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PERMANÊNCIA DE MULHERES EM RELACIONAMENTOS VIOLENTOS: DESVELANDO O COTIDIANO CONJUGAL

RESUMO

Objetivo:

desvelar a permanência de mulheres em um cotidiano conjugal violento.

Método:

estudo qualitativo, fundamentado no método da História Oral, realizado com 29 mulheres vítimas de violência conjugal acompanhadas por uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Salvador, Bahia, Brasil. Os dados foram coletados entre setembro e dezembro de 2020 por meio de entrevistas individuais e analisados à luz da Teoria do Cotidiano.

Resultados:

a história oral das mulheres aponta para a não percepção da situação de abuso no início da relação, revela a crença na possibilidade de controlar os episódios de violência e o comprometimento da saúde psicoemocional. Soma-se a isso a expectativa pela mudança de postura do parceiro no cotidiano conjugal.

Conclusão:

as narrativas desvelam a complexidade envolvida na repetição da vida cotidiana, o que faz com que muitas mulheres, mesmo já se reconhecendo em vivência de violência, não consigam romper o relacionamento.

DESCRITORES:
Violência contra a Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Saúde Pública; Enfermagem; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

Objective:

to unveil the reasons why women stay in marital relationships marked by violence.

Method:

a qualitative study, grounded on the Oral History method, carried out with 29 women victims of marital violence monitored by a Court of Domestic and Family Violence against Women in Salvador, Bahia, Brazil. The data were collected between September and December 2020 through individual interviews and analyzed in the light of the Theory of Everyday Life.

Results:

the women’s Oral History points to non-perception of the abuse situation at the beginning of the relationship and reveals the belief in the possibility of controlling the episodes of violence and the impairment of psycho-emotional health. The expectation that the partner will change his position in marital everyday life is added to this.

Conclusion:

the narratives unveil the complexity involved in the repetition of everyday life, which means that many women, even though they already recognize themselves as experiencing violence, are unable to break the relationship.

DESCRIPTORS:
Violence against Women; Violence by Intimate Partner; Public Health; Nursing; Qualitative Research

RESUMEN

Objetivo:

revelar los motivos por los cuales las mujeres permanecen en situaciones de vida diaria conyugal marcadas por la violencia.

Método:

estudio cualitativo, fundamentado en el método de la Historia Oral y realizado con 29 mujeres víctimas de violencia conyugal con causas a cargo de un Juzgado de Violencia Doméstica y Familiar contra la Mujer en Salvador, Bahía, Brasil. Los datos se recolectaron entre septiembre y diciembre de 2020 por medio de entrevistas individuales y se los analizó a la luz de la Teoría de la Vida Cotidiana.

Resultados:

la historia oral de las mujeres apunta a la no percepción de la situación de abuso al inicio de la relación y revela que creen en la posibilidad de controlar los episodios de violencia y el deterioro de la salud psicoemocional. A lo anterior se suma la expectativa de que la pareja cambie de postura en la vida diaria conyugal.

Conclusión:

los relatos revelan la complejidad involucrada en la repetición de lo cotidiano, lo que hace que muchas mujeres, aunque ya se reconozcan como víctimas de violencia, sean incapaces de desvincularse de la relación.

DESCRIPTORES:
Violencia contra la Mujer; Violencia de Pareja; Salud Pública; Enfermería; Investigación Cualitativa

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é considerada problema de saúde pública devido aos elevados índices e impactos sobre a saúde feminina. Muitas mulheres permanecem por longos anos em relações conjugais abusivas e sofrem de maneira excessiva com o agravo11 World Health Organization. Violence against women. 2017 [acesso em 11 jan 2021]. Disponível em: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women.
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.

