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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

Real estate market regulation and housing policy in Rio de Janeiro

Resumo

O problema habitacional no Brasil, nas últimas duas décadas, tem aumentado. O déficit habitacional absoluto no País passou de 5,657 milhões, em 2016, para 5,877 milhões em 2019. A pesquisa aqui apresentada tenta problematizar o papel do Estado não somente como promotor de habitação de interesse social, mas também como agente regulador do mercado imobiliário que envolve tanto o setor de vendas quanto o setor de aluguéis. Este artigo visa colocar em pauta que, sem o controle do Estado sob mecanismos de acesso ao mercado formal de imóveis, a produção de novas unidades habitacionais para baixa renda é apenas uma medida mitigadora para as restrições que o mercado impõe aos trabalhadores.

déficit habitacional; mercado imobiliário; affordabilidade, necessidades habitacionais; demanda habitacional

Abstract

The housing problem in Brazil increased in the last two decades. The absolute housing deficit rose from 5,657 million in 2016 to 5,877 million in 2019. The research presented here attempts to problematize the role of the State not only as a promoter of social housing, but also as a regulator of the real estate market, including both rental and sales markets. The article aims to point out that, without State control through mechanisms of access to the formal real estate market, the production of new low-income housing units is only a mitigating measure for the restrictions that the market imposes on workers.

housing deficit; real estate; affordability; housing needs; housing demand

No Brasil, a maior parte dos diagnósticos sobre políticas habitacionais busca analisar os dados o déficit habitacional em comparação com a produção habitacional pública, dando enfoque aos aspectos quantitativos da política. Russo (2014)RUSSO , E. de O. ( 2014 ). O Conceito de Déficit Habitacional no Brasil: contexto de elaboração sob a ótica do sistema simbólico . Dissertação de mestrado . Rio de Janeiro , Universidade Federal do Rio de Janeiro . argumenta que, apesar dos estudos desenvolvidos pela Fundação João Pinheiro realizarem uma abordagem mais complexa do problema, levantando dimensões qualitativas da habitação e dos aspectos demográficos, existe uma tendência generalizada por parte do poder público e dos meios de comunicação em dar enfoque primordial ao aspecto quantitativo da política, o que impede uma compreensão mais ampla das questões habitacionais.

Gilbert (2001)GILBERT , A. ( 2001 ). Housing in Latin America . Working Paper Series I-7UE . Washington, D.C . , analisando o contexto latino-americano, aponta três questões relevantes ao se considerar o indicador do déficit habitacional como parâmetro de avaliação de políticas públicas habitacionais, especialmente quando se observa apenas o critério quantitativo:

Primeiramente, déficits habitacionais são baseados em um método de análise altamente dúbio do problema habitacional. Para definir o déficit habitacional, é necessário classificar todas as moradias tanto as satisfatórias como as não satisfatórias, usualmente com base em critérios físicos [...]. Em segundo lugar, os cálculos do déficit habitacional tendem a negligenciar se a população, ou mesmo o governo, pode pagar pelas soluções aparentemente melhores [...]. Em terceiro, os cálculos do déficit sempre produzem metas que poucos governos nacionais podem atingir. (Ibid., pp. 21-22; tradução nossa)

Embora grande parte dos estudos sobre o déficit habitacional seja voltada às intervenções do Estado, o debate proposto neste artigo busca dar enfoque ao mercado imobiliário, destacando o papel mais amplo do Estado na condução de ações que ultrapassam as da produção pública de moradia. Considerando a complexidade do campo habitacional, queremos ressaltar que o poder público tem preponderante responsabilidade na regulação do mercado imobiliário e do uso do solo, assim como essas estratégias podem ser até mais relevantes do que os tradicionais programas de provisão de Habitação de Interesse Social – HIS. Nesse sentido, para mostrar os efeitos negativos da pouca regulação do mercado imobiliário e a limitada eficácia dos instrumentos de ordenamento do solo na promoção de justiça social, tomaremos o comportamento das componentes do déficit habitacional para demonstrar lacunas da ação do Estado em eixos relevantes da política. Somado a isto, propomos enfatizar a importância da desconstrução da ideia de que cabe ao Estado somente prestar assistência à população pobre ou, recobrando a ideologia difundida mais recentemente, de que cabe ao poder público “dar condições” para o mercado resolver o problema habitacional através do aumento da demanda obtida pela política de crédito.

O artigo está dividido em três partes. Na primeira parte será apresentado um panorama dos fundamentos microeconômicos sobre o bom funcionamento dos mercados, argumentos amplamente difundidos para a consolidação de uma lógica, como vamos argumentar, incompatível com a realidade da dinâmica urbana. Com isto, buscamos estabelecer as distinções conceituais necessárias entre a racionalidade microeconômica, os aspectos-chave das políticas habitacionais e a ação do Estado no setor. Assim, consideramos dispor de uma melhor leitura dos processos que influenciam no déficit habitacional.

A segunda seção discorre sobre a produção capitalista da habitação e apresenta a hipótese de que a predominância da propriedade da casa não se dá somente por uma hegemonia da ideologia da casa própria, mas também por condicionantes do mercado. Para embasar a argumentação, apresentamos pesquisa sobre o acesso aos mercados de aluguel e de vendas na cidade do Rio de Janeiro.

Por fim, a conclusão, que se coloca mais como provocação a outros debates, sugere uma conexão entre a baixa regulação do mercado imobiliário e a existência e tolerância aos espaços informais como uma condição necessária para a manutenção dos patamares de preço das habitações formais. Assim, apresentaremos os desafios de desconstrução ideológica do papel restrito do Estado ao atendimento daqueles que não conseguem sua reprodução social através da esfera do consumo e ressaltaremos a importância de tratar da complexidade da moradia como um problema amplo que envolve não somente a provisão de habitação social, o estabelecimento de crédito e a construção da cidade, mas também, e principalmente, a regulação do mercado imobiliário a partir de uma política de publicização de dados do mercado imobiliário, modernização do sistema de cálculo do IPTU e de controle dos valores e níveis de crédito indexado à massa salarial local.

Bases para debate sobre o mercado imobiliário e a habitação social

O desenvolvimento do capitalismo avançado (globalizado e financeirizado) no mundo generalizou a ideia de que os mercados não são apenas autorregulados, mas também são mecanismos de otimização de recursos por excelência. O arcabouço clássico da economia que defende essa perspectiva afirma que os processos baseados no mercado se colocam como padrão eficiente para alocação de recursos. Essa noção é reforçada pela Lei de Say 1 1 A Lei de Say defende que não existem as chamadas crises de "superprodução geral". Essa perspectiva afirma que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um bem é determinada pela oferta de outros bens. É sintetizada pela expressão "a oferta cria sua própria demanda". que anuncia que a oferta cria sua própria demanda, assim como os interesses econômicos dos agentes constituem fator determinante para manutenção do equilíbrio dos mercados.

De acordo com a perspectiva econômica clássica, os processos de mercado pressupõem uma perfeita competição entre agentes econômicos quando se observa a existência de certas condições. Para que haja uma verdadeira competição nas trocas, seria necessário: (1) a ausência de externalidades; (2) a consideração de que cada agente é um tomador de preços; e (3) que exista isonomia dos atores, tanto produtores como consumidores, no acesso à informação. Sob essas circunstâncias, o ambiente econômico conduz os participantes, que, por sua vez, são orientados por um interesse próprio, a corrigir eventuais “erros” que ocorram na troca, regulando o comportamento entre a oferta e a demanda através da precificação. Como consequência das ações conjuntas dos agentes num ambiente propício à competição, o mercado gera um ótimo de Pareto 2 2 O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente possível. Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá necessariamente piorar as condições de outro indivíduo. No entanto, ao ser eficiente não necessariamente significa que gere igualdade. na alocação dos recursos, promovendo o bem-estar econômico.

O modelo do equilíbrio geral, como normativa para a análise econômica, tem sido associado, a partir da década de 1970, a uma economia com pouca regulação, flexível e sem obstáculos impostos pelo Estado. Alguns preceitos econômicos têm assumido que o interesse público já é eficientemente representado pelos mecanismos de mercado e que a interferência de qualquer outra instituição contribui para a falsa percepção do sistema de preços, comprometendo a eficiência do mercado. De acordo com essa perspectiva, o livre-mercado é considerado a perfeita representação do interesse público.

