de empatia, aproximar aquilo de parecido que já vivi e me compadecer daqueles que, impedidos de se manifestarem (...) velaram seus entes queridos no mais profundo silêncio que, por dentro de quem o guardou, foi, com toda certeza, ensurdecedor (T.30).

Reprimir a expressão do luto nos deixa com uma terrível sensação de ciclo incompleto, um vazio não preenchido. (...) é evidente que o texto de Mauss, acerca da necessidade de expressão de sentimentos, coloca essa condição como obrigatória em uma despedida (...). Isso mostra claramente que as cicatrizes que essa pandemia vem deixando e ainda vai deixar, por longas gerações, não são apenas numéricas ou econômicas. A dor do sofrimento não é mensurável, é apenas sentida, e cada lacuna deixada é uma ferida aberta (T.58)

Minha mãe tem mais de 60 anos e, assim como eu, sofre de asma. Essa condição nos coloca no chamado “grupo de risco”. Diante dessa realidade, penso que não saberia mensurar a dor e a falta que ela faria em minha vida se algo ruim acontecesse. Portanto, eu gostaria de dedicar esta pesquisa, construída através da perspectiva de um jovem homem negro, morador de Diadema e que é filho, irmão e sobrinho de alguém, a todas as pessoas que amamos, cuidamos e também a todas as famílias que perderam os amores das suas vidas em 2020 (T.62).

Quando recebemos a notícia de que F. estava infectado e entrando na UTI, choramos sem público (...). Mais do que isso, as lágrimas tinham outro peso, um peso mórbido de contagem regressiva (...). Lembro, com pesar, de uma frase forte que [minha parceira] disse: “se ele morrer, eu não vou poder me despedir”. A ausência do funeral não a deixaria fechar um ciclo. (...) Quando [outro amigo] foi internado, a notícia também se espalhou rápido pelo “mundo do carnaval”. Antigo mestre de uma escola de samba do grupo especial, era um importante personagem na comunidade. A morte dele foi muito mais rápida, não houve tanto tempo para preparar as pessoas para a perda. (...) Vi [minha parceira] chorar sem saber direito como fazer isso. Não tinha para quem pedir informações de cemitério ou horário do enterro; não haveria as batidas de surdo nem o pavilhão da escola (T.81).

Boa parte de quem não escolheu textos jornalísticos relativos ao luto selecionou reportagens referentes a questões étnico-raciais que ganharam destaque em meio à pandemia. Em diálogo especialmente com Boas (2004BOAS, Franz. “Raça e Progresso”. In: CASTRO, Celso (org). Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 67-86.), Lévi-Strauss (1973) e a Declaração Universal do Direitos Humanos (ONU, 1948), estudantes enfatizaram o quanto, em um país em que a diversidade étnica se associa à desigualdade social e ao racismo estrutural, não ser branca(o) e ter baixo poder aquisitivo implica vivenciar de modo mais agudo situações como uma pandemia. Além de dados e análises sobre pessoas negras e pardas morrerem mais de Covid-19 do que as brancas, não por razões biológicas, mas socioeconômicas (SOARES, 03/07/2020), foi lembrado que jovens negros e pardos, ainda mais usando máscaras, se enquadram no perfil dos que mais são presos ou morrem em confronto com a polícia (ABC, 04/06/2020). A morte de George Floyd, nos EUA, emergiu em algumas narrativas:

Silvana Nascimento afirma, n’“O corpo da antropóloga [e os desafios da experiência próxima]”, que a presença corporal e material das pesquisadoras em campo gera lugares de fala específicos que afetam os modos de ver, fazer, pensar e escrever antropologia. Não posso, como homem negro, de família negra, deixar de citar a morte de George Floyd, os protestos decorrentes e as discussões no meu ambiente. A revolta e a indignação alcançaram até mesmo minha mãe, pouco engajada em causas sociais e questões do gênero (T.04).