Dados globais demonstram a magnitude da violência conjugal para a vida das mulheres. Pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) revelou que mais de 35% das mulheres no mundo já vivenciaram agressões perpetradas pelo parceiro íntimo11 World Health Organization. Violence against women. 2017 [acesso em 11 jan 2021]. Disponível em: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women.
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. Em países sul-asiáticos, marcados por normas conservadoras e patriarcais, pobreza extrema e altos índices de analfabetismo, como Bangladesh e Índia, esses números podem ser superiores a 50% das mulheres22 Naved RT, Mamun MA, Parvin K, Willan S, Gibbs A, Yu M, et al. Magnitude and correlates of intimate partner violence against female garment workers from selected factories in Bangladesh. Plos One [Internet]. 2018 [acesso em 11 jan 2021] 7; 13(11):e0204725. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204725.
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-33 Brahmapurkar KP. Gender equality in India hit by illiteracy, child marriages and violence: a hurdle for sustainable development. Pan Afr Med J [Internet]. 2017 [acesso em 10 jan 2021]; 28:178. Disponível em: https://doi.org/10.11604/pamj.2017.28.178.13993.
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. No Brasil, a porcentagem de mulheres em situação de violência em seus relacionamentos também é elevada, conforme assinala estudo realizado com 1.388 mulheres, ao revelar que esse tipo de abuso acomete aproximadamente 45% delas44 Bernardino I de M, Barbosa KGN, Nóbrega LM da, Cavalcante GMS, Ferreira EF e, d’Avila S. Violence against women in different stages of the life cycle in Brazil: an exploratory study. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2016 [acesso em 10 jan 2021]; 19(4):740-752. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-5497201600040005.
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Ao vivenciarem a violência, as mulheres tornam-se suscetíveis aos impactos negativos deste agravo na sua saúde. Sabe-se que essa vivência pode resultar em danos físicos, como hematomas, lesões e fraturas, e no adoecimento por processo psicossomático, expresso através de epigastralgia, cefaleia, tonturas e doenças crônicas como hipertensão55 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD de, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc. Anna Nery [Internet]. 2017 [acesso em 11 jan 2021]; 21(4):e20160346. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346.
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. Há, ainda, o risco de comprometimento psicológico, evidenciado pela tristeza, ansiedade e comportamento depressivo, conforme sinalizado em estudo australiano realizado a partir de dados de 8.850 mulheres, entre 25 e 30 anos, atendidas nos serviços de saúde em diferentes partes do país66 Szalacha LA, Hughes TL, McNair R, Loxton D. Mental health, sexual identity, and interpersonal violence: findings from the Australian longitudinal Women’s health study. BMC Womens Health [Internet]. 2017 [acesso em 13 jan 2021]; 17:94. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12905-017-0452-5.
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Apesar das repercussões advindas da agressão, as mulheres continuam nas relações por vários anos. O tempo de permanência da mulher em um relacionamento violento vem sendo estudado em investigações internacionais e nacionais. Pesquisas realizadas no Brasil, analisando 212 processos sob a jurisprudência da 1ª Vara de Justiça pela Paz em Casa, de Salvador, Bahia, e em Shahroud, no nordeste do Irã, com 600 mulheres que vivenciaram violência por parceiro íntimo, apontaram que elas demoram cerca de sete a 10 anos para decidirem pela saída da relação77 Estrela FM, Gomes NP, Lírio JG dos S, Silva AF da, Mota RS, Pereira A, et al. Expressões e repercussões da violência conjugal: processos de mulheres numa vara judicial. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2018 [acesso em 10 jan 2021]; 12(9):2418-27. Disponível em: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i9a231013p2418-2427-2018.
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-88 Hajian S, Vakilian K, Najm-abadi KM, Hajian P, Jalalian M. Violence against Women by Their Intimate Partners in Shahroud in Northeastern Region of Iran. Glob J Health Sci [Internet]. 2014 [acesso em 10 jan 2021]; 6(3):117-130. Disponível em: https://doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117.
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. No entanto, muitas vezes, as mulheres denunciam não com a intenção de romper com o relacionamento, mas sim como uma tentativa de atenuar as situações de violência do cotidiano99 Melo AG, Pederiva R. Violência contra a mulher: a permanência da mulher na relação violenta após a denúncia e a retirada da queixa. Unoesc & Ciência - ACBS [Internet]. 2016 [acesso em 10 jan 2021]; 7(2):221-228. Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/acbs/article/view/11757.
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. Por conta disso, algumas se arrependem e retomam o relacionamento conjugal, decisão que as expõe mais uma vez à situação de risco para vivência do agravo, conforme evidenciado em estudo realizado na Cidade do Cabo, África do Sul, que ouviu mulheres sobreviventes de abuso conjugal e que estavam sob proteção do governo1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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Considerando a complexidade que envolve a violência na conjugalidade, é mister historicizar o cotidiano feminino a fim de melhor compreender os fatores que contribuem para a manutenção das mulheres nesses relacionamentos, mesmo diante o risco iminente de mais abusos e até mesmo de morte. Com isso, o estudo teve por objetivo desvelar a permanência de mulheres em um cotidiano conjugal violento. Desse modo, a violência conjugal revela-se um agravo à saúde das mulheres, o que requer maior compreensão dos elementos que mantém a mulher na relação, com fins na identificação pelos profissionais da saúde, em especial a enfermagem, em seus atendimentos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, fundamentado no método da História Oral e analisado à luz da Teoria do Cotidiano1111 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. 2 ed. São Paulo: Editora Contexto; 2013.-1212 Heller A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra; 2004.. Este estudo, aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Bahia sob o parecer nº 877.905, vincula-se à pesquisa matriz “Reeducação de homens e mulheres envolvidos em processo criminal: estratégia de enfrentamento da violência conjugal”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia e apoiada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia.