Outro arcabouço teórico que reforça a difusão dos pressupostos do modelo do equilíbrio geral é a corrente teórica walrasiana que estabelece a necessária relação entre o equilíbrio e a situação social ótima de mercado. Ela assume que a Lei de Walras 3 3 A lei de Walras é uma teoria econômica segundo a qual a existência de excesso de oferta em um mercado deve ser igualada pelo excesso de demanda em outro mercado para que ele se equilibre. Essa lei afirma que um mercado examinado deve estar em equilíbrio se todos os outros mercados estiverem em equilíbrio. converge para o ótimo de Pareto de forma a dar suporte aos fundamentais teoremas da economia do bem-estar que afirma que, quando a competição é imperfeita, falhas de mercado acontecem e o governo deve corrigir essas falhas por meio de regulações. Daí em diante, o mainstream econômico tem desenvolvido e adaptado a teoria do equilíbrio às mudanças ocorridas na economia e às demandas teóricas do capitalismo contemporâneo, apesar de outras abordagens mais heterodoxas chamarem a atenção para os limites da teoria do equilíbrio ( Buchanan, 1975BUCHANAN , J. M. ( 1975 ). The limits of liberto: between anarchy and leviathan . The University of Chicago Press . ; Nozick, 1974NOZICK , R. ( 1974 ). Anarchy, state and utopia . Nova York , Basic Books . ).

Infelizmente, o contexto que permite a competição perfeita é dificilmente encontrado no mundo real, no qual observamos uma miríade de mercados ineficientes. Essas ineficiências, na maior parte do dos casos, são relacionadas a restrições tecnológicas, ausência de informações e barreiras estabelecidas contra agentes econômicos.

Na literatura, existem duas principais correntes de pensamento que tratam do papel do Estado sob a perspectiva microeconômica. Por um lado, encontramos a abordagem normativa, que considera a construção e o desenvolvimento de políticas como um problema técnico, ou mesmo como uma questão de controle de engenharia ( Dixit, 1996DIXIT , A. K. ( 1996 ). The making of economic policy: a transaction-cost politics perspective . Cambridge , Mass, MIT Press . ). O pensamento normativo coloca-se como um esquema simplificado que costuma prescindir de instituições políticas. Adeptos dessa abordagem acreditam que políticas produzem bons resultados se implementadas de acordo com os preceitos econômicos por eles estabelecidos e sem modificações realizadas por processos políticos. Essa corrente é alinhada à teoria dos interesses públicos que defende que a regulação deve ser estabelecida para proteger o interesse público contra as perdas do bem-estar associadas estritamente às falhas de mercado.

Por outro lado, há a abordagem positiva, que considera elementos da ciência política de forma a avaliar a aplicabilidade limitada das soluções normativas ( McCubbins e Thies, 1996McCUBBINS , M. ; THIES , M. F. ( 1996 ). Rationality and the foundations of positive political theory . Leviathan . ). Essa abordagem aponta para as chamadas “falhas de governo”. Tais falhas representam a forma passiva das ações do governo que evitam a implantação de políticas que devem ser estabelecidas – sob um ângulo normativo – de forma a resolver as falhas de mercado. Em nossa perspectiva, tanto falhas de mercado quanto de governo correspondem a leituras do mesmo fenômeno, mas que continuam a valorizar e a preservar o dogmatismo econômico da abordagem do mainstream econômico.

É importante ter em mente que, do ponto de vista tanto normativo quanto positivista, a análise é limitada. Em geral, essas visões desconsideram que o Estado tem responsabilidade sobre um leque maior de atribuições governamentais. Para a perspectiva microeconômica, medidas de redução das desigualdades na distribuição de riquezas ou para assegurar a estabilidade econômica não são consideradas atividades que justifiquem a regulação econômica. Considera-se que a diminuição da desigualdade diz respeito a políticas sociais, e a estabilidade econômica refere-se à macroeconomia. No entanto, o campo das ciências sociais aplicadas, como é o caso da gestão pública, do planejamento urbano e regional e até mesmo da macroeconomia, envolve uma base teórica distinta da microeconomia ( Mueller, 2001MUELLER , B. ( 2001 ). Regulação, Informação e Política: uma resenha da Teoria política positiva da regulação . Revista Brasileira de Economia de Empresas , v. 1 , n. 1 . ).

Considerando a força das crises cíclicas que tem impactado a economia mundial ao longo da história, em especial a partir da segunda metade do século XX, os pressupostos da Teoria do Equilíbrio têm sido questionados por algumas correntes de pensamento marxistas, neokeynesianas e até mesmo neo-schumpeterianas. Essas correntes defendem que a análise econômica deve considerar elementos que não estão incluídos na racionalidade estrita do mercado ( Granovetter, 2007GRANOVETTER , M . ( 2007 ). Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão . RAE electron . [ online ], v. 6 , n. 1 . ).

No desenvolvimento dessas críticas, chamamos a atenção para o debate da Escola Francesa da Regulação que coloca a Teoria do Equilíbrio como questão central. Para os pensadores dessa corrente, é necessário introduzir, na análise econômica, o “sujeito” – sua representação e estratégias –, assim como considerar seus mecanismos sociais de reprodução ( Boyer, 1990BOYER , R. ( 1990 ). A teoria da regulação: uma análise crítica . São Paulo , Nobel . ; Lipietz, 1988LIPIETZ , A. ( 1988 ). Miragens e Milagres. Problemas da Industrialização do Terceiro Mundo . São Paulo , Nobel . ) Nesse sentido, preocupa-se em elaborar uma economia histórica e institucional de onde deriva o modo de regulação, caracterizado pelo o arcabouço institucional que garante a viabilidade de um determinado padrão de crescimento (um regime de acumulação) em um espaço específico e por um determinado período de tempo.

No caso da moradia, bem que não só se constitui como fator essencial para reprodução social, mas que tem adquirido grande importância como mercadoria e ativo financeiro, o modo de regulação tem levado às políticas sociais um predomínio de uma racionalidade mercadológica. Isto, por si só, já estabelece contradições profundas no seio de qualquer política social que já tem sido constituída como sendo aquela direcionada para o contingente populacional excluído da esfera do consumo.

Apesar da grande produção acadêmica no campo habitacional no Brasil, existe pouca literatura que dê conta de sistematizar fundamentos conceituais sobre os propósitos, o público-alvo e as metas de uma política habitacional e sua relação com o mercado imobiliário. Uma das razões para essa lacuna está na própria dinâmica e na definição do que seja política social e na contínua redefinição do que venha a ser “bem-estar” no campo das políticas públicas. Outra razão repousa no fato de que há uma variedade de interpretações sobre o papel do Estado, uma vez que aspectos relacionados a diversas correntes de pensamentos, valores éticos e a própria filosofia permeiam o debate. Lembramos, ainda, que todos esses aspectos são historicamente dinâmicos, o que torna o conteúdo, muitas vezes, ambíguo.

Kemeny (1995)KEMENY , J. ( 1995 ). From public housing to the social market . Londres , Routledge . afirma que existem diferentes modelos de regimes de bem-estar – consequentemente regimes de políticas habitacionais – e que há uma lista de aspectos que precisam ser considerados. Tendo em vista as transformações nas concepções sobre o Estado ao longo do tempo, a questão aqui abordada exige que estabeleçamos a distinção entre dois conceitos fundamentais que balizarão nossa análise: necessidade habitacional e demanda habitacional.

Definimos necessidade habitacional como o conjunto de características indispensáveis à moradia para que esta seja considerada uma habitação adequada à população. Estabelecemos, ainda, como aspecto da necessidade habitacional, o volume de moradias para também contemplar o atendimento à população futura. Para integrar essa definição, conceituamos habitação adequada como sendo os padrões mínimos de qualidade dos domicílios, que sejam apropriados às necessidades da família em determinada sociedade.

Nessa perspectiva, a casa não somente precisa ser servida de infraestrutura básica, estar perto de serviços de transporte e equipamentos sociais, mas também deve compreender a segurança da posse, promover estabilidade para os moradores e conforto no dia a dia, além de possuir traços identitários. Assim, o déficit habitacional, mais do que um número que indica a falta de estoque imobiliário, coloca-se como um indicador que captura processos que influenciam nas necessidades habitacionais.

