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Modos de vida, experiências trans e enfrentamentos: considerações para a ação técnica em terapia ocupacional social

Resumo

Este artigo decorre de uma pesquisa que teve como objetivo central compreender como pessoas trans constroem estratégias de enfrentamento às condições de marginalização ao longo de suas histórias de vida. Para tanto, tomamos a história oral de vida como metodologia de apreensão de dados, além de ferramentas da etnografia, como a observação. Os dados foram organizados a partir do conceito de modos de vida, à luz da perspectiva de Isabel Guerra, disposta em três eixos centrais: o sistema e os atores sociais; a história e o cotidiano; o objetivo e o subjetivo na percepção do real. Além disso, procedemos as análises por uma perspectiva interseccional, e os resultados indicaram que as imposições do sistema sexo-gênero-desejo operam desde as primeiras etapas da vida, numa engrenagem que articula diversos atores e instituições sociais, como também os acessos às condições concretas de operacionalização da vida. A forma pela qual essas imposições e limites são percebidos media as principais estratégias de enfrentamento, que agregam a reconfiguração da rede de suporte e a luta pelo reconhecimento, que, no caso das/os interlocutoras/es da referida pesquisa, deu-se através da educação e dos espaços do movimento social. A análise amparada no conceito de modos de vida ofereceu uma potente lente para reconhecer as demandas desse grupo, apresentando-se como possibilidade teórico-metodológica para a terapia ocupacional social.

Palavras-chave:
Identidade de Gênero; Sexualidade; Terapia Ocupacional Social

Abstract

This article stems from a doctoral dissertation whose main objective was to understand how transgender people build strategies to cope with conditions of marginalization throughout their life histories. To this end, the oral history of life was employed as a data collection methodology; ethnographic tools, such as observation, were also used. The data were organized from the concept of ways of life in the light of Isabel Guerra’s perspective and arranged in three central axes: the system and social actors; history and everyday life; the objective and the subjective in the perception of reality. In addition, the analyses were carried out from an intersectional perspective, and the results indicated that the impositions of the sex-gender-desire system operate from the first stages of life, in a mechanism that connects various actors and social institutions, as well as access to concrete conditions of life operationalization. How these impositions and limits are perceived mediates the main coping strategies, which include the reconfiguration of the support network and the struggle for recognition, which, in the case of the interlocutors in the aforementioned research, occurred through education and the social movement spaces. The analysis supported by the concept of ways of life offered a powerful lens to identify this population’s demands, and it is a theoretical-methodological possibility for social occupational therapy practice.

Keywords:
Gender Identity; Sexuality; Social Occupational Therapy

Introdução

A pesquisa que dá origem a este artigo decorre daquilo que vem sendo debatido na terapia ocupacional social acerca da necessidade de subsídios teóricos que possibilitem a elaboração de uma ação técnica que leve em consideração os sujeitos individuais e coletivos nos seus contextos de vida, os aspectos macroestruturais que os permeiam e os recursos disponíveis para sua participação na vida social.

Diversos sujeitos e grupos vêm se compondo como destinatários das ações da terapia ocupacional social; no cenário das múltiplas vivências em uma sociedade desigual, marcadores sociais da diferença1 1 Os marcadores sociais da diferença apontam para uma perspectiva que visa compreender a produção das desigualdades sociais tomando como ponto de partida diferenças que são social, cultural e historicamente construídas (Melo et al., 2020). atravessam suas experiências e determinam, em complexas relações históricas, políticas, sociais e culturais, lugares de existência, possibilidades de operacionalização da vida e composição dos fazeres.

Os marcadores de gênero e sexualidade — num atravessamento com outros marcadores sociais da diferença — têm determinado lugares específicos nas dinâmicas sociais na medida em que localizam vivências que não se constituem dentro de moldes e normativas sociais. Nesse sentido, as margens passam a ser lugares comuns para alguns grupos, tais como as pessoas trans.

As invisibilidades, negações e marginalizações resultantes dos discursos hegemônicos, no interior dos sistemas normativos, produzem sujeitos cujas experiências de resistência passam não somente pela construção de seus corpos e identidades, mas também pelas lutas permanentes em decorrência do lugar de anormais que ocupam. Essas histórias fora da norma produzem resistências e enfrentamentos nos cotidianos e nos percursos, que são individuais embora repercutam coletivamente.

Portanto, o objetivo deste estudo é compreender como pessoas trans constroem estratégias de enfrentamento às condições de marginalização que lhes são impostas no nível das práticas cotidianas ao longo de suas histórias de vida. Interessa-nos conhecer como esses cotidianos são reelaborados, como projetos de vida e fazeres são formulados e realizados, e, sobretudo, como é possível pensar estratégias que se imponham a essas invisibilidades e marginalizações, à negação de direitos e ao acesso à cidadania.

Para tanto, aciona-se o conceito de modos de vida como trazido pela socióloga Guerra (1993)Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. , tomando-se três eixos estruturantes: o sistema e os atores sociais; o cotidiano e a história; o objetivo e o subjetivo na percepção do real.

É importante compreender que, ao pautarmos a ideia de modos de vida como lente analítica, buscamos informar a terapeutas ocupacionais sobre processos que envolvem a construção de lugares sociais e dinâmicas para operacionalizar a vida a partir da forma pela qual esses mesmos lugares são assimilados e/ou resistidos.

Modos de vida

Pontuar a dinamização da vida social é um dos elementos centrais para compreender como determinados segmentos populacionais se organizam e operacionalizam suas vidas. Trabalho, educação, lazer, acesso a bens e serviços, ou mesmo atividades aparentemente simples, como alimentar-se, socializar, trabalhar, não estão postos de maneira linear nos dados cursos de vida para todos os sujeitos, e algumas variáveis influenciarão diretamente o exercício da cidadania e da vida, passando por especificidades históricas, econômicas, políticas e sociais.

De acordo com Lobo (1992Lobo, E. S. (1992). Caminhos da sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Social, 4(1/2), 7-15.), o estudo da temática dos modos de vida teve suas origens na teoria social, principalmente na sociologia francesa. O modo de vida adquire “estatuto de conceito que propõe um fio condutor para a análise das práticas sociais; a construção simultânea e articulada de relações sociais, das representações e do campo simbólico” (Lobo, 1992, pLobo, E. S. (1992). Caminhos da sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Social, 4(1/2), 7-15.. 13).

Retomando a história do conceito e a compreensão do que foi acionando o seu debate, o constructo modos de vida, de acordo com Braga et al. (2017)Braga, G. B., Fiúza, A. L. C., & Remoaldo, P. C. A. (2017). O conceito de modo de vida: entre traduções, definições e discussões. Sociologias, 19(45), 370-396., foi sendo mobilizado, a princípio, a partir de diferentes perspectivas em estudos marcados pela necessidade de analisar características da passagem das sociedades pré-capitalistas para as sociedades industrializadas.

No pensamento sociológico moderno, contudo, os estudos sobre os modos de vida não ficam restritos às condições da classe operária fabril. Os estudos feministas, bem como os sobre as desigualdades de gênero, por exemplo, também se tornam um campo fértil para se pensar os modos de vida. Nessa vertente, ainda de acordo com Lobo (1992), aLobo, E. S. (1992). Caminhos da sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Social, 4(1/2), 7-15. temática está centrada na articulação entre práticas produtivas e reprodutivas - com ênfase nestas, como o trabalho doméstico na construção dos lugares e tempos sociais, abrindo espaço para a temática nos estudos sobre as famílias, mais especificamente, sobre as trabalhadoras, conforme amplamente discutido por Nabarro (2014)Nabarro, S. A. (2014). Modo de vida e campesinato no capitalismo: contribuições, limites e a construção de um entendimento do campesinato como modo de vida (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. .

Wirth (1938)Wirth, L. (1938). Urbanism as a way of life. American Journal of Sociology, 44(1), 1-24., Rambaud (1969)Rambaud, P. (1969). Société rurale et urbanisation. Paris: Éditions du Seuil., Lefevbre (1970)Lefevbre, H. (1970). La revolution urbaine. Paris: Gallimard. e Lacascade (1981)Lacascade, J. L. (1981). Reemergences actuelles du thème modes de vie. Approches Sociologiques des Modes de vie: débats en cours, (1), 147-204. foram alguns dos autores que se dedicaram a discutir mais profundamente as mudanças nos modos de vida. Isso se configura de maneira mais conceitual nas reflexões propostas por esses autores acerca das sociedades rurais no contexto do avanço da industrialização e consequente urbanização, sendo que o debate sobre o conceito ressurge, com certa força, entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980.

