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Teoria queer e os discursos sobre empreendedorismo: desigualdades de gênero e alternativas de análise a partir do entrepreneuring

Teoría queer y discursos sobre emprendimiento: desigualdades de género y alternativas de análisis a partir del entrepreneuring

Resumo

Tradicionalmente, os discursos normalizadores que circulam sobre o empreendedorismo tendem a apresentar esse fenômeno como algo neutro em termos de gênero, posicionando o homem empreendedor como “normal” e a mulher empreendedora como o “outro”. Esses discursos contribuem para uma reprodução sobre quem pode se tornar o empreendedor de sucesso, demonstrando relações de desigualdade e uma lógica de comparação binária entre homens e mulheres. Sustentado por abordagens feministas pós-estruturalistas sobre gênero e empreendedorismo a partir da teoria queer, este ensaio teórico se propõe a problematizar as relações de poder e possibilidades de resistência nas abordagens sobre o tema, por meio da proposição de formas alternativas de compreensão das temáticas gênero e empreendedorismo e da análise das práticas do empreender, possibilitando os processos de “queering identidades” e “queering empreendedorismo” a partir do entrepreneuring.

Palavras-chave:
Queering empreendedorismo; Resistência; Entrepreneuring; Gênero; Discursos

Resumen

Tradicionalmente, los discursos normalizadores sobre emprendimiento tienden a presentar este fenómeno como algo neutro en términos de género, posicionando al hombre emprendedor como “normal” y a la mujer emprendedora como el “otro”. Estos discursos contribuyen a una reproducción en lo que respecta a quién puede convertirse en un emprendedor exitoso, demostrando relaciones de desigualdad y una lógica de comparación binaria entre hombres y mujeres. Apoyado en enfoques feministas posestructuralistas de género y emprendimiento basados en la teoría queer, este ensayo teórico se propone problematizar las relaciones de poder y las posibilidades de resistencia en los enfoques del tema, a través de la proposición de formas alternativas de comprensión de las temáticas de género y emprendimiento y del análisis de las prácticas del emprender, habilitando los procesos de “identidades queering” y “queering emprendimiento” basados en el entrepreneuring.

Palabras clave:
Queering emprendimiento; Resistencia; Entrepreneuring; Género; Discursos

Abstract

Traditionally, entrepreneurial discourses present entrepreneurship as gender-neutral, positioning the male entrepreneur as “normal” and the female as the “other.” These discourses contribute to a reproduction of whom may become the successful entrepreneur, showing relations of inequalities and logic of binary comparison among men and women. Supported by poststructuralist feminist approaches about gender and entrepreneurship using queer theory, this conceptual paper aims to problematize how gender inequalities are exacerbated by the relations of power in entrepreneurship and what are the resistance possibilities that may reduce such inequalities? Propositions for possible remedy is an alternative way to understand the identity of the female entrepreneur and the analysis of the entrepreneurial practices, allowing entrepreneurship to be viewed as organizing, queering identities, and queering entrepreneurship based on entrepreneuring.

Keywords:
Queering entrepreneurship; Resistance; Entrepreneuring; Gender; Discourses

INTRODUÇÃO

Os discursos normalizadores que circulam sobre o empreendedorismo têm sido quase unânimes ao considerá-lo uma atividade econômica universalmente positiva e neutra do ponto de vista de gênero (Calás, Smircich & Bourne, 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.; Marlow & Dy, 2018Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22.). Por meio deles, o homem é posicionado como idealizador, figura heroica, empreendedor nato (Ahl, 2006Ahl, H. (2006). Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(5), 595-621.; Ahl & Marlow, 2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.; Bruni, Gherardi & Poggio, 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.), enquanto as mulheres empreendedoras são percebidas como invisíveis (Mirchandani, 1999Mirchandani, K. (1999). Feminist insight on gendered work: new directions in research on women and entrepreneurship. Gender, Work & Organization, 6(4), 224-235.), e suas experiências, consideradas inadequadas ou ineficientes, numa lógica binária de comparação entre homens e mulheres (Ferber & Nelson, 2009Ferber, M. A; & Nelson, J. A. (2009). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago, Illinois: University of Chicago Press.). Carmo, Assis, Gomes e M. B. M. Teixeira (2021Carmo, L. J. O; Assis, L. B; Gomes, A. B Jr; & Teixeira, M. B. M. (2021). O empreendedorismo como uma ideologia neoliberal. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), 18-31.) reforçam a vertente neoliberal dos discursos sobre o empreendedorismo, disseminados por meio de regras de conduta de gênero a serem seguidas sem questionamentos.

Diversos estudos sobre gênero e empreendedorismo (Ahl, 2004Ahl, H. (2004). The scientific reproduction of gender inequality: a discourse analysis of research texts on women’s entrepreneurship. Dover, UK: Liber., 2006; Brandão, Marques & Lamela, 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.; Buttner & More, 1997Buttner, E. H; & Moore, D. P. (1997). Women’s organizational exodus to entrepreneurship: self-reported motivations and correlates with success. Journal of Small Business Management, 35, 34-46.; Dy, Marlow & Martim, 2017Dy, A. M; Marlow, S; & Martin, L. (2017). A web of opportunity or the same old story? Women digital entrepreneurs and intersectionality theory. Human Relations, 70(3), 286-311.; Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.; Essers & Benchop, 2007Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423., 2009Essers, C. (2009). New directions in postheroic entrepreneurship: narratives of gender and ethnicity. Frederiksberg, Denmark: Copenhagen Business School Press.; Essers, Benschop & Doorewaard, 2010Essers, C; Benschop, Y; & Doorewaard, H. (2010). Female ethnicity: understanding Muslim immigrant businesswomen in the Netherlands. Gender, Work & Organization, 17(3), 320-339.; F. L. N. B. Melo, R. R. Silva & Almeida, 2019Melo, F. L. N. B; Silva, R. R; & Almeida, T. N. V. (2019). Gênero e empreendedorismo: um estudo comparativo entre as abordagens causation e effectuation. Brazilian Business Review, 16, 273-296.) ressaltam que as disciplinas que estudam organizações, gestão ou economia institucionalizaram que o empreendimento universal de sucesso é feito por homens, reproduzindo uma lógica de desigualdade e subordinação da mulher ao homem por meio dos discursos sobre quem pode ser o empreendedor (Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.). Os discursos, reproduzidos com base numa repetição constante das normas, criam um efeito de uniformidade, de definição de masculinidade e feminilidade, que produz e estabiliza a noção de sujeito como um todo, uma vez que ele só se torna inteligível a partir do que Butler (1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.) apresenta como matriz heterossexual de gênero.

As pesquisas sobre empreendedorismo tendem ainda a provocar reflexões acerca das características sociais contemporâneas que reforçam a condição normalizadora da sociedade vigente, como o fenômeno da “empresarização de si mesmo” (Lopes & A. S. M. Costa, 2021Lopes, F. T; & Costa, A. S. M. (2021). Exílio político no contexto do Brasil pós-2019: história do desterro e do trabalho existência/resistência de uma intelectual brasileira. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 307-324.) e as desigualdades de gênero no local de trabalho (Vilela, Hanashiro & L. S. Costa, 2020Vilela, N. G. S., Hanashiro, D. M. M., & Costa, L. S. (2020). (Des)igualdade de gênero no local de trabalho e práticas de recursos humanos. Revista Alcance, 27(3), 382-398.). Brandão et al. (2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.) demonstram que os discursos que circulam nas universidades sobre o empreendedorismo contribuem também para a reprodução de um padrão segregado por gênero. Mesmo as profissionais qualificadas têm dificuldade de legitimação social de seu papel de empreendedoras, associadas às dificuldades de criação e sustentação do próprio negócio (Bertolami, Gonçalves, Hashimoto & Lazzarini, 2018Bertolami, M; Artes, R; Gonçalves, P. J; Hashimoto, M; & Lazzarini, S. G. (2018). Sobrevivência de empresas nascentes: influência do capital humano, social, práticas gerenciais e gênero. Revista de Administração Contemporânea, 22, 311-335.), o que exige delas maior planejamento sobre a decisão de se tornar empreendedoras (Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.; F. L. N. B. Melo et al; 2019Melo, F. L. N. B; Silva, R. R; & Almeida, T. N. V. (2019). Gênero e empreendedorismo: um estudo comparativo entre as abordagens causation e effectuation. Brazilian Business Review, 16, 273-296.).

O empreendedor não está livre ou fora das normas discursivas; ele é produzido pela constante repetição destas, o que significa que são elas que transformam o indivíduo em empreendedor (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Butler (1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.) reforça que não as seguir é estar exposto a restrições, as quais podem ser sociais, tabus, proibições, ameaças e punições que contribuem para uma reprodução e repetição de normas sobre a identidade de gênero. Entre os estereótipos reproduzidos discursivamente a respeito do empreendedorismo, estão os de que ele ainda é a “melhor solução” para as mulheres que desejam ter uma carreira, de modo a conciliar demandas profissionais e domiciliares (Calás et al; 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.), reforçando a performatividade de gênero existente nesses discursos.