De acordo com a literatura brasileira ( Azevedo, 2000AZEVEDO , S. ( 2000 ). A questão da moradia no Brasil: necessidades habitacionais, políticas e tendências . Fórum Internacional de Habitação . Recife-PE . ; Russo, 2014RUSSO , E. de O. ( 2014 ). O Conceito de Déficit Habitacional no Brasil: contexto de elaboração sob a ótica do sistema simbólico . Dissertação de mestrado . Rio de Janeiro , Universidade Federal do Rio de Janeiro . ), as necessidades habitacionais podem ser compreendidas em dois aspectos: o qualitativo e o quantitativo. De um lado, para suprir a necessidade qualitativa, a política habitacional deve prover serviços básicos para os cidadãos, como: coleta de lixo, drenagem, abastecimento de água e esgoto, eletricidade e pavimentação nas vias. Na escala da edificação, os aspectos construtivos devem ser regulados de forma a assegurar a existência de banheiros, ventilação e iluminação que proporcione salubridade aos ambientes, assim como metragens adequadas aos cômodos. De outro lado, o aspecto quantitativo das necessidades habitacionais relaciona-se com a exigência de novas unidades para suprir o crescimento populacional e a reposição de estoques imobiliários degradados ou atender famílias em situação de coabitação.

Considerando que a moradia é um bem que também é sujeito à lógica de mercado, devemos distinguir a categoria denominada demanda habitacional. Nesse sentido, entendemos que a demanda habitacional é caracterizada pela quantidade de famílias que buscam comprar ou alugar uma habitação no mercado imobiliário formal. O pressuposto para que um indivíduo ou família seja considerado demanda é possuir capital necessário para se integrar a um mercado. Como consequência, todos que não se enquadrarem nesse parâmetro deixam de ser demanda, apesar de continuar possuindo necessidades habitacionais.

Para qualificar melhor a reflexão que estamos propondo fazer no nosso estudo, buscamos também dialogar com o conceito de housing stress ou estresse habitacional , que ainda não é tão abordado nos estudos habitacionais brasileiros, mas que compõe fator relevante na análise das políticas públicas do setor.

Estresse habitacional é entendido como o potencial que leva uma família a ficar desabrigada. Os principais fatores que levam à condição de desabrigo são a incapacidade de pagamento do aluguel, das prestações do imóvel ou a insegurança da posse. Burke e Ralston (2003)BURKE , T. ; RALSTON , L. ( 2003 ). Analysis of expenditure patterns and levels of household indebtedness of public and private rental households, 1975 to 1999. Final Report . Melbourne , AHURI . ressaltam que o aumento dos gastos com habitação pode colocar os moradores em risco de não conseguirem se sustentar no mercado habitacional formal, criando um potencial perigo de despejo. Os autores argumentam que existe uma diferença entre o estresse gerado pelo desemprego (ou imprevistos na vida econômica da família) e o estresse gerado pelas oscilações do preço da habitação em relação à renda da família. Enquanto o primeiro é considerado momentâneo e friccional, o segundo gera reflexos mais estruturais que podem levar a disjunções sociais. No momento em que o recurso gasto com a habitação começa a comprometer a sobrevivência da família, ela está sujeita deixar de ser demanda para virar grupo a ser assistido pelo Estado.

A Figura 1 sistematiza os diversos aspectos e processos que consideram o estresse habitacional para o dimensionamento das necessidades habitacionais. Este quadro ilustra os principais fatores que incidem nas formas de moradia e que ajudam a entender que o poder público tem papel central na gerência de contextos macroeconômicos que permitam o acesso ao mercado imobiliário, ao mesmo tempo que este provê moradia àqueles que ficam fora do mercado.

Figura 1
– Componentes das necessidades habitacionais

É importante notar que a necessidade habitacional expressa pelo déficit habitacional não pode ser tomada como sinônimo de demanda habitacional, apesar de o grupo que compõe a demanda fazer parte da população que possui necessidades habitacionais. O importante é compreender que, seja através de moradias formais ou de habitações construídas em áreas sujeitas a risco ambiental ou sem propriedade da terra, é sobre a totalidade da cidade que devemos nos debruçar para construir a política habitacional.

A produção capitalista da casa, a affordabilidade e o mercado restrito do Rio de Janeiro

Na contemporaneidade, o acesso à moradia encontra-se submetido à estrutura de uma sociedade capitalista na qual o capital tende a penetrar em todos os seus ramos, estabelecendo limites econômicos ao acesso a bens para os diversos setores que compõem a sociedade. Embora percebamos a generalização e imersão da lógica econômica em diversas dimensões das relações sociais ( Granovetter, 2007GRANOVETTER , M . ( 2007 ). Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão . RAE electron . [ online ], v. 6 , n. 1 . ), no que tange a produção da moradia, a indústria da construção civil apresenta uma série de peculiaridades que torna difícil a instauração, em seu seio, de relações capitalistas plenamente desenvolvidas ( Jaramillo, 1982JARAMILLO , S. ( 1982 ). “ Las formas de producción del espacio construido en Bogotá ”. In: PRADILLA , E. ( org .) . Ensayos sobre el problema de la vivienda en México . México , Latina Unam , pp. 149 - 212 . ).

Dentro do processo de construção de um imóvel, o período de rotação do capital é excepcionalmente longo. A produção de uma edificação acarreta investimento de grande soma de capital para a manutenção da força de trabalho necessária ao processo produtivo e para a compra de insumos. Além disso, o período em que o produto permanecerá inacabado afeta diretamente a taxa de lucro, e o tempo em que o capital permanece imobilizado no ciclo produtivo faz com que investidores tendam a aplicar seu capital em outras atividades econômicas que garantam retornos rápidos e que se encaixem no curtaprazismo dos mercados financeiros.

Externamente ao processo de construção, a produção imobiliária, em especial a da categoria da moradia, enfrenta outro constrangimento: o período de circulação configura-se igualmente prolongado. Compreendendo que a moradia incorpora grande quantia de capital, observa-se que poucos compradores possuem condições de desembolsar tal volume de recursos para pagar a totalidade do valor do produto no mercado. Para superar esses obstáculos, o setor necessitará da existência de um capital de circulação independente, que financie, de um lado, o processo de produção e, de outro, o processo de circulação, ou seja, o consumo. Com o estabelecimento de um sistema de crédito a ambos os agentes, reduzir-se-ia o período de rotação do capital comprometido no processo de produção e circulação do produto imobiliário (ibid., 1982).

Para além dos obstáculos à indústria da construção civil enunciados acima, a produção capitalista da casa e da cidade envolverá a articulação de um maior leque de agentes. Além da atuação do Estado e de instituições bancárias na disponibilização do capital de circulação necessário, também devemos incluir na análise o proprietário da terra.

O produto imobiliário, para ser construído, necessita de um terreno. No entanto, não é qualquer terreno que irá responder às necessidades do consumidor e garantir a realização do lucro por parte do promotor do empreendimento. A terra “urbana” necessária à produção deve também estar associada aos modos de consumo (o uso daquela edificação em relação a outros usos no interior da cidade). Destaca-se, assim, que as condições que fazem “urbana” a terra necessária à moradia e outras funções que compõem a estrutura da cidade (inter-relação espacial de funções e da distribuição da população no território) não são reproduzidas autonomamente pelos capitais individuais. A terra urbana é síntese do acréscimo de infraestrutura urbana, serviços públicos e de usos dados ao solo pelos proprietários. Sendo assim, o espaço geográfico coloca-se como uma resultante de processos sociais, econômicos e políticos que permeiam a construção das cidades.

Ribeiro (1997)RIBEIRO , L. C. de Q. ( 1997 ). Dos cortiços aos condomínios fechados. As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro , Civilização Brasileira, Ippur, UFRJ, Fase . chama a atenção para o papel de outro ator que irá exercer a função de coordenar o processo produtivo e assumir as responsabilidades pela comercialização: o incorporador. O incorporador será definido como “o agente que, comprando o terreno e detendo o financiamento para a construção e comercialização, decide o processo de produção, no que diz respeito às características arquitetônicas, econômico-financeiras e locacionais” (ibid.). Os incorporadores serão aqueles que irão articular o setor produtivo, controlar seu ritmo e suas características, fazendo com que o recurso para a produção tome forma de capital financeiro através de bancos, fundos públicos ou particulares. Eles vão atuar como promotores do empreendimento, definindo padrão de construção, localização, público-alvo, etc. De uma forma geral, analisando o campo econômico do mercado de moradia, as construtoras terão sua força de intervenção reduzida à condição de prestador de serviços dentro do processo de produção do espaço articulado pelos incorporadores.

No campo da disputa política, os agentes imobiliários influenciam no preço da terra, disputando espaços com melhores localizações e pressionando o Estado por maiores financiamentos. Em contrapartida, a depender de cada contexto, o Estado limita o avanço do setor através de seus regulamentos, favorecendo (dentro de uma arena política de negociação entre diversos atores sociais) investimentos em determinados eixos da cidade de interesse do mercado ou, ainda, contribuindo para maior ou menor segregação residencial na determinação da localização de seus conjuntos habitacionais ou ao permitir o zoneamento exclusivo para população de baixa renda nas imediações de setores ocupados predominantemente por classes de maior poder aquisitivo.