A pesquisa foi realizada entre setembro e dezembro de 2020 em duas Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Participaram do estudo 29 mulheres, que respeitaram o critério de inclusão: representação judicial por vivência de violência conjugal. Excluíram-se mulheres cujo estado emocional foi contraindicado para participação no estudo pelo serviço psicossocial das Varas. As participantes foram convidadas a integrar a pesquisa por meio de ligações telefônicas e, aceitando, obteve-se a anuência através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As narrativas de vida foram obtidas por meio de entrevistas individuais, ocorridas em salas privativas das Varas de Violência, guiadas com apoio de roteiro semiestruturado e norteado pela questão: “Conte-me a história de sua relação com seu companheiro”. A condução da entrevista baseou-se no referencial metodológico de História de Vida de Daniel Bertaux, tendo como foco central o olhar aprofundado para o cotidiano de vida de mulheres com história de violência conjugal1313 Bertaux D. Los relatos de vida. Barcelona: Bellaterra; 2005.. Por permitir que o outro fale livremente da sua vivência, o método preconiza a inclusão de questões necessárias para alcançar a profundidade dos dados.

Vale salientar que as entrevistas foram conduzidas por mestrandas e doutorandas com expertise em estudos qualitativos e na temática da violência. Os diálogos foram registrados com auxílio de gravador digital de voz e, posteriormente, transcritos na íntegra e arquivados em pastas virtuais do Laboratório de Estudos Violência, Saúde e Qualidade de Vida, podendo ser destruído após cinco anos da coleta dos dados. Cabe referir que a partir da repetição dos dados e ausência de novas informações relevantes a serem exploradas, alcançou-se a saturação teórica dos dados. Para preservar o anonimato das participantes, estas foram identificadas pela letra “M” seguida de um algarismo arábico de ordem da entrevista e pela idade.

Com vistas a desvelar a permanência de mulheres no cotidiano de violência conjugal, a partir da sua história de vida, os relatos foram sistematizados por meio da Análise de Conteúdo Temática Categorial. Considerando o rigor da pesquisa científica, tal organização respeitou o cumprimento das etapas de pré-análise, com percepção das unidades de análise obtida após leitura flutuante e exaustiva das entrevistas, seguida da exploração do material, em que os dados brutos foram agrupados por semelhança de conteúdo, dando origem às categorias1414 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009.. Após a organização e análise dos dados, estes foram validados pelas participantes da pesquisa.

A interpretação das narrativas embasou-se na Teoria do Cotidiano, a qual possibilita que novos elementos sejam trazidos à cena e, assim, desvelar a realidade que está disfarçada na habitualidade e decifrar os enigmas que escondem o cotidiano1212 Heller A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra; 2004.. A opção por este aporte está orientada também na premissa de que, a partir de situações vividas pelos sujeitos singulares, individuais, particulares, podemos ter a compreensão do ser genérico, social. Nesse sentido, este referencial teórico nos auxiliou a descortinar a rotina diária de cada mulher na conjugalidade e desvelar o que é incomum no repetido do dia a dia.