Lobo (1992, pLobo, E. S. (1992). Caminhos da sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Social, 4(1/2), 7-15.. 10) defende que a re-emergência dos modos de vida sintetiza sua importância nos estudos sobre a classe trabalhadora não exclusivamente voltados para práticas político-institucionais ou para as condições e padrões de vida e indicadores sociais, mas enfatizando as práticas cotidianas, as tradições, a diferenciação interna das classes trabalhadoras, suas representações, tanto quanto a internalização subjetiva de suas condições materiais de existência. Assim “as questões colocadas apontam para formas de construção dos modos de vida não como estratégias definidas, mas como hábitos e práticas que permeiam os campos sociais”.

O estudo dos modos de vida é fértil para se compreender práticas de resistência, uma vez que essa concepção aponta para preocupações voltadas aos aspectos microssociais, ou seja, aqueles que buscam explicações a partir da agência dos sujeitos (Lobo, 1992Lobo, E. S. (1992). Caminhos da sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Social, 4(1/2), 7-15.), ao mesmo tempo em que pode ser utilizado para identificar heterogeneidades numa sociedade complexa (Velho & Viveiros de Castro, 1978Velho, G., & Viveiros de Castro, E. (1978). O conceito de cultura e o estudo das sociedades complexas. Artefato, Jornal de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, (1), 4-9. ). Portanto, os modos de vida têm sido construídos e representados sempre numa dimensão coletiva (Monteiro et al., 2019Monteiro, H. L. S., Silva, C. N., & Paula, C. Q. (2019). Modo de vida e territorialidades na comunidade pesqueira de Achada Ponta - Santa Cruz (Cabo Verde). Boletim Gaúcho de Geografia, 45(1/2), 8-27.), cuja formação envolve um conjunto de códigos pelos quais o grupo que os vivencia assegura a sua existência e a sua continuidade.

La Blache (1954)La Blache, V. (1954). Princípios de geografia humana. Lisboa: Cosmos. demonstra que o modo de vida envolve um conjunto de características e traços que singularizam os atores sociais, incluindo técnicas e padrões culturais semelhantes em vários contextos. Nesse sentido, Guerra (1993Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. ), discute que ao analisar os modos de vida:

devem-se levar em conta três dimensões, que geralmente são pouco utilizadas: o sistema e os atores sociais; a história e o cotidiano; e o objetivo e o subjetivo na percepção do real. Essas três dimensões deveriam ser articuladas de modo a combinar a força da estrutura com a possibilidade de ação dos indivíduos, o nível da vida cotidiana articulado com o econômico, o político, o cultural, bem como as redes de poder estabelecidas nas articulações entre as diferentes esferas do social (Guerra, 1993, pGuerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. . 62).

A noção de modos de vida força a articulação e a integração de níveis de análise. A análise da articulação complexa entre os atores sociais e os sistemas resulta no afastamento de uma sociologia das estruturas, situando esses estudos no universo da interação e da interpenetração entre os sistemas e as pessoas. O ator não existe fora do sistema que o define e que define a racionalidade e a liberdade da sua ação; por outro lado, o sistema não existe senão pelo ator, ainda que se assuma que sua lógica de funcionamento não provém diretamente da racionalidade dos atores individuais. É na justaposição dessas duas lógicas que esse eixo de análise está situado.

O sistema — constituído por uma série de relações que envolvem atores sociais, instituições, práticas e discursos em que o fio condutor é o poder (Foucault, 1993Foucault, M. (1993). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.) — constrói códigos e hierarquias sob os quais operam as formas de organização da vida social. Apesar dos modos de vida terem seu debate fundado e desenvolvido à luz do sistema capitalista, outros sistemas, como os de raça, gênero, entre outros, atravessam a dinâmica do social para além dos sistemas de classe, constituindo normas sociais e produzindo atores através da reprodução dessas normas.

Se o sistema e os atores compõem o “cenário”, as “personagens” e as “regras do jogo”, é no cotidiano que essa cadeia de relações se movimenta e que os códigos vão sendo apreendidos, reproduzidos (conscientemente ou não) e enfrentados (ou “apenas” vivenciados).

Discutindo essa segunda dimensão de análise, Guerra (1993Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. ) coloca que os modos de vida se situam no nível da vida cotidiana e são afetados por relações de desigualdade e poder. Para essa autora, se o cotidiano envia para a esfera privada e para as atividades de lazer e práticas de consumo, dificilmente as análises de modos de vida podem desconsiderar a hierarquia das redes de poder articulam as diferentes esferas do social — o econômico, o político, o cultural —: a História. É nessa relação entre o cotidiano dos atores e nas relações sociais estabelecidas pela história que se concentram os esforços analíticos desse eixo para compreensão das práticas sociais. “Trata-se, portanto, não apenas de detectar a complexidade dos níveis e variáveis presentes, mas, sobretudo, as suas hierarquias e influências recíprocas em um mundo em mudança” (Guerra, 1993, pGuerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. . 66).

Nesse sentido, objetividade e subjetividade operam no campo da assimilação dessas vivências frente aos sistemas que as delineiam e ao cotidiano que as tornam concretas, sendo o processo por meio do qual os fatos são traduzidos em consciência e o mundo é munido de forma. A última dimensão, o objetivo e o subjetivo na percepção do real, na perspectiva dos modos de vida, é justificada por Guerra (1993)Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. como o retorno do ator, trazendo para o centro dos debates as racionalidades e os afetos inerentes às práticas cotidianas. A importância dessa dimensão na análise dos modos de vida é evidenciada no fato de que ela reflete:

a) uma tomada de posição efectiva sobre a realidade; b) uma tensão que permite descolar do “real” para a procura do amanhã (a realização do seu próprio desejo); c) conflito potencial entre “práticas” e “representação do mundo” e o mundo em si mesmo para a definição de um “novo mundo”; d) a “energia” disponível para a concretização de outros (ou novos) projetos individuais e colectivos (Guerra, 1993, pGuerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. . 67).

Segundo Leontiev (1978)Leontiev, A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro., para se humanizarem, os sujeitos precisam se apropriar da cultura e dos mediadores culturais criados pela humanidade. Portanto, o ser humano só se humaniza ao apropriar-se do mundo e a constituição da sua subjetividade caminha desse ir e vir do mundo interno para o externo, resultando numa relação dialética entre objetividade e subjetividade.

Experiências trans e questões de gênero

O conceito de gênero dentro de um sistema, utilizado pela primeira vez por Rubin (1986)Rubin, G. (1986). A circulação de mulheres: notas sobre a ‘economia política’ do sexo. Nueva Antropologia, 3(30), 95-145., consolidou-se como uma categoria de análise no Brasil (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99.). Esse conceito rompe significativamente com a noção de que existe um único jeito masculino ou feminino de ser (Goellner, 2005Goellner, S. V. (2005). Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 19(2), 143-151.) e nos apresenta uma série de dinâmicas que permeiam as constituições identitárias dos sujeitos e a sua composição nas camadas do social.

A perspectiva Queer — aporte teórico que subsidia algumas das reflexões propostas ao longo deste texto — realoca o olhar que centraliza a problemática de gênero em concepções biologizantes e binárias, para pensá-lo como eixo de diferenciação social que autoriza formas de desigualdades, evidenciando a necessidade de desenvolver estratégias que problematizem as dinâmicas generificadas e sua repercussão na vida social, tendo em vista a ordem institucional, os direitos e as relações de poder diante de uma sociedade que cria modalidades de cidadania, ou seja, onde o status da cidadania ganha adjetivações que, de fato, retiram-lhe a substância (Bento, 2014Bento, B. (2014). Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Contemporânea, 4(1), 165-182. ).

Essa perspectiva tem como um de seus expoentes a filósofa Judith Butler, que problematiza a noção de sujeito e o toma como ponto de partida para suas reflexões acerca da centralidade da categoria mulher no feminismo.

Questiona-se como teorizações feministas são construídas e se não estariam propondo uma/outra espécie de norma, sendo que essa normalização produziria os mesmos corpos sexuados e generificados. Essa autora considera que esse mecanismo talvez acabe por conferir sentido à categoria de mulheres apenas pela heterossexualidade. Amparada na produção foucaultiana, que coloca a sexualidade como construída discursivamente e constata que ela é um dispositivo histórico do poder, Butler questiona se o sexo tem história, transpondo a problemática da sexualidade em Michel Foucault para a discussão acerca das relações entre sexo, gênero e desejo.

