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Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra, de bell hooks

Resenha do livro: HOOKS, bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019.

“Escritora bell hooks morre aos 69 anos nos Estados Unidos”. Esse foi o tema em vários meios de comunicação, em 15 de dezembro de 2021, quando, junto com a profunda tristeza, ficou também a vontade de continuar lendo e compartilhando a luta da intelectual negra feminista que com suas reflexões impactou muitas mulheres, defendeu o diálogo, o pensamento coletivo, a luta por reconhecimento, respeito, espaço e deixou evidente a importância da educação mais justa e inclusiva.

Voltando os olhos para a sua produção, o seu legado permanecerá nos livros, que são o suporte das ideias e das provocações de uma escrita que revelou uma mulher forte, determinada e engajada numa causa que extrapolou os limites geográficos do lugar onde nasceu e, ouso dizer, que suas palavras atingiram e mudaram a postura e o percurso dos seus leitores1 1 Alguns dos livros traduzidos para o português são: Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019. Ensinando Pensamento Crítico: sabedoria Prática. São Paulo, Elefante, 2020. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo, Elefante, 2021. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo, Elefante, 2021. .

Em 1952, no sul dos Estados Unidos, em Hopkinsville, nascia Gloria Jean Watkins. Ela optou pelo pseudônimo de sua bisavó, Bell Blair Hooks, que foi uma mulher “que não teve medo de erguer a voz”, mesmo numa época e sociedade segregadas. A grafia do nome em minúsculo vai a contrapelo das produções acadêmicas e busca enfatizar mais a escrita e as reflexões do que a figura do autor. bell hooks estudou língua inglesa na Universidade de Stanford, na Califórnia, fez o mestrado na Universidade de Wisconsin Madison e o doutorado pela Universidade da Califórnia Santa Cruz, “onde escreveu sua dissertação sobre a escritora negra estadunidense Toni Morrison” (Editora Elefante, 2020).

Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra é publicado em português, em 2019, com tradução de Cátia Bocaiuva Maringolo e prefácio à edição brasileira da historiadora Mariléa de Almeida. A publicação original em inglês, Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black, em 1989, nos faz pensar que somente trinta e quatro anos depois da publicação original o livro chegou aos leitores e leitoras brasileiros que não dominam a leitura no idioma inglês. A editora responsável pela edição do livro no Brasil foi a Elefante, que destaca a recepção calorosa dos títulos no país e que, com início em 2019, em breve terá treze livros da autora publicados no total (Editora Elefante, 2020).

O livro Erguer a voz foi dividido em 23 capítulos e mais uma entrevista por Yvonne Zylan. Com uma linguagem forte, bell hooks provoca os leitores e leitoras com reflexões sobre seu percurso: na infância e adolescência numa cidade segregada, Hopkinsville, nos Estados Unidos; nas dificuldades e desafios na pós-graduação; na escrita de Ain’t I a woman, a que se dedicou durante seis anos a estudar sobre o feminismo negro. Ao longo da narrativa, quando compartilha suas experiências pessoais, o leitor entende a profundidade e a urgência de ler esse e outros livros da autora.

No capítulo 2, intitulado “quando eu era uma jovem soldada da revolução”, encontrando a voz, a autora destaca a luta global contra a dominação e por uma voz libertadora para pessoas que viviam em silêncio: “participamos da luta global para acabar com a dominação. Quando acabamos com nosso silêncio, quando falamos com uma voz libertadora, nossas palavras nos conectam com qualquer pessoa que viva em silêncio em qualquer lugar” (p.43).

Em diálogo com o capítulo citado acima, no capítulo 4, “sobre a autorrecuperação”, hooks defende a importância da linguagem para o oprimido se recuperar: “A linguagem é também um lugar de luta. O oprimido luta na linguagem para recuperar a si mesmo — para reescrever, reconciliar, renovar. Nossas palavras não são sem sentido. Elas são uma ação — uma resistência. A linguagem é também um lugar de luta.” (p.58).

Ainda no mesmo capítulo, a autora relembrou o livro Ain’t I a woman (1981) que foi sua auto recuperação, despertando-a para a consciência crítica: “ao escrever aquele livro, fui compelida a confrontar a realidade das mulheres negras, nossa história negada e enterrada, nossas circunstâncias presentes” (p.60).