RESULTADOS

Ao traçar o perfil das 29 mulheres participantes, é possível afirmar que estas se encontravam na faixa etária entre os 25 e 71 anos, com média de idade de 41 anos. No que concerne à etnia, 19 se autodeclararam negras. Todas residiam em bairros da periferia da cidade e, embora 22 tenham relatado possuir uma atividade remunerada, a maioria (23 mulheres) possuía renda familiar baixa, não chegando a dois salários-mínimos. No tocante ao relacionamento conjugal, 12 mulheres declararam serem casadas com o agressor, 15 referiram união estável e duas informaram já estarem divorciadas, à data da realização da entrevista.

As narrativas de vida dessas mulheres retratam o cotidiano conjugal, possibilitando desvelar elementos atrelados à permanência feminina em um relacionamento abusivo, expressos a partir das categorias a seguir.

Não se reconhecem em vivência de violência no início da relação

As narrativas sinalizam para a dificuldade feminina em, no início da relação conjugal, reconhecer a vivência do abuso. Isso se explica devido ao caráter tênue que diferencia amor de violência. Assim, condutas de controle e opressão, ainda que alertadas por familiares, são interpretadas como manifestações de zelo e prova de amor, ocultando a percepção do início da relação hostil, conforme ilustram as falas:

“Logo no começo, ele tinha muito ciúme, me queria só para ele, me proibia de conversar com familiares. Eu pensava que fosse amor. Eu estava deslumbrada para casar. [...] minha mãe dizia que ele não prestava, mas demorei de perceber isso!” (M4, 32 anos)

“No início, ele reclamava da maquiagem, da roupa curta. Achava que era proteção e que eu tinha que respeitar ele. [...] fui percebendo que eu tentava mascarar para mim mesma a violência porque eu sonhava com uma casa e uma família.” (M7, 43 anos)

Acreditam poder controlar os episódios de violência

As histórias revelam também que, ao se perceberem em um cotidiano de violência, as mulheres permanecem na relação acreditando serem capazes de controlar a situação, para a manutenção do casamento/família. Essa fase revela-se a priori uma agressão mais obscura, com condutas veladas, como ofensas, controle e proibições, sendo que a posteriori as manifestações vão ficando cada vez mais claras e afloram desde as agressões físicas até as ameaças de morte, o que favorece o reconhecimento da vivência do fenômeno. Importante assinalar que, com o passar do tempo e com o prolongamento do relacionamento, algumas mulheres tendem a apresentar resistência para abrir mão do casamento.

“Primeiro foi verbalmente, mas, quando me dei conta, estava apanhando e sendo ameaçada de morte. Sabia que vivia violência, mas não queria abdicar do casamento. Fazia de tudo para evitar brigas: pagava as contas; fazia a comida; tentava conversar. Achava que assim poderia haver uma mudança!” (M3, 71 anos)

“[...] ele passou a me proibir de estudar. [...] as agressões físicas também viraram rotina, mesmo quando grávida. Eu lutei para não destruir nossa família. [...] fazia tudo para agradá-lo e para ele não se aborrecer. Pensava que assim eu ia conseguir mudá-lo e que dependia de mim evitar as agressões. Não queria perder minha família.” (M28, 37 anos)

Apresentam comprometimento psicoemocional

As histórias de vida sinalizam para o comprometimento psicoemocional das mulheres, como rebaixamento da autoestima e sintomas de comportamento depressivo. Essas alterações na saúde psíquica favorecem o desencadeamento de sentimentos ambíguos nutridos pelo cônjuge, bem como a aceitação de um cotidiano conjugal violento, vulnerabilizando-as ainda mais para a continuidade na conjugalidade abusiva.