Dentre a miríade de interesses que orquestram a ação social dos agentes envolvidos na produção do espaço urbano, o papel do consumidor se limita a avaliar, dentro de seus limites e aspirações, qual opção habitacional mais adequada, considerando suas disposições econômicas e seu sistema de valores simbólicos. Esses limites e aspirações influenciarão na construção do espaço social da cidade ( Bourdieu, 2011BOURDIEU , P. ( 2011 ). A distinção: crítica social do julgamento . Porto Alegre , Zouk . ).

Recobrando o debate do mainstream econômico que afirma que o interesse público já é eficientemente representado pelos mecanismos de mercado e que o interesse dos agentes ajusta os “erros” que possam estar acontecendo numa dinâmica de oferta e procura, é importante destacar que o mercado imobiliário é um mercado artificial por excelência. Tanto a produção como o consumo são pautados por uma política de crédito. Assim, embora princípios econômicos operem na análise dos mercados imobiliários, não podemos considerar a Teoria do Equilíbrio ou outro arcabouço que atribua forças invisíveis de ajuste de mercado como alicerce de análise do setor imobiliário, pois esse campo será necessariamente pautado por dinâmicas políticas.

Nesses termos, propomos discutir habitação sob a perspectiva da integração das famílias no mercado habitacional, a partir dos modos de regulação estabelecidos ( Boyer, 1990BOYER , R. ( 1990 ). A teoria da regulação: uma análise crítica . São Paulo , Nobel . ), problematizando a renda familiar e a formação dos preços dos imóveis. Assim, defende-se que o mercado imobiliário deve ser estudado sob uma perspectiva essencialmente do consumo, dado que é a capacidade de compra ou de pagamento do aluguel que vai construir a demanda habitacional. O Estado deve promover políticas públicas necessárias tanto para gerar produção e consumo no setor da construção civil, materializada na política de crédito, como prestar assistência à parcela excluída da esfera do consumo, expressa em programas de habitação social.

Considerando a tendência de deslocamento do debate acerca da formação do preço e dos termos de entrada do consumidor no mercado formal para a discussão trivial e pouco problematizada da ampliação do sistema de crédito e financiamento habitacional, propomos maior reflexão sobre os níveis de affordability da população. O termo affordability , ou affordabilidade no nosso neologismo, tem sido utilizado amplamente nos países do norte global desde a década de 1970. Seu uso pode ser associado à difusão das formas neoliberais de política sociais que preconizam “maior resiliência no mercado privado e nas organizações não governamentais para prover e gerenciar habitações de baixo custo, e menor resiliência em subsídios para provisão de habitações públicas” ( Yates et al., 2005YATES , J. ; GABRILE , M. ; BURKE , T. ; JACOBS , K. ; ARTHURSON , K. ( 2005 ). Conceptualising and measuring the housing affordability problem. Collaborative Research Venture 3: Housing Affordability for Lower Income Australians . Research paper . Melbourne , Ahuri . ; tradução nossa). Essas mudanças têm trazido algumas confusões sobre o significado de habitação social, uma vez que muitos estudos começaram a usar o termo habitação acessível ( affordable house ) como sinônimo de habitação social.

No debate internacional, o significado de affordabilidade é constantemente discutido. A natureza contestada desse conceito reflete o confronto dos pontos de vista de diferentes perspectivas teóricas. Por um lado, autores como Quigley e Raphael (2004) focam numa perspectiva econômica, já apontada acima, que privilegia a objetividade do mercado em prover o melhor uso dos recursos. Por outro lado, sociólogos geralmente têm a preocupação voltada à desigualdade social e às reais razões para o estresse habitacional ( Stone, 1993STONE , M. E. ( 1993 ). Shelter poverty: new ideas on housing affordability . Philadelphia, PA , Temple University Press . ). Nesse sentido, affordabilidade não é uma mera questão de compra ou aluguel de uma moradia. Para sobreviver, o habitante precisa manter uma renda residual para a compra de bens de consumo corrente e também para manutenção do imóvel ao longo do tempo. Tomando a perspectiva das políticas urbanas, Maclennan e Williams (1990MACLENNAN , D. ; WILLIAMS , P. ( eds .) ( 1990 ). Affordable Housing in Britain and America . York , Joseph Rowntree Foundation . , p. 9) trazem uma importante definição de affordabilidade:

Affordabilidade preocupa-se com a garantia de um determinado padrão de habitação (ou padrões diferentes) a um preço ou aluguel que não imponha, aos olhos de terceiros (geralmente o governo), uma carga excessiva sobre a renda familiar. (p. 9; tradução nossa)

As diferenças na forma como o termo tem sido conceitualizado e acionado na literatura estão ligadas à natureza do sistema habitacional em cada nação ( Kemeny, 2006KEMENY , J . ( 2006 ). Corporatism and Housing Regimes . Housing, Theory and Society , v. 23 , n. 1 , pp. 1 - 18 . ). Freeman, Kiddle e Whitehead (2000)FREEMAN , A. , KIDDLE , C. ; WHITEHEAD , C. ( 2000 ) “ Defining affordability ”. In: MONK , S. e WHITEHEAD , C. ( eds ) . Restructuring Housing systems: from social to affordable housing? York , York Publishing Services , pp. 42 - 49 . destacam que a onipresença da noção de affordabilidade no discurso político indica o sucesso de lobistas representes dos interesses do setor privado em colocar os debates políticos de fora das decisões sobre os investimentos habitacionais. Esses autores também enfatizam que a noção de affordabilidade é sintomática de uma mudança da política social que vai de uma solução coletiva dos problemas, a partir da promoção de programas sociais de habitação de interesse social, para a responsabilidade individual na contração de linhas de crédito imobiliário e busca da moradia no mercado. Para eles, o debate de affordabilidade é consequência imediata da difusão de políticas sociais que tem como fundamento a promoção do consumo como solução dos problemas sociais, como é o caso do Brasil em relação a políticas recentes de habitação baseadas no crédito.

A base teórica desenvolvida por Yates et al. (2005YATES , J. ; GABRILE , M. ; BURKE , T. ; JACOBS , K. ; ARTHURSON , K. ( 2005 ). Conceptualising and measuring the housing affordability problem. Collaborative Research Venture 3: Housing Affordability for Lower Income Australians . Research paper . Melbourne , Ahuri . , p. 4) reforça a noção de que “affordabilidade significa a capacidade individual de exercer escolha no mercado enquanto habitação social se refere ao estoque habitacional construído para indivíduos que não possuem poder aquisitivo para comprar uma habitação e, por isso, estão fora do mercado” (tradução nossa). Nesse sentido, affordabilidade não pode ser entendida como uma variável estática. Ela muda dependendo do contexto econômico, da relação entre preço e renda, assim como do arcabouço institucional.

Além disso, habitação social compreende não somente a utilização de um sistema de subsídios, o engajamento de iniciativas cooperativadas e a provisão direta de habitações pelo Estado, mas também incorpora as políticas de uso do solo para facilitar a boa localização de habitações de baixo custo e a inclusão de populações desassistidas ao sistema de oportunidades econômicas e sociais oferecidas pelos espaços que propiciam postos de trabalhos, serviços públicos e diversidade de usos. Nesta última concepção, a moradia é dada como um direito que envolve fazer parte da cidade.

A política habitacional depende do desempenho do mercado em consonância com as massas salariais locais e da performance do Estado em garantir o direito à moradia universal a partir de seus programas e regulações.

No caso brasileiro, as políticas habitacionais são pautadas principalmente por políticas federais. A falta de mediação das políticas locais às normativas federais pode estabelecer distorções no alcance dos objetivos da norma. Tendo em vista as massas salariais, os custos em terra e em parte dos insumos necessários à produção da moradia, além do próprio estabelecimento do que seja adequação, os mercados imobiliários são constituídos localmente, e o rebatimento na norma federal na realidade local ou leva à incompatibilidade das políticas às peculiaridades locais, ou abre caminho para arbitrariedades sobre matérias que a lei ou programas não versam. Em nossa recente experiência, temos como exemplo o estabelecimento do Programa Minha Casa Minha Vida, que, por não ter considerado o perfil dos mercados imobiliários locais, estabeleceu valores nacionais de crédito ao consumo, o que deve ter resultado em mudanças estruturais dos preços dos imóveis em áreas sem grande dinâmica econômica, possivelmente aumentando os problemas de moradia.

