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Os acontecimentos de Ruth Guimarães (1920-2014): alcances e limites para uma intelectual negra em São Paulo * * Quero agradecer Janaína Damaceno e Mariana Chaguri pelo apoio a esta pesquisa.

Ruth Guimarães and a life of reinventions: achievements and limits of a black intellectual woman in São Paulo (1920-2014)

Resumo

Este artigo trata da trajetória intelectual da escritora paulista Ruth Guimarães Botelho (1920-2014), funcionária pública, romancista, tradutora, professora e pesquisadora de folclore. Entre 1946, quando lançou seu primeiro livro, e 2008, quando foi empossada como acadêmica, passaram-se 62 anos até obter reconhecimento institucional, do qual desfrutou por seis anos na Academia Paulista de Letras. Além do lançamento aclamado de sua obra mais conhecida, Água Funda , pela editora Globo, também atuou em editoras de prestígio como tradutora do francês de escritores russo e franceses e, ainda, publicou seus trabalhos de pesquisa sobre o folclore brasileiro. As condições sociais de existência da escritora negra e para a produção e recepção de sua obra são, portanto, questões importantes interpeladas por cruzamentos de fontes variadas e pelas entrevistas inéditas realizadas com a autora.

Intelectuais negras; Pensamento social brasileiro; Ruth Guimarães

Abstract

This article analyzes some aspects of Ruth Guimarães Botelho’s trajectory (1920-2014) as a black writer and folklore researcher, as well as a few moments of her public life. She became famous with her first published novel in 1946 and, in 2008, she became member of the Academy of Letters of São Paulo. Ruth Guimarães also worked for very important publishing houses as professional translator of French language, specialized in Russian and French authors. I try to understand the social conditions that made Ruth Guimarães and her works possible to exist in some cultural and political contexts. For this purpose, I use interviews and newspapers research combined with specialized bibliography.

Black Women Intellectuals; Brazilian Social Thinking; Ruth Guimarães

[...]

Vida profunda

Das inconscientes duras pacientes

Inolvidáveis obstinadas

Fundas raízes

Ando perdida pelos espaços

Mas volto à terra

Tenho raízes.

[…]

( Guimarães, 1947GUIMARÃES, Ruth. “Integração”. O Jornal, Rio de Janeiro, 25 de maio de 1947, s/p. )

“Eu não sou muito falante” (Entrevista, 2009)

Quatro foram as ocasiões que encontrei Ruth Guimarães Botelho (1920-2014) e em duas delas, junto à colega Janaína Damaceno, gravei entrevistas com a escritora, que à ocasião oscilava entre os 88 e 89 anos. Damaceno e eu tínhamos interesses em comum. Ela escrevia uma tese sobre Virgínia Leone Bicudo ( Gomes, 2013GOMES, Janaína D. Os segredos de Virgínia: estudos de atitudes raciais em São Paulo (1945-1955) . Tese [Doutorado]. São Paulo, FFLCH/USP, 2013. ) e estava preocupada em circunscrever o espaço dos estudantes negros na Faculdade de Filosofia da USP, bem como a disputa dos estudos de folclore e sociologia nos anos 1940 no âmbito das ciências sociais. No meu caso, eu preparava uma pesquisa sobre literatura negra e literatura marginal no Brasil ( Silva, 2011SILVA, Mário A. M. da. A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000) . Tese [Doutorado em Sociologia], Unicamp, Campinas, 2011. ). Guimarães me interessava por sua literatura e trajetória como escritora negra, desde o final dos anos 1940. Isso nos levou a visitá-la na Academia Paulista de Letras (APL), em novembro de 2008, logo após a sua posse na instituição, em setembro do mesmo ano e, posteriormente, em sua casa em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, em maio de 2009, ambas ocasiões em que gravamos mais de 3h de conversa em fitas cassetes com ela.

Quando pude ver Guimarães sozinho, em 2007, por conta de um evento no Museu Afro Brasil em São Paulo, o aspecto do embate e da firmeza de sua posição sobre a ideia de literatura se manifestou, convidada pelo escritor Oswaldo de Camargo, curador da série Encontro de Gerações (Museu Afro, 2007), que proporcionou, entre outros, sua reunião no espaço do teatro com Paulo Lins e uma audiência de escritores e público negros. Embora ambos declaradamente negros, nenhum dos dois se ligava à ética criativa da literatura negra. Ainda pude assistir à posse de Guimarães na APL e a recepção que recebeu de Antonio Candido, crítico literário e sociólogo, que a chamou por “colega caipira”, indicando um encontro de velhos conhecidos, seja no mundo da crítica ou dos temas de pesquisa do autor (Candido, 1975).

Não me proponho aqui à análise interna de sua extensa obra, tampouco, em profundidade, de seu romance mais famoso. Discuto aspectos da trajetória e experiência intelectual de Ruth Guimarães Botelho e as condições sociais para ela ser possível, considerando suas origens sociais como mulher negra nas primeiras décadas do século XX. Água Funda , publicado em 1946, tem sido redescoberto nos últimos anos, especialmente desde que a autora empossada como membro da Academia Paulista de Letras, sendo a primeira escritora negra a ter sido eleita por essa instituição, desde que foi criada em 1909. Novas edições da obra, eventos comemorativos em sua homenagem e a criação do Instituto Ruth Guimarães[1], liderado por seus descendentes, compõem este panorama para o acesso a novas leituras e circulação de seus trabalhos. A bibliografia a seu respeito ainda é exígua. No Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, contam-se apenas dois estudos detidos a respeito de si ou de aspectos de suas obras ( Miranda, 2019MIRANDA, Fernanda. Corpo de romances de autoras negras brasileiras (1859-2006):posse da história e colonialidade nacional confrontada . Tese [Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa], USP, São Paulo, 2019. ; Oliveira, 2011OLIVEIRA, Ana Paula M.C. de. Um mergulho em Água Funda e suas distintas vertentes . Dissertação [Mestrado em Processos e Manifestações Culturais], Universidade Feevale, Novo Hamburgo, 2011. ) e espera-se que este texto seja uma contribuição à fortuna crítica da autora.

“Então a família começou outra vez, começou de baixo” (Entrevista, 2009)

Nascida em 13 de junho de 1920, em Cachoeira Paulista, filha de Cristino Guimarães e Maria Botelho Guimarães, Ruth teve um pai negro guarda-livros (contador), de família de origem carioca, mas que foi adotado por outra família e levado para a cidade paulista. Sua mãe era cachoeirense e formada na cidade, de origem portuguesa. Ambos morreram jovens, como ela recordou:

Eu nasci em Cachoeira, mas não vivi em Cachoeira. Primeiro eu fui para uma fazenda em Minas, que meu pai era acionista de uma fazenda de cana-de-açúcar. Fui para a fazenda em 1921, 1922, por aí. E fiquei na fazenda até sete anos. E depois vim para Cachoeira. Eu perdi pai e mãe, e meu avô e minha avó é que me criaram. Eu fiquei em Cachoeira até lá pelos doze anos. A minha mãe morreu cancerosa com 37 anos. Meu pai morreu tuberculoso, com 39 anos (Entrevista, 2009).

Ela havia aprendido a ler com 4 anos, na biblioteca do pai (que lhe parecia considerável, com muitos livros de Eça de Queiroz e Machado de Assis), que também era assinante de jornais. Entre os 9 e 11 anos, voltou a residir em Cachoeira, estudando no Grupo Escolar da cidade. A partir dos 12, torna-se órfã. Mortos os pais, passa a ser criada pelo avô materno. Frequentou, a partir de 1934, a Escola Normal de Lorena, até a morte do avô. Aos 17 anos, por volta de 1937, Ruth viaja para São Paulo, com seus quatro irmãos menores[ 2 2 “Tinha um juiz, Dr. Trazíbolo Pinheiro, eu fui procurar o Juiz de Menores, porque eu não podia fazer nada, nem eu, porque eu não tinha idade, então não podia nem trabalhar porque alguém tinha que assinar por mim. Eu fui ao Dr. Trazíbolo, contei todo o caso para ele, ele queria internar dois dos meus irmãos no orfanato, eu falei: ‘Não senhor, enquanto eu aguentar, eles ficam comigo. Se eu não aguentar, eu grito!’ Ele assinou a licença para eles trabalharem” (Entrevista, 2008). ]. Já conhecia a cidade, por temporadas passadas e moradas ali. Residiu inicialmente no Brás. Era uma jovem curiosa, com habilidades de leitura e escrita, bem como de datilografia, que a levaram a trabalhar em serviços variados: loja de alimentos nordestinos, drogarias e repartições. O período vivido na fazenda e no interior, que em entrevista de 1947 a O Jornal ela contou ter sido até os 9 anos, teria sido decisivo para formar o cenário de seu livro mais famoso, Água Funda ( Notícia , 1946).