Em “Raça e progresso”, o antropólogo Franz Boas revela que as antipatias são fenômenos sociais e não há fatores genéticos que comprovem que determinados grupos são mais inteligentes ou capazes do que outros. Pessoas negras são constantemente subjugadas, ainda mais se estiverem portando elementos como toucas ou máscaras que as fazem ser associadas à criminalidade quando adentram algum estabelecimento. (...) Até quando iremos permitir que essas distorções ocorram? Deus, por que a vida é tão amarga/ Na terra que é casa da cana-de-açúcar?/ E essa sobrecarga frustra o gueto/ Embarga e assusta ser suspeito/ Recarga que pus, é que igual Jesus/ No caminho da luz, todo mundo é preto. “Principia”, de Emicida (T.62).

A África sofre com diversas epidemias, virais e sociais, e o mundo continua ignorando-as. A mídia não divulga o aumento de casos da Covid-19 no continente, nem fala sobre suas mazelas e dificuldades. (...). Em contrapartida, o mundo se emocionou e se chocou com as mortes pelo Coronavírus na Europa. (...) Creio que isto ainda é consequência do (neo)colonialismo, do etnocentrismo (...). A meu ver, o etnocentrismo europeu gerou o que Lévi-Strauss chamou de falso evolucionismo (...) (LÉVI-STRAUSS, 1973LÉVI-STRAUSS, Claude. “Raça e história”. In: Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973, pp. 328-366.). Até hoje não conhecemos completamente as diversas culturas africanas e as julgamos inferiores. Elas foram apagadas, ignoradas ou até roubadas para os museus estrangeiros. Devemos, conforme Lévi-Strauss, conceber o progresso com mais prudência, não cair na ideia de que o privilégio da humanidade é reservado a uma raça, a uma cultura ou sociedade e observar que a adesão a aspectos da vida ocidental não foi espontânea (T.64).

Sou uma mulher negra em meio a uma família majoritariamente preta (a única exceção sendo minha mãe), e estava constantemente aflita por saber que, mesmo em meio a uma pandemia, nossos corpos continuariam sendo mortos, seja pelo vírus, visto que a grande maioria das vítimas são pessoas negras, ou pela violência estatal e negligência institucionalizada a que nossos corpos são diariamente expostos. Tudo isso me causava uma enorme angústia todas as vezes que meu pai precisava sair de casa com uma máscara que cobria mais da metade de seu rosto e que poderia torná-lo “suspeito” aos olhos da polícia e da população racista que vive em nosso país (T.68) (SANDES, 19/05/2020).

Estudantes brancas(os) e de ascendência oriental também refletiram, a partir de suas autoetnografias e da leitura dos textos, a respeito de seus corpos e de como marcadores sociais neles operam e repercutem em suas vidas.

A troca de olhares entre meus familiares e a proeminência da opinião masculina sobre a feminina são expressões simbólicas relacionadas a uma tradição cultural japonesa da qual sou descendente. Tais práticas ocorriam e ocorrem também na casa de meus avós e avôs, tios e tias. Elas têm, portanto, um caráter coletivo que obriga e molda a forma como minha família expressa seus sentimentos e cria uma linguagem própria, ou seja, não são manifestações espontâneas e estritamente individuais. Por fim, elas operam de modo a realizar a manutenção de relações desiguais de gênero que criam papéis sociais específicos, por exemplo, as mães como mediadoras entre os pais e suas filhas (T.13).