De forma a exemplificar os argumentos acima, apresentamos, a seguir, a análise do setor habitacional do município do Rio de Janeiro, com intuito de mostrar os meios pelos quais, em um cenário de baixa regulação do setor, o próprio mercado promove a exclusão social. Esperamos que o exposto jogue luz sobre as formas institucionalizadas de exclusão e aspectos que não estão sendo estudados nem regulados pelo Estado.

O mercado de aluguéis do Rio de Janeiro

Uma das principais características do mercado residencial no Brasil é que o estoque é quase completamente privado. Considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua – PNADC de 2019, a forma de moradia pelo aluguel representava 18,34% do estoque habitacional. No caso do Rio de Janeiro, esse percentual alcançou 22,17% do estoque imobiliário residencial.

O estreito mercado de aluguéis no Brasil é atribuído por vários autores ( Bonduki, 1998BONDUKI , N. ( 1998 ). Origens da habitação Social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria . São Paulo , Estação Liberdade . ; Maricato, 1982MARICATO , E. ( org .) ( 1982 ). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial . São Paulo , Alfa-Omega . ; Gilbert, 2001GILBERT , A. ( 2001 ). Housing in Latin America . Working Paper Series I-7UE . Washington, D.C . ) à generalização da ideologia da casa própria. Contudo, como queremos apresentar neste estudo, esse cenário também pode ser decorrente do estreitamento do mercado pela influência de barreiras legais e extralegais estabelecidas contra a demanda. Essas barreiras não são limitadas a restrições econômicas, mas englobam condições arbitrárias estabelecidas pela corretagem de imóveis aos possíveis inquilinos para garantir rendas extraordinárias aos proprietários.

A pesquisa descrita a seguir foi realizada no ano de 2014, mas devido à descontinuidade de dados, como o do cálculo do déficit habitacional e o da pesquisa censitária, não houve oportunidade de atualização das informações utilizadas. Contudo, dado que não houve mudança no marco legal referente ao setor de aluguéis e as regras de contração de crédito também não sofreram grandes alterações, os resultados alcançados ainda são válidos e podem jogar luz sobre gargalos habitacionais ainda não muito abordados no campo os estudos habitacionais no Brasil.

Optamos por iniciar a análise pelo mercado de aluguéis por ser este o setor que indica de maneira mais imediata os efeitos do estresse habitacional que as famílias sofrem com o aumento dos valores de locação. É este o setor que reflete os potenciais de aumento do déficit habitacional.

Buscando, primeiramente, identificar quais as condições definidas pelo setor privado para acesso ao mercado formal residencial, foi realizada pesquisa junto às imobiliárias afiliadas à Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro – Ademi-RJ e ao Sindicato das Construção Civil do Rio de Janeiro – Secovi-RJ. Foi encaminhado e-mail para 63 imobiliárias que atuam no município do Rio de Janeiro, consultando quais exigências o inquilino deveria cumprir para alugar um imóvel na cidade. 4 4 Apenas 32 responderam o formulário. A pesquisa buscou associar o perfil social da população do município com as ofertas de imóveis para alugar a partir da base de dados do Grupo ZAP Imóveis.

De acordo com a Lei do Inquilinato (lei n. 8.245/1991), para acessar o mercado formal de aluguel, o candidato a inquilino precisa preencher alguns requisitos. Estes incluem uma avaliação da renda e a submissão de garantias para o proprietário, dado o risco de inadimplência. Na legislação vigente, não existe o estabelecimento de percentual máximo de comprometimento da renda com habitação. Normalmente, os padrões de renda são definidos pela corretagem, usando critérios aclamados pelo debate da affordabilidade. Muitas instituições adotam o percentual de trinta por cento da renda como limite de comprometimento.

Buscando verificar a relação entre o preço dos imóveis e perfil econômico do inquilino, o formulário perguntou às empresas qual o parâmetro de renda de uma família para o aluguel de um imóvel. Nesse sentido, todas as empresas responderam que eles requerem a comprovação de renda de, no mínimo, três vezes o valor do imóvel, acrescido de eventuais taxas de condomínio e parcela do IPTU.

Aqui vale a pena abrir um parêntese para destacar o aspecto relacionado à comprovação de renda. A Pnad Contínua de 2020 apresentou uma taxa de informalidade no mercado de trabalho 5 5 Referente aos trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores domésticos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família). de 40,6% para o País, percentual este que já indica o grau de estreitamento do mercado formal habitacional.

Dentro de uma perspectiva de estabelecimento de limites de comprometimento da renda, que, ao fim e ao cabo, é um parâmetro de affordabilidade; considerando que as diferenças de preços no mercado devem ser sensíveis à variação nos preços dos insumos e do valor marginal da mercadoria; e, ainda, tendo em vista que as cestas de consumo também diferem entre os diversos estratos da sociedade, o percentual de comprometimento com habitação não pode ser aplicado linearmente para todas as faixas de renda. Um terço de uma renda familiar que totaliza um salário-mínimo tem o efeito bem diferente do comprometimento do mesmo percentual para uma família com renda de 20 salários-mínimos.

Outro aspecto que temos que considerar no mercado residencial de aluguéis é que, à medida que há o crescimento da renda, há uma diminuição da procura por imóveis para alugar, dado que essas famílias tendem a migrar para o mercado de vendas, aí sim considerando a ideologia da casa própria. Dessa forma, supõe-se que os preços dos aluguéis tendam a manter um limite que estabelece níveis mais competitivos de preços para a modalidade de aluguel, “democratizando” o acesso.

De forma a analisar as necessidades habitacionais perante os anúncios de imóveis ofertados e as condições de renda estabelecidas para o inquilino pelo mercado para aluguéis, apresentamos o Quadro 1 .

Quadro 1
– Perfil das necessidades habitacionais e da oferta de imóveis no Rio de Janeiro entre 2010 e 2013

O Quadro 1 mostra que as famílias que possuem renda até três salários-mínimos, limite historicamente utilizado pelas políticas públicas para beneficiar o estrato de menor renda, encontram no mercado menos de 1 % do total de ofertas de imóveis para aluguel, mesmo representando 56,33% da população do município e 68,09% do déficit habitacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). 6 6 Faço ressalva ao uso do dado de déficit habitacional da RMRJ, uma vez que esse dado não é desagregado por município, e a análise que estamos fazendo recorta apenas o município do Rio de Janeiro. Contudo, consideramos que, pelo peso demográfico do município-polo, esse dado serve como referência para comparar o nível de exclusão do mercado imobiliário.

Além disso, as famílias que se inserem no intervalo de renda entre 4 e 10 salários-mínimos, consideradas como estrato do “nicho econômico” ( Shimbo, 2010SHIMBO , L. F. ( 2010 ). Habitação social, Habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro . Tese de doutoramento . São Paulo , Universidade de São Paulo . ), obtiveram apenas 12,66% do total de anúncios de imóveis para aluguel, mesmo representando 33,93% da população e 24,41% do déficit habitacional da RMRJ. Por fim, vemos que 86,34% dos anúncios de imóveis para o aluguel estão direcionados para famílias que recebem mais de 10 salários-mínimos e que já são consideradas estrato de entrada do mercado de vendas.

Percebe-se que o mercado de aluguel segue uma suposta irracionalidade se tivermos que considerar a Lei de Say e a Teoria do Equilíbrio. Estudos recentes sobre favelas no Rio de Janeiro mostram que o descolamento entre os preços do mercado formal de aluguéis e a massa salarial leva grande parte da população a acessar o mercado informal de aluguel em assentamentos ilegais ( Abramo, 2002ABRAMO , P. ( 2002 ). Mercado imobiliário nas favelas cariocas – relatório de pesquisa . Oipsolo-Ippur-UFRJ . Mimeo . ; Baltrusis, 2000BALTRUSIS , N. ( 2000 ). A dinâmica do mercado imobiliário informal na Região Metropolitana de São Paulo: um estudo de caso nas favelas de Paraisópolis e Nova Conquista . Dissertação de mestrado . Campinas , Pontifícia Universidade Católica de Campinas . ; Fernandes, 2008FERNANDES , E. ( 2008 ). “ Cidade Legal x Ilegal ”. In: VALENÇA , M. M. Cidade (i)legal . Rio de Janeiro , Mauad . ). Como exemplo, hoje, já se observa o surgimento de um mercado imobiliário robusto, promovido pela milícia carioca, cujo objetivo pode ser a lavagem de dinheiro através da atividade imobiliária. No entanto, estudos mais detalhados ( Araujo e Cortado, 2020ARAUJO , M. ; CORTADO , T. J. ( 2020 ). A Zona Oeste do Rio de Janeiro, fronteira dos estudos urbanos? Dilemas - Revista de Estudos de Conflito Controle Social . Rio de Janeiro , v. 13 , n. 1 , pp. 7 - 30 . ) ainda estão sendo desenvolvidos.

