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Consciência crítica e resistência: reflexões Freirianas sobre a formação do movimento agroecológico em Araponga, Minas Gerais, Brasil

Resumo

O movimento agroecológico tornou-se a resistência mais relevante ao agronegócio no Brasil nas últimas décadas. Alicerçados nas teorias da educação libertadora e da consciência crítica de Paulo Freire pretendemos contribuir para os Estudos Organizacionais dos movimentos sociais rurais, desvelando o caso do movimento agroecológico de Araponga, em Minas Gerais, Brasil em fase de formação. Nós, portanto, questionamos: como o início da trajetória do movimento agroecológico em Araponga, Minas Gerais, nos ajuda a refletir sobre a construção do protagonismo do oprimido? Por meio desse caso, destacamos que para a superação das relações de opressão, a pequena agricultura familiar e os camponeses/trabalhadores rurais tiveram primeiro que se identificar sob um sistema opressor a que historicamente foram submetidos. Além disso, reconhecer sua autenticidade e mecanismos autônomos de acesso à terra foram fundamentais para o desenvolvimento de novas formas de produção e redefinição de suas identidades. Desse modo, o segundo momento importante passa a ser a pedagogia de mulheres e homens em um processo contínuo e permanente de libertação. Assim, a construção da identidade coletiva e da resistência no movimento agroecológico de Araponga surge a partir da luta dos agricultores e trabalhadores rurais e de seu autorreconhecimento como um povo humanizado, crítico, livre e autônomo. Isso reflete o processo de ‘ação-reflexão-ação’ de aprendizagem coletiva e horizontal, onde todos são educadores e alunos ao mesmo tempo. A partir deste artigo, encorajamos mais reflexões nos Estudos Organizacionais em movimentos rurais por meio do uso da abordagem Freiriana'.

Palavras-chave:
Movimento agroecológico; Resistência; Educação libertadora; Consciência crítica; Paulo Freire

Abstract

The agroecology movement has become the most relevant resistance to agribusiness in Brazil in recent decades. Grounded on Paulo Freire’s liberating education and critical consciousness theories, we aimed to contribute to Organization Studies (OS) on rural social movements by unveiling the case of the agroecology movement in Araponga, Minas Gerais, Brazil, in its formation phase. We asked: How does the beginning of the trajectory of the agroecology movement in Araponga, Minas Gerais, help us reflect on the construction of the protagonism of the oppressed? Through this case, we highlight that to overcome oppressive relationships, small-scale family farming and peasants/rural workers had to first identify themselves under an oppressive system to which they have been historically submitted. Acknowledging their authenticity and autonomous mechanisms of land access were central to developing new forms of production and redefining their identities. Thus, the second important moment is the pedagogy of women and men in a continuous and permanent process of liberation. Hence, the collective identity and resistance building in the agroecology movement in Araponga arose through farmers and rural workers’ struggle and through their self-recognition as a humanized, critical, free, and autonomous people. This reflects the ‘action-reflection-action’ process of collective and horizontal learning where everyone is both educator and learner simultaneously. From this paper, we encourage more reflections in OS on rural movements through the Freirean approach.

Keywords:
Agroecology movement; Resistance; Liberating education; Critical consciousness; Paulo Freire

Resumen

El movimiento agroecológico se ha convertido en la resistencia más relevante al agronegocio en Brasil en las últimas décadas. Fundamentados en las teorías de Paulo Freire de educación liberadora y conciencia crítica, pretendemos contribuir a los estudios organizacionales de los movimientos sociales rurales, develando el caso del movimiento agroecológico de Araponga, en Minas Gerais, Brasil, en su etapa de formación. Para ello, nos preguntamos: ¿Cómo el inicio de la trayectoria del movimiento agroecológico en Araponga, Minas Gerais, nos ayuda a reflexionar sobre la construcción del protagonismo de los oprimidos? A través de este caso, destacamos que, para superar las relaciones de opresión, la pequeña agricultura familiar y los campesinos/trabajadores rurales tuvieron que identificarse primero bajo un sistema opresor al que históricamente fueron sometidos. Además, el reconocimiento de su autenticidad y mecanismos autónomos de acceso a la tierra fueron fundamentales para el desarrollo de nuevas formas de producción y redefinición de sus identidades. Así, el segundo momento importante fue la pedagogía de mujeres y hombres en un proceso continuo y permanente de liberación. Así, la construcción de la identidad colectiva y la resistencia en el movimiento agroecológico de Araponga surge de la lucha de los agricultores y trabajadores rurales y de su autorreconocimiento como pueblo humanizado, crítico, libre y autónomo. Esto refleja el proceso de ‘acción-reflexión-acción’ de aprendizaje colectivo y horizontal, donde todos son educadores y alumnos al mismo tiempo. A partir de este artículo, fomentamos una mayor reflexión en los estudios organizacionales en movimientos rurales mediante el uso del enfoque freiriano.

Palabras clave:
Movimiento agroecológico; Resistencia; Educación liberadora; Conciencia crítica; Paulo Freire

INTRODUÇÃO

No campo organizacional da agricultura, a agroecologia tem sido descrita como ciência, prática agrícola e como movimento (Wezel et al., 2020Wezel, A; Herren, B. G; Kerr, R. B; Barrios, E; Gonçalves, A. L. R; & Sinclair, F. (2020). Agroecological principles and elements and their implications for transitioning to sustainable food systems. A review. Agronomy for Sustainable Development, 40(40), 1-13.). Alguns pesquisadores defendem a agroecologia como uma ciência que busca compreender o funcionamento interno dos sistemas agrícolas, o que inclui o papel central do ser humano (Altieri & Nicholls, 2020Altieri, M. A; & Nicholls, C. I. (2020). Agroecology and the reconstruction of a post-COVID-19 agriculture. The Journal of Peasant Studies, 47(5), 881-898.; Wezel et al., 2020Wezel, A; Herren, B. G; Kerr, R. B; Barrios, E; Gonçalves, A. L. R; & Sinclair, F. (2020). Agroecological principles and elements and their implications for transitioning to sustainable food systems. A review. Agronomy for Sustainable Development, 40(40), 1-13.). Por outro lado, algumas abordagens em agroecologia têm se concentrado no sistema alimentar global de produção, distribuição e consumo (Wezel et al., 2020Wezel, A; Herren, B. G; Kerr, R. B; Barrios, E; Gonçalves, A. L. R; & Sinclair, F. (2020). Agroecological principles and elements and their implications for transitioning to sustainable food systems. A review. Agronomy for Sustainable Development, 40(40), 1-13.). Para alguns praticantes (como agricultores, camponeses, cooperativas, ONGs e outros), a agroecologia compreende um método de cultivo baseado no manejo do agroecossistema e no não uso de insumos externos (Holt-Giménez, Shattuck, & Van Lammeren, 2021Holt-Giménez, E; Shattuck, A; & Van Lammeren, I. (2021). Thresholds of resistance: agroecology, resilience and the agrarian question. The Journal of Peasant Studies, 48(4), 715-733.).