(...) sou homem, branco, de classe alta e ingressante no curso de Ciências Sociais na USP - (...) manifestei minha opinião no jantar: “devemos dispensar os funcionários aqui de casa até a crise sanitária melhorar”. (...) Há três semanas a Mulher começou a se sentir mal. (...) O consequente aumento na glicemia fez com que, no dia seguinte, fosse internada, descobrindo que o incômodo da noite anterior fora causado pela obstrução de 60% de seu pulmão, fruto da Covid-19. Ao fim, carrego uma enorme culpa frente a esses acontecimentos. Responsabilizo minha família, senão por ter transmitido a doença a ela, por tê-la feito sofrer (...). Acredito que a polaridade religiosa descrita por Hertz (1980HERTZ, Robert. “A preeminência da mão direita: Um estudo sobre as polaridades religiosas”. Revista Religião e Sociedade, vol. 6, pp. 99-128, 1980.) pode ser uma chave interpretativa (...). Esse autor argumenta que o princípio do sagrado e do profano compõe uma dicotomia básica na significação das relações e das ações sociais (...). A atual pandemia escancarou, em meu núcleo familiar, a divisão entre esses pares antagônicos. Nesse período, a Covid-19 representa tudo aquilo que é profano e impuro, visto que é a principal influência mortífera e danosa à vida dos indivíduos. Em contraponto, o ambiente doméstico tornou-se um local sagrado por evitar o contágio da doença, garantindo a saúde e a vida dos indivíduos. Frente a isso, o corpo negro e periférico da Mulher foi visto pelos meus familiares como aquele que foi capaz de desvirtuar, degradar e diminuir a essência sagrada da minha casa, mostrando que a Mulher era, na perspectiva deles, profana (T.44).

(...) fiquei isolado em meu apartamento, junto de minha esposa e nossos animais (uma beagle e uma gata). Nós tivemos os sintomas da Covid, um pouco antes de decretarem a quarentena. (...) mas não fizemos o teste por nossos sintomas serem leves. (...). Por sorte, e por nossos privilégios, (...) não tivemos muitos problemas para passar por isso, graças também ao apoio que recebemos do condomínio e do trabalho dos entregadores por aplicativo, mais do que essenciais nessa pandemia, mas que vivem em uma situação de precarização acentuada. (...) Essa experiência de quase autoconhecimento, de um reencontro com minha esposa, de novos desafios no trabalho e de um processo de amadurecimento acadêmico só foi possível pelos privilégios sociais contidos em meu corpo. O que para mim representa coisas positivas, para outros, com corpos e vivências diferentes, (...) [pode ter] sido uma situação caótica, desesperadora e negativa (T.59).

“O sentimento de ser estrangeiro não começa à beira d’água, mas à flor da pele”. Não poderia ser outra a notícia escolhida ao se ler essa frase de Geertz (2001GEERTZ, Clifford. “Os usos da diversidade”. In: Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, pp. 68-95., p. 21). Uma jovem universitária, descendente de japoneses, estava no metrô carioca quando uma senhora proferiu “Chinesa, porca” contra ela (RODRIGUES, 04/02/2020). Com a pandemia, diversos casos de racismo contra leste-asiáticos insurgiram de forma escancarada, tendo em vista que o primeiro epicentro da Covid-19 foi Wuhan. A sinofobia se transforma em racismo contra “amarelos”, indiferentemente. Nesse sentido, Boas afirma que o indivíduo é “julgado como membro de sua classe” se pertencente a um “agrupamento humano bem marcado” (2004, p. 86). E na sociedade brasileira atual, o “bem marcado” é o não branco (T.67).

Achei especialmente acuradas algumas análises do caso do menino Miguel, filho de uma empregada doméstica, na cidade de Recife, morto em 2 de junho de 2020, após cair do nono andar de um prédio de luxo enquanto sua mãe passeava com o cachorro da patroa, mulher que se comprometera a zelar pelo menino, mas o deixou tomar sozinho o elevador. Destaco um trecho de um trabalho em que, com base no “Ensaio sobre a dádiva”, de Mauss (2003), e no texto de Queiroz (2004QUEIROZ, Renato. “As epidemias como fenômenos sociais totais: O surto de gripe espanhola em São Paulo (1918)”. Revista USP. São Paulo, n. 63, pp. 64-73, 2004.), a pandemia foi percebida como um “fenômeno social total”, pois alterou múltiplas dimensões do cotidiano e evidenciou desequilíbrios em sistemas de trocas:

(...) a pandemia não impactou somente o sistema de saúde pública, mas também parece ter prejudicado cenários como o da família de Miguel, em que as escolas fechadas representam uma dificuldade para pais que trabalham e não podem deixar seus filhos menores sozinhos. (...) Mirtes [a mãe de Miguel] associa sua dedicação aos filhos de Sari [a patroa] a um tipo de doação de seu ser como figura maternal, o que a faz ver a situação como uma recusa de Sari a retribuir tal dádiva quando Miguel esteve aos seus cuidados. O sentimento de Mirtes é claramente expresso em sua declaração: “Sari, eu amo teus filhos como se fossem meus. No único minuto que eu confiei meu filho a você, você deixou meu filho naquela situação” (G1, 05/06/2020) (T.17).