Segundo Foucault (1988), aFoucault, M. (1988). História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal. formação das chamadas identidades sexuais decorre de processos históricos iniciados no século XIX, engendrados naquilo que ele denominou como o “dispositivo da sexualidade”:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder (Foucault, 1988, pFoucault, M. (1988). História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal.. 56).

O que Foucault chama de dispositivo da sexualidade é, portanto, uma rede de saberes-poderes que atua sobre os corpos e as populações, produzindo normatizações e normalizações nos modos de viver, tomando como ponto de partida a heteronormatividade.

É preciso apreender que gênero é constituído e constituinte de redes de poder, marcadas pela estilização repetida do corpo, “um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (Butler, 2003, pButler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.. 59). Tal conceituação alicerça o que Butler chamou de performatividade. Para ela, gênero é o que performamos, um devir, em contraposição ao “ser”, fixo, estável e oposicional. Logo, gênero é ação que dá existência ao que nomeia. Não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero, essa identidade é performativamente constituída.

Essa noção decorre da compreensão daquilo que ela chamou de sistema sexo-gênero-desejo, em que a heteronormatividade se coloca como central na organização linear da coerência entre um aparato biológico, uma identidade de gênero e as práticas sociais e a orientação do desejo. Aos corpos que não seguem essa coerência na conformação de suas identidades e orientações sexuais, é relegado o espaço da abjeção.

Butler (2003)Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. usa a noção de abjetos a todos os corpos excluídos do discurso hegemônico. Assim, o abjeto não é simplesmente o que ameaça a saúde coletiva ou a visão de pureza que delineia o social, mas, antes, o que perturba a identidade, o sistema, a ordem (Miskolci, 2015Miskolci, R. (2015). Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica Editora.), e, para efeito de biopolítica, fica relegado ao não reconhecimento nas esferas da cidadania e, muitas vezes, do humano.

É daqui que refletimos sobre os modos de vida nas experiências trans. Falar dessas experiências nos convida a pensar sobre o lugar do corpo nas práticas sociais, sobre como os códigos a ele implicados operam no lugar social dos indivíduos que carregam neles as marcas da diferença e, principalmente, sobre como essa diferença produz desigualdades sociais. Nesse sentido, toma-se o corpo trans como uma produção sócio-histórica, cultural e política, em construção permanente e maleável.

As práticas que envolvem a transformação dos corpos de pessoas trans, as relações familiares e com o mercado de trabalho, os espaços de circulação, inserção e permanência - como no caso da educação formal, as formas de sociabilidade e as diversas formas de violência vivenciadas por esses sujeitos trazem à cena mais do que a necessidade de compreender a maneira pela qual as dissidências de gênero interferem na dimensão prática da vida, ou a evidência da necessidade de ampliação de acesso a direitos, elas nos informam sobre outros modos de viver, fora dos marcos normativos, exigindo a elaboração e reelaboração constante de estratégias de enfrentamento.

Método

Os dados apreendidos para a elaboração das análises que se seguem tomaram a história oral de vida e algumas técnicas de observação etnográfica como estratégias metodológicas. Essa elaboração foi categorizada pelos três eixos propostos por Guerra (1993)Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. : o sistema e os atores sociais; o cotidiano e a história; o objetivo e o subjetivo na percepção do real.

Os objetivos da pesquisa da qual decorre este texto justificam as escolhas metodológicas feitas, uma vez que a história oral de vida permite acessar um conjunto da experiência de vida de uma pessoa, que encadeia sua história, segundo a sua vontade, sendo soberana para revelar ou ocultar casos, situações e pessoas (Meihy, 1996Meihy, J. C. S. B. (1996). (Re)introduzindo a história oral no brasil. In Anais do 1º Encontro Regional de História Oral. São Paulo: FFLCH/Xamã. ). O depoente é considerado o sujeito primordial, tem a liberdade para dissertar sobre a sua experiência pessoal e participa em todo o processo.

A história oral é um instrumento privilegiado por recuperar memórias e resgatar experiências de histórias vividas, trabalhando com o testemunho oral de indivíduos ligados por traços comuns. Como consequência, a história oral produz fontes de consulta para estudos que podem ser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais e momentos à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram (Cappelle et al., 2010Cappelle, M. C. A., Borges, C. L. P., & Miranda, A. R. A. (2010). Um exemplo do uso da história oral como técnica complementar de pesquisa em Administração. InAnais VI Encontro de Estudos Organizacionaisda Anpad - EnEO, 2010. Rio de Janeiro: Anpad. ).

O método possibilita o acesso à forma pela qual os/as interlocutores/as de pesquisas enxergam suas experiências no tempo; através da narrativa de uma história de vida, delineiam-se as relações com os membros de seu grupo, sua profissão, sua camada social, da sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar (Lang, 1996Lang, A. B. S. (1996). História oral: Muitas dúvidas, poucas certezas e uma proposta. In J. C. S. Meihy (Org.), (Re)Introduzindo a história oral no Brasil (pp. 35-61). São Paulo: Xamã.). Ao mesmo tempo, tendo em vista os objetivos da pesquisa e os propósitos da história oral, elencou-se ainda a observação, técnica oriunda do método etnográfico, como ferramenta para apreensão de dados.

Assim, a apreensão dos dados passou pela gravação das entrevistas, transcrição, transcriação (Caldas, 1999Caldas, F. L. (1999). A cidade dos excluídos: um projeto em história oral. Caderno de Criação, 6(20), 1-15.) e composição textual junto aos/às interlocutores/as, além da sistematização dos diários de campo referentes à observação. Os dados apresentados foram acessados e construídos entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, de maneira mais sistemática, mas o contato com os/as interlocutores/as se estendeu até 2021.

A escolha dos/as interlocutores/as se deu pela inserção no campo e as dinâmicas dispostas por ele, em consonância com os objetivos e métodos da pesquisa. Foram escolhidos/as cinco interlocutores/as, todos/as residentes do estado de São Paulo, com idades entre 19 e 36 anos, conforme disposto na Tabela 1 a seguir, que sintetiza informações que serão retomadas adiante, articuladas a menções trazidas nos relatos que fizeram de suas histórias de vida2 2 As histórias narradas podem ser acessadas integralmente no capítulo “As Histórias” da tese “Entre rupturas e permanências: modos de vida e estratégias de enfrentamento à vida nas margens no cotidiano de pessoas trans”, da qual decorre este artigo (Melo, 2020). .

Tabela 1
Características dos/as interlocutores/as.

A pesquisa teve como parâmetros os pressupostos éticos sugeridos por Cappelle et al. (2010)Cappelle, M. C. A., Borges, C. L. P., & Miranda, A. R. A. (2010). Um exemplo do uso da história oral como técnica complementar de pesquisa em Administração. InAnais VI Encontro de Estudos Organizacionaisda Anpad - EnEO, 2010. Rio de Janeiro: Anpad. , ao afirmarem que a produção e o tratamento dos dados devem ser seguidos da revisão e aprovação dos/as interlocutores/as. De acordo com esses autores, também deve-se preservar suas identidades, o que foi igualmente seguido na construção deste texto.

Resultados - Sintetizando as Histórias

Bianca nasceu numa família das classes populares, sendo a terceira de quatro irmãos. Carrega marcas de uma infância com experiências excludentes nos espaços escolares e de uma transição sem aceitação familiar, com exceção de um irmão. Os infindos embates com os pais resultaram na sua expulsão do espaço doméstico, fazendo com que a maior parte de sua transição de gênero fosse realizada nos espaços de prostituição.

Ela abandonou a escola ainda no ensino fundamental, tendo concluído o ensino médio anos mais tarde por meio de um programa público de (re)inserção no mercado de trabalho, na cidade de São Paulo (2012-2017).

Os espaços de prostituição contribuíram não somente como alternativa laboral, como com a composição de uma rede de sociabilidade e aprendizados acerca das transformações corporais. Foi por meio das relações ali construídas que Bianca conheceu o movimento social institucionalizado, lócus onde foi se reconhecendo enquanto sujeito de direitos, por meio de um aparato de luta por reconhecimento, e onde constrói boa parte de suas práticas significativas cotidianas.

Marcela é casada com Paulo e é contadora na sede de um plano de saúde. Formada em ciências contábeis (em universidade pública) e ciências econômicas (em universidade privada), ela fala duas línguas além do português.

Filha de médica e advogado, viveu boa parte de sua adolescência como um homem homossexual com traços femininos expressivos. Ao se aproximar cada vez mais dessa feminilidade, em meio a um processo psicoterapêutico, passou a reconhecer-se como uma mulher transexual.