Sobre uma agenda teórica radical para uma educação feminista libertadora, no capítulo 5, “teoria feminista: uma agenda radical”, a autora discute questões importantes como: a inclusão de escritoras negras nos “cursos de teoria feminista como romances ou escritas confessionais autobiográficas para mediar a tensão entre a escrita acadêmica — a teoria — e o empírico” (p.72). Critica a teoria feminista produzida apenas nos ambientes acadêmicos:

A teoria feminista está se tornando rapidamente outra esfera do elitismo acadêmico, no qual trabalho que é linguisticamente ininteligível, que se aproxima de outros trabalhos similares, é considerado mais sofisticado intelectualmente, mais teórico, do que o trabalho que é mais acessível (uma vez que o estereótipo de teoria é sinônimo de empolado, difícil de compreender). Toda vez que isso acontece, o potencial radical, subversivo, dos estudos feministas — e da teoria feminista, em particular — é enfraquecido (p.70).

Interessante perceber que a escrita de bell hooks traz sempre a primeira pessoa do plural, o “nós”, ou seja, no sentido de luta coletiva da autora, dos leitores, das pessoas engajadas em defender os direitos no enfrentamento contra o racismo e o machismo. A autora defende que a teoria feminista precisa vir de diversos lugares e não apenas da academia.

De forma crítica, o livro aborda questões urgentes para pensar e agir na construção de um feminismo mais democrático. O primeiro ponto é que alcance pessoas além dos muros das instituições de ensino superior, com uma pedagogia libertadora, a exemplo da pedagogia desenvolvida pelo educador e escritor brasileiro Paulo Freire (1921–1997), que bell hooks cita em vários momentos, como no capítulo 9, “sobre ser negra em Yale: educação”:

Gerações de pessoas negras sabem o que significa ver a educação como prática da liberdade. Embora eu hoje diga estas palavras — que entraram primeiro na minha consciência por meio do trabalho do educador brasileiro Paulo Freire, companheiro e professor —, o significado delas sempre esteve na minha vida, na minha experiência (p.111).

A autora continua dialogando sobre essa questão no capítulo 17, “o foco feminista nos homens: um comentário”, contando que ler A pedagogia do oprimido (1970), de Paulo Freire, ajudou no seu desempenho como professora, no diálogo com os alunos e em enxergar o potencial da sala de aula, da educação, das experiências trocadas no ambiente escolar, na colaboração da luta dos oprimidos para se tornarem sujeitos. Segundo Freire (1970), o amor é o fundamento do diálogo e o próprio diálogo.

A segunda questão abordada é a dos abusos e das violências presentes nos relacionamentos, que foi tema do capítulo 11, “violência em relacionamentos íntimos: uma perspectiva feminista”, em que bell hooks narra acontecimentos pessoais que ficaram marcados em sua memória, e propõe que o “texto sirva como catalisador para futuros pensamentos, que fortaleça nossos esforços como ativistas feministas em criar um mundo onde dominação e abuso coercivo nunca sejam aspectos de relacionamentos íntimos” (p.154).

Sobre esse capítulo, refletindo no contexto atual, vivemos com tantos casos de feminicídio, de violência e abusos contra crianças e adolescentes, de violência contra os moradores das favelas (neste caso não é violência íntima, mas relacionada ao Estado), que certamente as preocupações da autora se tornam pauta urgente nas agendas dos debates feministas. A violência, física e/ou psicológica, atravessa gerações, atinge pessoas de diferentes nacionalidades, classes sociais e níveis de instrução. Mas, infelizmente, em determinados períodos históricos parece se intensificar e, também, atingir mais corpos negros.

Em outro ponto do continente onde estava bell hooks, a intelectual e ativista brasileira Lélia Gonzalez (1935-1994)2 2 “Nascida em Belo Horizonte (MG) em 1 de fevereiro de 1935, Lélia veio de uma família humilde. Filha de pai negro e ferroviário, e mãe indígena e empregada doméstica, teve 17 irmãos (entre eles o futebolista Jaime de Almeida). Mudou-se para o Rio de Janeiro com a família ainda criança, em 1942. Foi uma importante intelectual e ativista brasileira. Considerada a primeira mulher negra a se dedicar aos estudos de raça e gênero no Brasil, Lélia desenvolveu forte pesquisa e militância na área”. Fonte: E biografia [https://www.ebiografia.com/lelia_gonzalez/ - acesso em: 28 fev. 2022]. se preocupava com a condição dos negros e negras da América Latina; assim, a partir do termo “amefricanidade”, criticou o imperialismo dos Estados Unidos e refletiu sobre a ampliação da escala de análise numa perspectiva global para a “América”:

Os termos “afro-american” (afro-americano) e “african-american” (africanoamericano) nos remetem a uma primeira reflexão: a de que só existiriam negros nos Estados Unidos, e não em todo o continente. E a uma outra, que aponta para a reprodução inconsciente da posição imperialista dos Estados Unidos, que afirmam ser “A AMÉRICA”. Afinal, o que dizer dos outros países da AMÉRICA do Sul, Central, Insular e do Norte? Por que considerar o Caribe como algo separado, se foi ali, justamente, que se iniciou a história dessa AMÉRICA? É interessante observar alguém que sai do Brasil, por exemplo, dizer que está indo para “a América”. É que todos nós, de qualquer região do continente, efetuamos a mesma reprodução, perpetuamos o imperialismo dos Estados Unidos, chamando seus habitantes de “americanos”. E nós, o que somos, asiáticos? (Gonzalez, 2020GONZALEZ, Lélia. A categoria de amefricanidade. In: RIOS, Flávia; LIMA, Márcia (org.). Lélia Gonzalez. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020. 361 p. [ https://mulherespaz.org.br/site/wp-content/uploads/2021/06/feminismo-afro-latino-americano.pdf - acesso em: 15-03-2022].
https://mulherespaz.org.br/site/wp-conte...
:122).

Em um possível diálogo em relação aos temas estudados por bell hooks e Lélia Gonzalez, a pesquisadora Laysi da Silva Zacarias trabalhou as aproximações e afastamentos entre os conceitos da amefricanidade em Lélia Gonzalez e do amor em bell hooks:

Produzindo a partir de contextos e territórios diferentes, as proposições das autoras a partir das categorias se assemelham, mas também se distanciam. No decorrer do trabalho, também ficou evidente que enquanto bell hooks desenvolve nos diferentes textos, livros e entrevistas a categoria de amor que, para a conceituação da autora, traz características éticas e políticas importantes para a construção de uma “comunidade amada”, se aproximava também das análises e propostas políticas privilegiadas de Lélia Gonzalez, ao se debruçar sobre a ação política do movimento social negro e de mulheres negras (Zacarias, 2021ZACARIAS, Laysi da Silva. Amefricanizando o amor: diálogos entre bell hooks e Lélia Gonzalez. Dissertação (Mestrado em Direitos humanos e cidadania), Universidade de Brasília, Brasília, 2021.:20).

A meu ver, são trajetórias de duas mulheres negras em diferentes contextos, refletindo sobre a condição das pessoas oprimidas e a capacidade de reação diante de cenários como o racismo e, consequentemente, das injustiças sociais e culturais que transpassam as fronteiras geográficas. Ambas atentam às instituições de ensino, seu papel de reflexão e potencial transformador: se, por um lado, esses lugares podem ser espaços de tensões, disputas e convivências nem sempre harmônicas, por outro, a presença de pessoas negras ou não brancas, com suas experiências e conceitos – como o amor na escrita de bell hooks e a amefricanidade em Gonzalez – torna o meio acadêmico mais diversificado, menos eurocêntrico.

Ainda com relação às possíveis conexões entre as teóricas negras, destaco o texto do prefácio à edição brasileira do livro Erguer a voz, assinado pela historiadora Mariléa de Almeida, que destacou as características da escrita de hooks e a importância desse estilo entre as décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos, onde as intelectuais negras se esforçavam para publicar seus textos: “escrever sobre aspectos íntimos já era uma prática que bell hooks realizava em seus poemas, mas articular dimensões privadas às teorizações feministas foi, naquele momento, algo inédito em seu fazer como pensadora crítica” (Almeida, 2019ALMEIDA, Mariléa de. Prefácio à edição brasileira: a voz, a coragem e a ética feminista. In: HOOKS, Bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019.:7).