No Brasil, a agroecologia se consolidou como movimento social e como a oposição mais efetiva ao agronegócio, dominante no Brasil desde a adoção das práticas da Revolução Verde (Hernandez, 2020Hernandez, A. (2020). The emergence of agroecology as a political tool in the Brazilian Landless Movement. Local Environment, 25(3), 205-227.; Schwendler & Thompson, 2017Schwendler, S. F; & Thompson, L. A. (2017). An education in gender and agroecology in Brazil’s Landless Rural Workers’ Movement. Gender and Education, 29(1), 100-114.). Posicionando-se explicitamente contra as práticas de capital intensivo introduzidas por esse modelo, a agroecologia se volta para o conhecimento intensivo, direcionado a pequenos agricultores, áreas altamente diversificadas e inovação de base por meio de metodologia “de agricultor para agricultor” (Holt-Giménez et al., 2021Holt-Giménez, E; Shattuck, A; & Van Lammeren, I. (2021). Thresholds of resistance: agroecology, resilience and the agrarian question. The Journal of Peasant Studies, 48(4), 715-733.). Essa promoção do engajamento dos agricultores e demais pessoas envolvidas na agricultura vai além da compreensão do conhecimento agrícola para uma determinada terra, ecossistema e tipo de produção e cultura. Ou seja, a agroecologia também se refere a uma proposição política na medida em que transcende os aspectos operacionais e as questões que se encontram na atual lógica produtivista de hegemonia do poder no meio rural (Guzmán, Molina, & Sevilla, 2000Guzmán, G. C; Molina, M. G; & Sevilla, E. G. (2000). Introducción a la Agroecología como desarrollo rural sostenible. Madrid, España: Mundi-Prensa.). Em outras palavras, ela altera o equilíbrio de poder entre técnicos, agricultores, natureza, instituições públicas e mercado. Todas essas diferentes posições em torno da agroecologia enfatizam a relevância de desvendar as formas do movimento de construção da identidade e resistência coletiva no Brasil e no sistema agroalimentar global (Holt-Giménez et al., 2021Holt-Giménez, E; Shattuck, A; & Van Lammeren, I. (2021). Thresholds of resistance: agroecology, resilience and the agrarian question. The Journal of Peasant Studies, 48(4), 715-733.).

Nas últimas décadas, estudiosos de Estudos Organizacionais (OS) de diferentes abordagens teóricas têm enfatizado a multiplicidade de formas de contestações políticas dos movimentos sociais para atingirem seus objetivos (Banerjee, Maher, & Krämer, 2021Banerjee, B; Maher, R; & Krämer, R. (2021, May). Resistance is fertile: Toward a political ecology of translocal. Organization. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508421995742
https://doi.org/10.1177/1350508421995742...
; Corry & Reiner 2021Corry, O; & Reiner, D. (2021). Protests and Policies: How Radical Social Movement Activists Engage with Climate Policy Dilemmas. Sociology, 55(1), 197-217.; Sutherland, Land, & Böhm, 2014Sutherland, N; Land, C & Böhm, S. (2014). Anti-leaders(hip) in Social Movement Organizations: The case of autonomous grassroots groups. Organization, 21(6), 759-781.). Essas múltiplas formas de ação incluem práticas, estratégias, instituições, atores, discursos e articulações materiais (Haug, 2013Haug, C. (2013). Organizing Spaces: Meeting Arenas as a Social Movement Infrastructure between Organization, Network, and Institution. Organization Studies, 34(5-6), 705-732.). No entanto, ainda há pouca atenção à identidade dos movimentos sociais rurais e à construção de resistência - tão importantes no contexto da América Latina e do Brasil (Banerjee et al., 2021Banerjee, B; Maher, R; & Krämer, R. (2021, May). Resistance is fertile: Toward a political ecology of translocal. Organization. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1350508421995742
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; Daskalaki & Kokkinidis, 2017Daskalaki, M; & Kokkinidis, G. (2017). Organizing Solidarity Initiatives: A Socio-spatial Conceptualization of Resistance. Organization Studies, 38(9), 1303-1325.; Naves & Fontoura, 2021Naves, F; & Fontoura, Y. (2021, November). Feminist resistance building in the Brazilian agroecology movement: A gender decoloniality study. Gender, Work & Organization. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1111/gwao.12767
https://doi.org/10.1111/gwao.12767...
).

Considerando o movimento agroecológico em torno de uma agricultura mais inclusiva e sustentável (Ergene, Banerjee, & Hoffman, 2021Ergene, S; Banerjee, S. B; & Hoffman, A. J. (2021). (Un)Sustainability and Organization Studies: Towards a Radical Engagement. Organization Studies, 42(8), 1319-1335.; Holt-Giménez et al., 2021Holt-Giménez, E; Shattuck, A; & Van Lammeren, I. (2021). Thresholds of resistance: agroecology, resilience and the agrarian question. The Journal of Peasant Studies, 48(4), 715-733.), pretendemos contribuir para a compreensão das organizações de movimentos sociais rurais do Sul por meio da investigação do movimento agroecológico no Brasil. Além disso, objetivamos compreender como o movimento agroecológico aprendeu a construir alternativas ao agronegócio fortalecendo suas práticas no meio rural. Por isso, questionamos: Como o início da trajetória do movimento agroecológico em Araponga, Minas Gerais, nos ajuda a refletir sobre a construção do protagonismo dos oprimidos? Para investigar essa questão, oferecemos um conjunto de reflexões sobre a fase de formação do movimento (os processos de construção de identidade, consciência e resistência) na cidade de Araponga, Minas Gerais, Brasil, a partir dos princípios da pedagogia da libertação de Paulo Freire.

A proposta Freiriana de educação libertadora como ato político subsidia reflexões teóricas sobre a trajetória de diversos movimentos sociais, inclusive o da agroecologia, como uma forma de resistência ao agronegócio, para enfrentar a opressão e construir alternativas. Para construir a mudança, os oprimidos se organizam. No entanto, a organização sobrevive porque há um processo de conscientização desses sujeitos sobre a opressão e sobre si mesmos que acontece por meio de uma prática consciente e coletiva (P. Freire, 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Stênico & Paes, 2017Stênico, J. A. G; & Paes, M. S. P. (2017). Paulo Freire e os movimentos sociais: uma análise da cojuntura brasileira. Educación, 26(50), 47-61.). Para compreender como se dá essa organização coletiva e os processos de construção identitária e de autonomia, traçamos nossa análise da fase de formação do movimento agroecológico em Araponga com base nos estudos de Paulo Freire, especialmente nas reflexões contidas em seu clássico livro Pedagogia do Oprimido entre outras contribuições para o desenvolvimento de uma dimensão crítica em educação. Ao fazê-lo, desenvolvemos as reflexões sobre o movimento a partir das lentes teóricas da educação libertadora de Freire que enfatizam: a auto-organização por meio de experiências coletivas; o processo de aprendizagem que possibilita o fortalecimento da autonomia; a relação de dependência dentro do processo de investigação; e os mecanismos da opressão envolvidos (Andrade, Alcântara, & Pereira, 2019Andrade, L. F. S; Alcântara, V. C; & Pereira, J. R. (2019). Comunicação que constitui e transforma os sujeitos: agir comunicativo em Jürgen Habermas, ação dialógica em Paulo Freire e os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 17(1), 12-24.; P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Misoczky, Moraes, & Flores, 2009Misoczky, M. C. A; Moraes, J; & Flores, R. K. (2009). Bloch, Gramsci e Paulo Freire: referências fundamentais para os atos da denúncia e do anúncio”.Cadernos EBAPE.BR, 7(3), 447-471.; Motta, 2017Motta, S. C. (2017). Emancipation in Latin America: On the Pedagogical Turn. Bulletin of Latin American Research, 36(1), 5-20.; Stênico & Paes, 2017Stênico, J. A. G; & Paes, M. S. P. (2017). Paulo Freire e os movimentos sociais: uma análise da cojuntura brasileira. Educación, 26(50), 47-61.).