Para além das restrições estabelecidas pelos limites de comprometimento da renda com os gastos de habitação, para alugar um imóvel no mercado formal o candidato também tem que dispor de garantias para o proprietário em caso de inadimplência. Nesse sentido, a Lei de Inquilinato prevê algumas possibilidades: a submissão de um fiador; o depósito calção ou a aquisição de uma apólice de seguro.

Por definição, o fiador deve ser um proprietário de imóvel que aceita assumir a dívida do inquilino em caso de inadimplência do contrato de aluguel. A propriedade imobiliária do fiador pode se tornar objeto de disputa, caso o contrato entre em litígio. Em termos legais, não existe nenhuma menção na legislação vigente referente a um limite necessário de renda que o fiador deve possuir ou o valor máximo que se pode exigir para o estabelecimento de garantias por seguro ou calção. Na falta de regulação quanto ao estabelecimento desses valores, os limites de renda do fiador e dos mecanismos de garantia do contrato têm sido definidos por agente imobiliários.

Para além das restrições de renda que são colocadas ao locatário, baseadas em noções de affordabilidade, os agentes imobiliários têm sistematicamente estreitado o acesso de consumidores ao mercado de aluguéis, a partir de restrições que se dão na definição de regras referentes às garantias contratuais. De forma a explicitar a arbitrariedade dessas barreiras, a pesquisa realizada junto a imobiliárias buscou delinear quais são os requisitos predominantes exigidos pelos agentes imobiliários para o estabelecimento do contrato.

De acordo com a pesquisa realizada, todos os agentes que responderam ao questionário afirmaram que o fiador precisa a comprovação de ter pelo menos o mesmo perfil do candidato a locatário. Porém, em relação ao caráter do imóvel do fiador, os agentes imobiliários exigiram outras condições para estabelecer o contrato. De acordo com os resultados, 84,21% das imobiliárias rejeitam fiadores que não possuem imóveis localizados no município do Rio de Janeiro . Em alguns casos, os constrangimentos contratuais são até maiores, quando agentes imobiliários solicitam que o fiador comprove a propriedade de dois imóveis inseridos no território do município do Rio de Janeiro. Dentre todas as respostas, apenas 5,26% dos agentes imobiliários não impuseram restrições para além daquelas previstas na Lei do Inquilinato.

É importante observar as consequências econômicas e sociais desse tipo de comportamento do mercado. Implicitamente se estabelece um nível de exclusão socioterritorial à medida que o mercado de aluguéis seleciona, na maioria dos casos, famílias que possuem vínculos com moradores proprietários formais do município, rejeitando, inclusive, consumidores da RMRJ dispostos a morar no município-polo.

Para aqueles possíveis consumidores que possuem poder aquisitivo para pagar em segurança os valores cobrados para aluguel, no município do Rio de Janeiro, mas que não possuem tal vínculo com a elite proprietária local, os agentes imobiliários sugerem a adoção de alternativas ao fiador. A natural opção tomada pelos candidatos a inquilinos pela Lei do Inquilinato diz respeito ao depósito caução.

O depósito caução é caracterizado pelo depósito de determinado valor no momento da assinatura do contrato de aluguel. O proprietário deve investir esse valor em uma conta e devolvê-lo acrescido de possíveis rentabilidades, ao final do contrato, caso não tenha havido inadimplência. Caso o imóvel tenha sido danificado pelo locatário, o proprietário pode reter esse valor parcial ou totalmente para realizar os devidos reparos.

O aspecto positivo desse tipo de garantia para o locatário é que o depósito caução oferece maior autonomia para o inquilino exercer escolha no mercado imobiliário. A cada finalização de contrato, se o inquilino quiser optar por melhores ofertas, o depósito caução serve como recurso para cobrir gastos com pinturas, mudança ou, até mesmo, servir como valor para garantir o novo contrato.

É necessário notar que a mobilidade territorial é essencial para o acesso a oportunidades de trabalho. O processo migratório é basicamente fundamentado na dinâmica do mercado de trabalho, assim como, na escala urbana, a escolha da localização da moradia pelo indivíduo leva em consideração o trade-off feito entre os custos com habitação e com transporte. Consequentemente, podemos inferir que as barreiras impostas no mercado de aluguéis se constituem, também, como obstáculos colocados ao acesso ao mercado de trabalho.

Para apresentar o quão difícil é ocupar o território formal do município do Rio de Janeiro pelo mercado de aluguéis, o questionamento sobre o depósito caução desvendou outros impedimentos colocados pelos agentes imobiliários. Dentre todas as empresas que participaram da pesquisa, 68,42% afirmaram que não consideram a opção de depósito caução válida para o estabelecimento de contrato de aluguel. Além disso, para aquelas que consideram o depósito caução uma opção, são estabelecidos valores muito acima do total referente a três meses de aluguel, como é aceito tradicionalmente. Em nossa pesquisa, 10,53% das empresas cobravam depósitos no valor de 12 vezes o aluguel, acrescido de taxas condominiais e impostos, e outros 10,53% colocam a opção para que o proprietário decida se irá aceitar ou não o depósito.

Considerando todas as dificuldades que o candidato a inquilino encontra para estabelecer um contrato de aluguel no município do Rio de Janeiro, a última “alternativa” colocada seria a aquisição de um título de seguro fiança. Esse título é uma apólice que substitui a figura do fiador no contrato e custa, ao inquilino, três a quatro vezes o valor do aluguel, acrescido das taxas condominiais e dos impostos. Esse valor é cobrado anualmente e não é reembolsável ao final do contrato, nem mesmo se o inquilino cumprir com todas as suas obrigações. No caso de atraso no pagamento do aluguel, o seguro paga os meses em débito. Contudo, a depender do desempenho financeiro do inquilino no contrato, o agente financeiro pode optar por não renovar a apólice, ficando o morador sujeito a despejo por falta de garantias de contrato.

Analisando esse tipo de “solução” para o estabelecimento do contrato de aluguel, temos que ressaltar que o seguro fiança restringe o mercado de aluguéis, ao se colocar como um custo a mais para o morador. Ao equivaler anualmente aos custos de três a quatro meses em moradia, a capacidade de pagamento do indivíduo diminui, pois compromete grande parte da renda com a manutenção da apólice. Nesse sentido, a própria garantia pode se colocar como um fator de estresse habitacional.

Durante a pesquisa, um importante vínculo entre os agentes imobiliários e o setor financeiro foi observado. Quando questionados se o candidato a inquilino poderia escolher, no mercado de seguros, a apólice de sua preferência, muitas empresas alegaram que trabalham com parcerias exclusivas. Na pesquisa, 60,53% das empresas afirmaram que aceitariam somente as apólices da financeira Porto Seguros como válidas para os contratos.

Os dados encontrados a partir da pesquisa indicam que a propriedade imobiliária tem sido utilizada para gerar renda não somente aos proprietários, mas também para os agentes imobiliários que fazem a intermediação dos contratos de aluguel. O imóvel entra como meio de ampliar o mercado de seguros de fiança, a partir das arbitrárias barreiras interpostas pelos agentes imobiliários aos consumidores. Em contrapartida, a corretagem passa a receber comissões pelas vendas de apólices, aproveitando-se do estoque imobiliário de pequenos proprietários para gerar demanda aos seus produtos financeiros e estrangulando a demanda por moradia no mercado de aluguéis.

Importante lembrar que a década de 2000 foi marcada por um período de crescimento econômico sustentado. As desigualdades sociais caíram sensivelmente. O Índice de Gini, 7 7 O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. que em 2001 foi de 0,596, caiu para 0,531, em 2011, e para 0,518 em 2014 (Ipea-data). Nesse sentido, a expectativa seria de que a moradia se tornasse mais acessível no mercado de aluguel, devido ao aumento da renda da população. Contudo, embora a produção de largo estoque imobiliário no submercado de vendas promovido pelo Programa Minha Casa Minha Vida tenha absorvido parte das famílias que estavam morando de aluguel ou em coabitação, os preços dos aluguéis não se mantiveram estáveis. Mesmo havendo um movimento de perda de demanda para o mercado de vendas e uma possível compensação desta pela entrada na esfera da locação formal de um contingente que conseguiu aumento de renda, os preços dos aluguéis passaram a seguir o ritmo de aumento de preços do mercado de vendas. O Gráfico 1 mostra como os aumentos nos valores se desvincularam da riqueza real expressa pela produção.