Nesse sentido, de escrever sobre a intimidade, muitos pesquisadores analisam esses vieses relacionados aos estudos de gênero e das emoções. A autora Helena López interrogou:

(...) a realidade social é redutível ao discurso? que, justamente, é o que abre o caminho para o “giro emocional” e o “giro afetivo”, definindo-os como enfoques teórico-metodológicos que mantém a necessidade de reconhecer que as dinâmicas sociais estão atravessadas por jogos de forças da ordem do corporal que são irredutíveis à interpelação discursiva. (...) Do corpo, como categoria analítica, já não é só um corpo discursivo, é um recurso de sentido e uma possibilidade de perpassar as oposições razão/corpo-sujeito/objeto, a partir do reconhecimento das emoções e os afetos (López, 2014LÓPEZ, Helena. Emociones, afectividad, feminismo. En: SABIDO, Olga; GARCÍA, Adriana (ed.) Cuerpo y afectividad en la sociedad contemporánea. México, UAM-A, 2014, pp.257-275. ISBN: 978-607-28-0261-2.:5, tradução minha)3 3 “(...) ¿es en definitiva la realidad social reducible al discurso? Esta cuestión ha dado passo alosllamados “giro emocional” y “giro afectivo”. Es decir, a unenfoque teórico-metodológico que, sin negar la importancia crucial de la maquinaria discursiva, sostiene la necesidad de reconocer que en las dinámicas sociales están en juego fuerzas del orden de lo corporal irreductibles a la interpelación discursiva. (...) Del cuerpo como recurso de sentido (Sabido 2012) como en su impugnación de una epistemología de la representación de naturaleza especular basada en las oposiciones razón / cuerpo y sujeto / objeto (Thrift 2008)” (López, 2014:5). .

A autora conclui que o corpo emocionado, afetado e apaixonado é uma oportunidade para a ação política transformadora, gerando um novo vocabulário que permite um movimento em que a “economia emocional e afetiva desmente a implacabilidade da regulação normativa” (López, 2014LÓPEZ, Helena. Emociones, afectividad, feminismo. En: SABIDO, Olga; GARCÍA, Adriana (ed.) Cuerpo y afectividad en la sociedad contemporánea. México, UAM-A, 2014, pp.257-275. ISBN: 978-607-28-0261-2.:10).

Assim, as vivências, ou melhor, as “escrevivências”4 4 Sobre o conceito de escrevivência: “em 1994, na minha dissertação de mestrado, fiz um jogo de palavras entre escrever, viver, escrever-se vendo e escrever vendo-se e aí surgiu a palavra escreviver. Mais tarde comecei a usar escrevivência. Em 2005, se não estou enganada, estive num seminário sobre mulher e literatura, no Rio de Janeiro, e houve uma mesa de escritoras bem diversa. Termino meu relato dizendo que nossa escrevivência não era para adormecer a casa-grande, e sim para acordá-la de sonos injustos. A partir do momento em que esse texto foi publicado nos anais do evento, foi ganhando mais leitores e interesse. O termo tem como imagem fundante as africanas e suas descendentes escravizadas dentro de casa. Uma das funções delas era contar histórias para adormecer os meninos da casa-grande. A palavra das mães pretas e bás era domesticada, na medida em que tinham que usá-la para acalentar essas crianças. Hoje a escrevivência das mulheres negras não precisa mais disso. Nossas histórias e escritas se dão com o objetivo contrário: incomodar e acordar os da casa-grande. Não estamos aqui para ninar mais ninguém nem apaziguar as consciências”. Fonte: Revista PUCRS. Esse lugar também é nosso [https://www.pucrs.br/revista/esse-lugar-tambem-e-nosso/ - acesso em: 14-03-2022]. , para usar o oportuno conceito da escritora negra Conceição Evaristo, permitem analisar a escrita de teóricas negras a partir das dificuldades e silenciamentos que são resultados de preconceito e de racismo sofridos. Quando hooks analisa seu percurso até a conclusão do livro Erguer a voz, nos presenteia com muitos elementos do seu contexto de repressão e mais, mostra suas estratégias de reação: quando muito cansada depois de um dia de trabalho, senta-se para escrever e insistir no livro ainda sem a promessa de publicação, a fim de constatar e compartilhar com seus possíveis futuros leitores que não poderia escrever somente quando tivesse inspiração, porque o trabalho e os afazeres do cotidiano não colaboravam, mas era preciso disciplina e determinação.