Eu tinha vinte anos quando escrevi Água funda . E quando o livro saiu eu estava com 25. Eu era funcionária pública, era chefe de uma seção, ficava o dia inteiro sentada diante de uma máquina de escrever. Eu estava lá, tinha hora que estava trabalhando, tinha hora que não estava, punha papel na máquina e fui escrevendo Água funda . Como eu vinha da Penha, descia na praça da Sé e atravessava a rua Direita. Tinha uma drogaria ali chamada Drogaria Baruel. Eu olhava aquelas pessoas que entravam, na minha hora de ir trabalhar, de sair do trabalho, discutiam muito lá dentro. E eu fiquei curiosa, do que será que aquela gente ia fazer lá. Uma noite eu saí às seis horas, o pessoal começou a entrar lá e eu também, de curiosa. Tinha um velho, lá, o nome dele era Amadeu de Queiroz, um escritor. Eu sabia que ele era escritor que eu tinha lido o livro dele. E o pessoal lá eram escritores também. Gilberto Amado, Aurélio Buarque de Hollanda, Domingos Carvalho da Silva, Paulo César da Silva, Edgar Cavalheiro, era aquela turma toda lá, discutindo, só conversando a respeito de literatura, de coisas de escrever. Eu falei que tinha um livro escrito. O velho Amadeu leu e falou: “Não precisa revisão.” O Edgar Cavalheiro trabalhava na editora Globo, do Henrique Bertaso, aquela do Rio Grande do Sul. Ele levou o livro para lá, mandou, foi lido, um conjunto de leitores leu também e aprovou. Começaram a rodar. O livro saiu em dois anos (Entrevista, 2008).

O mundo do trabalho no Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado, a experiência de viver e atravessar a cidade e a ousadia curiosa de Ruth cumprem um papel fundamental para que fosse notada e publicada. Com o trabalho de funcionária pública, ela criou e formou os irmãos. Antes de se casar, já tinha um romance pronto. Este traço de realização de atividades intensas sempre foi apontado nas matérias sobre a escritora, e ela dizia com orgulho: “Eu sou da escola de São Paulo, o santo, que dizia assim: ‘Aquele que não trabalha, que não coma!’”(Entrevista, 2008). Trava conhecimento com Edgar Cavalheiro, que à ocasião trabalhava na Editora Livraria do Globo, em seu escritório paulista, uma das editoras mais importantes do país, que tinha à frente também Érico Veríssimo ( Chaguri, 2012CHAGURI, Mariana M. Livrarias e editoras: notas sobre um mercado de livros entre 1920 e 1950. As escritas do lugar: regiões e regionalismo em José Lins do Rego e Érico Veríssimo. Tese [Doutorado em Sociologia]. Unicamp, Campinas, 2012. ). Entre 1945 e meados de 1946 ocorre o processo de edição de sua obra. E em meio a isso, ela projeta também seus estudos na Universidade de São Paulo e os interesses por pesquisa do folclore.

“Eu me divertia... e ninguém me perguntou se eu era preta, se eu era branca, nem pedia retrato”: Os acontecimentos de uma intelectual negra (Entrevista, 2009)

Ruth Guimarães foi estudante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia, entre 1947 e 1950, já casada e com um livro publicado. Ela entrou sem vestibular, era normalista, com condições de frequentar o curso de Letras e já tinha publicado seu livro. Jornal da época, quando já era famosa, afirma que ela foi admitida como um dos casos especiais de escritores, sem necessidade de exame[ 3 3 A administração da faculdade respondeu à consulta do jornal: “Tivemos três casos de autores de livros que requereram a sua inscrição na Faculdade de Filosofia. Os casos que aparecem são submetidos ao Conselho Técnico e Administrativo que resolve a respeito. Um desses casos foi o da romancista Ruth Guimarães. Essas três pessoas ingressaram na Faculdade em vista da decisão favorável do Conselho. Quanto a professores não diplomados mas registrados não tivemos nenhum caso.” “O ingresso de contadores na Faculdade de Filosofia constitui um privilégio” ( Jornal , 1949:05). ]. Suas memórias desse momento são muito importantes, por se constituir como uma das poucas estudantes negras na Faculdade daquele momento:

Fiz um pedido de prestar o vestibular sem ter o curso médio. Passei em sexto lugar. Eu me dava muito bem com os outros alunos. Brigava com o professor Silveira Bueno. Eu fiz o curso inteiro na Maria Antonia e até o pós foi na Maria Antonia mesmo. Depois eu continuei a estudar com outras áreas na Pinacoteca do Estado. Fiz a Escola de Arte Dramática, estava fazendo dramaturgia crítica e direção. Na USP, eu me lembro do Antonio Soares Amora, de português, literatura. O Décio de Almeida Prado na EAD. Urbano Canuto Soares, português, professor de latim. Na Sociologia, Roger Bastide. Com o Antonio Candido, eu [me] convidei para fazer o mestrado, mas no fim não fiz. Quando nós nos formamos da USP, o pessoal das Letras, da Sociologia, foi no Teatro Municipal, um dos nossos amigos, dos nossos colegas, fez o discurso. A polícia do Adhemar de Barros estava sentada lá na plateia, esperando o rapaz acabar o discurso para levar preso. E levou! E nós que estávamos no palco para receber o diploma e tudo, quando ele foi no carro da polícia foi todo mundo atrás. Nós acabamos a formatura na delegacia de polícia! (Entrevista, 2008)

A escritora recordou da experiência da cidade, a vivência na zona leste de São Paulo: “Morava na Penha. Morei sete anos na Penha. E praticava basquete no Corinthians. E treinava remo na catraia. E dançava no Corinthians.”(Entrevista, 2008). Em 1947, enquanto estava na USP, Guimarães passou a ser conhecida por seu romance de estreia, Água Funda . A circulação e recepção dessa obra são muito chamativas, fazendo a autora circular por espaços sociais distintivos.

Não será raro ver o nome de Ruth Guimarães nas seções especializadas dos jornais, festejado como umas das maiores estreias do ano de 1946, junto de João Guimarães Rosa e Sagarana[ 4 4 Esta aproximação a levaria a ser convidada a entrevistar o escritor e produzir matéria a respeito dele com Maria de Lourdes Teixeira, Sérgio Milliet, Edgar Cavalheiro, Guilherme de Almeira, Lygia F. Telles e Fernando Góes. ( Guimarães, 1956 ). ] . Ou de expoente de literatura feminina brasileira, ladeada por Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e outras autoras. Ao mesmo tempo que isto se desenrola, Ruth desenvolve intensa atividade jornalística e de pesquisadora do folclore paulista.

Figura 1
Revista da semana, 1947.

Água Funda e sua autora foram saudados de maneira quase unânime, pelos jornais, como as grandes surpresas do ano de 1946. Sobre o livro, escreveram críticos literários e intelectuais do porte de Lúcia Miguel Pereira, Álvaro Lins, Nelson Werneck Sodré, Antonio Candido, José Geraldo Vieira e Rachel de Queiroz. As comparações mais frequentes feitas de seu livro foram com Macunaíma , Sagarana ou, ainda, com os romances de Pirandello. É distintivo analisar esta recepção à quente. Em matéria da revista Careta, ela era chamada de “a grande surpresa do ano” ( Peregrino, 1946PEREGRINO. “Um sorriso para todos”. Careta , Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1946, p. 14: 14). Algo que seria aventado por Lúcia Miguel Pereira, meses antes, em seu depoimento para o Correio da Manhã , acerca do movimento literário contemporâneo:

[…] E duas estreias recentes, as de Ruth Guimarães e Guimarães Rosa, ambas regionalistas, mostram como a narrativa se vai cada vez tornando mais artística. “Água Funda” de Ruth Guimarães representa, segundo me parece, um ponto de equilíbrio entre a naturalidade, tão necessária à ficção, e a utilização de recursos estéticos – aqui menos de linguagem do que de estrutura ( Pereira, 1946PEREIRA, Lúcia Miguel. “Depoimento”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 01 de setembro de 1946, 2a seção. ).

Ainda no terreno das apreciações críticas positivas, figuram notas de Nelson Werneck Sodré, Érico Veríssimo e Antonio Candido. No primeiro caso, trata-se de um longo texto produzido pelo crítico para o jornal Correio Paulistano , onde ele procura situar o movimento literário em marcha, após 1945, como produto de um tempo de transformações sociais, tal qual aconteceu com os anos de 1930. Também teceu considerações sobre as circunstâncias específicas de estreias importantes, como as de Euclides da Cunha e José Américo de Almeida, escrevendo de modo comparativo à de Guimarães:

[…] a iminência de um novo surto literário, semelhante àquele que ocorreu após a revolução de 1930, embora mais amplo e mais profundo. Há já sinais evidentes dessa maturação expressiva. O aparecimento de um livro como “Água Funda” comprova isso tudo. […] Desde há algum tempo os que se interessam por publicações novas entre nós, passaram a saber que existia uma romancista em São Paulo bafejada da simpatia de alguns escritores. […] Certo é que a opinião de um Edgar Cavalheiro e de um Amadeu de Queiroz merece fé. […] Nada no romance, nada mesmo, revela uma autora de vinte e seis anos. Ele é uma obra importante na nossa vida literária, traz alguma coisa que, certamente, não é nova, mas que neste romance tem vitalidade singular ( Sodré, 1946SODRÉ, Nelson W. “Água Funda”. Correio Paulistano , São Paulo, 19 de maio de 1946, pp. 6-7.: 6).