Sua experiência escolar foi difícil, entretanto, protegida, especialmente pelos pais, que a mantiveram em escolas consideradas conceituadas.

Residente de um bairro nobre na cidade de São Paulo, tem sua circulação nos espaços urbanos negociadas, protegidas e, muitas vezes, acompanhada pelo marido.

Talita se identifica como uma mulher transexual, mas, dependendo da situação, também se apresenta como travesti. É natural de Cabedelo, na Paraíba, e mora com a mãe e os irmãos mais novos na periferia de uma cidade do interior paulista desde a morte do pai.

A mãe de Talita é empregada doméstica e conta com sua contribuição para pagar as contas de casa.

Estudou até o ensino médio. Chegou a trabalhar numa mercearia; porém, em decorrência das cobranças em torno da ausência de uma masculinidade nos moldes hegemônicos, não permaneceu.

Passa boa parte do tempo na casa de amigas que fez nos espaços de prostituição, espaços onde vivenciou inúmeras situações de violência, especialmente por parte de clientes.

Dan viveu 30 anos como lésbica masculina. Durante a infância, teve uma longa experiência na igreja evangélica frequentada por sua mãe, onde desenvolvia a função de liderança da “célula”. Foi destituído dessa função ao ser descoberto em seu envolvimento intimo com a filha de um pastor. Como “castigo”, seus pais lhe conseguiram um emprego no comércio, o que resultou na possibilidade de renda concreta e, com isso, na condição de acessar espaços onde suas vivências em torno da orientação sexual eram tidas como legítimas. Com a liberdade de viver fora dos olhares vigilantes, rompeu definitivamente com a igreja.

Cursou filosofia numa universidade pública num campus longe da cidade onde sua família morava, entrando em contato com o movimento estudantil, discussões e coletivos diversos.

Fez mestrado na mesma universidade. Foi aprovado num concurso para professor da rede municipal de ensino e, durante o doutorado, morou na Europa, onde teve suas primeiras vivências de construção identitária como homem trans.

Atua fortemente nos espaços oficiais de militância na cidade onde mora, na interação em espaços de decisões políticas, além de realizar palestras e debates em eventos acadêmicos.

Tiago é professor de geografia e se identifica como homem trans.

É filho único de um casal de microempresários e teve uma infância marcada pela forte imposição de uma feminilidade.

Conheceu Alana, sua namorada, nos espaços acadêmicos quando ainda se apresentava como mulher lésbica, e ela foi e é seu principal apoio no que diz respeito às (re)construções identitárias e também à sua inserção em coletivos acadêmicos que se dedicam ao debate e às lutas em torno das questões de gênero.

A relação de conflito com seus pais em decorrência da sua identidade de gênero foi, durante muito tempo, uma das questões centrais de sua vida, com relação à qual respondia com isolamento e introversão.

Compõe diversos debates no meio acadêmico acerca da desconstrução de gênero; todavia, administra uma pequena visibilidade nos demais espaços de circulação.

Discussão

Como previamente mencionado, as análises foram divididas em três categorias de acordo com as variáveis dos modos de vida, como proposto por Guerra (1993)Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. : 1) O sistema e os atores sociais; 2) O cotidiano e a história; 3) O objetivo e o subjetivo na percepção do real.

Essas variáveis não são dissociadas umas das outras e só fazem sentido, conceitualmente, se articuladas entre si, considerando as macro e micro dimensões da vida social. A opção pela segmentação dessas variáveis ocorreu unicamente visando a análise dos dados.

O sistema e os atores sociais

Um dia eu saí com a minha mãe, eu nem me lembro pra onde fomos... Acho que comprar alguma coisa... Eu tinha uns 7 ou 8 anos. (...) tinha uma menina com uma boneca que eu achava linda, já tinha visto na televisão, mas nunca tinha visto tão de perto, e eu me aproximei dela e começamos a brincar... Ela não tava incomodada, sabe, mas o pai dela veio que nem o louco, arrancou a boneca da minha mão com uma cara bem feia, e tirou a menina de perto de mim. Eu fiquei envergonhada demais, mas a pior parte foi quando a minha mãe me olhou, e começou a brigar comigo, dizendo que eu tinha que querer brincar de outras coisas, me bateu... (Bianca, 24/06/2018).

Bianca, assim como todos/as os/as demais interlocutores/as, narra situações vivenciadas na infância em que aspectos ligados às expectativas sociais acerca da construção das identidades generificadas foram marcadas pelo que Lorena (2018)Lorena, J. P. (2018). Infâncias Queer nos entrelugares de um currículo: a invenção de modos de vida transviados (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. chama de postura transitória e desviada em relação às imposições do sistema sexo-gênero-desejo. Se o sistema sexo-gênero-desejo mobiliza suas engrenagens ao longo de diversos momentos do curso de vida dos sujeitos, é na infância que ele opera de maneira mais estruturante, considerando-se as instituições sociais que os tutelam e assumem o controle e o policiamento da norma (César, 2008César, M. R. A. (2008). A invenção da adolescência no discurso psicopedagógico. São Paulo: Editora UNESP.). Lorena (2018)Lorena, J. P. (2018). Infâncias Queer nos entrelugares de um currículo: a invenção de modos de vida transviados (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. pontua, ainda, que as infâncias trans — que em uma atitude de recusa às masculinidades e feminilidades que lhe são impostas como naturais e únicas passíveis de reconhecimento — constroem outros modos de viver, lidos socialmente como desviantes e minoritários.

Nossos/as interlocutores/as narraram experiências nas quais o sistema sexo-gênero-desejo, no atravessamento com outros marcadores sociais da diferença, opera no sentido de construir sujeitos a partir de normativas que determinam comportamentos aceitáveis, escolhas esperadas, condutas, gostos/afinidades previamente determinadas e todo um repertório que envolve os modos de viver nos espaços públicos e privados e, consequentemente, as formas pelas quais os sujeitos elaboram seus enfrentamentos.

É por meio das tecnologias de gênero (Moutinho, 2014Moutinho, L. (2014). Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes. Cadernos Pagu, (42), 201-248.) que se impõem as proposições e normativas do sistema sexo-gênero-desejo, acionadas através dos atores e instituições sociais que atravessam as mais diversas práticas e espaços acessados e apreendidas pelos sujeitos no âmbito do cotidiano, exigindo que eles elaborem estratégias de existência em meio ao contexto que os permeia.

Ao demonstrar interesse por um brinquedo que, de acordo com os pressupostos da heteronormatividade, deveria ser utilizado apenas nas práticas de sociabilidade de meninas, Bianca acaba por desafiar o pai da menina com quem estava dividindo o brinquedo, que a interpela e constrange autorizado pelo discurso implicitamente naturalizado de que “boneca não é coisa de menino”, tornando ilegítimo seu interesse por ela.

O brinquedo, nesse contexto, é um elemento-chave de uma complexa rede de pressuposições estruturantes de expectativas não somente da mãe de Bianca, que também a reprime, mas do pai da menina, de modo a ser compreendida como uma sofisticada tecnologia de gênero3 3 Ver mais e na íntegra em Lauretis (1989). que opera no interior do sistema sexo-gênero-desejo, na medida em que constrói práticas e discursos, e que “acabam por antecipar o efeito que se supunha causa” (Bento, 2011, pBento, B. (2011). Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos Feministas, 19(2), 549-559.. 549), de maneira que seus usos são anteriores ao próprio sujeito (Lauretis, 1994Lauretis, T. (1994). A tecnologia do gênero. In H. B. Hollanda (Org.), Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura (pp. 206-242). Rio de Janeiro: Rocco.).

A ilegitimidade do uso da boneca por Bianca autoriza o pai da menina a tratá-la de maneira hostil e é também o elemento reforçador da resposta dada por sua mãe. Na sequência, Bianca comenta:

Se até a minha mãe me bateu por causa disso, o que eu ia esperar das pessoas na rua? Foi assim a vida inteira. (Bianca).

demonstrando a ausência de um lugar protegido mediante a violência sofrida, exigindo dela, desde cedo, uma posição de enfrentamento, ainda que não houvesse a compreensão da situação como uma violência de fato.

O pai da menina opera, portanto, a partir de um lugar de vigilância das expressões de gênero de Bianca, lugar que também tende a ser ocupado por vizinhos, parentes, amigos e outros sujeitos que compõem o cotidiano dessas pessoas.

Os brinquedos se constituem como um potente formador de subjetividades, operando na direção da regulação de identidades de gênero. A escola, tal como outras instituições, igualmente se colocam como elementos que sustentam a engrenagem desse sistema.