Após esta seção introdutória, refletimos sobre a abordagem de Paulo Freire sobre educação libertadora. Em seguida, apresentamos o caminho metodológico e os resultados da pesquisa com base na descrição do caso e análise do movimento em Araponga, Minas Gerais, Brasil. Ao final, apresentamos algumas reflexões Freirianas sobre educação, agroecologia e movimentos de resistência de base.

A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E A CONSCIÊNCIA CRÍTICA EM PAULO FREIRE

Paulo Freire (1921-1997) foi um dos mais importantes e influentes filósofos e pedagogos brasileiros e um grande crítico das formas de educação e pedagogia que reproduzem dominação, opressão e exploração cultural (P. Freire, 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.; Gadotti, P. Freire, & Guimarães, 1995Gadotti, M; Freire, P; & Guimarães, S. (1995). Pedagogia: diálogo e conflito (4a ed.). São Paulo, SP: Cortez.).

A vida de Paulo Freire é, em diferentes contextos, marcada por uma profunda sensibilidade às realidades concretas experienciadas pelas classes populares, vividamente presentes em seus escritos. Não pretendemos detalhar a vida e a obra do autor, que tem sido realizada com competência por vários pesquisadores (ver, por exemplo, Brandão, 2017Brandão, C. (2017). Paulo Freire: uma vida entre aprender e ensinar. São Paulo, SP: Ideias & Letras.; A. M. A. Freire, 2017Freire, A. M. A. (2017). Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Gadotti, 1996Gadotti, M. (1996). Paulo Freire: uma biobliografia. São Paulo, SP: Cortez .).

A experiência de Freire com a alfabetização de jovens e adultos, atuando em comunidades rurais e vulneráveis, levou à construção, junto com sua parceira na época - educadora Elza Freire - de uma metodologia de ensino enraizada no questionamento da realidade concreta em que os sujeitos vivem, permitindo a consciência da opressão e a transformação do mundo em que vivem. Em sua obra ‘Pedagogia da Liberdade - Ética, Democracia e Coragem Cívica’, P. Freire (1967)Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. já defendia a educação para a liberdade, mas sua proposta pedagógica e epistemológica assume uma dimensão mais complexa no livro Pedagogia do Oprimido (P. Freire, 1968).

Para vários pesquisadores, Paulo Freire desenvolveu uma pedagogia crítica como um projeto onto-epistêmico de afirmação mundial do Sul Global. Evocou saberes em movimento, em luta e/ou em resistência, na busca da (re)existência e humanização de pessoas historicamente relegadas à subordinação (Loureiro, 2021Loureiro, C. W; & Moretti, C. Z. (2021, May). Paulo Freire em Abya Yala: denúncias e anúncios de uma epistemologia decolonial. Práxis Educativa, 16, 1-19.; Mota, 2018Mota, J. C Neto. (2018). Paulo Freire e Orlando Fals Borda na genealogia da pedagogia decolonial latino-americana. Folios, 48, 3-13.). Esse aspecto já estava presente na obra do autor desde seus primeiros escritos, mas se intensifica e se consolida com a publicação da ‘Pedagogia do Oprimido’. Esta obra resulta de sua experiência como consultor do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em países africanos na década de 1970, quando escreveu o livro ‘Cartas a Guiné-Bissau’ (P. Freire, 1978), no qual aprofundou sua crítica à imposição colonialista (Loureiro, 2021Loureiro, C. W; & Moretti, C. Z. (2021, May). Paulo Freire em Abya Yala: denúncias e anúncios de uma epistemologia decolonial. Práxis Educativa, 16, 1-19.).

Na concepção de Freire, educar é um ato político amoroso e aquele que não acredita nisso carece de consciência crítica. Com essa proposta, o educador se opõe a regimes educacionais dominantes, muitas vezes eurocêntricos, que produzem, aos seus olhos (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.), um ‘Outro’ desumanizado que só é reconhecido como destinatário da informação: “a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos” (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 19).

Assim como a luta tem um sentido pedagógico, a educação é um importante caminho para a libertação (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Em oposição a uma “educação bancária” - que apenas deposita um conteúdo programático no aluno -, Freire defende uma educação problematizadora e dialógica em que não se deposita conteúdo, mas uma educação que se organiza e se constitui a partir da visão de mundo dos sujeitos (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

A pedagogia da libertação é uma ferramenta necessária para enfrentar a opressão das classes dominantes. A violência dos opressores é tão profunda que gera nos grupos oprimidos “uma espécie de cansaço existencial que, por sua vez, está associado ou se alonga no que venho chamando de anestesia histórica, em que se perde a ideia do amanhã como projeto” (P. Freire, 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez., p. 27). Perde-se o sentido de identidade: “O oprimido, tendo internalizado a imagem do opressor e adotado suas diretrizes, teme a liberdade” (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 47).

A identidade dos sujeitos das classes populares é pensada por Freire como constituída de uma dimensão individual e de classe, diretamente relacionada ao “ser em formação” (P. Freire, 1996Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra.). O respeito pela identidade e dignidade é essencial na pedagogia da libertação, que procura contribuir para que os oprimidos desenvolvam uma consciência crítica da sua relação com a realidade (P. Freire, 1967Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

O ser humano, consciente do mundo, de si mesmo e de sua inserção no mundo, faz parte de um movimento de busca (P. Freire, 1996Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra.). A consciência crítica desempenha um papel central na pedagogia de Freire. O autor analisa as mudanças na sociedade brasileira a partir do processo de consciência. Um dos tipos de consciência identificados pelo autor é o intransitivo, que limita as possibilidades de apreensão de problemas e questões para além da esfera biológica vital do ser humano. A partir deste momento, pode-se evoluir para uma consciência transitiva ingênua, que remete a uma fase marcada pela simplicidade na interpretação dos problemas, pela subestimação do homem comum, pela extrema valorização do passado, pela fragilidade da argumentação e pela evitação do diálogo, muitas vezes substituído por controvérsia. Esta é, segundo Freire, uma condição para manipulação pelas elites (P. Freire, 1967Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Por fim, é possível desenvolver uma consciência transitiva crítica, baseada na captação de problemas, sugestões do contexto em que vivem e na crescente capacidade de diálogo com os outros e com o mundo, de modo que seus interesses e preocupações se expandam para além da esfera vital. Assim, a transitividade crítica caracteriza-se pela profundidade na interpretação dos problemas, pela substituição das explicações mágicas por princípios causais, pela focalização na análise e nos problemas, pela recusa do silêncio, pela argumentação e pelo diálogo (P. Freire, 1967Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). O desenvolvimento da consciência crítica ocorre à medida que os seres humanos são levados ao debate. Eles participam, compartilham e discutem suas visões de mundo e experiências.

Paulo Freire defendia a necessidade de partir do conhecimento e saberes existentes. Por isso o conceito de tema gerador é importante em sua obra, como ponto de partida para a transitividade e a crítica. Pilares da pedagogia Freiriana, os temas geradores não são apenas estratégias de letramento. São geradores de ação-reflexão-ação na medida em que são permeados de conteúdos sociais e políticos. Assim, os temas geradores concretizam o esforço de compreensão da realidade vivida para alcançar um conhecimento mais crítico dessa realidade, por meio da experiência de reflexão coletiva sobre a prática social real.