Veríssimo, na peça publicitária da Editora Globo, casa editorial de ambos, afirmava que “Há muito que não leio prosa brasileira tão rica de contactos com a terra e a vida, tão fresca, tão natural e tão gostosa”( Diário Carioca , 1946:6). Há sempre uma marca de elogio ao atavismo no romance de Guimarães, situado na região da Mantiqueira, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e suas gentes, lembrando seus interesses pelo folclore. O frescor da terra é sempre anunciado, com a força narrativa voltada justamente para o mundo interiorano, num momento em que a vida urbana nos grandes centros seria plasmada literariamente. Antonio Candido reflete criticamente algo nessa direção:

A melhor qualidade do romance de estreia da sra. Ruth Guimarães, “Água Funda”, é o tom pessoal. […] Se a memória não me é fiel, foi o sr. Amadeu de Queiroz quem comparou este livro a “Macunaíma”. Semelhante julgamento revela apenas a calorosa simpatia com que o ilustre escritor estimula os moços, porque […] nenhum livro é menos parente da obra-prima de Mário de Andrade. […] “Macunaíma” é um livro de explosão do núcleo folclórico que o condiciona, se assim nos pudermos exprimir, nesta era atômica. […] “Água Funda”, pelo contrário, é um livro fechado. O folclore que usa a autora, principalmente sob a forma de crendices, provérbios e ditos, concorre na qualidade de elemento pitoresco e não como dimensão poética. Ao contrário do que reza a orelha do livro, não vemos nele nenhum “estranho clima”, vemos um clima exótico para os leitores da capital e nada mais ( Candido, 1946CANDIDO, Antonio. “Água Funda”. O Jornal , Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1946, p. 1.: 1).

O crítico, porém, assevera que ainda haveria uma romancista em formação. E foi assertivo em seus comentários, após discutir passagens elogiosas do romance, sobre as debilidades narrativas de Água Funda , mas mantendo uma ambiguidade analítica notável, que de certa forma se veria em outras análises da obra, à quente. A impressão que se tem, como finaliza Candido, é a dificuldade de classificação do que a autora logrou realizar.

Terminada a leitura, ficamos com a impressão de que se a sra. Ruth Guimarães possui duas qualidades básicas do ficcionista – estilo e capacidade narrativa – falta-lhe uma outra, porventura mais importante: composição. Por isso, essa boa escritora, essa esplêndida narradora, não é uma boa romancista. […] Com admirável capacidade de simpatia humana e artística, a sra. Ruth Guimarães teceu-a com a própria concepção do caboclo. […] Em “Água Funda” perpassa, tema constante, a fatalidade das pragas, das maldições e dos feitiços. Todos marcham para sua tragédia com inflexível precisão. […] Em face do destino terrível que, pensando bem, é o personagem mais forte do livro, a romancista narra com placidez – e a atmosfera de “Água Funda” se torna interessante devido ao contraste de uma fatalidade sobrenatural, misteriosa, com o tom habilmente natural.

Não creio, como se disse e escreveu, que a sra. Ruth Guimarães tenha feito neste livro de estreia obra forte como poesia e realização literária, mas não há dúvida que seu romance (se for romance) encanta pelo equilíbrio da narrativa e o puro sabor das coisas naturais. Quem começa dessa maneira irá, certamente, muito alto na carreira de escritor ( Candido, 1946CANDIDO, Antonio. “Água Funda”. O Jornal , Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1946, p. 1.: 7).

As observações ambíguas para classificação de Guimarães na avaliação crítica de Candido se restringem tecnicamente à obra e aos percalços de uma iniciante. Ponto distinto de onde o crítico Álvaro Lins enuncia seus argumentos, repleto de sexismo.

A contar pelos sinais, que são os livros publicados, dentro de pouco tempo os nomes femininos poderão sobrepujar os masculinos no nosso movimento literário. E não tanto pela quantidade, mas pela qualidade. É o que se verifica, por exemplo, na produção dos estreantes de 1946. Com exceção da obra do sr. Guimarães Rosa, que representa um caso raro, as estreias femininas desse ano, em matéria de ficção, foram escandalosamente superiores às masculinas. […] Guardando, contra a vontade, alguns preconceitos de uma formação em ambiente do interior, caracterizado ainda por vários traços do patriarcalismo rural, não posso dominar habitualmente uma certa prevenção contra mulheres na vida pública. É preciso, assim, que elas tenham realmente um positivo valor literário, que estejam interiormente marcadas pela vocação, para que veja com simpatia os seus livros. Suporto com muito mais paciência a mediocridade masculina, inclusive a minha própria, porque, afinal, temos que realizar as nossas vidas em contato com o público, do que a mediocridade feminina, uma vez que as mulheres sem superioridade podem realizar tranquilamente os seus destinos dentro de casa. Por outro lado, nada existe de mais penoso e constrangedor do que o espetáculo de literatas espevitadas, em geral poetisas, flores de enfeite da sub-literatura. […] As estreantes de 1946 estão completamente fora desta galeria grotesca. […]

A senhora Ruth Guimarães colocou-se, porém, fora da tendência do regionalismo político, como também do outro extremo que consiste em poetizar falsamente a vida rural. […] Do seu espírito, revelado em Água Funda, podemos dizer que é um realismo poético. [...] É lamentável por isso que a sra. Ruth Guimarães não tenha projetado a sua personalidade com mais firmeza no romance. Ela levou ao absoluto a tese do impessoalismo do autor na obra de ficção. Talvez tenha sido timidez, ou nobre pudor, mas a verdade é que o leitor não tem aqui elementos para sentir, mesmo indiretamente, de que espécie é a natureza humana da escritora […] ( Lins, 1947LINS, Álvaro. “Romances, novelas e contos”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 1947, p. 2.: 2).

Importava ao crítico conhecer a mulher por trás da romancista, pelo fato daquela poder recair em seus estereótipos machistas acerca do que seria uma literatura feminina ou produzida por mulheres. Isto não deve ser visto como um movimento isolado e, à época, a ele reagiram escritoras como Rachel de Queiroz ou Lygia Fagundes Telles, em debates públicos acerca da importância da literatura feminina brasileira e sua alta qualidade, como se verá adiante. No caso de Guimarães, é curioso notar que o quotidiano da escritora e seu aparecimento súbito chamava a atenção dos articulistas. Fosse por ser mulher, num contexto em que havia discussão pública a respeito da qualidade da literatura feminina no Brasil; ou, ainda, de maneira menos explícita, por ser uma escritora e mulher negra, ou nos termos da época, “uma jovem de côr, de condição modestíssima” ( Revista Rio , 1946). Isso foi tratado diretamente numa das matérias mais longas sobre a escritora naquele momento, escrita por Nelson Vainer, e que procura detalhar a trajetória de Guimarães, sua família e sua literatura:

Tivemos um Luiz Gama. Tivemos um José do Patrocínio. Tivemos um Cruz e Souza. Tivemos um Lima Barreto. Tivemos um Theodoro Sampaio. Temos um Lauro Palhano. Mas só agora surgiu uma grande escritora da raça negra no Brasil. […] Ruth Guimarães, uma das grandes revelações literárias de 1946, mora num quartinho maior que um bocejo […] Ruth acredita no atavismo […]. Chegando a São Paulo trabalhou como não sei que. Trouxe com ela dois irmãos menores cuja educação dependia do seu trabalho. […] perdeu o pai aos 9 anos e a mãe aos 17. Durante este tempo, apesar de lutar com tremendas dificuldades, ainda teve tempo para dedicar algumas horas às letras diariamente. […] Um dia, a água funda jorrou. Saiu em edição da Globo, causando celeuma nos meios literários de norte a sul do país. De menina mentirosa e arteira a uma das mais notáveis escritoras da literatura brasileira contemporânea ( Vainer, 1947VAINER, Nelson. “Uma escritora negra triunfa”. Revista da Semana , Rio de Janeiro, 1947, s/p. ).

Note-se também que catorze anos antes da estreia literária de Carolina Maria de Jesus, com seu Quarto de Despejo (1960), as marcas sociais de uma mulher negra animavam os debates de recepção literária de uma escritora paulista, com repercussão ampla e sucesso de reedição de sua obra em pouco mais de um ano. A dimensão biográfica de Ruth Guimarães é chamada à baila para tratar de sua obra, com raras exceções, como se ela fosse parte de um complexo insólito: uma mulher negra interiorana paulista, que escrevia, publicada por uma grande editora do sul do país, com a acolhida nos círculos literários por Mário de Andrade e Amadeu de Queiróz, mas com circulação reduzida nos espaços sociais de escritores de sua geração, oriunda de uma classe social com responsabilidades com um trabalho ordenado e batedor de ponto. Mesmo muitos anos depois, alguém como o biógrafo e jornalista Francisco Assis Barbosa não esqueceria de mencionar tais condições: “[…] Ruth Guimarães, talvez a primeira escritora negra do Brasil, de grande valor, nascida nos contrafortes da parte mineira da região valeparaibana, que já realizou uma obra importante como romancista, filha de um ferroviário e uma professora em Cachoeira, trabalho primoroso e que representa mais uma importante contribuição feminina à nossa literatura” ( Boletim , 1975:150).

A própria autora pontua passagens muito interessantes a respeito de sua vida, onde as memórias da infância, dos poucos anos vividos na fazenda, jogaram um papel fundamental. São eles que vão construindo uma narrativa que, naquele momento, permitiria explicar o percurso da escritora negra, bem como seus anseios e conquista de lugar num mundo que, muitas vezes, parecia-lhes interdito como órfã, interiorana, negra, pobre e mulher:

Só no quarto ano do Grupo Escolar é que comecei a fazer composições. […] Lia muito. Com nove anos, li a coleção inteira de Machado de Assis, sem entender patavina do sentido. Aos doze anos imitava Cassiano Ricardo. […] Aos 15 tinha Guilherme de Almeida embaixo do travesseiro. […] A minha vida sempre um tanto desgovernada. Estudei em Cachoeira, em Lorena, em Guaratinguetá, até em colégio de freiras e, finalmente, na Escola Normal Anchieta, de São Paulo. […] Agora estou me preparando para entrar para a Faculdade de Filosofia desta capital. Quero estudar letras clássicas ( Vainer, 1947VAINER, Nelson. “Uma escritora negra triunfa”. Revista da Semana , Rio de Janeiro, 1947, s/p. ).