O avanço nos debates sobre gênero e empreendedorismo (Ahl, 2006Ahl, H. (2006). Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(5), 595-621.; Ahl & Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.; Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Corcetti & Loreto, 2017Corcetti, E; & Loreto, M. D. S. (2017). O discurso político sobre a qualificação profissional de mulheres desfavorecidas: emancipação ou hegemonia? Cadernos EBAPE.BR, 15(2), 364-376.; Dy et al; 2017Dy, A. M; Marlow, S; & Martin, L. (2017). A web of opportunity or the same old story? Women digital entrepreneurs and intersectionality theory. Human Relations, 70(3), 286-311.; Figueiredo, A. N. Melo, Matos & Machado, 2015Figueiredo, M. D; Melo, A. N; Matos, F. R. N; & Machado, D. Q. (2015). Empreendedorismo feminino no artesanato: uma análise crítica do caso das rendeiras dos morros da Mariana. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 14(2), 110-123.; Gomes, Santana, Araújo & Martins, 2014Gomes, A. F; Santana, W. G. P; Araújo, U. P; & Martins, C. M. F. (2014). Empreendedorismo feminino como sujeito de pesquisa. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 16(51), 319-342.; Marlow, 2012; Oliveira, Nelson & Nassif, 2016Oliveira, A. B. D Jr; Gattaz, C. C; Bernardes, R. C; & Iizuka, E. S. (2018). Pesquisa em empreendedorismo (2000-2014) nas seis principais revistas brasileiras de administração: lacunas e direcionamentos. Cadernos EBAPE.BR, 16, 610-630.; Takahashi & R. M. Teixeira, 2006Takahashi, A. R. W; Graeff, J. F; & Teixeira, R. M. (2006). Planejamento estratégico e gestão feminina em pequenas empresas: o caso das escolas particulares em Curitiba-Paraná. Organizações & Sociedade, 13(39), 29-44.; Vale, Serafim & Teodósio, 2011Vale, G. M. V; Serafim, A. C. F; & Teodósio, A. S. S. (2011). Gênero, imersão e empreendedorismo: sexo frágil, laços fortes? Revista de Administração Contemporânea, 15, 631-649.), no entanto, tem demonstrado o aumento no número de pesquisas que compreendem sexo e gênero como práticas discursivas que constituem subjetividades por meio de relações de poder e resistência. Mesmo sem uma estratégia, as resistências permitem uma ressignificação das normas, o que faz com que a subversão da identidade aconteça pelo enfraquecimento da norma, possibilitando sua rearticulação (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.). A criação de novos espaços de resistência e subversão das identidades de gênero, a partir da desestabilização dos regimes de poder, pode ser compreendida por meio da teoria queer (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Tornar algo queer, então, significa uma forma de resistência ao normativo e ao normal, oferecendo alternativas às identidades consideradas estáveis e universais, regimes de normalização e senso comum (Alexander, 2003Alexander, B. (2003). Querying queer theory again (or queer theory as drag performance). Journal of Homosexuality, 45(2-4), 349-352.; Parker, 2016Parker, M. (2016). Queering queer. Gender, Work & Organization, 23(1), 71-73.).

Assim, com base em teorias feministas pós-estruturalistas, a partir de estudos sobre gênero e empreendedorismo e da teoria queer, este ensaio teórico se propõe a problematizar como as desigualdades de gênero são reproduzidas pelas relações de poder nos discursos a respeito do empreendedorismo e quais são as possibilidades de resistência nas abordagens acerca do tema, por meio da proposição de formas alternativas de compreensão sobre gênero e empreendedorismo e das práticas do empreender. Assim, o conceito de entrepreneuring (Germain & Jacquemin, 2017Germain, O; & Jacquemin, A. (2017). Positioning entrepreneurship studies between critique and affirmation. Revue de l’Entrepreneuriat, 16(1), 55-64.; Rindova, Barry & Ketchen, 2009Rindova, V; Barry, D; & Ketchen, D.J. (2009): Entrepreneuring as emancipation. Academy of Management Review, 34(3), 477-491.; Steyaert, 2007Steyaert, C. (2007). “Entrepreneuring” as a conceptual attractor? A review of process theories in 20 years of entrepreneurship studies. Entrepreneurship & Regional Development, 19(6), 453-477.), ao definir o empreendedorismo como um processo, um verbo, em vez de mera atividade econômica, nos permite problematizá-lo, possibilitando o processo de “queering identidades” e “queering empreendedorismo”, o que permite ir além do contexto individual e econômico sobre o tema, de modo a buscar a compreensão das relações de poder nos discursos construídos no dia a dia e possibilitar ao sujeito se tornar empreendedor.

Este texto foi estruturado em cinco partes. Conforme argumenta Meneghetti (2011Meneghetti, F. K. (2011). O que é um ensaio-teórico? Revista de Administração Contemporânea, 15(2), 320-332.), o ensaio como forma não representa a total rendição ao fim dos limites formais, e sim um modo específico de compreensão da realidade. Após a introdução, apresentam-se as relações de poder que perpassam os discursos sobre o que significa se tornar um sujeito empreendedor. Depois, demonstra-se como os discursos que circulam sobre empreendedorismo têm caráter normalizador, sustentados pela lógica da heteronormatividade descrita por Butler (2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Por fim, são apresentadas possíveis abordagens teóricas que permitam uma compreensão ampliada sobre as identidades empreendedoras, ao enxergar o empreendedorismo como algo inacabado, fluido, por meio da análise das práticas do empreender, além das considerações finais.

GÊNERO, PODER E DISCURSO: TORNAR-SE SUJEITO, TORNAR-SE EMPREENDEDOR

O senso individual sobre o que significa ser homem/mulher é derivado de discursos contemporâneos, em que os sujeitos são compelidos a ocupar posições identitárias. Assim, sobretudo no Ocidente, o ser humano tende a enxergar sua sexualidade e seu gênero como algo fixo, biológico, uma construção social baseada em diferenças físicas, em vez de algo biológico ou natural (Brewis, Hampton & Linstead, 1997Brewis, J; Hampton, M. P; & Linstead, S. (1997). Unpacking Priscilla: subjectivity and identity in the organization of gendered appearance. Human Relations, 50(10), 1275-1304.). Butler (2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.) ressalta que os indivíduos não nascem homens ou mulheres, assim como, para Foucault (1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, & P. Rabinow(Eds.), Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária .), os seres humanos não nascem sujeitos; tornam-se sujeitos a partir das relações de poder. Na visão de Foucault (1979)Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal. o poder não possui uma natureza, uma origem, está sempre em constante transformação. Trata-se de algo que não é uma propriedade, e sim uma relação, que emerge quando uma relação social se estabelece (E. M. Souza, 2014Souza, E. M. (2014). Poder, diferença e subjetividade: a problematização do normal. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 1(1), 113-160.).

As pessoas e as instituições não se constituem como fonte do poder, porém são elas que a veiculam em suas diversas formas (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.). Essas formas de poder se aplicam à vida cotidiana, que categoriza o indivíduo, marcam-no com a própria individualidade, impõem-lhe uma lei de verdade que deve ser reconhecida pelos outros e por ele mesmo. Há, então, 2 significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e pela dependência ou preso à própria identidade por uma consciência ou um autoconhecimento (Dreyfus & Rabinow, 1995Dreyfus, H. L; Rabinow, P; & Carrero, V. P. (1995). Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 235; Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.).

Para Hall (2000)Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal., a relação entre os sujeitos e as práticas discursivas para compreender o conceito de identidades deve dar lugar à questão da identificação. Foucault (2003Foucault, M. (2003). Estratégia, poder-saber: ditos e escritos. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.) argumenta que o discurso é uma série de elementos que operam no mecanismo geral de poder. Discursivamente, os sujeitos são vistos como em constante construção, num processo que nunca está completo. Tornar-se sujeito, na visão de Hall (2000)Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal., implica assumir determinadas posições no discurso, compreendendo que essas posições são sempre construídas a partir de uma falta, do lugar do outro, nunca de forma idêntica. Da mesma forma, Peters (2000Peters, M. (2000). Pós-estruturalismo e filosofia da diferença: uma introdução. Belo Horizonte, MG: Autêntica.), ao explicar o sujeito sob uma perspectiva pós-estruturalista, substitui o conceito de sujeito por subjetividade descentrada, fragmentada. Ou seja, o sujeito não possui essência ou origem.