Frequentemente, os temas geradores não são percebidos como tais, pois são encobertos por ‘situações-limite’ que se apresentam às pessoas como se fossem determinantes históricas, avassaladoras, diante das quais elas não têm escolha a não ser se adaptar (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Isso impede que as pessoas desenvolvam respostas autênticas e críticas para problemas concretos.

No momento em que as pessoas percebem “situações-limites” “não mais como uma ‘fronteira entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais ser’, se fazem cada vez mais críticas na sua ação, ligada àquela percepção (Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 60). Assim, P. Freire (1970)Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. defendia um processo de desaprender a opressão; um processo de reaprender a liberdade de saber, a liberdade de aprender e a liberdade de ser você mesmo sem que o opressor lhe diga o que pensar, saber e sentir. Este é um processo que o autor (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) chamou de “consciência crítica”, que é um ato de autoaprendizagem e auto-organização entre comunidades de oprimidos. Mais importante, isso não é algo que vem por meio de um ato de caridade. O modo missionário do opressor de amar o ‘Outro’ movido pela culpa, alimentado pelo interesse próprio e pela identificação espelhada é destacado pelo autor: “A generosidade dos opressores se nutre de uma ordem injusta, que deve ser mantida para justificar essa generosidade” (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 60).

A consciência crítica desempenha um papel central na compreensão das relações de dominação e na construção de novas formas de resistência. A seguir, exploraremos como uma cultura hegemônica gera também uma cultura discriminatória e, como uma cultura discriminada gera uma ideologia de resistência, que pode ser expressa por meio de comportamentos mais pacíficos ou rebeldes, dependendo do momento.

RESISTÊNCIA COLETIVA NA PEDAGOGIA DE FREIRE

Segundo a pedagogia Freiriana, as diferentes formas possíveis de resistência das classes populares, em diferentes momentos, envolvem certo grau de organização. Todavia, a resistência não se limita a uma mobilização explícita das classes trabalhadoras. Luta e resistência também ocorrem de forma latente, às vezes de forma oculta.

P. Freire (2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.) chamou essa forma de resistência de “manhas” dos oprimidos. Ou seja, “imunizações” que as classes populares criam em seus corpos, linguagem e cultura. Assim, quando uma pessoa não pode ou não quer enfrentar uma situação difícil, ela usa tais “manhas” para camuflar esse fato. Essa estratégia permite que ela não assuma uma mudança e nem desista dela. É uma forma de defesa necessária - central à resistência cultural e política dos oprimidos (P. Freire, 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.).

A interpretação rica e contextualizada de Freire sobre as dinâmicas de opressão, resistência e organização de classes populares apresenta-se como um desafio para quem deseja compreender e intervir em tais processos. Nesse sentido, o agente de intervenção (ou seja, educador, pesquisador) corre o risco de não identificar tal dinâmica, sem uma compreensão crítica da História, na qual essas relações culturais se articulam dialeticamente (P. Freire, 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.). O educador pode recusar contextos culturais específicos ou intensificar o medo de grupos populares (P. Freire, 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.).

Quanto ao aspecto organizador, a educação libertadora é orientada e guiada por um processo de organização que “jamais será a justa posição de indivíduos que, gregarizados, se relacionem mecanicistamente” (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 110), mas sim um espaço de relações não autoritárias, de aprendizado, de liberdade.

Para enfrentar a opressão, precisamos de uma compreensão crítica da história, dos projetos político-pedagógicos que visavam transformar e reinventar o mundo, bem como as contradições neles contidas (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.). A concepção da História de Freire - que se aproxima da Teologia da Libertação - é um tempo de possibilidade e não de determinações, que envolve liberdade. “Lutar por ela (liberdade) é uma forma possível de, inserindo-nos na História possível, nos fazer igualmente possíveis” (P. Freire, 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez., p. 19). “Nessa concepção de História, no processo de fazer História, como sujeitos e objetos, mulheres e homens se transformam em seres de inserção no mundo, e não de pura adaptação ao mundo. Assim, seu sonho também pode ser um motor da história” (P. Freire, 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Por isso, é importante um tipo de comunicação que nos permita ouvir a outra pessoa que sempre carrega a memória de muitos enredos.

Paulo Freire construiu a pedagogia da libertação numa experiência muito próxima às classes populares, no meio urbano e rural. No livro Ação Cultural pela Liberdade, P. Freire (1972) discute experiências educacionais com camponeses no Chile e as opressões que eles enfrentaram naquele contexto.

Na agricultura, a chamada “revolução verde” tem sido principalmente sobre a importação de técnicas ocidentais e eurocêntricas de se trabalhar a terra, estabelecendo estruturas de dependência de conhecimento, capital e tecnologias não-locais (Fontoura & Naves, 2016Fontoura, Y; & Naves, F. (2016). Movimento agroecológico no Brasil: a construção da resistência à luz da abordagem neogramsciana. Organizações & Sociedade, 23(77), 329-347.). Essa agricultura de capital intensivo apagou os direitos, o trabalho, a cultura e a história dos camponeses na América Latina, como afirma o autor:

Nas diferentes áreas rurais da América Latina o agronegócio tem forma singular num fazendeiro, muitas vezes político, que exerce seu poder sobre grupos de camponeses. Assim, os camponeses se acham em uma realidade ´fechada´, cujo centro decisório da opressão é ´singular´ e compacto, de tal forma que se acham sob a decisão da figura dominadora que encarna, em sua pessoa, o próprio sistema opressor (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 109).

Essa proximidade, entre camponeses e opressores, garante também uma certa “invisibilidade” do poder opressor. O trabalho de Paulo Freire com os camponeses revelou como a luta também é uma característica importante para o processo de desenvolvimento da consciência. Para o autor, a forma como os camponeses e trabalhadores rurais veem e pensam o mundo é condicionada pela ideologia dos grupos dominantes. Tais formas de pensar permanecem, mas são mais intensas e cristalizadas em áreas onde essas pessoas não vivenciaram conflitos em defesa de seus direitos (P. Freire, 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Uma abordagem Freiriana da agricultura camponesa envolve estratégias de mobilização, educação e auto-organização que permitam o desenvolvimento da consciência crítica dos sujeitos oprimidos (muitas vezes sem-terra), para que reflitam sobre sua realidade, empoderem-se e se auto-organizem para transformá-la (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Os movimentos sociais populares desempenham um papel central na mudança social na pedagogia Freiriana (Streck, Loureiro, & Rosa, 2021Streck, D. R; Loureiro, C. W; & Rosa, C. S. (2021). “Pensando com Paulo Freire”: uma andarilhagem australiana da Pedagogia da libertação. Estudos Universitários, 38(1), 123-152.). Isso explica por que a obra de Paulo Freire sempre dialogou com eles.

Como pontuado anteriormente, a posição teológica de Paulo Freire coincide com a Teologia da Libertação que se desenvolveu na América Latina a partir da década de 1960, caracterizada pelo compromisso dos cristãos com a superação das injustiças socialmente produzidas na América Latina, evidenciada principalmente no conjunto de palestras e diálogos com educadores da Austrália, onde Freire esteve a convite do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs da Austrália, em 1974 (Streck et al., 2021Streck, D. R; Loureiro, C. W; & Rosa, C. S. (2021). “Pensando com Paulo Freire”: uma andarilhagem australiana da Pedagogia da libertação. Estudos Universitários, 38(1), 123-152.). O encontro da Pedagogia Freiriana e da Teologia da Libertação é semeado por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)1 1 As CEBs são o eixo de atuação da Igreja Católica através do Concílio Vaticano II, especialmente entre os grupos “populares” da América Latina. O princípio teológico que orienta suas práticas, denominado “Teologia da Libertação”, busca conciliar a fé cristã com uma práxis emancipadora (Alves, 2006). que tiveram um papel essencial na organização de trabalhadores rurais e agricultores familiares no Brasil e na América Latina. Assim, a pedagogia Freiriana tem permeado as práticas organizativas de diversos movimentos populares no campo.