Ademais, o percurso no mundo público de Ruth Guimarães neste período se subdivide em suas atividades como jornalista e pesquisadora do folclore paulista. Várias de suas matérias são assinadas em parceria com o esposo, Botelho Neto. Seu primo, com quem ela casaria em 1948 (Entrevista, 2008). Esta parceria se estabeleceria em diferentes reportagens a respeito da cidade de São Paulo, das festas e costumes do estado paulista, ao final dos anos 1940, denominadas de “Instantâneos Paulistas”, especialmente para a revista fluminense Carioca [ 5 5 “Instantâneos paulistas – à sombra dos plátanos” (1948); “Instantâneos paulistas – Favela Santista” (1948); “Instantâneos paulistas – Congadas de Santa Isabel” (1949); “Instantâneos paulistas – O museu do Ipiranga” (1949); “Instantâneos paulistas – Ecos da Aleluia” (1949). Textos de Ruth Guimarães e fotografias de Botelho Neto. ] e nos anos 1950 para a seção “Correio Folclórico” do Correio Paulistano .[ 6 6 “Significação Cultural do Museu do Folclore” (20/08/1950); “A Dança do Moçambique” (27/08/1950); “Congueiros de Atibaia” (16/11/1950). Textos de Ruth Guimarães e fotografias de Botelho Neto. ]

A pesquisa sobre folclore constituiu-se em uma intensa atividade de Guimarães, levando-a a ser membro da Comissão Paulista de Folclore e estar na diretoria do Museu do Folclore (entre 1947 e 1958), junto de outros proeminentes pesquisadores, como Rossini Tavares de Lima. Ruth considerava-se uma espécie de herdeira de Mário de Andrade, tanto que afirma que apresentou partes de seu livro Filhos do Medo a ele, antes de 1945, por meio de seu amigo em comum, o jornalista, escritor e acadêmico negro Fernando Góes (1915-1979).

Eu fui aluna do Mário de Andrade, ele me encaminhou para esse tipo de linguagem singela. Eu ia na casa dele, estava escrevendo um livro de folclore e fui mostrar para ele. Com o Rossini, nós viajamos muito, o Alceu Maynard de Araújo, o Erasmo de Almeida Magalhães, o Paulo Dantas. Eu era da Comissão Paulista de Folclore. Rossini tinha uma Associação Brasileira de Folclore no Conservatório de Música de São Paulo (Entrevista, 2008).

Entre 1946 e 1949, o sucesso de Água Funda o levaria à segunda edição. E a visibilidade de Guimarães era algo crescente na imprensa. A autora era notícia por seus estudos, acerca do Diabo e o Folclore, bem como por duas novelas em preparação – que não chegaram a ser publicadas em livro. Neste meio tempo ela se encontrava em vias de se formar na Faculdade de Filosofia, em Letras, vindo a fazer posteriormente cursos de pós-graduação em pesquisas de ciências sociais, aliando seus interesses sobre folclore.

Figura 2
Revista Carioca, 1949.

O inexorável do tempo e do espaço : Água Funda

[...] A gente passa nessa vida, como canoa em água funda. Passa. A água bole um pouco. E depois não fica mais nada ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 53).

O destino trágico é um dos grandes personagens de Água Funda , que acaba por conduzir as vidas daqueles cujo um narrador onisciente, não nominado e em terceira pessoa, conta ao leitor. Quem narra nada diz de si, deixando apenas claro que também pertence ou pertenceu ao espaço da história, a fazenda de Olhos D’Água, que enlaça a vida de todas as personagens. Assim, o espaço social se torna um outro personagem de destaque e por meio dele, pode-se ler, num plano, uma narrativa sobre o universo mágico, representado pelas diferentes lendas e conhecimentos sobre as coisas da Natureza, que os trabalhadores e moradores de Água Funda conhecem e dominam; noutro lado, as mudanças sociais, ainda que demoradas no tempo, estão ligadas ao espaço da técnica produtiva e racionalização da vida (de uma Fazenda para Usina; dos conhecimentos de cura por ervas e rezas para o saber médico e da Santa Casa, por exemplo; do transporte em lombo de burro ou carro de boi para caminhões e ferrovias).

O espaço encerra a todos, mesmo a poderosa Sinhá e a Usina, e o tempo é implacável, fazendo com que também quase todos os personagens, mesmo aqueles que saem daquele lugar, de alguma maneira retornem a Olhos D’Água. A vida se desenrola em diferentes aspectos, do religioso ao mundano, da ordenação a regras imemoriais e costumeiras às paixões traiçoeiras e de alguma novidade. O tempo todo o mágico envolve a realidade. Guimarães chamaria isso de algo próprio do universo caipira, do qual ela era profunda conhecedora, sempre se esforçando em dizer que Água Funda seria uma história comum, acontecida na Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e São Paulo, dando pistas aqui e acolá de marcas geográficas que passariam por Cruzeiro, Queluz, o rio Paraíba e Itajubá.

É interessante também notar sobre a construção das personagens. Algumas são explicitamente brancas ou não negras por conta de seu lugar e posição social. Sinhá e sua família, Doutor Amadeu e os engenheiros da Usina, alguns donos de venda, o padre etc. Já entre os trabalhadores, a explicitação étnica é pouco definida. Há o “Bugre”, fazendo alusão ao seu espaço costumeiro dentro do mato – e portanto, também relacionado ao elemento indígena local – mas há os trabalhadores e moradores do espaço da Fazenda, como Joca, Curiango, Antônio Olímpio, Vicente Rosa e outros, vários compadres e comadres entre si, brancos, negros ou mestiços, sendo o reconhecimento étnico explicitado geralmente em momentos de conflito ou de distinção social. A alusão ao tempo e espaço da escravidão no lugar é suscitada no começo do livro e depois não mais:

O engenho é do tempo da escravatura. Seu Pedro Gomes, o morador mais antigo do lugar, ainda se lembra quando o paiol, perto da casa-grande, era senzala. […] Dizem que esta casa é assombrada por causa do terreirão, onde os negros morriam debaixo de açoite. Muitos não acreditam. São abusantes. Pode ser e pode não ser ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 18).

Água Funda é um romance ligado a uma narrativa da modernidade e suas transformações e nunca foi afirmado por sua autora, negra, como um romance de literatura negra. Isso é muito interessante e foi provocativo ao longo de toda a trajetória de Ruth Guimarães, pois a situou como próxima ou membro de uma “Geração de 1945” do Modernismo Literário brasileiro. Sociologicamente, Água Funda é um romance das transformações lentas dos meios de vida num espaço rural, de um tipo sudestino conhecido como o caipira (mestiço de toda sorte), que se espraia na confluência entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mas também isso nunca afastou sua autora da condição de ser uma escritora negra, sendo recordada tanto pelo fato de ser uma autora mulher como uma romancista de pele escura. Em 1946, uma avis rara .

Entretanto, Ruth Guimarães torna-se um pêndulo que oscila proximamente entre seus parentes literários como Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo ou Guimarães Rosa – este último com quem estreia, em 1946, nas letras nacionais – e seus pares escritores negros como Abdias Nascimento e o grupo do Teatro Experimental do Negro, bem como Solano Trindade, com quem manteria contato e escreveria publicamente sobre. A explicitação da modernidade não é pela narrativa da máquina e da velocidade, da racionalização vertiginosa do mundo, tampouco em versos de pé quebrado. Narrar o moderno é contar o tempo e suas transformações inexoráveis e trágicas, o que faz também todo sentido dela ser publicada em uma editora como a Globo, do Rio Grande do Sul, onde Érico Veríssimo trabalhava e já era reconhecido há muito como um exímio narrador moderno das transformações temporais de longa duração ( Chaguri, 2012CHAGURI, Mariana M. Livrarias e editoras: notas sobre um mercado de livros entre 1920 e 1950. As escritas do lugar: regiões e regionalismo em José Lins do Rego e Érico Veríssimo. Tese [Doutorado em Sociologia]. Unicamp, Campinas, 2012. ).

“Estas coisas aconteceram em qualquer tempo e em qualquer parte. O certo é que aconteceram. E, como sempre se dá, ninguém apreendeu nada do seu misterioso sentido” ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 16). Assim abre-se o romance, numa espécie de nota anunciadora de como o destino operará na trajetória de todos. Ele assumirá diferentes roupagens: a força do sangue ou seu enfeitiçamento (casos de Sinhô e Joca); o retorno de pragas lançadas (caso de Sinhá e do embusteiro de trabalho na usina); a força dos costumes morais (tratando de Curiango e Mariana). A Fortuna opera de maneira implacável, retornando sempre que possível na narrativa para recordar às personagens de que nada lhe escapa. Assim, mistura-se o público e o privado continuamente – as decisões de Sinhá sobre o seu primeiro casamento, malfadado, ou o de sua filha Gertrudes com o filho do capataz, que a poderosa proprietária despreza, impactam a vida pública de Olhos D’Água – o mágico e o desencantamento do mundo se enleiam, compondo a vida.

Como uma praga, após a filha ter fugido com seu namorado, Sinhá, orgulhosa, endurece o coração e também enrijece os modos de conduzir a fazenda, tornando-a ainda mais produtiva. Contudo, ela mesma acaba se envolvendo com o filho de um proprietário próximo, mais jovem, que foi expulso de casa e que chegando a Olhos D’Água é contratado como novo capataz da fazenda. “Boca falou, corpo pagou” ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 46).