Assim, ninguém possui gênero, uma vez que se trata de um processo de fazer e desfazer (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Entretanto, para se tornarem sujeitos de gênero, os indivíduos precisam se encaixar em categorias identitárias - nesse caso, o que significa ser homem ou mulher, por exemplo. Gênero provoca uma divisão da humanidade entre masculino ou feminino, de acordo com a configuração dos órgãos genitais, como se as características físicas, por si só, conseguissem representar as diferenças essenciais entre gêneros considerando comportamentos, emoções e atitudes (Brewis et al; 1997Brewis, J; Hampton, M. P; & Linstead, S. (1997). Unpacking Priscilla: subjectivity and identity in the organization of gendered appearance. Human Relations, 50(10), 1275-1304.; Butler, 1990Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, UK: Routledge., 1993; E. M. Souza, Brewis & Rumens, 2016Souza, E. M; Brewis, J; & Rumens, N. (2016). Gender, the body and organization studies: Que(e)rying empirical research. Gender, Work & Organization, 23(6), 600-613.). E. M. Souza, S. P. Souza e A. R. L. Silva (2013Bruni, A; & Perrotta, M. (2014). Entrepreneuring together: his and her stories. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, 20(2), 108-127.) ressaltam que o sujeito é constituído e constituidor de sua subjetividade, a qual é perpassada por discursos e relações de poder, além de imersa em narrativas complexas e instáveis.

No campo empreendedor, os discursos contemporâneos que circulam sobre o empreendedorismo têm sido quase unânimes ao considerá-lo uma atividade econômica e universalmente positiva e neutra do ponto de vista de gênero (Calás et al; 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.; Marlow & Dy, 2018Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22.). Esses discursos normalizadores contribuem para posicionar o empreendedorismo como uma ideologia neoliberal, não contemplando os conflitos e as contradições inerentes aos sujeitos empreendedores (Carmo et al; 2021Carmo, L. J. O; Assis, L. B; Gomes, A. B Jr; & Teixeira, M. B. M. (2021). O empreendedorismo como uma ideologia neoliberal. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), 18-31.). Depois, os dispositivos de poder que circulam por meio dos discursos passaram a posicionar o homem como idealizador, figura heroica, empreendedor nato (Ahl, 2006Ahl, H. (2006). Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(5), 595-621.; Ahl & Marlow, 2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.; Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.), enquanto as atitudes de mulheres empreendedoras são percebidas como invisíveis (Mirchandani, 1999Mirchandani, K. (1999). Feminist insight on gendered work: new directions in research on women and entrepreneurship. Gender, Work & Organization, 6(4), 224-235.), e suas experiências, consideradas inadequadas, tendenciosas ou distorcidas (Ferber & Nelson, 2009Ferber, M. A; & Nelson, J. A. (2009). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago, Illinois: University of Chicago Press.). Desse modo, gênero funciona como um dispositivo de poder que organiza identidades e a sociedade como um todo. Foucault (1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.) se vale do termo “dispositivo de poder” para apresentar um conjunto heterogêneo que engloba discursos, instituições, decisões, leis, medidas, enunciados científicos, entre outros. Nesse caso, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo, sendo este a rede que se estabelece entre os elementos.

Para Vilela et al. (2020Vilela, N. G. S., Hanashiro, D. M. M., & Costa, L. S. (2020). (Des)igualdade de gênero no local de trabalho e práticas de recursos humanos. Revista Alcance, 27(3), 382-398.), os desafios de equidade de gênero perpassam vários níveis hierárquicos nas organizações, sendo ainda constatada a presença substancialmente menor de mulheres nos níveis de gestão e coordenação de equipes. Os discursos sobre empreendedorismo mostram a persistência de desigualdades de gênero decorrentes de condições estruturais distintas que operam em desfavor das mulheres (Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.). Vieira, Monteiro, Carrieri e Brant, 2019Vieira, A; Monteiro, P. R. R; Carrieri, A. P; Guerra, V. A; & Brant, L. C. (2019). Um estudo das relações entre gênero e âncoras de carreira. Cadernos EBAPE.BR, 17, 577-589. (2019), ao apresentarem seus estudos sobre trajetórias e escolhas de carreira por parte de universitárias e universitários, relataram atitudes e comportamentos socialmente associados a gêneros, os quais contribuem para delimitar espaços profissionais, provocar segregações e manter desigualdades nas relações de trabalho. As mulheres tendem a se identificar mais com atributos socialmente associados que é normativamente do universo feminino, tais como cuidado da família, baixa agressividade e pouca disposição ao risco (F. L. N. B. Melo et al; 2019Melo, F. L. N. B; Silva, R. R; & Almeida, T. N. V. (2019). Gênero e empreendedorismo: um estudo comparativo entre as abordagens causation e effectuation. Brazilian Business Review, 16, 273-296.; Vieira et al; 2019Vieira, A; Monteiro, P. R. R; Carrieri, A. P; Guerra, V. A; & Brant, L. C. (2019). Um estudo das relações entre gênero e âncoras de carreira. Cadernos EBAPE.BR, 17, 577-589.). Os homens, entretanto, se identificam com atitudes e comportamentos associados a questões como independência, autonomia, desafio e risco (Bertolami et al; 2018Bertolami, M; Artes, R; Gonçalves, P. J; Hashimoto, M; & Lazzarini, S. G. (2018). Sobrevivência de empresas nascentes: influência do capital humano, social, práticas gerenciais e gênero. Revista de Administração Contemporânea, 22, 311-335.; Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.).

Para Butler (1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.), a repetição constante das normas cria um efeito de uniformidade, de definição de masculinidade e feminilidade, que produz e desestabiliza a noção de sujeito como um todo, uma vez que só se torna inteligível pela matriz heterossexual de gênero. O sujeito, então, não está livre ou fora das normas discursivas; ele é produzido pela constante repetição destas, o que significa dizer que são as normas que transformam o indivíduo em sujeito (Butler, 2004), inclusive em sujeito empreendedor. Portanto, o indivíduo só pode se constituir como sujeito por meio das normas que atuam de forma discursiva, produzindo categorias e identidades por meio do discurso (Butler, 1993). Não é o sujeito que se identifica com algo, e sim a repetição das normas que o conduz e obriga a se identificar com a ordem simbólica, a fim de que possa existir como sujeito (E. M. Souza, 2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.).

Assim, nos discursos que circulam sobre o empreendedorismo, estudos como os de Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.), bem como os de Dy et al. (2017Dy, A. M; Marlow, S; & Martin, L. (2017). A web of opportunity or the same old story? Women digital entrepreneurs and intersectionality theory. Human Relations, 70(3), 286-311.), demonstram que a mulher ainda é retratada como uma profissional de menor capacidade, quando comparada com o homem empreendedor, por meio da criação de restrições e estereótipos sobre os espaços que podem ser ocupados por elas e os tipos de empresas que podem liderar. Butler (1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.) reforça que tais restrições podem ser sociais, tabus, proibições, ameaças e punições que contribuam para a reprodução e a repetição de normas sobre a identidade de gênero. Entre os estereótipos reproduzidos discursivamente a respeito do empreendedorismo, estão os de que ele ainda é a “melhor solução” para mulheres que desejam ter uma carreira, de modo a conciliar demandas profissionais e domiciliares (Calás et al; 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.), reforçando a performatividade de gênero nesses discursos. Esses atos de performatividade são formas autoritárias de discurso: a maioria desses atos se constituem de declarações que também performam determinadas ações e exercícios de poder (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.).

A performatividade é um domínio em que as relações de poder atuam como discursos. A visão da performatividade implica que todo discurso possui uma história, que não apenas influência, como também é influenciada pela contemporaneidade. Essa história descentra a noção de que o sujeito é o único responsável por aquilo que falou (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.). Desse modo, os discursos normalizadores que circulam sobre o empreendedorismo se constituem de uma repetição compulsória de normas subjetivas que são impostas e das quais o sujeito não consegue se livrar de acordo com a sua própria vontade. Tornar-se sujeito no empreendedorismo significa se submeter às relações de poder existentes por meio dos discursos, que posicionam o homem como tipo ideal e a mulher como o outro. As mulheres (e também os homens) precisam se adequar ao que, normativamente, é visto como o ideal de empreendedor, sendo mais uma vez estereotipadas, como demonstram os estudos de Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.), que apontam que as empreendedoras italianas são caracterizadas como de “mãos de ferro” por “liderarem como homens”.

Na visão de Foucault (1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, & P. Rabinow(Eds.), Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária .), poder é algo que coloca em jogo relações entre indivíduos ou grupos. O autor não busca descrever um paradigma do poder, e sim observar como os diferentes mecanismos de poder funcionam na sociedade, entre os sujeitos, interna e externamente (2003). Assim, os discursos de gênero e empreendedorismo podem gerar efeitos em cascata, sustentados e disseminados de forma normativa pela mídia tradicional, marcados pela dicotomia homens/mulheres, posicionando a mulher empreendedora como algo externo, “o outro”, e gênero no empreendedorismo como algo referente apenas a empreendedorismo feminino (Ahl & Marlow, 2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.; Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Marlow & Dy, 2018Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22.).