“[...]ele fazia com que eu acreditasse que era feia, gorda, velha. [...] me sentia oprimida, muito triste, um nada! Ao mesmo tempo em que eu gostava dele, eu o odiava. [...] fui aceitando que nasci para sofrer e que não tinha jeito.” (M18, 34 anos)

“Era um tapa e uma desculpa; um murro e uma desculpa. Quando ele me batia, eu sentia muita raiva, mas não queria deixá-lo porque o amava. [...] me sentia triste, humilhada. [...] tive depressão, perdi a vontade de viver e não conseguia agir.” (M23, 38 anos)

Confiam na promessa de mudança do cônjuge

O estudo revela que no cotidiano das relações conjugais, as mulheres, ainda que fragilizadas emocionalmente, decidem por diversos momentos pôr fim na relação abusiva, a qual é retomada pouco tempo após os cada vez mais originais pedidos de desculpas proferidos pelo cônjuge. Esse comportamento feminino, mais uma vez alicerçado no valor do casamento e da família, predispõe a mulher à manutenção na violência conjugal, que se intensifica ao longo do relacionamento.

“Eu decidi me separar. [...] dei várias queixas, mas ele vinha com aquela história que não ia acontecer mais e alguma coisa dentro de mim dizia que era verdade. Eu voltei porque eu queria aquela família, criar meu filho com essa pessoa. [...] passava um tempo sem brigar, mas na semana seguinte começava tudo de novo.” (M11, 31 anos)

“Da primeira vez que decidi dar um basta, ele pediu uma chance. [...] outra vez, pediu desculpas fazendo um carinho. [...] já dormiu na porta da minha casa insistindo para eu voltar. [...] não resisti quando ele disse que queria a mim e aos filhos e que iria melhorar. [...] eu ficava na esperança dele mudar, mas ele ficava cada vez pior.” (M5, 57 anos)

DISCUSSÃO

O estudo alerta para a dificuldade feminina em perceber-se em vivência de violência no princípio do relacionamento conjugal, ainda que diante da habitual imposição dos cônjuges no que tange à limitação do convívio com parentes e amigos, bem como no modo de se vestir e maquiar. Pesquisa nacional realizada com 19 homens e mulheres sustenta que a relação conjugal é permeada pelo processo de interferência do poder masculino, sendo rotineiras atitudes de controle, direcionamento do comportamento e vigilância constante a partir da fiscalização das suas ações, como verificar aparelhos telefônicos1515 Bittar DB, Nakano AMS. Symbolic violence among adolescents in affective dating relationships. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2017 [acesso em 10 jan 2021]; 51: e03298. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017003003298.
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Considerando o exposto, na percepção feminina, tais condutas cotidianas configuram demonstração de amor e proteção. Corroborando, uma investigação brasileira aponta que é comum o controle do companheiro sobre o comportamento e vestimenta da mulher, considerada uma forma de demonstrar seriedade na relação. É frequente também as mulheres associarem as condutas de opressão à demonstração de cuidado e amor1616 Guimarães FL, Diniz GRS, Angelim FP. “Mas ele diz que me ama...”: Duplo-vinculo e nomeação da Violência conjugal. Psicologia: teoria e pesquisa [Internet]. 2017 [acesso em 11 jan 2021]; 33: e3346. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102.3772e3346.
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. Tal contexto é extremamente corriqueiro no cenário conjugal, sustentando-se principalmente em virtude da crença do ciúme como “prova de amor”1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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. Entretanto, o ciúme excessivo não se encontra sedimentado no amor, mas na relação de insegurança, controle e posse.

Assim sendo, quanto às condutas serem entendidas como atos de amor, proteção e cuidado, podem de fato configurar-se em posicionamento de dominação à mulher, conforme ilustram as narrativas, que deixam claro o equívoco feminino sobre as impressões acerca das atitudes controladoras, opressoras e violentas de seus cônjuges. Essa ablepsia relaciona-se à dificuldade em diferenciar atitudes que denotem amor daquelas que configuram violência, de modo a haver uma confusão entre o comportamento de carinho-afeto-proteção-cuidado e a conduta de dominação-controle-poder. Isso pode explicar o fato de as mulheres não se perceberem em situação de violência, ou demorarem para se dar conta dessa realidade, ainda que sinalizada por pessoas do seu convívio, a exemplo da mãe de M4.