Este fato privado faz com que haja uma consequência pública: a venda da Fazenda pelo novo casal, pouco tempo depois, para a Companhia, que tornaria Olhos D’Água uma Usina e os trabalhadores locais em participantes de uma cooperativa, com novos agentes no lugar. Há uma certa aceleração narrativa para dar conta do processo de mudança em curso, com as aspirações de transformações de técnicas produtivas e de relações de trabalho, reverberando para a vida privada dos moradores.

O resto da história é de agora. A Companhia mandou um homem tomar conta disto tudo. Foi uma festa. O homem tomou posse num dia bonito de fim de ano. Dezembro, se não me engano. Houve pipocar de foguetes e estouro de champanha na casa-grande. Cada camarada recebeu um mês de ordenado a mais. [...] Nunca ninguém tinha dado essa confiança à caboclada xucra. Nunca tinham perguntado o que era bom fazer. […] Agora ia ser diferente. Cada um era interessado. Cada um tinha direito de ter uma opinião e podia dar opinião. O chefe tinha chamado os camaradas de amigos. […] O Velho experimentou plantar cana-bambu no morro para resistir à geada. Deu certo. Mudou a invernada para o lado de lá, depois da curva da estrada do Limoeiro, e começou a fazer cruzamentos com gado de raça, para conseguir mais leite. […] Um dia já com tudo cercado apareceu uma tabuleta no barracão: “Horto Florestal de Olhos D’Água”. […] Técnicos da cidade trabalhavam nas experiências. […] Faz bem cinquenta anos que a Companhia ficou com a Fazenda ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 55-57).

Figura 3
Capas de Água Funda. Primeira Edição (1946, Editora Globo) e Terceira Edição (Editora 34)

Destino é um personagem caprichoso e força os sujeitos a seguir por seus labirintos de maneira a cumprirem aquilo que lhes é fadado, um tempo de vida, não importa quanto seja, mas com passagens que somente os indivíduos poderão sofrer e das quais não podem se furtar, porque lhes são impostas. Este enredo sintetiza a visão do romance de que as transformações dos meios de vida através da racionalização da técnica não são suficientes para alterar os traçados da Fortuna que lhes cabiam. Aqui ela assume o nome de Mãe De Ouro, a lendária entidade encantadora e antropomorfizada em uma mulher reluzente, de olhos e cabelos como fogo, que indica trilhas de tesouros, mas também desgraças. Ela perseguirá a história de Joca e Curiango, apaixonados e casados, enfeitiçando o primeiro e levando-o à demência, após uma série de agruras, pelo fato dele ter abusado da descrença na lenda. Mas a Mãe de Ouro também operará como metáfora do Destino, do espaço e do tempo, pois a Fortuna também é conhecida por sua Roda, envolvente e inescapável.

Por outro lado, a vida desencantada também cobra seu preço quando ciladas são reveladas. É o que ocorre quando “[…] chegou o homem, com parte de levar trabalhador para o sertão. Chegou como quem não quer nada […]” ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 88). Insidioso, o agenciador de trabalhadores conta histórias sedutoras sobre o trabalho para uma companhia de engenheiros destinada a levar o progresso ao sertão. Todos os custos da empreitada (alojamento, farmácia, comida etc.) seriam cobertos pela companhia, para depois os empregados pagarem aos poucos suas dívidas. Os salários seriam vantajosos em relação a Olhos D’Água. Porém, antes que se fechassem os contratos e viagens, um antigo morador sumido do local, Mané Pão Doce, retorna para contar que ele e outros haviam caído na conversa do homem do sertão. E era tudo um engodo. O trabalho se assemelhava à escravidão, com maus tratos, aprisionamento e perda de vidas. Ele só escapou após uma rebelião. Revoltados, os trabalhadores de Olhos D’Água resolvem colocar o homem do sertão para correr. Mas exageram na prensa:

Pensavam que queria só dar um susto no homem. Qual o quê! Amarraram o coitado numa corda, como animal e foram arrastando. [...] Foi jogado no banheiro, cheio de matar carrapato.

O homem estava com o corpo todo lanhado, queimado, já se abrindo em fendas, brotando sangue e escorrendo água suja. […]

– Maldita gente! Maldita a hora em que pus os pés neste lugar excomungado! Malditos! Que o meu sofrimento caia na cabeça desses desgraçados! Que morram de morte feia, sem ter ninguém que acuda! Que passem forme e sede e não achem quem tenha compaixão deles! Malditos! ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 101-102).

Novamente, os planos se entremeiam e, a partir deste momento, a praga lançada pelo homem que vinha com promessas de uma vida melhor torna os meios vitais conhecidos, dos diretamente envolvidos em seu castigo e do lugar em geral, prejudicados. “Foi a praga” passa a ser um mote de recordação do infortúnio da morte sinistra do Bugre, do assassinato de Cecília por Antônio Olímpio, o ataque a Luís Rosa, a morte horrenda de Bebiana, a demência de Joca e a infelicidade de Curiango, sua esposa; a praga junto à Mãe de Ouro, no caso de Joca. Ou a praga e a Roda da Fortuna, no caso de Sinhá, que se transmuta em outra personagem na trama, depois de abandonada na estação de trem, sem dinheiro e sem destino por seu novo marido, retornando ao mundo da fazenda na mesma situação que Biguá, o personagem cachorro cego que volta para morrer, com seu dono, após se perder e sofrer ataques no mato:

Sinhá andou o caminho de diante para trás. Foi a borboleta que virou lagarta. É por isso que eu digo: ela não veio mais a Olhos D’Água, nem em corpo, nem em espírito, nem em pensamento. O corpo não é o dela. É duma pobre velha pedideira de esmola. Ela era bonitona, inteligente, orgulhosa. Quebrava, mas não vergava. A Choca já é vergada e não endireita mais. Pode o povo dizer que as duas são uma pessoa só. São mesmo. Mas esta Choquinha não é aquela Sinhá. […] Alguma coisa mostrou o caminho ao Biguá, cego. Alguma coisa guia os perdidos para o caminho de casa. Assim como as águas correm para baixo, a gente segue o caminho que tem que seguir… ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 147; 150).

Nos labirintos do Destino em Olhos D’Água quase todos os caminhos são trágicos e isso tem a ver tanto com as alterações do tempo como pelo elemento mágico que as envolve. Quem narra Água Funda realiza uma espécie de inventário do irremediável, da condição humana tramada com as mudanças sociais, inevitáveis, como o carro de boi ultrapassado por um trem e por fim, um caminhão, em alta velocidade em estradas de terra, que serão em breve asfaltadas. À modernidade, resta resignar-se, aprender a conviver com ela ou morrer.

Contei essa história ao Dr. Amadeu, assinzinho como estou contando agora. E falei também que, antigamente, isto aqui não era assim. É uma coisa no ar que está mudada. Sabe o que ele disse? Foi o espírito dessas paragens que mudou.

O que eu sei é que não fico mais neste lugar pesteado. […] Agora que fechou a volta, a praga pode subir a serra, atrás de quem a rogou. […] Ê mundo errado!… ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018.: 180-181).

A condição feminina e negra ou “A limitação não leva a nada” (Entrevista, 2008)

Guimarães foi bastante noticiada pelo fato de ser uma mulher e de viver um momento de debate, em meados do século XX, sobre literatura feminina no Brasil. Isso acompanha uma sequência de reportagens entre o final dos anos 1940 e as décadas seguintes. A condição da mulher já aparecia atrelada à liberdade para a escritora desde suas primeiras entrevistas: “Sou solteira, mas acho o divórcio absolutamente necessário. […] Demais, o casamento não passa de um contrato e é um contra-senso um contrato sem cláusula de rescisão”( Vainer, 1947VAINER, Nelson. “Uma escritora negra triunfa”. Revista da Semana , Rio de Janeiro, 1947, s/p. ). Declarações sobre a autonomia feminina foram concedidas de maneira semelhante pela autora ao longo da vida e a focalizaram, para os jornais, na companhia de escritoras importantes, por seu fazer literário e por sua defesa dos direitos femininos, como Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles entre outras. Em 1946, um dos artigos que tratam de sua estreia ladeiam-na a essas escritoras com o argumento de que “Já não se enquadram nos moldes femininos de que falamos na nossa última crônica os romances de Raquel de Queirós (sic), Clarisse Lispector (sic), Lúcia Mulholland, Ruth Guimarães e outras […] são autênticas escritoras que merecem, como qualquer outro, extensas citações dos historiadores da nossa literatura”( Nabuco, 1946NABUCO, Araujo. “Mundo Literário: duas estréias”. Jornal de Notícias , Rio de Janeiro, 09 de dezembro 1946, p.4 ).

Mesmo o anúncio da segunda edição de Água Funda poderia figurar na chave também de livros para mulheres, como sinal de inspiração e igualdade: “Estão nas vitrinas de livrarias as obras de duas escritoras brasileiras de reconhecido prestígio: o romance A cidade sitiada de Clarice Lispector […] e a novela Água Funda , de Ruth Guimarães […], esta última em segunda edição. […] Os dois livros merecem a leitura atenta de todas quantas apreciam o melhor das letras brasileiras de ficção”(Livros, 1949). A “admirável Ruth” estava em uma lista extensa da “Literatura feminina, sim senhores. Tirem o chapéu, façam o favor. E vão abrindo alas, que nós queremos passar” ( Queiroz, 1954QUEIROZ, Rachel de. “Uma romancista”. O Cruzeiro , ed. 18, 1954, última página. ), como escreveu Rachel de Queiroz. Discussões semelhantes animariam debates, nas décadas seguintes, sobre a ausência de mulheres na Academia Brasileira de Letras, figurando Ruth Guimarães como uma das aspirantes e autoras exemplares da qualidade da criação literária de escritoras brasileiras ( Correia, 1962CORREIA, Valmirina. “A Academia e as Mulheres”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 1962, p.13. ; Andrade, 1969ANDRADE, Carlos Drummond. “80 mulheres na Academia”. Correio da Manhã , Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 1969, s/p. ).