Butler (1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.) argumenta que gênero é performativo na medida em que se constitui do efeito de um regime regulatório de diferenças divididas e hierarquizadas com restrições. Assim, a definição de gênero como masculino ou feminino é um efeito das relações de poder nos discursos que circulam sobre a diferença (Brewis et al; 1997Brewis, J; Hampton, M. P; & Linstead, S. (1997). Unpacking Priscilla: subjectivity and identity in the organization of gendered appearance. Human Relations, 50(10), 1275-1304.). No contexto do empreendedorismo, isso significa afirmar quais características homens e mulheres precisam ter e quais comportamentos e atitudes precisam adotar para se tornarem empreendedores, como se masculinidade e feminilidade fossem produtos de uma escolha.

As diversas interações de gênero impactam as atividades relacionadas com o empreendedorismo. Por isso, tornar-se sujeito no contexto empreendedor não implica necessariamente reposicionar a mulher nos discursos que circulam sobre o tema, e sim demonstrar os impactos dessas relações construídas por meio das repetições das normas nesse contexto (Marlow & Dy, 2018Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22.). Gênero no empreendedorismo deve refletir o reconhecimento dessa identidade como socialmente construída, fundamental para a caracterização de todos os sujeitos, sejam eles homens ou mulheres (cis e trans), sejam binários ou não binários. Ademais, Marlow e Dy (2018)Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22. consideram que o debate sobre gênero e empreendedorismo deve evoluir para as diversas articulações de gênero, não restritivas a homem/masculino, mas a como a multiplicidade de formas que permitem tornar o indivíduo sujeito o faz assumir posições nos discursos no contexto empreendedor.

Na visão de Butler (1990Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, UK: Routledge., 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.), feminilidade não é o produto de uma escolha, e sim a adoção a uma norma, cuja complexa historicidade é indissociável de relações de disciplina, regulação e punição. Desse modo, identificar-se como mulher não significa necessariamente desejar um homem, bem como desejar uma mulher não representa um sinal de masculinidade, o que torna a matriz heterossexual uma lógica imaginária que reflete um padrão a ser seguido (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.). Nesse caso, a construção do discurso empreendedor como forma de masculinidade não ocorre apenas por meio de corpos masculinos, mas também com o auxílio de imagens que reproduzem o que significa ser masculino de acordo com o “senso comum”: agressividade ao fazer negócios e foco na questão econômica, para citar alguns exemplos (Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Gay, 2004Gay, P. (2004). Against “enterprise” (but not against “enterprise”, for that would make no sense). Organization, 11(1), 37-57.).

A performatividade de gênero não é uma escolha sobre “qual gênero terei hoje”; trata-se de reiterar e reproduzir normas em que o sujeito se constitui (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.). Na visão de Butler (1993)Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32., todas as identidades operam por meio da exclusão, da construção discursiva que produz sujeitos abjetos e marginalizados, sujeitos que aparentemente não são inteligíveis por não se enquadrarem nas categorias identitárias “normais”. Exclusão não significa aqui desconstruir o sujeito para declarar sua morte, assim como desconstruir a categoria mulher não significa o abandono dessa categoria, e sim sua ressignificação (Mariano, 2006Mariano, S. A. (2006). O sujeito do feminismo e o pós-estruturalismo. Revista de Estudos Feministas, 13(3), 483-505.). Para reconhecer que gênero é um ato performativo e ultrapassar as noções binárias dessa identidade, é necessário desafiar a noção de que homens e mulheres têm gênero, ou seja, de que gênero é uma propriedade dos indivíduos (Marlow & Dy, 2018Marlow, S; & Dy, A. M. (2018). Annual review article: is it time to rethink the gender agenda in entrepreneurship research? International Small Business Journal, 36(1), 3-22.). O caráter normalizador sobre identidade de gênero e as relações de poder existentes nos discursos são abordados a seguir.

NORMALIZAÇÃO, HETERONORMATIVIDADE E RESISTÊNCIA: A REPRODUÇÃO IDENTITÁRIA DO EMPREENDEDOR

As categorias “normal” e “anormal” resultam de processos de normalização sustentados pela lógica da heteronormatividade (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.; Miskolci, 2009Miskolci, R. (2019). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182.). Trata-se de uma expressão que considera expectativas, demandas e obrigações sociais que derivam da heterossexualidade como algo natural na sociedade (Cohen, 1997Cohen, C. (2019). The radical potential of queer? Twenty Years Later. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 25(1), 140-144.; Chambers, 2003Chambers, S. A. (2003). Telepistemology of the closet, or the queer politics of “six feet under”. The Journal of American Culture, 26(1), 24-41.). Contudo, a heteronormatividade não deve ser reduzida à heterossexualidade, pois se trata de um conjunto de normas que fundamentam processos sociais de regulação e controle, mesmo para aqueles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Assim, tal conceito não se refere apenas a sujeitos legítimos e normalizados, como também a uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade cujo objetivo é formar todos para serem heterossexuais ou organizar suas vidas baseado no que é visto como natural na heterossexualidade (Miskolci, 2009Miskolci, R. (2019). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182.).

Como mencionado, na visão de Foucault (1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.), os processos de normalização ocorrem pelos chamados “dispositivos de poder”, grupos heterogêneos que podem incluir discursos, instituições, normas, regras, entre outros. Esses aparatos organizam a vida dos indivíduos, ao direcionar caminhos específicos que devem ser seguidos, forjar subjetividades, regular e produzir identidades e membros de categorias discursivas de acordo com os contextos histórico, social e cultural, como homem, mulher, transgênero, mãe e pai (Rumens, E. M. Souza & Brewis, 2018Rumens, N; Souza, E. M. D; & Brewis, J. (2019). Queering queer theory in management and organization studies: notes toward queering heterosexuality. Organization Studies, 40(4), 593-612.). Para Miskolci (2009)Miskolci, R. (2019). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182., os processos de normalização não produzem só os chamados “outros” ou “minorias”, haja vista que a produção do anormal deve considerar também o normal. Ou seja, normalidade e anormalidade são construídas conjuntamente e constituem uma relação.

As tecnologias normalizadoras apresentam uma estrutura quase idêntica, estabelecendo uma definição comum de objetivos e procedimentos que tomam a forma de manifestos e reúnem exemplos de como um domínio bem-ordenado de atividade humana deveria ser organizado (Dreyfus & Rabinow, 1995Dreyfus, H. L; Rabinow, P; & Carrero, V. P. (1995). Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.). Na visão de Butler (2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.), o processo de normalização ocorre por meio das normas que regem as práticas sociais. A norma governa a inteligibilidade e normaliza os contextos, e questionar o que está fora da norma implica uma comparação em relação à própria norma (Butler, 1990Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, UK: Routledge., 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Para Foucault (2006)Foucault, M. (1991). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago, Illinois: University of Chicago Press., a normalização é um modo de disciplina e vigilância por meio das relações de poder. O poder, então, é visto como um exercício, e o saber, como uma norma ou um regulamento, sendo que todo saber circula pelo discurso (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.).

A normalização também pode ser compreendida mediante estratégias poder-saber, apresentadas por Foucault em sua obra Ditos e escritos IV. Para o autor, todo conhecimento é fruto de relações e condições políticas, que formam tanto o sujeito quanto as positividades e os domínios do saber (2003). Assim, não existem verdade e valores a serem buscados pelo conhecimento, já que a verdade decorre de uma relação de forças, de uma construção histórica, algo em constante mudança (E. M. Souza, Junquilho, Machado & Bianco, 2006Souza, E. M; Junquilho, G. S; Machado, L. D; & Bianco, M. F. (2006). A analítica de Foucault e suas implicações nos estudos organizacionais sobre poder. Organizações & Sociedade, 13(36), 13-25.). Não há saber neutro; todo saber tem sua invenção, sua emergência e sua proveniência em relações de poder. O estudo sobre saber consiste em analisar como as ciências humanas se constituíram, levando em consideração uma relação entre os saberes e estabelecendo uma rede conceitual que permita seu domínio sobre os demais saberes, e não analisando de maneira intencional as relações entre saberes e estruturas econômicas e políticas (Foucault, 2003Foucault, M. (2003). Estratégia, poder-saber: ditos e escritos. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.).