Gráfico 1
– Variação do aluguel, venda e PIB no Rio de Janeiro 2010-2013

Dado que não há qualquer regulação quanto aos valores praticados pelo mercado, o aumento de renda da população não refletiu numa redução de déficit ou uma melhor affordabilidade no mercado de aluguéis. Como podemos ver no Gráfico 2 , dentre os quatro componentes do déficit habitacional, apenas o ônus excessivo com o aluguel não apresentou queda. A alta dos aluguéis que veio a reboque da alta dos preços de compra de imóveis colocou uma parcela importante da população em estresse habitacional, mesmo num cenário de aumento real de renda.

Gráfico 2
– Comportamento dos componentes do déficit no Brasil 2007-2012

O mercado de vendas no Rio de Janeiro

Como já abordado anteriormente, grande parte do estoque imobiliário no Brasil é privado. No País, uma população de aproximadamente 209 milhões e meio de habitantes ocupa 72,4 milhões de domicílios ( IBGE, 2020IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( 2020 ). Pesquisa Nacional Domiciliar por Amostragem Contínua – PNADC, 2019 . Rio de Janeiro , IBGE . ). A Pnad Contínua de 2019 mostra que cerca de 72,5% do estoque imobiliário do País é considerado próprio, já quitado ou em processo de quitação. No caso do Rio de Janeiro, os imóveis considerados próprios, quitados ou não, alcançam o percentual de 70,3% dos domicílios. Contudo, é importante observar que parte considerável desses imóveis se encontra em áreas informais com grande precariedade de infraestrutura urbana. Na pesquisa censitária, o dado válido aquele da resposta do entrevistado, e, em comunidades, a “propriedade” da moradia é atestada pelo morador, mesmo não havendo regularidade fundiária.

O grande contingente de informalidade da moradia nos grandes centros urbanos do País é o indicador da porção da população que não conseguiu se inserir no consumo formal de moradias, por meio do aluguel ou da compra. Sob uma perspectiva econômica, os preços no mercado imobiliário deveriam ser predominantemente determinados pelos custos de construção, renda per capita , taxa de juros e crescimento populacional ( Mankiw e Weil, 1989MANKIW , W. G. ; WEIL , D. N. ( 1989 ). The baby boom, the baby bust and the housing market . Regional Science and Urban Economics , v. 19 , pp. 235 - 258 . ). Além disso, diferenças regionais e mudanças no contexto econômico local também podem exercer papel importante no mercado imobiliário em nível mais desagregado.

Dust e Maennig (2007)DUST , L. ; MAENNIG , W. ( 2007 ). Shrinking and growing metropolitan areas - asymmetric real estate price reactions? Working Papers 006, Chair for Economic Policy . University of Hamburg . acrescentam que os preços também dependem da densidade dos aglomerados, da função econômica do município na rede de cidades e da participação das áreas residenciais na economia local. Por fim, destacamos que os preços também reagem às perspectivas de ganhos dos proprietários, especialmente em um cenário de crescimento econômico sustentado e com disponibilidade de crédito. Os ganhos esperados pelo proprietário tornam-se sensíveis a narrativas que circulam na mídia e pelos agentes imobiliários. O teor especulativo dessas narrativas está relacionado à associação do produto imobiliário ao mercado de terras, que, por essência, é um mercado especulativo e que imputa, no preço dos imóveis, expectativas e possibilidades de transformações no espaço urbano circundante, mesmo que estas não venham a se concretizar.

Em 2003, iniciou-se um período cujos índices econômicos remeteram para o crescimento do setor residencial de imóveis. A queda na taxa de juros, a diminuição do desemprego, os aumentos reais na renda do trabalhador e o controle da inflação fizeram com que a demanda por moradia aumentasse, sinalizando o início do boom imobiliário brasileiro da década de 2000.

É importante considerar que à medida que há um crescimento econômico sustentado, o mercado imobiliário ajusta sua produção, considerando o ritmo da demanda medido pela Velocidade Geral de Vendas – VGV. Mantendo os parâmetros de crescimento, o mercado consegue regular o ritmo da produção e o estoque disponibilizado para se aproximar do crescimento da demanda derivado das transformações mais estruturais da economia.

Estudos como de Royer (2014)ROYER , L. ( 2014 ). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas . São Paulo , Annablume . e Shimbo (2010)SHIMBO , L. F. ( 2010 ). Habitação social, Habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro . Tese de doutoramento . São Paulo , Universidade de São Paulo . descrevem como a crise do subprime americano impactou na captura de recursos no mercado de capitais pelas principais empresas de construção civil do País. Nesse sentido, O Programa Minha Casa Minha Vida, lançado em março de 2009, serviu não somente para garantir a compra de um estoque habitacional existente, acenando positivamente aos investidores internacionais, mas também se prestou a suprir parte do capital necessário para concluir os empreendimentos que estavam em plena produção no período da crise.

No município do Rio de Janeiro, o boom imobiliário foi sentido a partir do volume de imóveis produzidos no período de 2003 e 2007, sofrendo impacto nos anos de 2008 e 2009. Porém, com a manutenção do programa de crédito em sua segunda edição, em 2011, a produção residencial manteve seu ritmo até 2015, quando do golpe de estado que desestruturou economicamente o País.

Gráfico 3
– Número de unidades residenciais licenciadas no Rio de Janeiro-RJ

A experiência recente com o Programa Minha Casa Minha Vida pode ter impactado profundamente o cenário dos mercados imobiliários em todo o País. No caso do Rio de Janeiro, o comportamento dos preços de imóveis residenciais novos que vinha mantendo relação com a inflação e os custos da construção civil passaram a manter associação com a renda, a partir de 2010, coincidindo com a ampliação do crédito, provocada com o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida 2.

Uma conclusão que podemos tirar dessa experiência é que, caso haja a decisão política de se estabelecer um programa de crédito, este deve regular a circulação de recursos de forma adequada para cada território, avaliando a estrutura de mercado e controlando o fluxo de crédito de acordo com a capacidade de produção imobiliária do setor da construção civil local.

Minsky (1974)MINSKY , H. P. ( 1974 ). The modeling of financial instability: an introduction. Modeling and simulation, v. 5, Part 1: Proceedings of the Fifth Annual Pittsburgh Conference . Pittsburgh, Pa , Instrument Society of America , pp. 267 - 272 . reforça o ponto de vista de que a excessiva ampliação do crédito é capaz de alimentar uma euforia especulativa que pode lentamente levar a uma crise econômica. Kindleberger (1978)KINDLEBERGER , C. P. ( 1978 ). Manias, panics, and crashes: a history of financial crisis . Nova York , Basic Books . destaca que a irracionalidade de certas expectativas otimistas frequentemente emerge entre investidores nos estágios avançados do boom econômico e leva as empresas a um superinvestimento.

Dando enfoque ao mercado residencial e considerando que o mercado imobiliário brasileiro sofre de graves falhas de mercado (externalidades e ausência de isonomia de informações), a liberação de grande volume de crédito contribui para quadros especulativos das corretagens e pode gerar profecias autorrealizáveis que contribuem para uma crise futura.

Diferentemente do mercado de aluguéis, o debate acerca da affordabilidade no mercado de vendas não se restringe à relação direta entre renda e preço do imóvel. Considerando que a compra é mediada pelo crédito, a análise deve contemplar também a relação entre a renda e o valor da prestação do financiamento imobiliário. O valor da prestação é a real variável considerada pelo comprador. Nesse sentido, aspectos como a taxa de juros e o período total para quitação do imóvel também se colocam como relevantes na avaliação dos níveis de affordabilidade de determinado mercado imobiliário.

De forma a medir o grau de affordabilidade, proponho a adoção de um índice de affordabilidade. Levando em consideração que o programa Minha Casa Minha Vida adotou parâmetros de crédito diferenciados para faixas de renda distintas, o índice de affordabilidade construído nesta pesquisa é definido pela fórmula a seguir:

I A i = Renda i Preço da Casa i X Juros i

onde Renda i é o índice da renda per capita nominal, a taxa de juros é a taxa de juros nominal anual praticada para cada faixa de renda definida pelo programa Minha Casa Minha Vida e o Preço da Casa é o índice do preço do metro quadrado dos imóveis no Rio de Janeiro. O índice de renda per capita foi aproximado do índice do salário-mínimo para a faixa de renda mais baixa (de 0 a 3 salários-mínimos) e do índice nominal do Produto Interno bruto para as outras faixas de renda.