A antropologia e suas potências

A riqueza de análises como estas se repetiu em muito trabalhos, tanto que seria possível dedicar várias outras páginas a reproduzi-los e comentá-los. Concluo, todavia, retomando e reiterando o que já pontuei: sensibilizaram-me, profundamente, declarações sobre o quanto a disciplina e o trabalho final propiciaram ressignificações do confinamento e melhores recursos para enfrentá-lo. Eis um trecho de uma mensagem, representativa de outras, enviada por uma estudante, logo após eu ter devolvido o seu trabalho comentado:

Foi muito gratificante cursar esta disciplina, mesmo com todos os problemas decorrentes da pandemia. Agradeço a oportunidade de ter conhecido um pouco o universo fantástico da antropologia por meio de aulas tão inspiradoras. Elas foram um verdadeiro alento em meio ao caos dos últimos meses. Obrigada! (T.22).

Respondi a esta e às várias mensagens semelhantes, sempre registrando que, da minha parte, a recíproca era verdadeira, pois o trabalho acadêmico e a antropologia também sempre foram, para mim, senão portos seguros, ao menos embarcações acolhedoras em meio a tempestades. E retornos agradecidos de estudantes, ao final de semestres letivos, fazem valer todos os percalços envolvidos no trabalho docente, especialmente nestes tempos tão difíceis, em que se somam à pandemia os ataques governamentais à universidade pública, a investimentos na ciência, em geral, e nas ciências sociais, em particular.

Lecionar antropologia para estudantes que estão ingressando no universo das humanidades é algo que me encanta, e não porque eu ache que a antropologia deva se prestar a uma espécie de “antropoterapia”, tal como sugerem algumas livrarias que colocam títulos de antropologia em seções de autoajuda. A antropologia tem, inegavelmente, a potência de fazer com que, ao conhecermos outros modos de ser e de estar no mundo, questionemos e compreendamos mais ampla e profundamente o nosso modo de nele ser e estar. Trata-se de um exercício que nos permite aderir, de forma mais consciente e crítica, a certos valores e práticas que já adotamos ou nos fornece elementos para repensá-los, alterá-los, reinventá-los e, assim, nos reinventarmos. O desafio, portanto, reside em uma revisão intelectual que acaba sendo uma revisão existencial, consequentemente exigente, muitas vezes sofrida, mas sem a qual a vida não teria tanta graça e intensidade.

Como a antropologia lida com significações, indo muito além da exterioridade dos atos humanos, arrisco afirmar que, efetivamente, nesse experimento autoetnográfico realizado com neófitas(os), ela se mostrou potente não apenas como uma disciplina do campo das humanidades, mas como um exercício intelectual-sensorial-emocional, seja para mergulhos interiores seja para viagens intensas, por entornos próximos ou distantes, das quais se retorna com horizontes alargados.

Espero, nestas páginas, não apenas ter compartilhado uma pontual e particular experiência docente, mas a multiplicidade de experiências discentes nela envolvidas, contribuindo, assim, para animar colegas e estudantes a considerarem desafios que, de repente, se interpõem em nossos caminhos, como oportunidades para a expansão da criatividade, da solidariedade e do próprio fazer antropológico.