No contexto empreendedor, a relação poder-saber implica a ideia de que o discurso do empreendedorismo e o conhecimento atuam como um mecanismo para o exercício do poder (Ogbor, 2000Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635.). É possível considerar essa relação baseado no conceito de saber dominado de Foucault (1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.), que pode ser compreendido de 2 formas: por um lado, os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais; por outro, pelas sistematizações formais. Ogbor (2000)Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635. considera que o sistema idealizado criado pelos indivíduos para os discursos sobre o empreendedorismo, com base nas relações de poder-saber, tende a institucionalizar as pesquisas acadêmicas sobre o tema e o dia a dia do empreendedor. Dessa maneira, o uso de termos e expressões para caracterizar o empreendedor constrói uma ideologia reproduzida e mantida pelos indivíduos. Os discursos normalizadores que circulam na sociedade a respeito do empreendedorismo tendem a naturalizar que o profissional contemporâneo é uma figura econômica autônoma, inserida num contexto competitivo, sendo o “eu empreendedor” um indivíduo que precisa ser empresário de si próprio, também chamada de “empresarização de si mesmo”, enxergando a si mesmo como um negócio (A. M. Costa, Barros & Carvalho, 2011Costa, A. M; Barros, D. F; & Carvalho, J. L. F. (2011). A dimensão histórica dos discursos acerca do empreendedor e do empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, 15(2), 179-197.; Gay, 2004Gay, P. (2004). Against “enterprise” (but not against “enterprise”, for that would make no sense). Organization, 11(1), 37-57.; Lopes & A. S. M. Costa, 2021Lopes, F. T; & Costa, A. S. M. (2021). Exílio político no contexto do Brasil pós-2019: história do desterro e do trabalho existência/resistência de uma intelectual brasileira. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 307-324.).

Para Rindova et al. (2009Rindova, V; Barry, D; & Ketchen, D.J. (2009): Entrepreneuring as emancipation. Academy of Management Review, 34(3), 477-491.), mesmo que haja variação em alguns princípios do empreendedorismo, explícita ou implicitamente, eles demonstram que, para se tornar um empreendedor, ter como objetivo o crescimento econômico é fundamental. Além disso, Ogbor (2000Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635.) demonstra constantes metáforas que posicionam o empreendedor como essencialmente masculino, com qualidades acima do normal, reproduzindo o estereótipo do homem branco empreendedor heroico (Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.). Diversos estudos sobre empreendedorismo tendem a corroborar esses discursos ao apresentar o fenômeno como uma atividade individual, econômica e positiva, numa eterna tentativa de encontrar o “empreendedor ideal” ou “a melhor forma de empreender” (Calás et al; 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.; Essers, 2009Essers, C. (2009). New directions in postheroic entrepreneurship: narratives of gender and ethnicity. Frederiksberg, Denmark: Copenhagen Business School Press.; Obor, 2000Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635.; J. F. Silva & Patrus, 2017Silva, J. F; & Patrus, R. (2017). O “Bê-Á-Bá” do Ensino em Empreendedorismo: Uma Revisão da Literatura Sobre os Métodos e Práticas da Educação Empreendedora. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 6(2), 372-401.).

No Brasil, Oliveira et al. (2018Oliveira, A. B. D Jr; Gattaz, C. C; Bernardes, R. C; & Iizuka, E. S. (2018). Pesquisa em empreendedorismo (2000-2014) nas seis principais revistas brasileiras de administração: lacunas e direcionamentos. Cadernos EBAPE.BR, 16, 610-630.) demonstram que, uma vez que o empreendedorismo é algo relativamente novo - começou a ser abordado com mais frequência a partir da década de 1990 - e com cenário variado, as pesquisas sobre esse fenômeno tendem a replicar os discursos normalizadores a respeito do tema. Assim, a maioria dos estudos ainda tende a abordar o viés econômico no empreendedorismo e as características que o indivíduo deve ter, como alta necessidade de assumir riscos, capacidade de realização, valores e tolerância à ambiguidade (Corcetti & Loreto, 2017Corcetti, E; & Loreto, M. D. S. (2017). O discurso político sobre a qualificação profissional de mulheres desfavorecidas: emancipação ou hegemonia? Cadernos EBAPE.BR, 15(2), 364-376.; Franco & Gouvêa, 2016Franco, J. O. B; & Gouvêa, J. B. (2016). A cronologia dos estudos sobre o empreendedorismo. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 5(3), 144-166.; Santos & Moraes, 2014Santos, P. M; & Moraes, R. A. M Filho. (2014). Empreendedorismo na incubadora da UFRPE: uma reflexão sobre empresas criadas por iniciativas de alunos e docentes. Revista Organizações em Contexto, 10(20), 371-406.). Ademais, Lopes e A. S. M. Costa (2021Lopes, F. T; & Costa, A. S. M. (2021). Exílio político no contexto do Brasil pós-2019: história do desterro e do trabalho existência/resistência de uma intelectual brasileira. Cadernos EBAPE.BR, 19(2), 307-324.) atentam na influência do contexto, pois as características sociais contemporâneas tendem a reforçar o fenômeno da empresarização de si mesmo, reforçando perdas do coletivo e das solidariedades.

Em termos de gênero e empreendedorismo, Gomes et al. (2014Gomes, A. F; Santana, W. G. P; Araújo, U. P; & Martins, C. M. F. (2014). Empreendedorismo feminino como sujeito de pesquisa. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 16(51), 319-342.) ressaltaram que os estudos da década de 1990 também apresentaram resultados sobre homens e mulheres empreendedores, mas ainda com tendência a repetir estereótipos femininos sobre o que significa ser uma mulher empreendedora, em comparação com o homem empreendedor. Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.), por exemplo, usam a expressão “mentalidade empreendedora” para se referir a como os discursos contribuem para construir um padrão de ações e comportamentos que normalizam determinadas formas de tornar-se um empreendedor, em detrimento de outras.

Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres nos últimos anos e do aumento nos estudos relacionados com o tema no Brasil e no exterior, há uma constante no que diz respeito à presença substancialmente menor de mulheres em níveis empresariais, sobretudo quanto à gestão de equipes (Vieira et al; 2019Vieira, A; Monteiro, P. R. R; Carrieri, A. P; Guerra, V. A; & Brant, L. C. (2019). Um estudo das relações entre gênero e âncoras de carreira. Cadernos EBAPE.BR, 17, 577-589.; Vilela et al; 2020Vilela, N. G. S., Hanashiro, D. M. M., & Costa, L. S. (2020). (Des)igualdade de gênero no local de trabalho e práticas de recursos humanos. Revista Alcance, 27(3), 382-398.). Essas desigualdades de gênero se refletem no campo empreendedor, no qual, independentemente da qualificação, persiste um padrão. Os setores mais inovadores e intensivos de conhecimento estão mais presentes nas escolhas dos homens, ao passo que as das mulheres recaem, preferencialmente, em empreendimentos ligados à lógica do cuidado (Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.).

Para Butler (2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.), a identidade de gênero possui caráter normalizador, uma vez que implica a construção de algum tipo de unidade, e a busca por essa unidade é em si mesma normalizadora e excludente. Gênero, então, é um mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas (Butler, 2004). A masculinidade é representada como algo positivo, por meio da existência do pênis, o membro fálico símbolo do alter ego e potente. A feminilidade, por outro lado, é representada não pela presença da vagina ou do clitóris, mas pela falta do pênis, ou seja, como impotência (Brewis et al; 1997Brewis, J; Hampton, M. P; & Linstead, S. (1997). Unpacking Priscilla: subjectivity and identity in the organization of gendered appearance. Human Relations, 50(10), 1275-1304.). Para Ogbor (2000Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635.), o discurso do empreendedorismo segue o pensamento eurocêntrico, que sustenta dicotomias tradicionais entre homens e mulheres, em que o masculino é celebrado e associado a características positivas, como competição e racionalidade.

Tradicionalmente, pesquisas sobre o empreendedorismo feminino tendem a usar o masculino como padrão de comparação (Ahl, 2006Ahl, H. (2006). Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(5), 595-621.; Ahl & Marlow, 2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.; Calás et al; 2009Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569.; Gomes et al; 2014Gomes, A. F; Santana, W. G. P; Araújo, U. P; & Martins, C. M. F. (2014). Empreendedorismo feminino como sujeito de pesquisa. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 16(51), 319-342.), sendo sustentadas e reproduzidas na academia, na mídia e por outros empreendedores (Dy et al; 2017Dy, A. M; Marlow, S; & Martin, L. (2017). A web of opportunity or the same old story? Women digital entrepreneurs and intersectionality theory. Human Relations, 70(3), 286-311.; Essers et al; 2010Essers, C; Benschop, Y; & Doorewaard, H. (2010). Female ethnicity: understanding Muslim immigrant businesswomen in the Netherlands. Gender, Work & Organization, 17(3), 320-339.). Além disso, o empreendedorismo feminino continua a ser impulsionado pelo efeito da necessidade, como desemprego ou dificuldade de conciliar a atividade profissional, familiar e privada, ao passo que o masculino surge mais associado à inovação e à autorrealização profissional (Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.; F. L. N. B. Melo et al; 2019Melo, F. L. N. B; Silva, R. R; & Almeida, T. N. V. (2019). Gênero e empreendedorismo: um estudo comparativo entre as abordagens causation e effectuation. Brazilian Business Review, 16, 273-296.).