*

Ler bell hooks foi uma experiência intensa e desafiadora porque mexeu com sentimentos e algumas feridas ainda não cicatrizadas; quando penso em muitas situações vividas ao longo da trajetória acadêmica, no trabalho, na família, onde estas relações nem sempre foram harmônicas. Assim, algumas perguntas sempre estiveram comigo: por que preciso provar para as pessoas que sou competente, estudiosa, dedicada? Por que as pessoas se surpreendem com as minhas conquistas? Por que certas pessoas conversam comigo com tom de superioridade?

Como mulher, negra, periférica, sempre entendi que precisava reagir a qualquer forma de dominação, racismo, opressão, explicando para as pessoas que não deixaria ninguém assumir a direção da minha vida. No meio destas lutas diárias, sempre me senti sozinha, a garota que desde cedo foi buscar a companhia dos livros para amenizar a solidão. Assim como bem registrou bell hooks: “as pessoas negras sabem o que significa ver a educação como prática da liberdade” (p.111). Ao longo do tempo, transformei a paixão pelos livros em objeto de pesquisa acadêmica.

Olhando a minha “escrevivência”, me sinto num lugar privilegiado hoje, mas isso não ameniza a tristeza em pensar naquelas mulheres negras ou não brancas, que não conseguiram concluir seus cursos: muitas abandonaram as escolas por falta de condições básicas, porque precisaram contribuir financeiramente em casa e abandonaram seus sonhos, nessa luta constante contra a miséria e a fome. Quantas Carolinas ainda vivem no quarto de despejo? (Jesus, 2007JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9ªed. São Paulo, Ática, 2007.).

Com todas as dificuldades financeiras e emocionais para mulheres negras ou não brancas, no Brasil e em diversas partes do globo, agravadas ainda mais no atual contexto da pandemia da Covid-19, é fundamental que o feminismo debatido nas universidades inclua as mulheres que estão fora destes ambientes, para elas entenderem que não estão sozinhas, que não são objetos, mas sujeitos, e sendo assim, não podem se acomodar, devem levantar a cabeça, erguer a voz, assumindo a postura historicamente desafiadora de resistência e sobrevivência.

Essa resistência consiste em enfrentar a dor. Falar e agir são fundamentais no esforço feito por hooks no texto Recusando-se a ser uma vítima: “eu encorajava as mulheres a se unirem pelas bases da solidariedade política” (hooks, 1984, s/p), por intermédio de meios coletivos para reverter a opressão, como resistência militante.

As mulheres negras citadas estão engajadas nessa luta coletiva. A perda recente (da presença física) de bell hooks, perto de completar seus 70 anos, precisa servir de provocação para os que ainda não leram seus livros e, para os seus leitores, como oportunidade de revisitar a força das palavras dessa mulher que, mesmo em condições adversas, foi capaz de exercitar a empatia e defender o amor como forma de reação.

bell hooks, obrigada!