Freire manifestou, em várias ocasiões, o sonho da eclosão e ampliação de movimentos sociais populares de injustiçados como os desempregados, os trabalhadores rurais, os sem teto e sem-terra (Freire, 2000). Como mencionado anteriormente, se os movimentos sociais inspiraram Freire, sua obra dialoga proximamente com movimentos sociais urbanos e rurais. Por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estrutura sua pedagogia de emancipação humana inspirado na pedagogia de Paulo Freire (Baldo & Garcia, 2021Baldo, A. M; & Garcia, E. E. B. (2021). Pedagogia do MST: uma construção com a presença de Paulo Freire. Revista Estudos Aplicados em Educação, 6(11), 153-167.). Da mesma forma, os movimentos sociais camponeses desenvolveram sua própria pedagogia agroecológica construtivista, também inspirada em Paulo Freire (Rosset, Val, Barbosa, & McCune, 2019Rosset, P; Val, V; Barbosa, L. P; & McCune, N. (2019) Agroecology and La Via Campesina II. Peasant agroecology schools and the formation of a sociohistorical and political subject, Agroecology and Sustainable Food Systems, 43(7-8), 895-914.).

Antes de apresentarmos o caso de um processo de educação para a libertação no meio rural, destacamos nossa abordagem metodológica.

METODOLOGIA

Este estudo baseia-se em dados qualitativos primários e secundários (Denzin & Lincoln, 2011Denzin, N. K; & Lincoln, Y. S. (2011). Introduction: The Discipline and Practice of Qualitative Research. In N. K. Denzin, & Y. S. Lincoln (Orgs.), The SAGE Handbook of Qualitative Research. Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). A partir das histórias e experiências de diferentes atores do município de Araponga, Minas Gerais, Brasil, buscamos compreender a identidade do movimento agroecológico construída em sua fase de formação. Esse processo de identidade coletiva permitiu ao movimento definir sua estratégia de organização, valores e lutas hegemônicas para ampliar suas práticas como possibilidade alternativa para os agricultores familiares. A pesquisa de campo foi realizada por uma das autoras durante seu processo de doutoramento. Os dados foram coletados em dois períodos distintos: 1) de março a abril de 2004 e 2) de abril a maio de 2005, períodos de muitas conquistas para o movimento agroecológico na região e no Brasil, com a criação de uma organização de apoio à agroecologia como a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

A justificativa do uso dos dados primários coletados em 2004 e 2005 utilizados neste estudo se dá pelo nosso foco na fase de formação do movimento agroecológico em Araponga, que foi fundamental para estabelecer uma agenda crítica alternativa e radical de resistência à agricultura de capital intensivo na região.

As informações primárias foram obtidas durante o trabalho de campo em que foram realizadas dez entrevistas de história oral, guiadas por roteiros semiestruturados. Os entrevistados foram: cinco agricultores (aqui denominados I1 a I5) e uma agricultora familiar (aqui denominada I6); o coordenador e o técnico do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA - ZM) (aqui denominados I7 e I8); a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR (ex-agricultora) (aqui denominada I9); e um coordenador da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) (aqui denominado I10).

Tendo como pano de fundo a concepção de História de Paulo Freire (1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.), as entrevistas foram realizadas para possibilitar o conhecimento de diferentes “versões” sobre a construção identitária no movimento agroecológico. Desta forma, as entrevistas buscaram resgatar os indivíduos e suas experiências como sujeitos no processo histórico, o que implica destacar o conflito entre liberdade e determinismo ou entre estrutura social e ação humana (Gomes & Santana, 2010Gomes, A. F; & Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: a possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR, 8(1), 2-18.).

As entrevistas foram transcritas na íntegra e a análise das informações obtidas seguiu as orientações de Queiroz (1991Queiroz, M. I. P. (1991). Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva. São Paulo, SP: T. A. Queiroz., p. 92), fazendo um “recorte de uma totalidade nas partes que a formam, que são apreendidas na sequência apresentadas em sua naturalidade para, num segundo momento, serem restabelecidas numa nova coordenação”. Conforme mencionado na primeira seção, traçamos nossa análise de dados inspirada na práxis educacional-política do legado freireano (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Assim, a partir da teoria da pedagogia da libertação Freiriana, nos concentramos em desvendar os aspectos de auto-organização e (des)aprendizagem de práticas hegemônicas de pequenos agricultores familiares e camponeses/trabalhadores rurais para resistir e enfrentar a opressão através da identidade comum e construção da consciência (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Assim, embora o processo de organização da educação libertadora para o movimento agroecológico em Araponga não ocorra apenas e por conta das ideias de Freire, é importante destacar que ele acontece sob forte influência dos valores da Teologia da Libertação e das propostas pedagógicas Freirianas de identificação da opressão para consciência crítica. Isso é explorado na análise. Em outras palavras, foi desenvolvida uma narrativa histórica a partir da perspectiva dos sujeitos que a vivenciaram e interpretaram como parte de seu processo de apreensão do mundo.

A utilização de dados secundários também contribuiu para o desvelamento dessa história. Entre eles estão artigos e fontes não acadêmicas (em inglês, “grey literature”) sobre agroecologia em Araponga e no Brasil. As múltiplas fontes de evidência contribuíram para entender melhor a forma como o movimento iniciou sua formação. Além disso, tais fontes foram importantes na triangulação com as entrevistas na composição da narrativa da história oral, contextualizando os acontecimentos em uma perspectiva temporal mais precisa.

DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE RESISTÊNCIA À LIBERTAÇÃO: A HISTÓRIA DO MOVIMENTO SOCIAL AGROECOLÓGICO EM ARAPONGA, MINAS GERAIS, BRASIL

O município de Araponga está localizado na Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Já foi uma região coberta pela Mata Atlântica, povoada por tribos indígenas que foram exterminadas durante o século XIX. Nessa época, a região recebia escravizados para trabalhar na mineração de ouro e, com o declínio dessa atividade, eles passaram a trabalhar em grandes fazendas de café. Ainda nesse período, com a transição para o trabalho livre e a baixa disponibilidade de empregados assalariados controláveis, a produção cafeeira se organizou de forma que os agricultores ofereciam aos trabalhadores acesso parcial à exploração da terra por meio de assentamento, meação e, mais recentemente, por meio de parceria2 2 Ainda que haja especificidades para cada caso, essas formas de produção e de vida têm em comum o fato de os agricultores desprovidos de terra cultivarem em propriedades alheias e compartilharem os resultados da lavoura com os proprietários (Santos & Florisbelo, 2004). . Assim, os grandes latifundiários estabeleceram uma forma de dominação social sobre os agricultores familiares, parceiros e trabalhadores rurais, o que lhes permitiu definir os contornos da produção e da organização social e política da região (Alves, 2006Alves, M. A. (2006, October). A “conquista da terra”: (re)produção social e (re)construção histórica entre agricultores familiares do município de Araponga - MG. Mana, 12(2), 269-283.; Campos & Ferrari, 2008Campos, A. P. T; & Ferrari, E. (2008). A conquista de terras em conjunto: autonomia, qualidade de vida e Agroecologia. Agriculturas, 5(4), 8-12.; Santos & Florisbelo, 2004Santos, A. D; & Florisbelo, G. R. (2004). Desarrollo Territorial, Cambio Institucional y Productividad: Sistematización de Tres Experiencias en el Estado de Minas Gerais, Brasil. Viçosa, MG: Centro de Tecnologías Alternativas.).