Tais abordagens, na visão de Ahl e Marlow (2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.) e de Calás et al. (2009)Calas, M. B; Smircich, L; & Bourne, K. A. (2009): Extending the boundaries: reframing “entrepreneurship as social change” through feminist perspectives. Academy of Management Review, 34(3), 552-569., contribuem para manter a reprodução das normas discursivas a respeito do empreendedorismo, haja vista que continuam sendo feitas as mesmas perguntas, o que gera as mesmas respostas, não permitindo o avanço no debate sobre o tema. Para Ogbor (2000Ogbor, J. O. (2000). Mythicizing and reification in entrepreneurial discourse: ideology-critique of entrepreneurial studies. Journal of Management Studies, 37(5), 605-635.), outra consequência da legitimação de discursos dominantes sobre empreendedorismo é o processo de masculinização da mulher empreendedora. Isso ocorre pela repetição de normas e comportamentos esperados de um “bom empreendedor”. Entretanto, Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.) demonstram que, ao assumir comportamentos vistos como masculinos, as mulheres empreendedoras passam a ser novamente estereotipadas, dessa vez julgadas como “mãos de ferro” ou “sem coração”.

Considerando, contudo, que as normas de gênero são reproduzidas e que cada reprodução gera uma individualização, toda repetição cria uma possibilidade de alteração de suas repetições (Butler, 2004Butler, J. (2004). Undoing gender. Psychology Press. New York, NY: Routlegde.). Assim, como toda repetição das normas é instável, abre a possibilidade de subversão da matriz de poder com sua lógica de inteligibilidade. Uma identificação específica traz instabilidades e riscos, o que possibilita dizer que toda relação de poder traz possibilidades de resistência e subversão (Harding, Ford & Lee, 2017Harding, N. H; Ford, J; & Lee, H. (2017). Towards a performative theory of resistance: senior managers and revolting subject(ivitie)s. Organization Studies, 38(9), 1209-1232.; E. M. Souza, 2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.). Na visão de Ashcraft (2005Ashcraft, K. L. (2005). Resistance through consent? Occupational identity, organizational form, and the maintenance of masculinity among commercial airline pilots. Management Communication Quarterly, 19(1), 67-90.), resistência é algo polissêmico, inconstante e instável, que pode se caracterizar numa recusa em aceitar a identidade normativa ou num senso de si que ameaça reduzir o sujeito a um abjeto, por não conseguir se posicionar em nenhuma categoria identitária e, consequentemente, ser incapaz de falar de determinada posição (Harding et al; 2017Harding, N. H; Ford, J; & Lee, H. (2017). Towards a performative theory of resistance: senior managers and revolting subject(ivitie)s. Organization Studies, 38(9), 1209-1232.). Resistir, para Steyaert (2010Steyaert, C. (2010). Queering space: heterotopic life in Derek Jarman’s garden. Gender, Work & Organization, 17(1), 45-68.), nem sempre será algo agradável, porém é necessário e precisa ser feito no dia a dia, uma vez que o sujeito deseja a liberdade. Para Foucault (1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.), resistência não está numa posição exterior ao poder, sendo moldada por ele.

Para Scott (2008Scott, J. C. (2008). Domination and the arts of resistance. London, UK: Yale University Press.), não é possível afirmar que existe um modelo de resistência passiva ou ativa, pois elas se tornam duas faces do mesmo processo. Trata-se de uma forma de subjetivação, e não algo sobre um sujeito já constituído que resiste racional ou emocionalmente. Nas organizações, a resistência tem um papel simbólico que pode englobar diversas ações, entre elas resignação, tolerância, sabotagem, confronto coletivo, ações judiciais e até atos de violência (Alvesson & Karreman, 2004Alvesson, M; & Kärreman, D. (2004). Interfaces of control: technocratic and socio-ideological control in a global management consultancy firm. Accounting, organizations and society, 29(3-4), 423-444.). Considerando a perspectiva latino-americana, Irigaray, Celano, Fontoura e Maher (2021Irigaray, H. A. R; Celano, A; Fontoura, Y; & Maher, R. (2021, junho). Resisting by re-existing in the workplace: a decolonial perspective through the Brazilian adage “for the English to see”. Organization. Recuperado de https://doi.org/10.1177/13505084211022666
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) sugerem a compreensão das resistências sob uma perspectiva decolonial. Na visão dos autores, o conceito de “resistência” representa uma reação que emana das “fronteiras”, onde os saberes tradicionais e atuais se chocam e se fundem numa nova forma de resistência no contexto das interações organizacionais.

O avanço nos debates sobre gênero e empreendedorismo, especialmente a partir das teorias feministas (Ahl, 2006Ahl, H. (2006). Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(5), 595-621.; Ahl & Essers, 2009Essers, C; & Benschop, Y. (2009). Muslim businesswomen doing boundary work: the negotiation of Islam, gender and ethnicity within entrepreneurial contexts. Human Relations, 62(3), 403-423.; Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.; Dy et al; 2017Dy, A. M; Marlow, S; & Martin, L. (2017). A web of opportunity or the same old story? Women digital entrepreneurs and intersectionality theory. Human Relations, 70(3), 286-311.; Gomes et al; 2014Gomes, A. F; Santana, W. G. P; Araújo, U. P; & Martins, C. M. F. (2014). Empreendedorismo feminino como sujeito de pesquisa. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 16(51), 319-342.; Marlow, 2012), tem demonstrado o aumento no número de pesquisas que compreendem sexo e gênero como práticas discursivas que constituem subjetividades por meio de relações de poder e resistência. Foucault (1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, & P. Rabinow(Eds.), Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária .) demonstra que uma relação de poder se articula sobre 2 elementos que lhe são indispensáveis para ser exatamente uma relação de poder: que “o outro” - aquele sobre o qual ela se exerce - seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o sujeito da ação e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, relações, efeitos e invenções possíveis (Dreyfus & Rabinow, 1995Dreyfus, H. L; Rabinow, P; & Carrero, V. P. (1995). Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.).

O sujeito não é livre, contudo, para decidir e agir fora das próprias relações de poder e dos discursos que o constituem como tal (E. M. Souza, 2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.). Conforme ressalta Parker (2001Parker, M. (2001). Fucking management: queer, theory and reflexivity. Ephemera, 1(1), 36-53.), isso significa que a repetição das compreensões hegemônicas e a resistência a essas reproduções não são produtos de uma escolha. Porém, o discurso nunca é um sistema fechado, e, mesmo que as relações de poder nos discursos afetem os indivíduos, sempre há possibilidade de resistência (Brewis et al; 1997Brewis, J; Hampton, M. P; & Linstead, S. (1997). Unpacking Priscilla: subjectivity and identity in the organization of gendered appearance. Human Relations, 50(10), 1275-1304.). As identidades são discursivamente formadas por processos contínuos, ou seja, movimentos constantes de construção e desconstrução pelos quais as diversas expressões identitárias possíveis se constituem sem hierarquia entre elas, ou seja, não há uma identidade que atue como base para as demais (E. M. Souza, 2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.).

Dessa forma, as resistências não atuam para se tornar forças hegemônicas, vez que não possuem estratégia. Elas atuam desestabilizando o que aparentemente é visto como estável, ou seja, as resistências atuam das mais diversas formas, sem se constituir uma estratégia para impor sua hegemonia em relação às demais forças (Harding et al; 2017Harding, N. H; Ford, J; & Lee, H. (2017). Towards a performative theory of resistance: senior managers and revolting subject(ivitie)s. Organization Studies, 38(9), 1209-1232.; E. M. Souza, 2014Souza, E. M. (2014). Poder, diferença e subjetividade: a problematização do normal. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 1(1), 113-160.). Para Foucault (1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, & P. Rabinow(Eds.), Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária .), onde há poder, há resistência, ou seja, não se trata de uma relação entre dominantes e dominados. Além disso, resistência não significa contrapoder nem uma oposição ao poder instituído para ocupar seu lugar (E. M. Souza, 2014Souza, E. M. (2014). Poder, diferença e subjetividade: a problematização do normal. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 1(1), 113-160.). Mesmo sem uma estratégia, as resistências permitem uma ressignificação das normas, o que faz com que a subversão da identidade aconteça pelo enfraquecimento da norma, possibilitando sua rearticulação (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically queer. GLQ - A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.). A criação de novos espaços de resistência e subversão das identidades de gênero no empreendedorismo, com base na desestabilização dos regimes de poder, pode ser compreendida por meio da teoria queer, apresentada no tópico a seguir.