Referências bibliográficas

  • ACAUAN, ANA PAULA. Esse lugar também é nosso: escritora Conceição Evaristo busca vaga na Academia Brasileira de Letras. REVISTA PUCRS. [https://www.pucrs.br/revista/esse-lugar-tambem-e-nosso/ - acesso em: 14-03-2022].
    » https://www.pucrs.br/revista/esse-lugar-tambem-e-nosso/
  • ALMEIDA, Mariléa de. Prefácio à edição brasileira: a voz, a coragem e a ética feminista. In: HOOKS, Bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019.
  • AIDAR. Laura. Biografia Lélia Gonzalez. E biografia [https://www.ebiografia.com/lelia_gonzalez/ - acesso em: 15-03-2022].
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  • EDITORA ELEFANTE. Para ler bell hooks [https://elefanteeditora.com.br/para-ler-bell-hooks/ - acesso em: 01 maio 2021].
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  • GALVANI, Giovanna. Escritora bell hooks morre aos 69 anos nos Estados Unidos: Americana era conhecida como uma das principais teóricas do feminismo, racismo e gênero da atualidade CNN Brasil [https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/escritora-bell-hooks-morre-aos-69-anos-nos-estados-unidos/ - acesso em: 15-12-2021].
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  • GONZALEZ, Lélia. A categoria de amefricanidade. In: RIOS, Flávia; LIMA, Márcia (org.). Lélia Gonzalez. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020. 361 p. [ https://mulherespaz.org.br/site/wp-content/uploads/2021/06/feminismo-afro-latino-americano.pdf - acesso em: 15-03-2022].
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  • HOOKS, Bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019.
  • HOOKS, Bell. Recusando-se a ser uma vítima - bell hooks. In: FEMINISMO RADICAL. [s/n. s/l]. 2013. [https://we.riseup.net/radfem/recusando-se-a-ser-uma-v%C3%ADtima-bell-hooks – acesso em: 15-03-2022].
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  • JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9ªed. São Paulo, Ática, 2007.
  • LÓPEZ, Helena. Emociones, afectividad, feminismo. En: SABIDO, Olga; GARCÍA, Adriana (ed.) Cuerpo y afectividad en la sociedad contemporánea. México, UAM-A, 2014, pp.257-275. ISBN: 978-607-28-0261-2.
  • ZACARIAS, Laysi da Silva. Amefricanizando o amor: diálogos entre bell hooks e Lélia Gonzalez. Dissertação (Mestrado em Direitos humanos e cidadania), Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
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    Alguns dos livros traduzidos para o português são: Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo, Elefante, 2019. Ensinando Pensamento Crítico: sabedoria Prática. São Paulo, Elefante, 2020. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo, Elefante, 2021. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo, Elefante, 2021.
  • 2
    “Nascida em Belo Horizonte (MG) em 1 de fevereiro de 1935, Lélia veio de uma família humilde. Filha de pai negro e ferroviário, e mãe indígena e empregada doméstica, teve 17 irmãos (entre eles o futebolista Jaime de Almeida). Mudou-se para o Rio de Janeiro com a família ainda criança, em 1942. Foi uma importante intelectual e ativista brasileira. Considerada a primeira mulher negra a se dedicar aos estudos de raça e gênero no Brasil, Lélia desenvolveu forte pesquisa e militância na área”. Fonte: E biografia [https://www.ebiografia.com/lelia_gonzalez/ - acesso em: 28 fev. 2022].
  • 3
    “(...) ¿es en definitiva la realidad social reducible al discurso? Esta cuestión ha dado passo alosllamados “giro emocional” y “giro afectivo”. Es decir, a unenfoque teórico-metodológico que, sin negar la importancia crucial de la maquinaria discursiva, sostiene la necesidad de reconocer que en las dinámicas sociales están en juego fuerzas del orden de lo corporal irreductibles a la interpelación discursiva. (...) Del cuerpo como recurso de sentido (Sabido 2012) como en su impugnación de una epistemología de la representación de naturaleza especular basada en las oposiciones razón / cuerpo y sujeto / objeto (Thrift 2008)” (López, 2014LÓPEZ, Helena. Emociones, afectividad, feminismo. En: SABIDO, Olga; GARCÍA, Adriana (ed.) Cuerpo y afectividad en la sociedad contemporánea. México, UAM-A, 2014, pp.257-275. ISBN: 978-607-28-0261-2.:5).
  • 4
    Sobre o conceito de escrevivência: “em 1994, na minha dissertação de mestrado, fiz um jogo de palavras entre escrever, viver, escrever-se vendo e escrever vendo-se e aí surgiu a palavra escreviver. Mais tarde comecei a usar escrevivência. Em 2005, se não estou enganada, estive num seminário sobre mulher e literatura, no Rio de Janeiro, e houve uma mesa de escritoras bem diversa. Termino meu relato dizendo que nossa escrevivência não era para adormecer a casa-grande, e sim para acordá-la de sonos injustos. A partir do momento em que esse texto foi publicado nos anais do evento, foi ganhando mais leitores e interesse. O termo tem como imagem fundante as africanas e suas descendentes escravizadas dentro de casa. Uma das funções delas era contar histórias para adormecer os meninos da casa-grande. A palavra das mães pretas e bás era domesticada, na medida em que tinham que usá-la para acalentar essas crianças. Hoje a escrevivência das mulheres negras não precisa mais disso. Nossas histórias e escritas se dão com o objetivo contrário: incomodar e acordar os da casa-grande. Não estamos aqui para ninar mais ninguém nem apaziguar as consciências”. Fonte: Revista PUCRS. Esse lugar também é nosso [https://www.pucrs.br/revista/esse-lugar-tambem-e-nosso/ - acesso em: 14-03-2022].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Out 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2022
  • Aceito
    05 Maio 2022
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