Os achados alertam ainda que a dificuldade de se reconhecer em situação de violência se dá mais comumente no começo dos relacionamentos. Isso ocorre porque estes momentos, tidos geralmente como fase de conquista, são marcados pelo estreitamento dos laços afetivos e apaixonamento entre o casal1616 Guimarães FL, Diniz GRS, Angelim FP. “Mas ele diz que me ama...”: Duplo-vinculo e nomeação da Violência conjugal. Psicologia: teoria e pesquisa [Internet]. 2017 [acesso em 11 jan 2021]; 33: e3346. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102.3772e3346.
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. Nessa etapa, a mulher tende a criar expectativas de ser o centro do universo de seu companheiro, que ele a ama incondicionalmente e que juntos irão formar uma família perfeita1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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. Essa valoração do casamento e da família, também presente nos relatos das participantes, pode estar comprometendo a capacidade das mulheres de não perceberem as situações de violência experienciadas na vida cotidiana, ou mesmo interferindo na decisão de, para não renunciar ao casamento idealizado, submeterem-se a tal conjuntura, haja visto que apenas duas das 29 mulheres entrevistadas se encontravam divorciadas.

Importante assinalar que, em que pese a dificuldade de reconhecerem as ações do cônjuge como violência, devido justamente à linha tênue que diferencia o amor da opressão permeada pelo valor social do casamento, as mulheres, em algum momento, tendem a se dar conta de que experienciavam histórias conjugais abusivas. Isso porque estas agressões, com o dia a dia do relacionamento, vão gradualmente se intensificando a ponto de tornarem-se cada vez menos veladas e com maior gravidade, conforme assinalam as falas. Pesquisas brasileiras realizadas no Espirito Santo e na Bahia concordam com a sutileza inicial da violência na conjugalidade, geralmente expressa de maneira psicológica, que vai progredindo em intensidade e gravidade, levando a eventos mais críticos, como os de natureza física, manifestos por socos no rosto, principalmente no queixo e no olho55 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD de, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc. Anna Nery [Internet]. 2017 [acesso em 11 jan 2021]; 21(4):e20160346. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346.
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, e que fazem com que o cotidiano de violência conjugal seja muito lentamente revelado.

Devido ao caráter gradual, por vezes gradativo, logo quando se dão conta de que vivenciam violência conjugal, as mulheres costumam acreditar, em vão, que podem controlar a situação, através de mudança no seu comportamento ou do cônjuge. De forma semelhante, estudos realizado com mulheres com história de violência conjugal em Cochabamba, Bolívia e na região metropolitana da Cidade do Cabo, África do Sul identificaram que, com o passar do tempo, as mulheres tendem a minimizar os atos perpetrados pelos seus cônjuges, acreditando serem capazes de modificar o comportamento do agressor1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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,1717 Houseman B, Semien G. Florida domestic violence. StatPearls [Internet]. 2019 [acesso em 13 jan 2021]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493194/.
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Todavia, à medida que experienciam a repetitividade da violência no cotidiano da conjugalidade, fica notório nas narrativas que as condutas desrespeitosas e agressivas vão se agravando e intensifica-se também o sofrimento emocional, o que as aprisiona ainda mais na relação. Sofrer a violência na cotidianidade da relação íntima, expressa nas suas diversas formas como ridicularizações e humilhações, leva a um comprometimento da saúde psíquica, de modo que a autoestima das mulheres vai decaindo, conforme sinalizado por estudos nacional e internacional1717 Houseman B, Semien G. Florida domestic violence. StatPearls [Internet]. 2019 [acesso em 13 jan 2021]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493194/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK49...
-1818 Heim EM, Tapia LT, Gonzáles RQ. “MyPartner Will Change”: Cognitive distortion in battered women in Bolivia. J Interpers Violence [Internet]. 2018 [acesso em 13 jan 2021]; 33(8):1348-1365. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0886260515615145.
https://doi.org/10.1177/0886260515615145...
. Indivíduos com baixa autoestima tendem a vivenciar uma variedade de dificuldades que incluem sentimentos de ansiedade, baixa conexão com as pessoas, relutância em afirmar-se e necessidade de agradar aos outros1919 Santos AG dos, Monteiro CF de S. Domains of common mental disorders in women reporting intimate partner violence. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2018 [acesso em 13 jan 2021]; 26:e3099. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1518-8345.2740.3099.
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, situações análogas às referidas pelas participantes desse estudo.