No século XX, o desmembramento das fazendas devido à crise do café e a partilha de bens e heranças permitiram que alguns assentados e trabalhadores rurais tivessem acesso a pequenas porções de terra, constituindo a base da agricultura familiar no município. Nas pequenas propriedades - até 50 hectares (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 7#91;IBGE7#93;, 1996Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (1996). Contagem da população 1996. Retrieved from http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem/conceitos.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
) - a produção era diversificada e garantia parte das necessidades das famílias. Eles representavam 85% do total de estabelecimentos, mas apenas 37% da área da região. As médias e grandes propriedades representavam cerca de 15% dos estabelecimentos, ocupavam 63% da área e se dedicavam à cafeicultura e pecuária. Esses números mostram que, embora a maior parte das terras esteja nas mãos de grandes e médios proprietários, há um número significativo de pequenas propriedades que sustentam várias famílias. Devemos considerar que a qualidade da terra também é diferente. Grandes produtores ocupam áreas de mais fácil cultivo, planícies, com maior fertilidade. Pequenos agricultores estão em regiões de encostas que são áreas de transição para a Reserva Florestal Estadual e que se caracterizam por solos frágeis e de menor fertilidade.

Como identifica P. Freire (1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.), o acesso à terra proporcionou, historicamente, poder desigual entre latifundiários, agricultores familiares e trabalhadores rurais. Na região, o acesso à terra representa uma ferramenta central de controle e mecanismo de opressão que estabelece a hegemonia em nível local por parte de latifundiários e representantes do agronegócio (Alves, 2006Alves, M. A. (2006, October). A “conquista da terra”: (re)produção social e (re)construção histórica entre agricultores familiares do município de Araponga - MG. Mana, 12(2), 269-283.; Campos & Ferrari, 2008Campos, A. P. T; & Ferrari, E. (2008). A conquista de terras em conjunto: autonomia, qualidade de vida e Agroecologia. Agriculturas, 5(4), 8-12.).

“Uma grande causa da pobreza é a presença de grandes fazendas. Onde as pessoas dependem dos fazendeiros, há pobreza. Você não pode plantar uma horta ou frutas e você não investe na propriedade do fazendeiro. Se adoece na fazenda, você depende do dono da terra” (E9).

A agricultora não está usando uma metáfora: quando um agricultor adoece na fazenda, sem acesso ao transporte público, longe dos serviços de saúde, ele precisa que o fazendeiro procure ajuda. Observa-se que a “generosidade do opressor” (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) que, no sistema de parceria dividiria a terra com os trabalhadores rurais, revela-se uma forma de dominação profunda. No entanto, a compreensão dessa arraigada relação de dependência faz parte do processo de resistência e construção identitária entre agricultores, trabalhadores rurais da região e também das organizações que apoiam o movimento agroecológico. Mas como se deu esse processo?

As entrevistas revelam que, embora até a década de 1970 não houvesse manifestação de insatisfação e oposição aos grandes proprietários, os agricultores familiares desenvolviam ações para enfrentar a opressão, como trabalho coletivo (mutirão), troca de dias de trabalho, trocas de alimentos produzidos por eles, entre outras. Isso não representou uma ruptura total com a estrutura, mas uma estratégia de resistência latente (P. Freire, 2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.) possível no contexto das grandes limitações em que viviam.

O fortalecimento dos laços familiares e de vizinhança estabeleceu redes de ajuda mútua e espaço de reflexão que formaram a base da auto-organização dos agricultores familiares de Araponga. Ao invés de um processo solitário de construção raivosa, optaram por uma busca amorosa de um caminho em um processo coletivo, mediado pelo diálogo que se inicia entre os membros de uma família e se expande para a comunidade (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

“Nosso povo tem muito potencial que ainda não foi descoberto. Já tinha o potencial, mas para ampliação do trabalho precisou de um empurrãozinho. Como o não uso de veneno, por exemplo, e o químico, que não gostava de usar, mas não tinha alternativa e tinha que usar 7#91;...7#93;” (E9).

A entrevistada está se referindo ao trabalho das CEBs e outras organizações que vieram depois. Embora alguns entrevistados afirmem que a mudança começou com a atuação das CEBs na região, as narrativas indicam que essa organização mobilizou e catalisou os desejos, ideias e experiências (como as descritas acima) que já faziam parte do repertório dos agricultores familiares da região.

A percepção de vida extremamente dependente dos grandes proprietários de terra aproximou os agricultores familiares, criando laços de solidariedade e semeando um processo de análise compartilhada e ativa dos problemas vivenciados. Esses processos permitiram-lhes articular ações explícitas para enfrentar o sistema de dominação.

Era necessário produzir alimentos de qualidade para sustentar a família. No entanto, os fazendeiros não permitiam a diversificação das propriedades. Era preciso conquistar a terra para ter liberdade e cuidar da família. O acesso à terra foi um eixo central, um tema gerador, que permitiu ação-reflexão-ação e um nível mais crítico de conhecimento da realidade. Assim, a identificação da opressão abre espaço para que os sujeitos vejam a realidade de forma diferente, processo que é também de libertação (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Assim, em 1977 e 1978, três irmãos pequenos agricultores decidiram reunir toda a produção agrícola disponível, conseguiram algum dinheiro e compraram terras que foram divididas entre eles. As dívidas eram pagas gradativamente com produtos agrícolas - processo sacrificado, pois precisavam recuperar a terra, fazer investimentos e garantir boa produtividade. Porém, com esse ato de abertura e enfrentamento autônomo, esse grupo de agricultores fez possível o que parecia impossível. Em suas terras, eles podiam tomar suas próprias decisões e assim começaram a experimentar formas alternativas de produção. Esta ação/estratégia não teria sido possível sem uma consciência crítica da realidade.

No entanto, a mudança ainda era restrita a um pequeno grupo. A partir da década de 1980, as possibilidades de novas parcerias diminuíram, muitos fazendeiros destinaram terras agrícolas para a pecuária e intensificaram o controle sobre o trabalho dos agricultores familiares, levando a um aumento do êxodo rural. O modelo hegemônico do agronegócio, quando aplicado por agricultores familiares que possuíam terra, impossibilitou que vivessem da atividade agrícola. Essa situação foi vivenciada por uma das agricultoras familiares:

“Em 1992, a gente foi morar em Belo Horizonte. A gente vendeu a terra e comprou um lote em Contagem. 7#91;...7#93; Isso porque a gente tinha plantado muito café, milho, feijão e nada dava” (I6).

Além disso:

“O convencional não tem perspectiva de futuro. Tem gente que está no modelo convencional, como o parceiro que não consegue desenvolver o modelo convencional e não vê opção para ter uma melhor qualidade de vida” (E9).

Tais situações mostram o poder da opressão em transformar a mentalidade dos oprimidos para replicar um modelo que não faz sentido na realidade deles e os torna mais dependentes e fragilizados (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Motta, 2017Motta, S. C. (2017). Emancipation in Latin America: On the Pedagogical Turn. Bulletin of Latin American Research, 36(1), 5-20.). Mesmo compreendendo os limites impostos pelo agronegócio que impossibilitavam a vida e a sobrevivência no campo, revelando a transitividade da consciência, na citação acima, E6 busca em um centro urbano uma nova perspectiva de vida que, em uma sociedade profundamente desigual, não oferece trabalho e condições de vida aos oprimidos. No entanto, o diálogo com outros agricultores familiares, que tiveram experiências semelhantes, permite avançar para uma consciência crítica.