QUEERING IDENTIDADES, QUEERING EMPREENDEDORISMO: UM OLHAR DIFERENTE A PARTIR DAS PRÁTICAS DO EMPREENDER

De acordo com Alexander (2003Alexander, B. (2003). Querying queer theory again (or queer theory as drag performance). Journal of Homosexuality, 45(2-4), 349-352.), o termo “teoria queer” foi usado pela primeira vez como uma provocação. Teresa de Lauretis se valeu da expressão como título de uma conferência voltada para os estudos sobre gays e lésbicas em fevereiro de 1990, na Universidade da Califórnia. Trata-se de um jogo de palavras com o objetivo de fazer uma crítica aos movimentos assimilacionistas, já que o termo queer, isoladamente, se refere a algo estranho, enquanto “teoria” se refere a algo fixo, estável (Miskolci, 2009Miskolci, R. (2019). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182.). No contexto organizacional, um dos pioneiros no uso da teoria queer foi Martin Parker (2001Parker, M. (2001). Fucking management: queer, theory and reflexivity. Ephemera, 1(1), 36-53.), ao problematizar essa teoria e suas influências em processos de gestão. Para Rumens et al. (2018)Rumens, N; Souza, E. M. D; & Brewis, J. (2019). Queering queer theory in management and organization studies: notes toward queering heterosexuality. Organization Studies, 40(4), 593-612., queer é um termo polissêmico, podendo ser caracterizado como um substantivo, ao descrever alguém como queer; como um adjetivo, ao apresentar políticas como queer; ou como um verbo - queering gênero, queering gestão ou queering empreendedorismo, por exemplo.

Miskolci (2009)Miskolci, R. (2019). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182. explica que a teoria queer parte de uma desconfiança com relação aos sujeitos sexuais como estáveis e foca nos processos sociais classificatórios, hierarquizadores, ou seja, nas estratégias sociais normalizadoras dos comportamentos. Trata-se de algo que possui um significado sempre aberto, incompleto e inacabado. Mas, conforme explica E. M. Souza (2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.), essa abertura e inacabamento não constituem sua fraqueza, e sim sua força e capacidade de resistência ao normal. Tornar algo queer significa um meio de resistência ao normativo, oferecendo alternativas às normas, identidades consideradas estáveis e universais, regimes de normalização e senso comum (Alexander, 2003Alexander, B. (2003). Querying queer theory again (or queer theory as drag performance). Journal of Homosexuality, 45(2-4), 349-352.; Parker, 2016Parker, M. (2016). Queering queer. Gender, Work & Organization, 23(1), 71-73.).

Assim, Seidman (1997Seidman, S. (1997). Difference troubles: queering social theory and sexual politics. Cambridge, UK: Cambridge University Press.) considera que a resistência possível com base na teoria queer permite uma desconstrução, tornando o familiar estranho, ao questionar o que é considerado “normal”. Especificamente, a teoria queer não busca substituir proposições e questionamentos, e sim tornar o normal permanentemente aberto a questionamentos e contestações (Epstein, 1996Epstein, S. (2002). A queer encounter: sociology and the study of sexuality. In K. Plummer (Ed.), Sexualities: Critical Concepts in Sociology(Vol. 4: Sexualities and their Futures, pp. 191-211). New York, NY: Routlegde.). Para a teoria queer, o discurso atua de maneira normativa, moldando fronteiras e construindo identidades e hierarquias entre as próprias categorias identitárias (E. M. Souza, 2017Souza, E. M. (2017). A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 308-326.). Butler (1990Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, UK: Routledge.) argumenta que, na lógica normativa de gênero, os indivíduos buscam respostas a questionamentos sobre quais expressões de gênero são aceitáveis ou não e tornam o sujeito inteligível. A teoria queer não se propõe a buscar uma origem para gênero, uma vez que se trata de uma categoria identitária influenciada por uma série de contextos, instituições, práticas e discursos com múltiplos e difusos pontos de origem (Butler, 1990Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, UK: Routledge.).

Assim, Rumens, E. M. Souza e Brewis (2018)Rumens, N; Souza, E. M. D; & Brewis, J. (2019). Queering queer theory in management and organization studies: notes toward queering heterosexuality. Organization Studies, 40(4), 593-612. apontam o potencial da teoria queer ao ir além dos estudos que enfatizam questões relacionadas com pessoas LGBT no ambiente de trabalho. Para os autores, queering, ou seja, o uso do termo queer como verbo, ação, processo de fazer e desfazer em outras categorias, como queering heterossexualidades, evita reduzir a teoria queer a apenas uma “teoria feita por queers para queers”, em busca de uma desestabilização e problematização de outros contextos (Rumens et al; 2018Rumens, N; Souza, E. M. D; & Brewis, J. (2019). Queering queer theory in management and organization studies: notes toward queering heterosexuality. Organization Studies, 40(4), 593-612.). “Queering identidades” e “queering empreendedorismo” permitem ir além do contexto individual e econômico sobre o tema, ao buscar a compreensão das relações de poder nos discursos construídos no dia a dia, possibilitando ao sujeito se tornar empreendedor e produzir novas identidades empreendedoras que rompam o que se apresenta como normal, trazendo novos arranjos para compreender o empreendedorismo.

A compreensão do empreendedorismo não como uma atividade, um substantivo, mas como um processo, um verbo, é comumente abordada na literatura pelo uso da expressão entrepreneuring (Steyaert, 2007Steyaert, C. (2007). “Entrepreneuring” as a conceptual attractor? A review of process theories in 20 years of entrepreneurship studies. Entrepreneurship & Regional Development, 19(6), 453-477.; Rindova et al; 2009Rindova, V; Barry, D; & Ketchen, D.J. (2009): Entrepreneuring as emancipation. Academy of Management Review, 34(3), 477-491.; Germain & Jacquemin, 2017Germain, O; & Jacquemin, A. (2017). Positioning entrepreneurship studies between critique and affirmation. Revue de l’Entrepreneuriat, 16(1), 55-64.). Em seus estudos teóricos, Steyaert (2007)Steyaert, C. (2007). “Entrepreneuring” as a conceptual attractor? A review of process theories in 20 years of entrepreneurship studies. Entrepreneurship & Regional Development, 19(6), 453-477. demonstrou diversas possibilidades no uso do termo e seu potencial de desenvolver novos significados sob uma abordagem conceitual em aberto. Para Verduyjn (2015), esse processo de empreender é formado por um complexo emaranhado de discursos que formam as subjetividades sobre o empreendedor, um processo precário, indeterminado, aberto e sempre vindo a tornar-se algo nunca acabado.

Com base na compreensão do empreendedorismo como algo fluido, inacabado e construído pelas relações e pelas práticas do dia a dia, sugere-se uma mudança na lógica do olhar sobre o fenômeno do empreendedorismo e da empreendedora (Bruni & Perrota, 2014Bruni, A; & Perrotta, M. (2014). Entrepreneuring together: his and her stories. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, 20(2), 108-127.; Steyaert & Hjorth, 2003Hjorth, D; & Steyaert, C. (2009). Entrepreneurship as disruptive event. In: Hjorth, D; & Steyaert, C. The politics and aesthetics of entrepreneurship: a fourth movements of entrepreneurship book. Cheltenran, UK: Edward Elgar Publishing.). O foco passam a ser as práticas do empreender (entrepreneuring) e suas subjetividades, em que o ato de empreender adquire novos significados quando feitos por sujeitos cujas identidades diferem das normativamente presumidas, ou seja, quando os chamados “outros” assumem o controle (Steyaert, 2007Steyaert, C. (2007). “Entrepreneuring” as a conceptual attractor? A review of process theories in 20 years of entrepreneurship studies. Entrepreneurship & Regional Development, 19(6), 453-477.; Steayert, 2010Steyaert, C. (2010). Queering space: heterotopic life in Derek Jarman’s garden. Gender, Work & Organization, 17(1), 45-68.; Bruni & Perrota, 2014Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.), como as mulheres empreendedoras radicais. Para Weiss (2017Weiss, T. (2017). Entrepreneuring for society: what is next for Africa?London, UK: Palgrave Macmillan.), o entrepreneuring permite romper os moldes e as restrições vigentes, possibilitando uma nova forma de imaginar e praticar o futuro empreendedor.

Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.) consideram que uma das categorias identitárias que tentam subverter a lógica discursiva do empreendedorismo em busca de uma nova ordem social é a de mulheres empreendedoras radicais. Apelidadas de “radicais”, trata-se de mulheres que, motivadas por uma cultura antagonista aos valores tradicionais do empreendedorismo, desenvolvem iniciativas para promover o interesse de outras mulheres e de “minorias” na sociedade (Bruni et al; 2004). O termo foi utilizado inicialmente por Goffee e Scase (1985Goffee, R; & Scase, R. (1985). Women in charge (routledge revivals): the experiences of female entrepreneurs. London, UK: Routledge., 2015Gomes, A. F; Santana, W. G. P; Araújo, U. P; & Martins, C. M. F. (2014). Empreendedorismo feminino como sujeito de pesquisa. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 16(51), 319-342.) para apresentar um grupo, interessado prioritariamente no coletivo, por meio de empreendimentos econômicos visando promover questões relacionadas com o feminino. Essas mulheres eram vistas como feministas, uma vez que, na visão dos autores, buscavam ir além da subordinação entre homens e mulheres mediante iniciativas de cooperação (Cromie & Hayes, 1988Cromie, S; & Hayes, J. (1988). Towards a typology of female entrepreneurs. The Sociological Review, 36(1), 87-113.; Goffee & Scase, 1985Goffee, R; & Scase, R. (1985). Women in charge (routledge revivals): the experiences of female entrepreneurs. London, UK: Routledge., 2015). Weiss (2017Weiss, T. (2017). Entrepreneuring for society: what is next for Africa?London, UK: Palgrave Macmillan.) considera que novos desenvolvimentos e tendências também requerem uma análise crítica e alternativa para compreender os efeitos da mudança.