Enquanto Bianca, que foi lida como menino feminino, negro e pobre, tornou-se alvo de questionamentos e violências por parte não somente do pai da menina dona da boneca, mas também de sua mãe ao reforçar a repressão dele, Marcela foi lida como menino feminino, branco e de classe média e que, portanto, acessou espaços com uma estrutura que dispõe de dinâmicas que a fizeram sentir-se protegida e menos exposta às situações de violência (o que não significa que essas estruturas a tenham de fato protegido).

Uma vez, numa briga com os meninos da minha sala, uma colega veio me defender, dizendo ‘A tia disse que ela é doentinha’. Alguns meninos pararam, outros continuaram... (Marcela).

Essa recordação compartilhada nos ajuda a apreender como Marcela era lida e construída pela professora para seus colegas de classe e, para tanto, acionamos a proposição de Carvalho (2011)Carvalho, M. F. L. (2011). Que mulher é essa? Identidade, política e saúde no movimento de travestis e transexuais (Dissertação de mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. quando afirma que olhar a partir dos marcos patologizantes retira a carga moral sobre as transgressões do sistema sexo-gênero-desejo; no entanto,

isso depende da classe social dos sujeitos envolvidos, principalmente daqueles que podem passar a compreender tais fenômenos como aceitáveis dentro das possibilidades de existência, de forma que a classe social tende a ser um elemento importante na aquisição de possíveis leituras menos marginalizadoras acerca das experiências desviantes, apesar de poderem trazer a dimensão patologizante, por exemplo (Carvalho, 2011, pCarvalho, M. F. L. (2011). Que mulher é essa? Identidade, política e saúde no movimento de travestis e transexuais (Dissertação de mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. . 90).

Se por um lado a escola vai se impondo nessa cena como um lugar regulatório das normas, essa leitura possibilitava que algumas crianças não mais importunassem Marcela, e ainda “a defendessem” (como no caso da menina da situação mencionada acima), visto que, tomando-se o pressuposto patologizante, já não se tratava de um desvio de ordem moral, colocando sua experiência no campo da inteligibilidade ao tratá-la como um menino doente, uma vez que desestabilizava as concepções normativas construídas por meio do aparato do sistema sexo-gênero-desejo.

Eu não ligava não... Pelo menos assim algumas crianças não me infernizavam... Algumas... (risos). (Marcela).

A mobilização desse discurso acaba relegando um lugar mais protegido no campo das relações escolares na experiência de Marcela, o que não se percebe no repertório de possibilidades de proteção na experiência de Bianca.

A igreja evangélica foi a instituição que se destacou em boa parte das vivências de sociabilidades e construção de significados na experiência de Dan. Dan descobriu sua homossexualidade no início da adolescência, sendo que a imposição da heteronormatividade tornou-se evidente quando ele se envolveu com a filha do pastor.

Tomando essa instituição, assim como a escola nas experiências de Marcela e Bianca, como potencial reguladora dos códigos morais que visam à manutenção do sistema sexo-gênero-desejo, o discurso acerca da família tradicional tem um papel decisivo, especialmente a partir daquilo que se convencionou chamar de fundamentalismo cristão. Para interditar e normalizar sexualidades, o discurso religioso fundamentalista precisa se articular estrategicamente a outros discursos, estender seus domínios na instituição familiar, na medida em que funda um padrão de família permeado por um determinado sistema de valores.

As igrejas, como instância de vigilância e lócus enunciativo, nesse contexto, tornam-se o campo discursivo de ação no que diz respeito ao confronto de moralidades em relação aos gêneros e às sexualidades; na experiência de Dan, foi espaço de diversas violências. No âmbito da vida prática, essas violências resultaram na perda de um importante espaço de sociabilidade e de um lugar de liderança e, portanto, da participação em atividades significativas, na deslegitimação da expressão do seu desejo afetivo e sexual, na vergonha da mãe, na culpa, no conflito entre aquilo que Dan sentia e aquilo que lhe era cobrado, entre outras perdas. A expulsão da igreja e o subsequente emprego que lhe foi conseguido como um castigo, tornaram-se sua “carta de alforria”. Ele buscou constituir novas práticas de sociabilidade ao mesmo tempo em que se dispunha a conhecer aquele universo que foi atribuído à sua transgressão: baladas, festas, bebidas e circuitos de “pegação”, enfrentando as práticas excludentes com a construção de novas sociabilidades, espaços de circulação e de um novo repertório na multiplicidade de experiências tomadas como positivas em torno daquilo que lhe era negativado pelos códigos morais da igreja que frequentava. Dan aponta a educação (nessa experiência, localizada com sua entrada em um cursinho pré-vestibular e posterior aprovação em um curso de graduação localizado em um campus fora de sua cidade natal) como elemento de rompimento com os pressupostos daquilo que o fazia compreender-se como diferente e, logo, inadequado.

É importante destacar que o enfrentamento produzido pelos/as interlocutores/as desta pesquisa não se dirige especificamente ao sistema que produz a violência sofrida, mas às suas consequências, criando ferramentas de resistência para compor corpos e experiências de masculinidade e feminilidade, em contraposição às identidades de gênero previamente estabelecidas pelo aparato biológico.

O cotidiano e a história

Uma situação vivenciada no campo desta pesquisa, que envolvia o atraso para um dos encontros para a entrevista em decorrência da mudança de rota e a necessidade de acompanhar Bianca para chegar até o lugar combinado, surge como mote para pensar as questões referentes ao cotidiano de negociações de pessoas trans para circulação no espaço público. Essa situação denunciava um dos aspectos mais relevantes do cotidiano de travestis e mulheres trans que se prostituem: a violência e a sua naturalização por parte da sociedade em geral (Peres, 2005Peres, W. (2005). Subjetividade das travestis brasileiras: da vulnerabilidade da estigmatização à construção da cidadania (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ).

É no cotidiano que a experiência da abjeção é vivida de maneira concreta, resultando em práticas de violência de diferentes níveis (Pelucio, 2007Pelucio, L. (2007). Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo preventivo de AIDS (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ), de modo que é no interior do cotidiano que as ideias, valores, concepções e criações são apreendidas (Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25.), compondo o tecido social que possibilita as diferentes formas de desenvolver práticas e conduzir as dinâmicas da vida.

Silva et al. (2016)Silva, G. W. S., Souza, E. F. L., Sena, R. C. F., Moura, I. B. L., Sobreira, M. V. S., & Miranda, F. A. N. (2016). Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste brasileiro. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(2), 1-7. apontam a violência cotidiana enfrentada por travestis e mulheres trans que se prostituem como naturalizada no imaginário social; Pelucio (2007, pPelucio, L. (2007). Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo preventivo de AIDS (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. . 79) afirma que “as situações de violência podem vir tanto dos clientes, como da polícia e, não raro, de pessoas de seu grupo de convivência”, ao pontuar o recorte específico de pessoas trans que se prostituem, grupo do qual Bianca faz parte. Fora dos circuitos de prostituição, isso se confirma através dos dados sobre a violência que esse público enfrenta no Brasil (Carrara & Vianna, 2004Carrara, S., & Vianna, A. (2004). As vítimas do desejo: Os tribunais cariocas e a homossexualidade nos anos 1980. In A. Piscitelli, M. F. Gregori & S. Carrara (Orgs.), Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras (pp. 365-383). Rio de Janeiro: Garamond Universitária.): 10% dos sujeitos entrevistados sentem ódio e aversão por pessoas trans, sendo maior a parcela confessada por homens.

Nesse contexto, medo, necessidade de proteção e sobrevivência são palavras frequentes nas narrativas acerca dos cotidianos de todos/as os/as interlocutores/as deste estudo. Quando Bianca precisa esperar por uma amiga para ir a um compromisso por “medo de ser espancada novamente”, associa-se esse fato a inúmeras variáveis, entre elas, o horário que estava saindo de casa e o espaço que acessaria. Assim, deparamo-nos com elementos para pontuar a violência como ponto de partida para a reelaboração das estratégias de mobilidade, acionando duas categorias que nos ajudam a pensar os cotidianos e a construção de estratégias frente a essas experiências: o deslocamento espacial e os horários de circulação.