Após compreender o que os oprimia, os agricultores começaram a discutir possibilidades de apoio mútuo que envolviam alimentação, orientações nutricionais, uso de plantas medicinais, trabalho coletivo na produção que contribuíram para a qualidade de vida das famílias. Além disso, iniciaram discussões sobre alternativas para reduzir a dependência dos grandes proprietários de terras.

Em 1987, eles criaram uma organização não governamental (ONG) chamada Centro de Tecnologia Alternativa da Zona da Mata (CTA-ZM) que passou a desenvolver projetos em Araponga. Embora algumas tecnologias alternativas como produção de sementes, técnicas de adubação verde e conservação do solo estivessem sendo implementadas desde o início dos anos de 1980, ainda havia muita resistência ao trabalho do CTA-ZM, uma das organizações que buscava expandir a agroecologia na região e à proposta da rede Projeto Tecnologias Alternativas (PTA) - importante ator na construção do movimento agroecológico no Brasil. Essa resistência derivou da postura impositiva, generalista e até autoritária do CTA-ZM, que os agricultores familiares não aceitaram inclusive porque não atendia às necessidades deles.

A atuação inicial do CTA-ZM reproduziu uma ideologia de dominação e foi guiada por uma consciência ingênua que se afirma superior aos fatos, abordando-os de fora e compreendendo-os a partir de seu próprio repertório e interesses (P. Freire, 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

“Bom, no início, bem no início mesmo, o enfoque era muito mais as tecnologias alternativas. Então, nós chegamos mesmo a trabalhar quase que com a difusão de um pacote; pacote alternativo, que era curva de nível, composto, cobertura morta, caldas. 7#91;...7#93; Então, a necessidade em entender mais os agroecossistemas. Esse foi o primeiro passo. Foi quando acho que a gente saiu desse enfoque de tecnologia alternativa para agroecologia” (I7).

“O CTA respaldava aquilo que a gente já pensava. A gente já plantava milho crioulo antes do CTA; quando eles vieram explicar, a gente achou o que procurava” (I3).

As narrativas anteriores revelam que houve uma mudança no desempenho da organização devido à interação com o contexto social. Observa-se o desenvolvimento de uma consciência mais crítica, superando a perspectiva “bancária” de transferência de conhecimento por uma perspectiva dialógica (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Organizações como as CEBs e CTA-ZM não iniciaram suas ações no vazio, assim como os sujeitos não esperavam ser preenchidos com uma visão de mundo e um conjunto de práticas hegemônicas. A humanização dos processos de intervenção organizacionais - fruto do posicionamento dos próprios agricultores - indica uma mudança na identidade dessas organizações.

As organizações que se propõem a apoiar grupos oprimidos podem repetir a opressão, pois também estão imersas em estruturas de dominação e, embora bem-intencionadas, podem apagar a história dos atores que pretendem apoiar. Essa posição, criticada por P. Freire (2001Freire, P. (2001). Política e educação: ensaios. São Paulo, SP: Cortez.), dá lugar a uma atitude dialógica.

Essa mudança, vivenciada em Araponga, também foi incorporada como base do movimento agroecológico no Brasil:

“Então, esse esforço de construir identidade a partir da experiência é fundamental. Sem isso você não constrói identidades. Se você ficar discutindo no abstrato, as pessoas não se identificam porque elas são muito diferentes, e é bom que sejam” (I10).

As atividades e estratégias do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Araponga, criado em 1989, também sofreram mudanças devido à pressão de agricultores familiares e trabalhadores rurais da região, que não queriam se filiar a uma organização que efetivamente não representava seus interesses e projetos. Os trabalhadores rurais, mesmo sem acesso à terra, se identificavam como agricultores familiares e queriam uma organização para apoiá-los. Assim, o STR de Araponga se diferenciou dos demais sindicatos de trabalhadores por apoiar os projetos de mudança que eram do interesse de seus associados. A identidade da organização adaptada à identidade dos agricultores, mediada por um processo de comunicação possibilita empatia e reconhecimento da humanidade dos agricultores (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

A força do tema gerador “acesso à terra” se reafirma como parte da identidade de agricultores, trabalhadores e organizações que os assessoram e os representam. Ao rejeitar o formato convencional de atuação do STR, homens e mulheres não estão abdicando da resistência que formalmente deveria passar por um sindicato. Eles resistem ao padrão de dominação, de categorização que esta organização impõe. Ao fazê-lo, estabelecem novos diálogos sobre relações, desejos, problemas que os sindicatos ignoram porque replicam um modelo que silencia e invisibiliza a diversidade da vida e as demandas dos grupos oprimidos do campo.

Assim, a experiência do movimento agroecológico em Araponga mostra que não há uma única interpretação possível para resistência. Resistência é sinônimo de vida para os oprimidos. Agricultores e trabalhadores rurais já desenvolviam estratégias de resistência quando nenhuma organização os apoiava: plantar alimentos sem a permissão dos fazendeiros, trabalhar em mutirão, fingir concordar com tudo que lhes era imposto pelos grandes produtores e participar das reuniões da CEB. Quando começaram a se organizar publicamente, rejeitaram qualquer forma de invasão de seu espaço cultural por ideologias e propostas que não dialogavam com os sonhos e estratégias que gestaram durante tantos anos. Assim, conscientes do mundo e de si mesmos, estabeleceram diálogos profundos para a construção de um processo organizacional mais amplo e enraizado, protagonizado por agricultores familiares e trabalhadores rurais.

As mudanças de estratégia e o reconhecimento da identidade e do papel dos agricultores familiares da região de Araponga, levaram os agricultores, STR e CTA-ZM, a desenvolverem uma proposta de compra coletiva de terra, inspirada na iniciativa dos três irmãos (em 1977), denominada “conquista de terras”. O processo envolve um grupo de agricultores sem terra ou trabalhadores rurais organizados por laços de solidariedade (família, vizinhança, etc.). No grupo, todos fornecem produtos agrícolas e recursos financeiros que são utilizados na compra coletiva de terras. As terras são divididas. Alguns espaços podem ser definidos para uso coletivo. As terras eram pagas igualmente em produtos agrícolas produzidos e comercializados pelas famílias que fazem parte da “conquista de terras”. A proposta avançou e até 2007, 174 famílias conquistaram 620 hectares de terra (Campos & Ferrari, 2008Campos, A. P. T; & Ferrari, E. (2008). A conquista de terras em conjunto: autonomia, qualidade de vida e Agroecologia. Agriculturas, 5(4), 8-12.).

A trajetória do movimento agroecológico de Araponga mostra um processo reflexivo, de conscientização, construído coletivamente e mediado pelas relações dos agricultores com o mundo e com as organizações. Nesse processo, os agricultores familiares fortaleceram sua identidade, o que levou a adaptações e mudanças nas estratégias das organizações que os apoiam, bem como o desenvolvimento de uma estratégia que representou uma ruptura com a opressão dos grandes proprietários. Acima de tudo, a participação, os projetos e as decisões das quais eles se tornaram protagonistas revelaram a possibilidade de construir identidades comuns com autonomia.