“Não faço política […] e nem muito menos vejo motivo para que os partidos políticos se organizem na base de organização de sexo […] A mulher pode pleitear posições eletivas da mais alta responsabilidade” (Diário da Noite, 1958) declarou a escritora ao final dos anos 1950. Porém, a sua posição frente à criação de um Partido Nacional Feminino não significou que ela não manifestasse posições sobre a necessidade de organização como mulher, como escritora ou como intelectual negra. No caso da literatura, Guimarães compôs a criação do Sindicato dos Escritores de São Paulo, como conselheira (Luta Democrática, 1963; Novos Rumos, 1963), junto de Mário Donato, Sergio Milliet, Renata Pallotini, João Antonio, Cassiano Ricardo, Marcos Rey entre outros.

Sua posição com relação aos intelectuais negros a levou a apoiar publicamente os trabalhos de Abdias do Nascimento e Solano Trindade[ 7 7 “Juntamente com Edison Carneiro que ocupa o cargo de secretário do TPB, Solano Trindade levou para seu quadro social nomes como: Manoel Diegues Júnior, Josué de Castro, L.A. Costa Pinto, Érico Veríssimo, Djanira, Eneida de Morais, Lila Ripoll, Augusto Rodrigues, Renato Almeida, Grande Otelo, Miécio Tati e outros. De São Paulo, já deram sua adesão até o momento: Abguar Bastos, Alex Viany, Mauro de Alencar, Délio Miranda, Gerardo Campos, Ruth Guimarães, Di Cavalcanti e outros”. “A obra do Teatro Popular Brasileiro, trazer a arte popular para o palco” (Fundamentos, 1953:41). ], além de colaborar com o jornal negro paulistano, Novo Horizonte . No primeiro caso, junto de Roger Bastide, ela respaldou a publicação sem cortes da peça Sortilégio , escrita pelo criador do Teatro Experimental do Negro (TEN) e alvo de censura, por tratar frontalmente de preconceito e discriminação racial:

Há meses a imprensa carioca teve oportunidade de tratar longamente do caso da peça “Sortilégio” de autoria de Abdias do Nascimento, diretor do Teatro Experimental do Negro cuja primeira obra dramática foi completamente mutilada pela censura. [...] Até em São Paulo já repercutiu o caso de “Sortilégio”. A imprensa bandeirante publicou várias notas e reportagens. Uma ilustre escritora negra, Ruth Guimarães, autora do livro “Escravos do Medo”, após a leitura dos jornais se manifestou: “Gostei muito de ‘Sortilégio’… a peça é clara, cônscia, bem enredada, bem conduzida, neo clássica, ao que parece, e tem movimentos intensos de uma grande emoção [...]” ( Última Hora , 1951; Jornal do Brasil , 1957).

Já em relação ao Novo Horizonte , o artigo de Guimarães é um ataque direto à visão, segundo ela, estereotipada que encenações sobre a vida negra poderiam ter no meio do século XX. Neste caso, ela se referia à Orquestra Afro-Brasileira de Abigail Moura, que muito sucesso fazia à ocasião com suas apresentações que, de alguma maneira, remeteriam o negro brasileiro às suas raízes de matrizes africanas. Para Ruth Guimarães haveria uma espécie de contemporaneidade negra, no meio do século XX, que projetos como os de Moura não alcançavam e, portanto, deveriam ser evitados pelos leitores de um jornal da imprensa negra paulistana como o veículo em que ela escrevia. O Novo Horizonte era dirigido, neste momento, por Arnaldo de Camargo e tinha como redator-chefe Aristides Barbosa, ativistas importantes no universo associativo negro de ocasião:

Certa noite a orquestra afro-brasileira de Abigail de Moura [sic] deu um concerto no Conservatório Dramático Musical de São Paulo e já vinha do Rio precedida de fama de excelente orquestra, especialista em folclore negro. Não falemos de quanto a palavra folclore pode ser elástica, nem que a orquestra se limitou a tocar música popularesca, – como batuque, de ritmo e música já contaminados, como sambas, marchas, e frevos, sendo que o frevo é tão música negra quanto eu sou chinesa. […]

Trata-se, isso sim, da espécie de retrato de negro que Abigail Moura nos deu em duas horas de concerto… No que ele apresentava de mais genuinamente negro, só falava de escravidão, em senzala, em gemidos de escravo, sob o látego do feitor. Isso é o negro de há cinquenta, sessenta anos atrás, ou mais talvez. É um negro fictício, que não existe, bom, resignado, sofredor, romântico e idealizado por escrevinhadores de novelas baratas. [...]

Já é tempo de, ao se falar em negro, estilizar o preto da Barra Funda, das gafieiras, o preto pedreiro, o preto das macumbas do Rio, o preto maquinista, o preto formado em medicina, o preto dando murro e contribuindo para o progresso. O negro Velho, o negro Leônidas, os negros Bento de Assis, pai e filho ( Guimarães, 1948GUIMARÃES, Ruth. “Nós, os negros”. Novo Horizonte , São Paulo, ano II, n. 19, março de 1948, p. 4.: 4).[ 8 8 As referências são ao futebolista Leônidas da Silva e ao advogado José Bento de Assis. ]

Esse texto revela a posição de Guimarães, que oscila entre a atualização de um retrato do negro para um momento da experiência da modernidade – que não teria a ver com o período da escravidão –, e se coaduna com os debates de uma certa experiência da intelectualidade e do ativismo negro paulistano, flagrados nas pesquisas de Roger Bastide e Florestan Fernandes, coetâneas. Porém, na sequência do artigo, o tema da integração do negro na sociedade de classes , no lugar de enfrentar a ordem social competitiva a atacá-la diretamente naquilo que ela possui de mais iníquo – o racismo, a discriminação e o preconceito racial, obstaculizando ou criando oportunidades desiguais – leva a autora a culpabilizar o negro por sua própria condição, revelando uma posição algo conservadora do processo social, do qual ela mesma é parte integrante. O mérito se sobrepõe e se o negro “não vence” é por não se esforçar coletivamente o suficiente para tanto:

Já é tempo de parar com essa mania de choramingar e se queixar das senzalas. Digo que isso é ‘chantage’[sic]. O negro não quer lutar pelo seu lugar, quer recebê-lo por piedade das mãos do branco e para isso choraminga. […] Temos que conquistar as posições e não recebê-las de graça, o que seria francamente vergonhoso. […] Se o negro tem resistência para dançar na gafieira a semana toda, exceto às sextas-feiras, terá resistência para frequentar um ginásio, no curso noturno. […] A questão não é pedir o favor de nos deixarem entrar seja onde for, mas conquistar o direito de entrar, sendo mais educados, mais cultos, economicamente melhor situados, e isso só se consegue melhorando o padrão de educação. E isso se conseguirá se formos mais numerosos nas escolas secundárias e superiores. Um japonês trabalha na enxada, mas põe o filho na escola e encaminha para os estudos superiores. Um preto trabalho de pedreiro e arranja um “pistolão” com um padrinho branco para que o filho entre como contínuo – parasita – numa repartição pública.

Bem. Essa conversa toda é para o caso de querermos melhorar. Mas se preferirmos receber, caridosamente, o que nos pertence por direito, então vamos para a Rua Direita, aos domingos à noite, vamos para as gafieiras, vamos choramingar para ver se alguém tem dó da nossa desvalia. E vamos falar em senzala, que pela nossa resignação, nossa incapacidade, nossa moleza, é o que bem merecemos ( Guimarães, 1948GUIMARÃES, Ruth. “Nós, os negros”. Novo Horizonte , São Paulo, ano II, n. 19, março de 1948, p. 4.: 4).

É interessante notar essa oscilação no mesmo texto da autora, de uma posição que opera com a demanda pela modernidade negra e seus direitos, mas que não ultrapassa visões estereotipadas como as de que o problema do negro seria ele próprio. E que aquele, à semelhança de outros grupos étnicos, de migração recente, deveria vencer pelo seu próprio esforço, como se o racismo não fosse uma variante específica. Também é importante notar que esta posição acompanhou Guimarães até os últimos anos de sua vida. Tanto nas entrevistas que fizemos com ela, como em outras ocasiões públicas – durante a 3a Bienal Nestlé de Literatura (1986) ou o Encontro de Gerações do Museu Afro-Brasil de São Paulo. No primeiro caso, além de matéria publicada em jornal da época ( Jornal do Conselho da Comunidade Negra , 1986:12; Silva, 2015SILVA, Mário A. M. da. Por uma militância ativa da palavra: antologias, mostras, encontros e crítica sobre literatura negra, anos 1980. História: questões e debates , v. 63, n.2, 2015, pp.161-194. ), há o texto que a autora produziu para discutir com seus pares escritores e público na ocasião. Guimarães me cedeu uma cópia quando a conheci e dela reproduzo os seguintes excertos:

[...] Negra eu sou, o que não é nenhuma originalidade neste país. Negra e escritora, o que já constitui um modo singular de ser, dadas as circunstâncias. Também sou escritora regional e, como caipira, a única. […] Também sou professora. [...] Não tenho alunos brancos e pretos. Tenho alunos. [...] A minha máquina de escrever é uma arma. [...] Eu venho aos negros da minha terra, meus irmãos, pregar o orgulho. […] Eu disse que não entendo de queixumes e lamúrias. Há solução para a população negra desta terra. Temos que aprender. Lugar de negro não é no botequim. É na escola. Não é na cozinha. É na escola. Não é na macumba. É na escola. Não é no sambódromo, como espetáculo. É na escola. […] Eu venho aos negros pregar o orgulho: de sua pele de bronze ou de ébano. Do seu trabalho, da sua inteligência, de sua bondade, de sua alegria, do seu samba, de seu lugar no mundo. Sem escola e sem orgulho, o que nos resta? Porteiro, contínuo, cama, cozinha, fundo de quintal e porta dos fundos. Resta apenas ir para onde nos empurram. […] Não queremos bondade, nem tolerância, nem paternalismo. Não queremos que falem por nós. Apenas escutem.[ 9 9 Texto cedido por Ruth Guimarães a Mário Augusto Medeiros da Silva, em 2007, durante o Encontro de Gerações , ocorrido no Museu Afro-Brasil. ]

“Entre outras coisas, eu sou professora”(Entrevista, 2009)

Por décadas, Ruth Guimarães desenvolveu uma série de atividades em conjunto. Foram noticiados outros livros ficcionais que teria concluído, como Onda Amarga e Bodas de Canaã ( Jornal do Brasil , 1957) , sem que nenhum tenha alcançado publicação ou repercussão de Água Funda . Também foi divulgado “[...]agora que Ruth Guimarães acaba de escrever uma novela intitulada Os castiçais de Santo Antonio , que será publicada na revista “Província de São Pedro” ( Correio da Manhã , 1947). Em 1949 foi anunciado que seria editada numa coleção intitulada “A novela do bonde”( Letras e Artes , 1949)

Além disso, entre os anos 1950 e 1980, desenvolveu intensa atividade como tradutora e redatora de perfis, para as editoras Cultrix, Ediouro e Círculo do Livro. Traduções de Balzac ( A mulher abandonada e outros contos, Histórias Fascinantes , O xale de Selim e outros contos, Os melhores contos de Balzac ), Dostoiévski ( Histórias Dramáticas, Notas do subsolo, O grande inquisidor, O eterno marido, Os melhores contos de Dostoiévski ), Alexandre Dumas, Guy de Maupassant, Alphonse Daudet e Apuleio ( O asno de Ouro ). Seu trabalho como tradutora foi divulgado de maneira destacada em algumas notas de jornais: “Talvez seja A Dama da Camélias , de Alexandre Dumas Filho, um dos romances franceses mais divulgados no mundo. […] Pois este romance foi agora novamente traduzido para o português pela escritora Ruth Guimarães e incluído na conhecida coleção Jabuti da editora Saraiva, como volume 10 da série” ( O Jornal , 1954). Ou ainda: “A Editora Cultrix acaba de entregar às Livrarias, em tradução e seleção de Ruth Guimarães, um volume de histórias curtas de Honoré de Balzac […] O prefácio também de Ruth Guimarães, estuda a vida atribulada do autor […]” ( Correio Paulistano , 1960:2; Jornal do Commercio , 1960).

E, de maneira concomitante, se dedicou à organização de livros sobre medo, diabo, as mulheres célebres, dicionários de mitologia grega, de líderes religiosos, de medicina popular; livros de fábulas e folclore. Desta forma, ela dava sequência a um projeto literário traçado nos anos de sua fase inicial da carreira, num bonito depoimento dado aos 29 anos:

Presentemente tenho um ensaio sobre o diabo no prelo […] um livro de histórias para crianças, engavetado, um livro de poesias, idem, e mais 4 ou 5 capítulos de um romance que cada dia acho mais sem graça. […] De modo geral, sou uma criatura silenciosa, pouco afeita a falar ou a escrever de mim, coisa que não me deixa muito à vontade. […] Sem dúvida sei o que quero, e o que não me parece clara é a maneira de atingir o fim. Assim, há certa massa confusa de sentimentos, de percepções e não alcanço bem como realizar-me. […] Eu já repeti uma porção de vezes que quero escrever sempre e morrer de velha. E se repito desta maneira, com essa ênfase, com esse medo de querer convencer, não é que queira convencer disso a ninguém, mas a mim mesma. Não estou muito certa de o conseguir, pois quero escrever sempre, mas cada vez melhor, e quero ser sincera e firme e honesta. Talvez não tenha talento suficiente para chegar ao fim. Tenho boa vontade, vocação, o que não basta. Estou estudando duramente, o que também não basta. E, como uma das personagens do meu Água Funda, sou teimosa e dura como as mulas velhas, e talvez isso também não baste ( Letras e Artes , 1949: 10).

Ao todo, Ruth Guimarães publicou quase 40 livros em sua carreira, com reedições, registrados na Biblioteca Nacional. Vale mencionar que as traduções do francês eram a sua especialidade, fruto da formação em Letras da USP. E isso fez dela uma das tradutoras de Dostoiévski no Brasil, antes do movimento de tradução diretamente do russo, uma vez que a literatura eslava circulava no alfabeto ocidental por meio do francês. “Eu traduzi mais de cinquenta livros. E tem o meu nome lá, carimbado. Gostei muito de traduzir Dostoiévski, apesar de ser de segunda mão” (Entrevista, 2009). Essas atividades se realizaram ao mesmo tempo em que era professora do Ginásio Estadual, ora em Suzano, ora em Cachoeira Paulista.

Cachoeira Paulista é uma cidade velha do Vale do Paraíba, que há mais de trinta anos é a mesma coisa. [...] Pois aí, nesse quieto e pachorrento burgo é que mora Ruth Guimarães, com o marido e os sete filhos (a mais velha tem dez anos, a mais moça dois meses, e no meio, cinco meninos). […] Com seus sete filhos ela tem tempo para tudo isso e para mais. [...] Agora, Ruth Guimarães fundou o Grupo Cachoeirano de Teatro e Folclore […] Os elementos que integram o Grupo são soldados, serventes de pedreiro, comerciários, espíritas, protestantes, católicos e estão todos entusiasmados (Góes, 1960b).

“Agora eu sou acadêmica e faço tudo à minha moda”(Entrevista, 2008)

Chamava a atenção daqueles que iriam noticiá-la o fato de conciliar essas atividades com a família crescente, de 9 filhos no total (Góes, 1960a; Eneida, 1960ENEIDA. “Ruth Guimarães”. Diário de Notícias , 15 de dezembro de 1960, s/p. ). A dimensão interiorana e a condição de mãe de família extensa nunca escapavam às matérias feitas a seu respeito. Mesmo a visita de Leon Gontram Damas ao Brasil, um dos expoentes do movimento da Négritude , para selecionar poetas negros brasileiros ao seu livro para a Présence Africaine ( Damas, 1967DAMAS, Léon G (org.). Nouvelle Somme de Poésie du Monde Noir, Paris, Présence Africaine , n. 57, 1967. ) não deixa escapar isso, como uma espécie de condição feminina insólita à produção de literatura. Na antologia de Damas foram publicados os poemas de Martha, então com 19 anos, filha mais velha de Ruth.

Ora, nem José Botelho Neto, o chefe dessa admirável família de seis filhos, nem Ruth Guimarães […] cujo nome havia eu, desde Paris, cuidadosamente anotado, entre aquelas numerosas personalidades a ver, infalivelmente não tardou a nos pôr à vontade no cálido ambiente familiar que é o seu nesse longínquo Suzano […] Enquanto nos recebia, continuava entregue às suas ocupações do modo mais natural do mundo, feliz em saber-se secundada por seus filhos. [...] ( Damas, 1965DAMAS, Leon G. “Apresentação de Martha Botelho”. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 05 de setembro de 1965, p. 4.: 4).

Ao ser recebida na Academia Paulista de Letras, Ruth Guimarães teve coroado um longo caminho de trabalho intelectual e reconhecimento entre pares, de que gozou em grande medida de sua vida, como mostram passagens deste texto. No entanto, entre meados dos anos 1980 e 2000, pouco se encontra a respeito de seu percurso. Participação na Mostra de Literatura Negra e Bienal Nestlé ( Silva, 2015SILVA, Mário A. M. da. Por uma militância ativa da palavra: antologias, mostras, encontros e crítica sobre literatura negra, anos 1980. História: questões e debates , v. 63, n.2, 2015, pp.161-194. ), no Museu Afro Brasil, esporádicas aparições públicas ou comentários na imprensa. Mesmo a segunda edição de Água Funda foi um projeto posterior ( Guimarães, 2003GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 2a. ed., 2003. ) e a terceira, póstuma ( Guimarães, 2018GUIMARÃES, Ruth. Água Funda. São Paulo, Editora 34. 3a. Ed, 2018. ). Guimarães nunca foi invisível, está certo, mas seu percurso foi invisibilizado ao longo do tempo apesar do reconhecimento inicial e o trabalho permanente como pesquisadora e tradutora. No ano do centenário de seu nascimento, as homenagens foram poucas em razão da pandemia do coronavírus ( Lima, 2020LIMA, Juliana Domingos de. “O resgate da extensa e pouco explorada obra de Ruth Guimarães”. Nexo Jornal . 12 de junho de 2020 [https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/06/12/O-resgate-da-extensa-e-pouco-explorada-obra-de-Ruth-Guimar%C3%A3es - acessado em 30 jul. 2020].
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2...
). O reconhecimento como acadêmica paulista chegou em 2008, na fase final de sua vida dedicada às letras, quase toda ela em momentos de crise – a autora atravessou o Estado Novo, a ditadura civil-militar, o AI-5 e a redemocratização. Sobre isso, ela sabiamente vaticinou: “Para literatura todo tempo é difícil”(Entrevista, 2009).