Esse deslocamento espacial não é aquele debatido por Osborne (2004)Osborne, R. (2004). Trabajador@s del sexo Derechos, migraciones y tráfico en el siglo XXI. Barcelona: Bellaterra., Emakunde (2001)Emakunde. (2001). La prostitución ejercida por mujeres en la C.A.E. Vitoria-Gasteiz: Gráficas Santamaria., Pelucio (2007)Pelucio, L. (2007). Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo preventivo de AIDS (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. e Askabide (2006)Askabide, A. (2006). Violéncia de género y prostitución: la violência de género contra el colectivo de mujeres que ejercen la prostitución. Bilbao: Ediciones Mensajero., que se refere à rotatividade, diretamente ligada à prostituição enquanto atividade laboral, nem aquele debatido por Piscitelli (2009)Piscitelli, A. (2009). Tránsitos: circulación de brasileñas en el ámbito de la transnacionalización de los mercados sexual y matrimonial. Horizontes Antropológicos, (31), 101-136. e Mayorga (2011)Mayorga, C. (2011). Cruzando fronteiras: prostituição e imigração. Cadernos Pagu, (37), 323-355. quando discutem sobre questões relativas ao trânsito, à circulação e à imigração de mulheres para prostituição, tomando a categoria deslocamento, dentre outras leituras, como uma estratégia de acesso à oportunidades econômicas e sociais em outros lugares que não os de origem (Rodrigues, 2016Rodrigues, A. R. (2016). “A gente não tem parada”: Deslocamentos, apropriações e sociabilidades na prostituição travesti. In Anais da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia. João Pessoa: RBA. ). O deslocamento espacial, aqui, diz respeito às possibilidades de mobilidade na cidade para além das atividades de prostituição, enquanto elemento integrante de um conjunto de práticas que envolvem a manutenção da vida, que setorna ponto central nas narrativas sobre cotidianos das pessoas trans que foram nossas interlocutoras, especialmente as de baixa renda.

A negociação dos deslocamentos se relaciona diretamente com as demarcações dos espaços urbanos nas dinâmicas intrínsecas da cidade que, nesse contexto, surge como um cenário cheio de antagonismos e conflitos, onde as pessoas se deslocam em suas superfícies lotadas de conteúdos culturais que, por sua vez, oferecem sentidos e normas que funcionam como substrato para as interações. Essas interações são mediadas pelas relações de poder que, nesse âmbito, expressam-se por meio da heteronormatividade (Pelucio, 2007Pelucio, L. (2007). Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo preventivo de AIDS (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ), mas não somente. Na experiência de Talita, acessar o espaço público durante o dia implica diretamente encarar alguns constrangimentos:

(...) eu pego ônibus pra onde eu tiver que ir. Eu tenho mais medo de pegar Uber do que de pegar ônibus, já sofri preconceito de um motorista, e fiquei morrendo de medo de ele fazer uma graça comigo, (...). Quando você tem dinheiro, você também pode comprar umas roupas mais bonitas, arrumar o cabelo, aí as pessoas veem e falam: é trava, mas é limpinha. (...). Mas aí se você é pobre, a história é outra: banco, fila, lugar que vai o povão... O povão é mais mal educado que o povo estudado... Eles te excluem também, mas é de outro jeito. (Talita, 29/05/2018).

Ter acesso a alguns recursos, especialmente os materiais, oferece ferramentas para que as situações de preconceito sejam enfrentadas, sem perder de vista que, conforme Oliveira (2019)Oliveira, J. F. Z. C. (2019). “E travesti trabalha?”: divisão sexual do trabalho e messianismo patronal (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. , ‘passar por’ é um resultado da interação, da contextualidade e, especialmente, de quem faz parte das relações e situações contingentes que envolvem os interlocutores. Dito de outra forma, Talita, que possui poucos recursos financeiros, baixo grau de escolaridade e pouco amparo das políticas sociais, conta com poucas ferramentas para enfrentar as poucas possibilidades de mobilidade espacial.

É comum que se relacione a realidade social das travestis à pobreza, ao tráfico e às favelas (Carrara & Vianna, 2004Carrara, S., & Vianna, A. (2004). As vítimas do desejo: Os tribunais cariocas e a homossexualidade nos anos 1980. In A. Piscitelli, M. F. Gregori & S. Carrara (Orgs.), Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras (pp. 365-383). Rio de Janeiro: Garamond Universitária.). Assim como é possível sugerir que entre as travestis há “predominância de negros e pardos, indicativo de seu pertencimento aos extratos mais pobres da sociedade brasileira” (p. 235). É preciso que se estabeleçam essas relações para considerar os níveis de exclusão social, econômica e cultural a que estão submetidas as travestis, visto que muito do que se considera parte do projeto travesti pode ser pensado “em termos de padrões socioeconômicos mais abrangentes de desigualdade” (Kulíck, 1998, pKulíck, D. (1998). Travesti: sex, gender and culture among brazilian transgendere. Prostitutes. Chicago: University of Chicago Press.. 61). Esse quadro sugere que a realidade social onde é produzida a identidade travesti e a sua própria reprodução enquanto identidade coletiva é fruto, entre outras coisas, das condições materiais de vida e da sua inserção numa classe social específica. Não estamos dizendo que a identidade travesti é generalizadamente um produto da pobreza, ou que a pobreza define essa identidade de gênero. Mas é possível dizer que entre todas as determinações que refletem na construção das identidades culturais dos sujeitos, a classe social — e, portanto, o contexto socioeconômico — é também central (Ferreira, 2014Ferreira, G. G. (2014). Travestis e prisões: A experiência social e a materialidade do sexo e do gênero sob o luso-fusco do cárcere (Dissertação de mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ). Essa centralidade marca, entre outras, uma ferramenta importante para as possibilidades de enfrentamento no cotidiano: a passabilidade4 4 Termo êmico utilizado para expressar a capacidade de “passar por” uma dada identidade de gênero correspondente àquela atribuída pelo sexo biológico. Sugere-se ver mais em Duque (2017). .

Relacionando a passabilidade com a classe, nas estratégias de mobilidade, a história de Marcela, que diferentemente de Talita, classifica-se como mulher transexual, branca e de classe média, oferece-nos outras experiências para apreender os recursos disponíveis para seu enfrentamento.

Marcela dispõe de recursos financeiros que lhe permitem construir-se numa estética que minimiza o impacto das negativas em torno das práticas de circulação. Entre bolsas de marca, cabelos arrumados, unhas e sobrancelhas bem feitas e um rico vocabulário, Marcela garante condições de circulação em espaços “onde as pessoas são mais bem instruídas”.

O capital cultural e econômico de Marcela delineia práticas e espaços de circulação mais protegidos. Isso não implica dizer que Marcela só circula em ambientes onde sua identidade de gênero é respeitada, dado o grau de instrução das pessoas que compõem esses espaços; ela também vai ao banco, ao supermercado e a salões de beleza, mas a escolha desses lugares e a forma como são acessados garantem menor exposição a situações de constrangimento, ainda que ela acione, em determinadas circunstâncias, a presença do marido para facilitar essa circulação.

Tiago não lança mão dessa estratégia para transitar nos espaços públicos. A estratégia que ele utiliza é a reconfiguração desses espaços nas suas dinâmicas cotidianas. A reelaboração dos circuitos acessados e a reconfiguração dos espaços de pertencimento ganham corpo e força em sua história de vida, especialmente após seu processo de transição identitária. Tiago afirma:

Eu não saio muito. Minha vida se resume ao trabalho. (...) Minha sociabilidade hoje é muito restrita. (...) Quando preciso, saio, enfrento a vida, mas perto de como é constituída a minha rotina, essas coisas são pequenas, porque acontecem com muito pouca frequência. (Tiago, 21/11/2017).

A sociabilidade construída pelo pertencimento, via relação com os pares, possibilita que Tiago construa alternativas concretas de enfrentamento; no entanto, um fator importante deve ser pontuado a partir dessa afirmativa: Tiago é um homem trans numa sociedade que toma os lugares produzidos pela masculinidade como mais respeitáveis (Braz, 2019Braz, C. (2019). Vidas que esperam? Itinerários do acesso a serviços de saúde para homens trans no Brasil e na Argentina. Cadernos de Saude Publica, 35(4), 1-13.), o que, somado à apropriação de um vocabulário assertivo sobre direitos, políticas públicas e Estado, fruto de sua formação e trajetória, garantem-lhe certa habilidade em lidar com os trânsitos e relações sociais, quando comparado às experiências de mulheres trans, por exemplo.