As diretrizes para os agricultores que participaram da “conquista da terra” envolviam: cuidar do meio ambiente, valorizar o trabalho coletivo e desenvolver formas de produção muito diferentes daquelas impostas pelo agronegócio. Segundo relatos, muitos agricultores se assustaram no início com a falta de normas e regras pré-estabelecidas, já que estavam acostumados com o “pacote fechado” da Revolução Verde para a produção em todas as escalas agrícolas, reproduzido nas relações locais com os grandes proprietários.

Esses atores desenvolveram seu modo de pensar e visualizar o mundo que é marcada pela ideologia dos grupos dominantes, em um processo de cristalização ao longo de muitas gerações. Portanto, tais formas de pensar e agir persistiram mesmo nas áreas onde os camponeses se manifestaram em defesa de seus direitos, mas principalmente naquelas que não tiveram tais experiências (P. Freire, 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Tem princípios? Tem... que você vai seguir.... mas, as pessoas, às vezes, se aproximam querendo a fórmula. Aí descobrem que não é bem isso e começam a se afastar...Daí a gente vê que não tem a ver com a proposta. Tem gente que fica sem chão, mas, já, já se acha. É uma coisa social: a gente é formado por modelos... daí, quando você diz que pode decidir como fazer, a pessoa fica sem chão” (I8).

“O CTA e STR trabalham dando opinião e as pessoas pegam se quiserem 7#91;...7#93; Faz do jeito que você achar que deve. Em outros tempos teria medo, porque sem ter um respaldo, um acompanhamento de alguma instituição. É isso que acaba fortalecendo as pessoas” (I4).

Os agricultores passam a vivenciar novas experiências, deixando de lado os hábitos sociais impostos pela desigualdade de poder e passando a criar novos significados a partir de suas experiências.

“Eu me sinto diferente 7#91;como agricultor7#93; hoje do que antes. Na agricultura, antes, eu parecia um cara cego que não conseguia enxergar e hoje eu consigo enxergar. Parece que limpou as vistas e continuo estudando... sou um estudante hoje. Antes eu pensava que era só trabalhar” (I5).

O agricultor aponta a oposição entre aquele que só trabalha - o ser humano transformado em objeto - e aquele que é estudante - que vê outras coisas e outras possibilidades, que se aventura (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Isso se torna possível quando ele conquista o acesso à terra.

Além disso, a pressão por resultados financeiros positivos para os pequenos agricultores aumentava à medida que o movimento avança. As pressões surgiam de outros agricultores, técnicos e representantes de órgãos públicos que atuam na região, mas também de meios de comunicação (rádio e TV). Os opressores, que têm a seu favor um importante aparato, insistiam na tarefa de convencer os oprimidos de que não há outro caminho senão aquele que lhes foi dito ser possível. Defendiam a necessidade de incluir os agricultores familiares na sociedade, um apelo forte, mas irreal. Os oprimidos nunca estiveram fora da sociedade, mas dentro da estrutura que os transforma em “seres para o outro”. Por essa razão, não há espaço para integração ou inclusão dentro de um modelo injusto, mas sim de transformação (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Essa trajetória do movimento agroecológico em Araponga começa com o diálogo, uma comunicação que humaniza as experiências de agricultores familiares e trabalhadores rurais. Nesse espaço e posteriormente nas CEBs, observa-se a transitividade na consciência. Desde então, eles vêm resistindo por meio de diferentes posicionamentos. A consciência crítica dialógica lhes permite identificar a opressão e suas raízes. Ali, no movimento, descobrem-se como seres humanos, capazes de sonhar e construir relações, diferentes daquelas que lhes são impostas. A consciência ocorre em um processo de ação-reflexão-ação (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Isso permitiu a construção das identidades dos agricultores, e essas identidades levaram a ações que influenciaram as estratégias e identidades das organizações que os apoiavam (como STR e CTA-ZM). Assim, em torno da perspectiva humanista, de ação-reflexão-ação, construiu-se, em Araponga, a própria identidade do movimento agroecológico.

REFLEXÕES FINAIS

Neste artigo buscamos contribuir com o campo dos Estudos Organizacionais sobre os movimentos sociais do campo ao desvelar o início da construção da identidade coletiva e da emergência do processo libertador da agroecologia no caso de Araponga, em Minas Gerais, Brasil. Para tanto, nos baseamos nas lentes teóricas de Paulo Freire sobre educação libertadora e consciência crítica (P. Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

As mudanças na agricultura familiar de pequena escala e na vida de camponeses/trabalhadores rurais em Araponga trazem à tona a opressão como um processo histórico em que várias gerações tiveram sua identidade definida externamente por fazendeiros, grandes proprietários, que estabeleciam o que e como produzir, como se comportar, como votar etc. A forte dependência das relações de clientelismo é um instrumento desumanizador, pois impede a vocação dos oprimidos ao trabalho livre e a afirmação da autonomia como pessoa (P. Freire, 1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Neste estudo, argumentamos que a superação das relações opressoras envolve, antes de tudo, identificar a opressão e permitir que o oprimido acredite em si mesmo. No caso de Araponga, isso pode ser visto na identificação da opressão ancorada na consciência crítica do papel dos grandes proprietários de terra no controle da vida. Isso foi central para reconhecer a autenticidade e mecanismos autônomos de acesso à terra, bem como para desenvolver novas formas de produção e redefinir suas identidades. Também é relevante destacar que essa identificação levou a mudanças nas estratégias de organizações de apoio orientadas por conceitos de Paulo Freire e da Teologia da Libertação, como CTA-ZM e STR, além de participação ativa nas políticas públicas.

Assim, a identidade do movimento agroecológico em Araponga foi construída a partir da identidade humanizada dos agricultores e trabalhadores rurais como pessoas críticas, livres e autônomas. Isso reflete o processo de ação-reflexão-ação de aprendizagem coletiva e horizontal, onde todos são educadores e aprendizes.

Argumentamos que na fase de formação da agroecologia em Araponga, pudemos ver os dois momentos-chave apontados por Paulo Freire (1981Freire, P. (1981). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) como fundamentais no processo libertador: o primeiro em que o oprimido desvenda o mundo opressor e se compromete mais com a transformação; e o segundo momento, em que a realidade transformada do oprimido passa a ser a pedagogia de mulheres e homens em contínuo e permanente processo de libertação.

Por meio do caso de Araponga, discutimos a importância da pedagogia de Freire como lente teórica e empírica para melhor compreender a organização da resistência e a construção da identidade coletiva em áreas rurais, fortemente marcadas pela opressão e dependência, como na América Latina. A pedagogia da libertação de Freire, através do processo dialógico e o “tema gerador” desenvolvidos pelo grupo é um ato político per si para a emancipação e empoderamento dos indivíduos. Neste artigo, encorajamos mais reflexões em Estudos Organizacionais sobre movimentos rurais por meio do uso da abordagem Freiriana.

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  • 1
    As CEBs são o eixo de atuação da Igreja Católica através do Concílio Vaticano II, especialmente entre os grupos “populares” da América Latina. O princípio teológico que orienta suas práticas, denominado “Teologia da Libertação”, busca conciliar a fé cristã com uma práxis emancipadora (Alves, 2006).
  • 2
    Ainda que haja especificidades para cada caso, essas formas de produção e de vida têm em comum o fato de os agricultores desprovidos de terra cultivarem em propriedades alheias e compartilharem os resultados da lavoura com os proprietários (Santos & Florisbelo, 2004).
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2021
  • Aceito
    20 Dez 2021
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