O cálculo do Índice de Affordabilidade para o período de 2009 a 2012 mostra que o preço do imóvel em escala ascendente afetou os níveis de affordabilidade que decresceram continuamente durante esses anos. Porém, em 2011, o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida 2 alterou as taxas de juros, impactando diretamente na affordabilidade do mercado de vendas, mesmo que este não tenha alterado a tendência de alta do preço dos imóveis como mostra o Gráfico 4 .

Gráfico 4
– Indicadores econômicos e do mercado imobiliário no município do Rio de Janeiro

Quadro 2
– Índice de Affordabilidade

De uma forma geral, o Programa Minha Casa Minha Vida, ao liberar crédito sem informações sobre o estoque disponível em cada cidade, sobre as projeções de novas unidades, sobre a massa salarial, a base econômica dos municípios e até mesmo as necessidades habitacionais baseadas nos componentes de crescimento demográfico, coabitação e reposição de estoque, levou a dois tipos de impactos negativos para as políticas habitacionais. Por um lado, a liberação de crédito sem monitoramento do estoque gerou uma procura repentina por unidades habitacionais, influenciando no progressivo aumento do valor das habitações. Por outro lado, o aumento do preço no mercado de venda levou a reboque a elevação de preços do mercado de aluguel. Esses dois fatores por si sós já estabelecem outro patamar de acesso ao mercado residencial que, associado às diversas restrições adotadas pelos agentes imobiliários, aumentam o grau de exclusão.

Considerações finais ou regulando os preços e a terra como mecanismos de distribuição de riqueza social, ou, ainda, equidade para o direito à cidade

Em termos gerais, habitação tem impactado fortemente o orçamento dos brasileiros. O déficit habitacional entre os anos 2009 e 2015 apresentou aumento mesmo em se tratando de um período em que houve uma ampla produção imobiliária e que atingiu particularmente as famílias de menor renda.

Ao observar os componentes do déficit de maneira desagregada, percebemos que a única variável que apresentou crescimento e que foi capaz de manter o ritmo de crescimento do déficit habitacional foi a do ônus excessivo com aluguel. Em termos de políticas públicas, essa componente demonstra o nível de estresse habitacional a que a população foi submetida pela alta generalizada do valor dos imóveis.

No jargão econômico, o otimismo governa as margens de lucro dos empresários até o ponto em que o consumidor rejeita o patamar de preços praticados e há a redução da demanda, seguida pela queda dos preços. Contudo, em algumas circunstâncias, como é o caso do mercado imobiliário, em especial o mercado brasileiro, a queda da demanda não representa necessariamente a redução dos preços dos imóveis, e sim o crescimento do déficit devido ao empobrecimento relativo.

Considerando que morar é uma condição da existência humana e direito social, supõe-se que a exclusão de grande parcela da sociedade do mercado residencial deveria gerar alguma reação do Estado, coibindo práticas especulativas e incentivando a inserção de uma demanda solvável no mercado formal a partir do crédito. Porém, como estamos falando de mercado, sempre haverá os que estarão “de fora” da esfera de consumo e que serão o público no qual as políticas de provisão habitacional desmercantilizada irão incidir.

O debate sobre o estreitamento do mercado imobiliário brasileiro vai ao encontro das reflexões de Kowarick (1993)KOWARICK , L. ( 1993 ). A espoliação urbana . São Paulo , Paz e Terra . que apontam que a complementaridade dos mercados residenciais formal e informal pode ser entendida a partir de dois processos interconectados. O primeiro processo diz respeito às formas tradicionais de exploração do trabalho, mais especificamente ao empobrecimento absoluto e relativo devido à regressividade dos salários. O segundo processo é definido pela espoliação urbana que é consequência do primeiro processo. A espoliação urbana só pode ser entendida quando analisada sob o contraditório movimento da acumulação do capital. Ela é definida como a soma das extorsões operadas pela ausência ou pelo precário acesso aos bens públicos em razão da dilapidação das relações de trabalho e da residualização das políticas sociais.

Se, por um lado, a manutenção de baixos níveis salariais proporciona vantagens comparativas no mercado para os empresários. Por outro lado, a classe trabalhadora, ao se tornar incapaz de acessar o mercado formal e os serviços urbanos básicos devido a restrições da renda, assegura por si, através da constituição de favelas e das práticas de autoconstrução da moradia e da infraestrutura urbana, sua reprodução social. Essas práticas representam um trabalho extra que supre as necessidades que o salário não remunera.

Para Baltrusis (2005BALTRUSIS , N. ( 2005 ). Mercado imobiliário informal em favelas e o processo de estruturação da cidade: um estudo sobre a comercialização de imóveis em favelas na Região Metropolitana de São Paulo . Tese de doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo . , p. 81), a incapacidade de o mercado imobiliário formal oferecer produtos condizentes para essa população, aliada aos ineficazes programas de provisão habitacional, que efetivamente não atendem às famílias de baixa renda, estimulou a criação de um mercado informal de moradia. Dentro de uma perspectiva institucional, a tolerância do Estado aos assentamentos informais é funcional à manutenção dos preços dos imóveis em patamares que não se relacionam com a realidade da massa salarial. Para quem não consegue morar formalmente, a favela acaba sendo a solução. Solução esta que não é combatida de forma mais radical pelo Estado porque, no que diz respeito à habitação, ele não tem capacidade para lidar com a magnitude do problema.

Mas quais seriam, de fato, as ações regulatórias que o Estado deveria manter para disciplinar o mercado imobiliário? A princípio, o Estado deve estabelecer limites às arbitrariedades praticadas pelos agentes imobiliários que induzem os inquilinos a se inserir no mercado de seguros e pressionar os gastos com habitação.

O acesso à informação também se coloca como ponto crucial na correção dos erros do mercado imobiliário. É primordial a construção de uma base geográfica de dados públicos indicando, mensalmente, o valor de venda real dos imóveis, de forma a orientar, ao comprador, o valor do metro quadrado em cada região da cidade. Outra atitude poderia ser de obrigar as placas de “vende-se” ou “aluga-se” nos edifícios a expor o valor do imóvel no anúncio, assim como o código do consumidor exige que os produtos sejam precificados nas vitrines das lojas de variedades. O livre e amplo acesso à informação pelos compradores mitiga os efeitos da especulação imobiliária e evita que um consumidor, ao questionar, ao corretor, o preço de um imóvel, ser arguido sobre o valor da renda.

A regulação de um banco de dados referente ao estoque imobiliário, identificando data de construção, data da última venda, valor da venda, unidades vagas, período de vacância, unidade com dívida de IPTU e outras informações relevantes, poderia auxiliar o planejamento das políticas de crédito, na localização das áreas para aplicação dos instrumentos do Estatuto das Cidades, além de subsidiar estudos urbanos por parte da comunidade acadêmica. Nesse sentido, regulação do mercado imobiliário não se trata de controle de preços dos imóveis, mas de estabelecimento de limites para que a oferta e a procura participem de um mercado justo.

A estratégia de criar bases de dados públicas e com atualizações rápidas tanto ajuda no funcionamento do mercado quanto facilita a construção de políticas públicas urbanas.

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Notas

  • 1
    A Lei de Say defende que não existem as chamadas crises de "superprodução geral". Essa perspectiva afirma que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um bem é determinada pela oferta de outros bens. É sintetizada pela expressão "a oferta cria sua própria demanda".
  • 2
    O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente possível. Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá necessariamente piorar as condições de outro indivíduo. No entanto, ao ser eficiente não necessariamente significa que gere igualdade.
  • 3
    A lei de Walras é uma teoria econômica segundo a qual a existência de excesso de oferta em um mercado deve ser igualada pelo excesso de demanda em outro mercado para que ele se equilibre. Essa lei afirma que um mercado examinado deve estar em equilíbrio se todos os outros mercados estiverem em equilíbrio.
  • 4
    Apenas 32 responderam o formulário.
  • 5
    Referente aos trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores domésticos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família).
  • 6
    Faço ressalva ao uso do dado de déficit habitacional da RMRJ, uma vez que esse dado não é desagregado por município, e a análise que estamos fazendo recorta apenas o município do Rio de Janeiro. Contudo, consideramos que, pelo peso demográfico do município-polo, esse dado serve como referência para comparar o nível de exclusão do mercado imobiliário.
  • 7
    O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2021
  • Aceito
    1 Jul 2021
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