Referências

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  • SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Fios da vida: crianças abrigadas, hoje adultas, diante de seus prontuários”. Vivência: Revista de Antropologia, vol. 1, pp. 93-112, 2015.
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Fontes da imprensa

  • 1
    Registro o meu agradecimento ao doutorando Julián David Cuaspa Ropaín, monitor da disciplina nessas duas turmas que em muito contribuiu para o bom andamento do curso.
  • 2
    Esse livro, organizado por Miriam Pillar Grossi e Rodrigo Toniol (2020GROSSI, Miriam Pillar; TONIOL, Rodrigo (orgs). Cientistas Sociais e o Coronavírus. São Paulo: Anpocs; Florianópolis: Tribo da Ilha, 2020.), reúne 148 artigos de cientistas sociais, agrupados em 29 tópicos, sendo o último deles, com sete artigos, intitulado “Educação e ensino à distância”
  • 3
    Na aula em que apresentei minha pesquisa de doutorado (SCHRITZMEYER, 2002SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. “Uma leitura antropológica do Tribunal do Júri”. In: Controlando o poder de matar: Uma leitura antropológica do Tribunal do Júri - ritual lúdico e teatralizado. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, pp. 152-191.) e mencionei o uso que faço de desenhos em meus cadernos de campo, estimulei as(os) estudantes a se informar a respeito dessa possibilidade, especialmente lendo textos da antropóloga Karina Kuschnir (2019KUSCHNIR, Karina. “Desenho etnográfico: Onze benefícios de usar um diário gráfico no trabalho de campo”. Pensata: Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unifesp, vol. 7, n.1, pp. 328-369, 2019., 2016, 2014, 2012a, 2012b; GAMA e KUSCHNIR, 2014KUSCHNIR, Karina. “Ensinando antropólogos a desenhar: Uma experiência didática e de pesquisa”. Cadernos de Arte e Antropologia, vol. 3, n. 2, pp. 23-46, 2014.).
  • 4
    Refiro-me à “Oficina de autoetnografia”, ocorrida na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), e ao simpósio “A autoetnografia e a produção de conhecimento corporificado: potencialidades e limitações”, ocorrido no VI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Antropología (ALA), ambos realizados em 2020. Ver (on-line), respectivamente: https://www.32rba.abant.org.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=1704; https://ala2020.com.uy/?page_id=246
  • 5
    Entre outras seções de revistas, vale citar “Reflexões na Pandemia”, seção excepcional de Dilemas, e o número 59 da revista Horizontes Antropológicos, intitulado “Antropologias de uma Pandemia”, iniciativa conjunta dos editores e da Rede Covid-19 Humanidades do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que mobilizou mais de 90 pesquisadoras e pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas, sociais e da saúde do Brasil e do exterior. Ver (on-line), respectivamente: https://www.reflexpandemia.org/; https://www.scielo.br/j/ha/i/2021.v27n59/
  • 6
    Revistas como a Teaching Anthropology, do Royal Anthropological Institute, reuniram vários textos voltados à compreensão dos desafios envolvidos no ensino da antropologia e na prática da etnografia em tempos de Covid-19 . Associações como a Society of Cultural Anthropology (Culanth) criaram blogs sobre o tema. Ver (on-line), respectivamente: https://www.teachinganthropology.org/2021/04/29/teaching-anthropology-during-a-global-pandemic/; https://culanth.org/fieldsights/editors-forum/covid-19
  • 7
    Citarei trechos de 47 dos 84 trabalhos indicados pela numeração que lhes atribuí. Em alguns casos, fiz pequenos ajustes gramaticais, além de ter omitido quaisquer referências que pudessem identificar as(os) autoras(es) a fim de preservar suas identidades e privacidades. Inicialmente, selecionei muitos mais trechos do que os que mantive, mas em função das dimensões deste artigo e após várias revisões, deixei apenas os trechos que considerei mais representativos.
  • 8
    37% por cento das vagas do vestibular da Fuvest-2018 foram destinadas a egressas(os) de escolas públicas, com a meta de, em 2021, chegar a 50%. As vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas (PPIs), conforme nomenclatura adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se propôs a ser proporcional à presença desses segmentos no estado de São Paulo: das 37% das vagas destinadas a egressas(os) de escolas públicas, 13,7% foram reservadas a PPIs (ALVAREZ, 06/02/2018).
  • 9
    Por exemplo: Thomas (03/07/2020), Amazônia Real (28/06/2020) e Brum (24/06/2020).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    09 Abr 2021
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