Na visão de Bruni et al. (2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.), as radicais são uma alternativa para estudos de mulheres empreendedoras por possibilitarem uma compreensão de suas subjetividades baseada em atitudes e comportamentos que subvertem as questões normalizadoras de gênero e empreendedorismo. Assim, ao se tornarem radicais, essas mulheres podem resistir às relações de poder vigentes e gerar formas de microemancipação (Dick, 2015). Não se trata só de compreender o fenômeno sob a perspectiva A ou B, mas de questionar a norma e o próprio significado de determinados termos (Imas, Wilson & Weston, 2012Imas, J. M; Wilson, N; & Weston, A. (2012). Barefoot entrepreneurs. Organization, 19(5), 563-585.). Thomas e Davies (2005Thomas, R; & Davies, A. (2005). Theorizing the micro-politics of resistance: new public management and managerial identities in the UK public services. Organization Studies, 26(5), 683-706.) consideram que essas formas de resistência não necessariamente resultarão numa ruptura com o vigente e numa mudança completa, e sim em pequenas alterações da ordem social e numa reflexão sobre as múltiplas formas possíveis de pensar subjetividades e práticas empreendedoras.

Aldrich e Martinez (2015Aldrich, H. E; & Martinez, M. A. (2015). Why aren’t entrepreneurs more creative? Conditions affecting creativity and innovation in entrepreneurial activity. In C. E. Shalley, M. A. Hitt, & J. Zhou (Eds.), The Oxford handbook of creativity, innovation, and entrepreneurship (pp. 445-456).Oxford, UK: University Press.), ao estudarem empreendedorismo e empreendedores nos Estados Unidos, afirmam que, quando estes iniciam o processo de organização de seus novos empreendimentos, encontram contextos em que outras pessoas, como fornecedores e investidores, têm as próprias expectativas com relação às práticas empreendedoras. As oportunidades passam a ser formadas por subjetividades do empreender, e não por forças econômicas que impulsionam mercados e indústrias (Aldrich & Ruef, 2018Aldrich, H. E; & Ruef, M. (2018). Unicorns, gazelles, and other distractions on the way to understanding real entrepreneurship in the United States. Academy of Management Perspectives, 32(4), 458-472.). Essa realidade também se reflete no Brasil, mas com uma característica adicional: o viés de gênero. Embora o país tenha proporções semelhantes entre homens e mulheres empreendedores que iniciam seus negócios, há um percentual maior de homens em empreendimentos já consolidados (GEM, 2019).

Os esforços das mulheres empreendedoras radicais para reduzir as diversas formas de desigualdades de gênero se iniciam no momento em que escolhem o tipo de negócio que desejam ter. Ao planejar os tipos de empresas que desejam criar, essas mulheres consideram espaços tradicionalmente ocupados por homens - como barbearias, oficinas mecânicas, área de finanças e novas tecnologias -, contrariando os discursos normalizadores que buscam definir e reproduzir a lógica dos espaços que elas “podem” ocupar (Bertolami et al; 2018Bertolami, M; Artes, R; Gonçalves, P. J; Hashimoto, M; & Lazzarini, S. G. (2018). Sobrevivência de empresas nascentes: influência do capital humano, social, práticas gerenciais e gênero. Revista de Administração Contemporânea, 22, 311-335.; Brandão et al; 2019Brandão, A. M; Marques, A. P; & Lamela, R. (2019). Gênero, empreendedorismo e autonomização profissional. Gestão e Sociedade, 13(35), 2963-2991.; Vieira et al; 2019Vieira, A; Monteiro, P. R. R; Carrieri, A. P; Guerra, V. A; & Brant, L. C. (2019). Um estudo das relações entre gênero e âncoras de carreira. Cadernos EBAPE.BR, 17, 577-589.). Ao criar os próprios empreendimentos, as empreendedoras radicais transformam o tipo de negócio, trazendo algo novo ao mercado (Bruni et al; 2004Bruni, A; Poggio, B; & Gherardi, S. (2004). Entrepreneur-mentality, gender and the study of women entrepreneurs. Journal of Organizational Change Management, 17(3), 256-268.). Não se trata apenas de se tornar empreendedora em espaços dominados pelo contexto masculino, mas também de criar algo novo e diferente, baseado em subjetividades, experiências de vida, barreiras enfrentadas em termos de gênero, bem como em seus próprios planos e expectativas empreendedoras, queering seus empreendimentos e, consequentemente, a si mesmas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio teórico buscou problematizar de que modo as desigualdades de gênero são reproduzidas a partir das relações de poder presentes nos discursos sobre o empreendedorismo e quais as possibilidades de resistência existentes nas abordagens sobre o tema, por meio da proposição de formas alternativas de compreensão do tema a partir da análise das práticas do empreender. Mais do que apresentar estudos e autores que se valem de perspectivas que reproduzem a lógica binária de gênero por meio dos discursos, o objetivo deste trabalho foi promover uma reflexão a respeito de diferentes formas de pensar o empreendedorismo, a mulher empreendedora e o empreender, sob um olhar não hegemônico e uma compreensão do tema “empreendedorismo” como algo fluido, contínuo e construído pelas práticas do dia a dia. Outra proposição diz respeito ao estudo de mulheres empreendedoras radicais, muitas vezes vistas como o “outro” na literatura sobre gênero e empreendedorismo.

No que diz respeito a gênero e empreendedorismo, este artigo avançou no debate sobre a literatura ao estabelecer relações entre o estudo do empreendedorismo, por meio das subjetividades, a partir da teoria queer (Ahl & Marlow, 2012Ahl, H; & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562.). Pullen, Lewis e Ozkazanc-Pan (2019Pullen, A; & Lewis, P. (2019). A critical moment: 25 years of Gender, Work and Organization. Gender, Work & Organization, 26(1), 1-8.) consideram os estudos sobre gênero sob a ótica de teorias feministas devem direcionar também os esforços para pesquisas que demonstrem a perspectiva das mulheres - reais, sujeitas de suas histórias coletivas - em detrimento das Mulheres - construto cultural e ideológico que as posiciona como o Outro por meio dos discursos dominantes. Assim, a proposição de estudos com base na categoria identitária intitulada “mulheres empreendedoras radicais” pode contribuir para demonstrar um foco que vá além do contexto econômico, de negócios, apresentando as relações de poder nos discursos que circulam sobre o que significa se tornar um sujeito empreendedor (A. M. Costa & Saraiva, 2012Costa, A. M; & Saraiva, L. A. S. (2012). Hegemonic discourses on entrepreneurship as an ideological mechanism for the reproduction of capital. Organization, 19(5), 587-614.).

Aldrich e Ruef (2018Aldrich, H. E; & Ruef, M. (2018). Unicorns, gazelles, and other distractions on the way to understanding real entrepreneurship in the United States. Academy of Management Perspectives, 32(4), 458-472.) apontam a urgência de que pesquisadores sobre empreendedorismo busquem atentar nas práticas cotidianas, ordinárias, e evitar enfatizar as exceções que acabam por reforçar estereótipos acerca do que significa ter um empreendimento de sucesso. Conforme sugerem A. M. Costa et al. (2011Costa, A. M; Barros, D. F; & Carvalho, J. L. F. (2011). A dimensão histórica dos discursos acerca do empreendedor e do empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, 15(2), 179-197.), identificar a construção discursiva do empreendedor em diferentes contextos possibilita questionar uma visão naturalizadora que posiciona o empreendedor como idealizado e heroico, superando adversidades, personalidades míticas, reprodutoras de um sistema sem falhas e sempre positivo. Práticas de empreendedorismo envolvem subjetividades, fluidez e um processo de tornar-se nunca acabado. O dia a dia do empreender não segue uma lógica linear, algo importante a ser considerado por quem pesquisa o tema. Embora o caminho para compreender o empreendedorismo como mudança social seja longo, o potencial de explorar agendas de pesquisas futuras considerando não só as desigualdades de gênero, mas também as interseccionalidades em relação a gênero, raça e classe, por exemplo, é fundamental. Além disso, estudar mulheres empreendedoras radicais pode ser um bom ponto de partida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2021
  • Aceito
    03 Ago 2021
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