Ruth Guimarães faleceu em 21 de maio de 2014, aos 93 anos, em Cachoeira Paulista, em retorno às suas raízes, como afirma o poema epígrafe deste texto. Uma intelectual notável, que ainda carece ser mais e melhor pesquisada. Espera-se que este artigo seja uma contribuição relevante a sua fortuna crítica.

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer Janaína Damaceno e Mariana Chaguri pelo apoio a esta pesquisa.

Jornais consultadosEntrevistasReferências bibliográficasColeção Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional, Acervo O Estado de São Paulo e Acervo Folha de São Paulo:

  • A Escritora Ruth Guimarães. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1946, p. 6.
  • A mulher nas letras e nas artes. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1957, s/p.
  • Balzac veio de Cachoeira. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 1960, s/p.
  • Boletim. Conselho Federal de Cultura , Rio de Janeiro, 1975, p. 150.
  • Com o Partido Nacional Feminino. Diário da Noite, São Paulo, 10 de março de 1958, s/p.
  • Depoimento de Ruth Guimarães. Letras e Artes , Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1949, p.10.
  • Escritores de São Paulo organizam um sindicato. Novos Rumos , Rio de Janeiro, 6 a 12 de dezembro de 1963, s/p.
  • Escritores terão sindicato. Luta Democrática , Rio de Janeiro, 26-27 de maio de 1963, p.3.
  • Histórias Fascinantes. Correio Paulistano , São Paulo, 10 de agosto de 1960, segundo caderno, p.2.
  • Livros de Mulher. O Jornal , Rio de Janeiro, 04 de setembro de 1949, s/p.
  • Notícia de uma Romancista. O Jornal , Rio de Janeiro, 26 de maio de 1946, s/p.
  • Sortilégio, o mais novo caso criado pela censura. Última Hora , 10 de setembro de 1951, p.03.
  • “Sortilégio” de Abdias Nascimento. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1957, s/p.
  • ANDRADE, Carlos Drummond. “80 mulheres na Academia”. Correio da Manhã , Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 1969, s/p.
  • CANDIDO, Antonio. “Água Funda”. O Jornal , Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1946, p. 1.
  • CORREIA, Valmirina. “A Academia e as Mulheres”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 1962, p.13.
  • CORREIO da Manhã, Rio de Janeiro, 06/04/1947, s/p.
  • DAMAS, Leon G. “Apresentação de Martha Botelho”. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 05 de setembro de 1965, p. 4.
  • ENEIDA. “Ruth Guimarães”. Diário de Notícias , 15 de dezembro de 1960, s/p.
  • FUNDAMENTOS , São Paulo, edição 33, 1953, p. 41.
  • GÓES, Fernando. “Balzac veio de Cachoeira”. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1960a, s/p.
  • GÓES, Fernando. “Ruth Guimarães em Cachoeira”. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1960b, s/p.
  • GUIMARÃES, Ruth. “Integração”. O Jornal, Rio de Janeiro, 25 de maio de 1947, s/p.
  • GUIMARÃES, Ruth. “Nós, os negros”. Novo Horizonte , São Paulo, ano II, n. 19, março de 1948, p. 4.
  • GUIMARÃES, Ruth. “Nove paulistas julgam um mineiro”. Manchete , Rio de Janeiro, 1956, edição 234, s/p.
  • JORNAL DE NOTÍCIAS , São Paulo, 04 de janeiro de 1949, p. 05.
  • LETRAS e Artes, Rio de Janeiro, 05 de junho de 1949, p.10.
  • LINS, Álvaro. “Romances, novelas e contos”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 1947, p. 2.
  • LITERATURA Negra na 3ª Bienal Nestlé. Jornal do Conselho da Comunidade Negra , São Paulo, ano II, n.6, junho/julho 1986, p, 12.
  • NABUCO, Araujo. “Mundo Literário: duas estréias”. Jornal de Notícias , Rio de Janeiro, 09 de dezembro 1946, p.4
  • O JORNAL , Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1954, s/p.
  • PEREGRINO. “Um sorriso para todos”. Careta , Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1946, p. 14
  • PEREIRA, Lúcia Miguel. “Depoimento”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, 01 de setembro de 1946, 2a seção.
  • QUEIROZ, Rachel de. “Uma romancista”. O Cruzeiro , ed. 18, 1954, última página.
  • REVISTA RIO , Rio de Janeiro, 1946, p. 98.
  • SODRÉ, Nelson W. “Água Funda”. Correio Paulistano , São Paulo, 19 de maio de 1946, pp. 6-7.
  • VAINER, Nelson. “Uma escritora negra triunfa”. Revista da Semana , Rio de Janeiro, 1947, s/p.
  • Entrevista de Mário Augusto Medeiros da Silva e Janaína Damaceno Gomes com Ruth Guimarães. São Paulo, Academia Paulista de Letras, 23 de novembro de 2008.
  • Entrevista de Mário Augusto Medeiros da Silva e Janaína Damaceno Gomes com Ruth Guimarães. Cachoeira Paulista, Casa da Escritora, 23 de maio de 2009.
  • BASTIDE, Roger, Fernandes, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 3aed., São Paulo, Global Editora, 2008.
  • CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. São Paulo, Duas Cidades, 3aed., 1975.
  • CHAGURI, Mariana M. Livrarias e editoras: notas sobre um mercado de livros entre 1920 e 1950. As escritas do lugar: regiões e regionalismo em José Lins do Rego e Érico Veríssimo. Tese [Doutorado em Sociologia]. Unicamp, Campinas, 2012.
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    » https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/06/12/O-resgate-da-extensa-e-pouco-explorada-obra-de-Ruth-Guimar%C3%A3es
  • MIRANDA, Fernanda. Corpo de romances de autoras negras brasileiras (1859-2006):posse da história e colonialidade nacional confrontada . Tese [Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa], USP, São Paulo, 2019.
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  • 1
    Ver: http://institutoruthguimaraes.org.br/site/ Acessado em 30 jul. 2022.
  • 2
    “Tinha um juiz, Dr. Trazíbolo Pinheiro, eu fui procurar o Juiz de Menores, porque eu não podia fazer nada, nem eu, porque eu não tinha idade, então não podia nem trabalhar porque alguém tinha que assinar por mim. Eu fui ao Dr. Trazíbolo, contei todo o caso para ele, ele queria internar dois dos meus irmãos no orfanato, eu falei: ‘Não senhor, enquanto eu aguentar, eles ficam comigo. Se eu não aguentar, eu grito!’ Ele assinou a licença para eles trabalharem” (Entrevista, 2008).
  • 3
    A administração da faculdade respondeu à consulta do jornal: “Tivemos três casos de autores de livros que requereram a sua inscrição na Faculdade de Filosofia. Os casos que aparecem são submetidos ao Conselho Técnico e Administrativo que resolve a respeito. Um desses casos foi o da romancista Ruth Guimarães. Essas três pessoas ingressaram na Faculdade em vista da decisão favorável do Conselho. Quanto a professores não diplomados mas registrados não tivemos nenhum caso.” “O ingresso de contadores na Faculdade de Filosofia constitui um privilégio” ( Jornal , 1949:05).
  • 4
    Esta aproximação a levaria a ser convidada a entrevistar o escritor e produzir matéria a respeito dele com Maria de Lourdes Teixeira, Sérgio Milliet, Edgar Cavalheiro, Guilherme de Almeira, Lygia F. Telles e Fernando Góes. ( Guimarães, 1956GUIMARÃES, Ruth. “Nove paulistas julgam um mineiro”. Manchete , Rio de Janeiro, 1956, edição 234, s/p. ).
  • 5
    “Instantâneos paulistas – à sombra dos plátanos” (1948); “Instantâneos paulistas – Favela Santista” (1948); “Instantâneos paulistas – Congadas de Santa Isabel” (1949); “Instantâneos paulistas – O museu do Ipiranga” (1949); “Instantâneos paulistas – Ecos da Aleluia” (1949). Textos de Ruth Guimarães e fotografias de Botelho Neto.
  • 6
    “Significação Cultural do Museu do Folclore” (20/08/1950); “A Dança do Moçambique” (27/08/1950); “Congueiros de Atibaia” (16/11/1950). Textos de Ruth Guimarães e fotografias de Botelho Neto.
  • 7
    “Juntamente com Edison Carneiro que ocupa o cargo de secretário do TPB, Solano Trindade levou para seu quadro social nomes como: Manoel Diegues Júnior, Josué de Castro, L.A. Costa Pinto, Érico Veríssimo, Djanira, Eneida de Morais, Lila Ripoll, Augusto Rodrigues, Renato Almeida, Grande Otelo, Miécio Tati e outros. De São Paulo, já deram sua adesão até o momento: Abguar Bastos, Alex Viany, Mauro de Alencar, Délio Miranda, Gerardo Campos, Ruth Guimarães, Di Cavalcanti e outros”. “A obra do Teatro Popular Brasileiro, trazer a arte popular para o palco” (Fundamentos, 1953:41).
  • 8
    As referências são ao futebolista Leônidas da Silva e ao advogado José Bento de Assis.
  • 9
    Texto cedido por Ruth Guimarães a Mário Augusto Medeiros da Silva, em 2007, durante o Encontro de Gerações , ocorrido no Museu Afro-Brasil.
  • *
    Quero agradecer Janaína Damaceno e Mariana Chaguri pelo apoio a esta pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2021
  • Aceito
    23 Nov 2021
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