O objetivo e o subjetivo na percepção do real

O objetivo e o subjetivo na percepção do real envolve uma tomada de posição efetiva sobre a realidade, considerando os recursos disponíveis em diferentes níveis e a energia para a construção de outros (novos) projetos individuais e coletivos (Guerra, 1993Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. ). A subjetivação ou formas de subjetividade foram discutidas por Foucault (1993)Foucault, M. (1993). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. como uma ontologia histórica do presente que revela como indivíduos se tornam sujeitos de determinadas verdades. Essas discussões tomam como ponto nodal as concepções de verdade e política, bem como as relações estabelecidas entre saber e poder que fundam tensões, como as relacionadas às categorias corpo e gênero, por exemplo. Portanto, a construção da subjetividade de pessoas trans está muito ligada à forma pela qual o sistema sexo-gênero-desejo opera a partir dos pressupostos heteronormativos e dos cotidianos abjetos que produz.

Peres (2005)Peres, W. (2005). Subjetividade das travestis brasileiras: da vulnerabilidade da estigmatização à construção da cidadania (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. diz que para que haja uma mudança no paradigma sobre sexualidades é preciso que ocorra uma mudança social, um remanejamento dos significados, valores e sentidos que são atribuídos às práticas sociais, econômicas, políticas, culturais sexuais e de gêneros, dentro de uma perspectiva coletiva que envolve não somente uma tomada de consciência por parte dos próprios sujeitos que vivenciam os processos de abjeção, como da sociedade de maneira geral.

Se o enfrentamento às condições marcadas por privação nos acessos a espaços e práticas se tornam possíveis na vida desses sujeitos por meio de maneiras de se operacionalizar os cotidianos, é no que tange à forma como essas privações são percebidas que Bianca, por exemplo, integrante ativa do movimento social, constrói ferramentas para essa operacionalização tanto na dimensão concreta da vida, quanto na subjetiva.

Os espaços do movimento social para alguns dos/as nossos/as interlocutores/as foram fundamentais pra que tomassem consciência de sua realidade, como estratégia de enfrentamento a ela. Na história de Bianca, o movimento social se compõe como o lócus onde é possível denunciar o cenário de violência e discriminação no qual ela e outras pessoas trans vivem, em resposta às imposições do sistema sexo-gênero-desejo e às consequentes práticas que ele acaba por não somente anunciar, como produzir.

O sistema te diz que você tem que aceitar esse lugar [da humilhação] e funcionar nessa invisibilidade pra não criar problemas nem pra você nem pra ninguém. Aí vem um espaço desses que o movimento social organiza, marcha, luta... Meus olhos brilharam... (...) ali foi muito marcante pra mim... Foi a vida dizendo: O mundo é injusto e você não tem que aceitar! (Bianca, 24/06/2018).

Talita, diferentemente de Bianca, não conta com espaços de mobilização e articulação política como parte de um repertório de sociabilidade e de composição de práticas sociais. Suas percepções sobre as suas condições de vida se fazem na conjunção de todas as negativas com as quais se depara na operacionalização de determinadas práticas, quando comparadas àquelas de pessoas que vivem seu gênero em concordância com o aparato biológico.

Aí você quer ir num lugar e não pode, você quer um emprego decente e não te aceitam, você quer fazer coisas simples e não pode. Eu acho bem injusto isso! Eu sei que eu sou diferente, e as pessoas não aceitam, mas eu não posso fazer nada a respeito disso isso, e eu tenho direito de ser quem eu sou! (Talita, 03/04/2018)

De acordo com Guerra (1993)Guerra, I. (1993). Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia - Problemas e Práticas, (13), 59-74. , é fundamental lembrar que a racionalidade é negociada porque ela é limitada por duas causas: as que decorrem do conhecimento das situações e dos efeitos não controlados que elas produzem. Esses efeitos são perceptíveis na narrativa de Talita; porém, as limitações e seus supostos limitadores não parecem tão apreendidos como na narrativa de Bianca.

Dan milita de um “lugar intelectual”, como “homem trans acadêmico”, posição dada tanto pelo seu lugar na militância, como pelo de professor doutor, abrindo um vasto leque de possibilidades que autoriza sua fala e a torna mais legítima e acolhida.

A participação nos espaços de educação formal em conjunção com os espaços de militância se coloca como potencial de apreensão da realidade nas experiências de Dan e Tiago.

Dan é acionado para debates em eventos promovidos por espaços de controle e disciplina (Foucault, 1993Foucault, M. (1993). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.), como cursos de Medicina, Direito, Serviço Social e Pedagogia de universidades públicas e privadas e cursos de formação de professores do ensino fundamental e médio, o que localiza seu fazer, nos circuitos de militância, como um enfrentamento às questões de ordem cultural por meio da mediação de reflexão dos profissionais em processos formativos. Ele também participa dos espaços do movimento social organizado, mas, geralmente, falando a partir de uma produção oriunda das experiências acadêmicas, além de fomentar e mediar espaços de acolhimento e reflexão para outros homens trans em processo inicial de transição de gênero.

Considerando a baixa escolaridade de um grande número de pessoas trans, principalmente travestis e mulheres transexuais, apresentar alguém que hoje ocupe um espaço na academia é por si só uma propaganda alternativa de biografias trans (Carvalho, 2015Carvalho, M. F. L. (2015). “Muito prazer, eu existo!”: Visibilidade e reconhecimento no ativismo de pessoas trans no Brasil (Tese de doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ). Dan deseja fazer e faz uso da narrativa de sua história de vida para criar alternativas aos regimes de visibilidade.

Apesar de se julgar um homem tímido, Tiago também mobiliza repertórios parecidos com os de Dan, tanto em termos de crítica, quanto para pontuar circuitos sociais passíveis de serem acessados. Todavia, eles desenvolvem posturas e subjetivam essas experiências de maneira distinta. Embora o nível de percepção da realidade por parte de ambos se componha de maneira semelhante, opera produzindo diferentes efeitos quanto à articulação entre essa percepção e uma dimensão prospectiva. Mesmo com os aportes que detém sobre sua condição no âmbito individual e a relação com a dimensão histórica e social que atravessam sua experiência e, ainda, de tê-la construído por meio das experiências nos espaços coletivos de discussão sobre gênero e sexualidade dentro da universidade, Tiago busca uma certa invisibilidade na hora de gerir esse conhecimento:

Eu gosto de estar nesses espaços de formação política, mas não me vejo como uma figura que tem força pra estar no movimento social organizado. Sou macho, mas antes fui mulher, viu! [risos] (...) eu acho que essas pessoas que dão a cara devem sofrer muito mais... (Tiago, 03/12/2019).

Dan também comenta sobre o mesmo medo, relembrando o quanto o suporte psicoterapêutico foi importante para lidar com os sentimentos resultantes da exposição. Medos como os de Tiago e Dan podem acarretar regimes de (in)visibilidade e impactar diretamente as suas buscas por reconhecimento.

No espaços de reivindicação política, a visibilidade sugere um processo no qual determinados atores são tidos como sujeitos de direito e, como discutido por Carvalho (2015)Carvalho, M. F. L. (2015). “Muito prazer, eu existo!”: Visibilidade e reconhecimento no ativismo de pessoas trans no Brasil (Tese de doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. , ao se produzir um regime de visibilidade trans atrelado ao ativismo, constrói-se um sujeito político que serve simultaneamente para combater imagens estigmatizadas de pessoas trans e publicizar a própria existência do ativismo, implicando processos que visam superar a exclusão simbólica do espectro de inteligibilidade do humano.

Tirando a lente da experiência ativista de Tiago, Dan e Bianca e focalizando o contexto macrossocial, é possível refletir sobre como os regimes de visibilidade repercutem — ou sofrem repercussão — e como essas identidades são percebidas e mobilizadas na produção de enfrentamentos e modos de vida. De um lado, experiências como as de Bianca demonstram que as ferramentas para os enfrentamentos se tornam mais possíveis nos espaços coletivos, a partir de proposições de embate às questões resultantes do sistema sexo-gênero-desejo por meio da luta por visibilidade e do reconhecimento do coletivo enquanto sujeitos que demandam acesso à cidadania. Por outro lado, experiências como as de Tiago referem-se a uma militância que não se propõe a dialogar mais diretamente com as agências governamentais e operadores de políticas públicas, mas compõem espaços de construção crítica da realidade. Dan ocupa um lugar híbrido entre esses polos, integrando diversos espaços de debate e articulação política, bem como ações diretas nas ruas.

Se imaginários, projetos e identidades atravessam a percepção de si enquanto sujeito e parte de um dado grupo social nas experiências de Dan, Tiago e Bianca, em experiências como as de Marcela são outros espaços e dinâmicas que dão sentido a essa percepção que baliza a relação entre o objetivo e o subjetivo frente à realidade.