Associadamente, outro sinal de comprometimento do estado emocional revelado em nossa pesquisa remete à dualidade entre amor e ódio. Contudo, mesmo diante da ambiguidade de sentimentos e ações, típica desse processo de adoecimento, essa conjuntura acaba por postergar a ruptura da relação abusiva, pois culmina em um processo de naturalização e aceitação das atitudes do parceiro, dificultando a ruptura1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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. Essa permanência na relação pode ser entendida como uma alienação da vida cotidiana2020 Heller A. Sociologia de la vida cotidiana. 4. ed. Barcelona: Península; 1994., que impede a mulher de vislumbrar seu dia a dia sem a presença do agressor. Esse contexto leva as mulheres a aceitar essa condição de vida, uma vez que se sentem impotentes para reagir diante das situações de violência.

Para além do sentimento de aceitação e impotência, algumas mulheres passam a acreditar inclusive terem merecimento pelos castigos dirigidos a elas. Tal realidade pôde ser identificada em pesquisa realizada com mulheres que vivenciaram relacionamentos íntimos violentos, as quais informaram entender que seus cônjuges possuem a permissão de infringir atos violentos a elas, caso julguem necessário1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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. Concordando, estudo conduzido com 384 mulheres atendidas em um hospital universitário na região sul da Nigéria demonstra que aquelas com relatos de vida marcados por situações de violência costumam adotar uma postura retraída diante das situações conflitantes, a fim de evitar novos episódios violentos2121 Itimi K, Dienye PO, Gbeneol PK. Intimate partner violence and associated coping strategies among women in a primary care clinic in port harcourt, Nigeria. J Family Med Prim Care [Internet]. 2014 [acesso em 10 jan 2021]; 3(3):193-9. Disponível em: https://doi.org/10.4103/2249-4863.141601
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Vale salientar que a postura apática da mulher frente à repetição da violência, apesar de fazê-la permanecer no cotidiano de violência conjugal, revela-se como fator de proteção, podendo evitar o desencadeamento de um novo episódio violento. Essas estratégias, caracterizadas pelo calar, hesitar, recolher e privar-se, desenvolvidas a partir de um espontaneísmo no lidar com o companheiro, podem aparentar passividade, mas também ser reconhecidas como estratégias de defesa elaboradas e alternadas intuitivamente pelas mulheres na tentativa de cessar a violência1212 Heller A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra; 2004.,2020 Heller A. Sociologia de la vida cotidiana. 4. ed. Barcelona: Península; 1994.. Para além de evitar conflitos rotineiros, uma pesquisa descreve esse comportamento enquanto uma estratégia feminina para evitar uma violência mais grave e, sobretudo, o feminicídio1010 Dekel B, Andipatin M. Abused women’s understandings of intimate partner violence and the link to intimate femicide. Fórum: qualitative social research [Internet] 2016 [acesso em 13 jan 2021]; 17(1). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2394/3938.
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Mesmo com algum grau de adoecimento e temerosa por sua vida, o estudo mostra que há momentos em que as mulheres decidem pela ruptura da relação de violência, expressa geralmente pelas tentativas de separação do cônjuge. No entanto, deparam-se com os pedidos de perdão proferidos pelo parceiro, outro motivo que contribui para a permanência da violência conjugal desvelado pelo estudo. A este respeito, é importante assinalar que a repetibilidade das desculpas e a peculiaridade que possui em agredir e reconquistar despontam para a eficácia das medidas utilizadas pelo agressor para manter a conjugalidade2222 Heller A. O cotidiano e a história. 8. ed, São Paulo: Paz E Terra; 2008..

O aprisionamento feminino à relação abusiva encontra respaldo no caráter ilusório do ideário social de manutenção do matrimônio e da família1515 Bittar DB, Nakano AMS. Symbolic violence among adolescents in affective dating relationships. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2017 [acesso em 10 jan 2021]; 51: e03298. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017003003298.
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, que alimenta, nas mulheres, a esperança de experienciar uma relação semelhante ao que vivenciou, ou até mesmo idealizou, no início do relacionamento2323 The National Domestic Violence Hotline. Why Do People Stay in Abusive Relationships? 2018 [acesso em 10 jan 2021]. Disponível em: https://www.thehotline.org/support-others/why-people-stay/.
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. Essa conjuntura nos permite compreender o porquê de as mulheres decidirem sair da relação, inclusive através da denúncia, mas depois se arrependerem e retomarem a relação conjugal, certamente sobre os mesmos moldes de desrespeito e violência. Essa situação é ainda mais evidente em mulheres negras, uma vez que, por estarem muitas vezes em contexto de vulnerabilidade social, apresentam maior dificuldade em manter uma rede de apoio para manter-se afastada do agressor2424 Belonia C da S. Violência contra a mulher negra: do racismo ao estupro. Rev Crioula. 2019 [acesso em 05 dez 2021];(24):214-221. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/163163
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.