Marcela frequentou esporadicamente o espaço do movimento social organizado da cidade onde mora e, apesar de dizer que gostou bastante das discussões e dos objetivos propostos, não permaneceu. Não obstante, incorporou uma série de termos e expressões oriundos do conhecimento dali trazido ao seu vocabulário. Melo (2016)Melo, K. M. M. (2016). Terapia Ocupacional Social, pessoas trans e Teoria Queer: (re)pensando concepções normativas baseadas no gênero e na sexualidade. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 215-223. afirma que por meio das sociabilidades produzidas nos espaços de militância, sejam eles oficiais ou não, vocabulários de existência são apreendidos e ressignificados para dar sentido às experiências vividas fora das normativas de gênero, apontando que não apenas quem adentra e participa desses espaços ativamente mobiliza esses repertórios, enunciando o crescente alcance do debate.

Marcela vivenciou o movimento estudantil na época de faculdade, quando se identificava como homem gay. Essa identidade, ainda que soasse como transgressora, tinha acolhimento familiar e a colocava em circuitos importantes no âmbito das sociabilidades, gerando sensação de proteção se comparada à identidade hoje construída, de mulher transexual.

Sou muito discreta, eu não gosto dessa coisa de vincularem o fato de eu ser uma mulher transexual à prostituição ou ao barraco, à falta de educação. (Marcela, 20/05/2018).

Marcela constrói sentidos de pertencimento fora dos circuitos entendidos como poluídos, entre familiares e pessoas mais próximas nos contextos de convívio, e não vincula a sua sociabilidade aos espaços frequentados por seus pares. Ela pertence a uma família que investe na ascensão social de seus filhos e detém os recursos para tanto, além de inúmeras possibilidades de acesso a bens e serviços. Isso repercute diretamente na percepção acerca das problemáticas vivenciadas por ela e pelas demais pessoas trans, demarcando lugares de semelhança e diferença e, sobretudo, repercutindo em como ela se posiciona sobre a realidade e aspectos do seu pertencimento identitário.

Para Informar a Ação Terapêutico-Ocupacional

As formulações da terapia ocupacional social no Brasil pontuam a necessidade de conceitos que se reportem ao entendimento das dinâmicas das negociações sociais, à incorporação de conhecimentos socioantropológicos à terapia ocupacional e ao investimento em ações de caráter individual e coletivo para a ação profissional no campo social (Barros et al., 2002Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.; Lopes, 2016Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar.). Nesse âmbito, Lopes (2016)Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar. — a partir dos desdobramentos, na realidade concreta, do que se compreende como necessidades sociais, ações profissionais e o papel dos terapeutas ocupacionais — fundamenta os alicerces da terapia ocupacional social na noção de “cidadania e direitos” numa sociedade estruturalmente desigual, na qual lutas por redistribuição e reconhecimento são essenciais para a participação social dos sujeitos (Fraser, 2003Fraser, N. (2003). A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação. Revista Critica de Ciencias Sociais, 63, 7-20.).

Não há homogeneidade no que diz respeito aos modos de vida trans, se entendermos que eles são atravessados por múltiplos fatores que singularizam a experiência de sujeitos individuais, mas informam sobre os modos de vida de sujeitos coletivos. Entretanto, percebemos, a partir das histórias de vida que são objeto deste estudo, que seus modos de vida são produzidos: (1) a partir da necessidade de enfrentar sistema que empurra esses sujeitos para as margens, presente em boa parte dos contextos nos quais circulam e desenvolvem suas práticas cotidianas, seja nos espaços doméstico e público, nos contextos de trabalho, em esferas da vida privada, por onde busquem ser e estar; (2) na possibilidade de operacionalizar a vida por meio dos cotidianos que são tecidos nessas experiências e que se viabilizam com a construção e consolidação de redes de suporte mais sólidas, que ofereçam apoio e proteção e reconheçam seus corpos e suas identidades como legítimos, produzindo pertencimento; (3) onde o marcador “classe social” se mostra determinante no que diz respeito às possibilidades concretas de acesso a oportunidades no interior dessas experiências; (4) no campo do reconhecimento onde se alocam suas principais alternativas de emancipação, sejam elas via Estado e criação e efetivação de políticas públicas que minimizem o impacto do não reconhecimento social desses corpos, ou via reconhecimento operacionalizado cotidianamente pela percepção da produção de suas vivências e do sistema que as produz; (5) nos espaços onde esse sistema é assimilado, que dada a ausência de debates e políticas públicas que tragam à cena e considerem a vulnerabilidade que ele produz, estão incluídos no movimento social.

Operacionalizar o conceito de “modos de vida” por meio das análises aqui propostas nos oferece elementos para pensar a prática da terapia ocupacional nos contextos em que as iniquidades sociais produzem barreiras na constituição de cotidianos mais democráticos, a exemplo das experiências trans.

Se desde os primeiros debates, no final dos anos 1970, a terapia ocupacional social tem mobilizado diálogos com áreas do saber que contribuam para uma melhor leitura das realidades sociais e para a composição de uma ação técnica que considere os múltiplos aspectos que atravessam as desigualdades sociais, os modos de vida se apresentam como uma importante ferramenta analítica, na medida em que oferecem subsídios para capturar as dificuldades de sujeitos, individuais ou coletivos, para operacionalizar a vida no cotidiano. Isso demanda uma apreensão substantiva dos mecanismos intrínsecos aos sistemas que produzem as dinâmicas do social e dos processos que desenham as subjetividades que orientam e conduzem a ação.

Nesses redimensionamentos teórico-metodológicos e na aproximação com lentes que mediam uma leitura que possibilite a proposição de práticas que vão ao encontro das demandas concretas dos sujeitos, modos de vida, enquanto ferramenta conceitual, podem informar os terapeutas ocupacionais sobre necessidades, contextos, contradições, práticas, assimilações e apartações, mas, sobretudo, sobre caminhos possíveis, considerando os modos pelos quais os sujeitos constroem seus cotidianos e manejam ferramentas e múltiplos meios, para o cuidado que pode ser produzido a partir dessas experiências.

Nesse sentido, falar da ação técnica em terapia ocupacional social requer compreender os mecanismos que constroem os lugares sociais desses sujeitos e a forma pela qual são assimilados, para, assim, suscitar possibilidades de movimentação no tecido social por meio da criação de estratégias para o acesso a direitos básicos, para a articulação de recursos e para a ampliação da vida. Criar alternativas para inserir-se no mercado de trabalho, permanecer nos espaços educacionais formais, circular nos espaços públicos, fortalecer as redes sociais e pessoalmente, entre outras, compõe as sutilezas — por vezes gritantes — da inviabilidade do viver a vida que o terapeuta ocupacional pode encontrar ao se deparar com as marcas das construções identitárias não normativas no exercício da vida social

  • 1
    Os marcadores sociais da diferença apontam para uma perspectiva que visa compreender a produção das desigualdades sociais tomando como ponto de partida diferenças que são social, cultural e historicamente construídas (Melo et al., 2020Melo, K. M. M., Malfitano, A. P. S., & Lopes, R. E. (2020). Os marcadores sociais da diferença: contribuições para a terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 1061-1071.).
  • 2
    As histórias narradas podem ser acessadas integralmente no capítulo “As Histórias” da tese “Entre rupturas e permanências: modos de vida e estratégias de enfrentamento à vida nas margens no cotidiano de pessoas trans”, da qual decorre este artigo (Melo, 2020Melo, K. M. M. (2020). Entre rupturas e permanências: modos de vida e estratégias de enfrentamento à vida nas margens no cotidiano de pessoas trans (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. Recuperado em 7 de dezembro de 2021, de https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/15263
    https://repositorio.ufscar.br/handle/ufs...
    ).
  • 3
    Ver mais e na íntegra em Lauretis (1989)Lauretis, T. (1989).Technologies of gender. Bloomington: Indiana University Press..
  • 4
    Termo êmico utilizado para expressar a capacidade de “passar por” uma dada identidade de gênero correspondente àquela atribuída pelo sexo biológico. Sugere-se ver mais em Duque (2017)Duque, T. (2017). “A gente sempre tem coragem”: identificação, reconhecimento e as experiências de (não) passar por homem e/ou mulher. Cadernos Pagu, (51), e175110.
  • Como citar: Melo, K. M. M., & Lopes, R. E. (2023). Modos de vida, experiências trans e enfrentamentos: considerações para a ação técnica em terapia ocupacional social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31(spe), e3225. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO246532251
  • Fonte de Financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Brasil - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editora Convidada

Profa. Dra. Daniela Tavares Gontijo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Revisado
    31 Mar 2022
  • Revisado
    05 Maio 2022
  • Aceito
    11 Jul 2022
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