As diferentes situações que emergiram das narrativas favorecem a compreensão dos motivos pelos quais as mulheres não conseguem vislumbrar outras perspectivas de vida além do que está presente no cotidiano conjugal. Diante o exposto, os padrões de pensar, agir e sentir das mulheres precisam ser superados, a fim de que consigam romper tais relacionamentos abusivos. Essa ruptura também representa uma quebra dos moldes patriarcais historicamente impostos às mulheres, que as fazem permanecer em uma posição de inferioridade e subalternidade, sobretudo na esfera doméstica. Assim, o enfrentamento do agravo não depende apenas dos esforços individuais das mulheres, mas também de todo um arcabouço social que as auxilie na superação dos estereótipos de gênero2525 Millett K. Sexual Politics. Lisboa: Publicações Dom Quixote; 1970..

Assim, urge um melhor preparo por parte dos profissionais de saúde, visto que, conhecendo tais condições, podem melhor articular suas ações no sentido de favorecer o fortalecimento da mulher para a ruptura do fenômeno. Nesse sentido, estudo nacional afirma que profissionais que receberam capacitação para atuar em situações de violência sentem-se mais seguros para abordar a temática, identificar o agravo e atuar junto à mulher no enfrentamento da violência55 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD de, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc. Anna Nery [Internet]. 2017 [acesso em 11 jan 2021]; 21(4):e20160346. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346.
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, evitando que ela permaneça no relacionamento abusivo.

Frente ao exposto, o estudo limita-se por não quantificar a média de tempo que as mulheres levam para se perceberem em situação de violência e/ou de vezes que retomam os relacionamentos.

CONCLUSÃO

As narrativas mostram que a não percepção da situação de abuso, acreditar ser possível controlar os episódios de violência, o comprometimento da saúde psicoemocional e confiança na promessa de mudança do cônjuge se constituem em eventos que nos permitem desvelar a permanência de mulheres no cotidiano conjugal de violência. A pesquisa contribui para oferecer subsídios para que as pessoas possam se aproximar da relação abusiva que aliena as mulheres e que é de difícil ruptura.

Nessa perspectiva, ao revelar as situações que prendem as mulheres a um cotidiano conjugal violento, o estudo permite que profissionais, sobretudo os de saúde, entendam o abuso enquanto evento relacional e complexo, o que faz com que muitas mulheres, mesmo já se reconhecendo em vivência do fenômeno, não consigam romper com o relacionamento. Diante esse contexto, percebe-se a necessidade de sensibilizar e instruir os profissionais quanto ao agravo, favorecendo a abordagem da temática em suas rotinas de trabalho, promovendo uma maior vinculação e um atendimento mais acolhedor que perpassem ações de prevenção, diagnóstico, intervenção e enfrentamento do agravo, prestando orientações e apoio e favorecendo o fortalecimento e o empoderamento da mulher.

Tais ações podem se dar em qualquer espaço de atendimento e acolhimento à mulher, a exemplo de consultas e grupos reflexivos, este último por se constituir espaço que favorece o compartilhamento de vivências com fins no fortalecimento feminino para a saída do relacionamento violento. No contexto da Atenção Primária à Saúde, sobretudo no Programa Saúde na Escola, estes profissionais conjuntamente com as(os) educadoras(es) poderão alertar meninos e meninas quanto à linha tênue que separa as ações de carinho daquelas que se configuram como opressão e violência, favorecendo o reconhecimento da vivência.

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Editado por

Editora associada:

Tatiane Herreira Trigueiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2021
  • Aceito
    08 Dez 2021
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