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Fatores relacionados ao estilo de vida de pacientes com dor crônica neuropática pós-COVID-19: estudo transversal

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O estilo de vida após uma restrição social causada pela pandemia do COVID-19 apontou a influência sobre quadros de dores crônicas. O objetivo deste estudo foi identificar fatores relacionados ao estilo de vida de pacientes com dor neuropática crônica após infecção de COVID-19.

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo analítico observacional transversal com 62 indivíduos diagnosticados com dor crônica neuropática e vinculados a uma Clínica de Dor. Foram aplicadas fichas com dados sociodemográficos, as quais foram avaliadas por meio da escala de dor Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale (S-LANSS) e do Questionário de Estilo de Vida Fantástico (FLQ), respectivamente, que fornecem uma ampla gama de informações em relação aos comportamentos que caracterizam o estilo de vida.

RESULTADOS:

A amostra foi composta por 62 participantes, com média de idade de 56,2±12,9 anos, predomínio de mulheres (60%), pessoas casadas (64%) e com filhos (80%). A S-LANSS revelou 48 pacientes (77%) com mecanismos neuropáticos no exame de sensibilidade, 80%(n=50) relataram alodinia somente na área dolorida. Quase 80% dos pacientes apresentaram estilo de vida regular (n=48), com os componentes de atividade e nutrição sendo autopercebidos negativamente.

CONCLUSÃO:

No presente estudo, os pacientes com dor crônica neuropática mostraram que o nível de atividade e a presença de álcool comprometeram seu estilo de vida. Estes componentes são aspectos do estilo de vida desses pacientes que devem ser entendidos e validados, a fim de se pensar em estratégias de enfrentamento que possam influenciar novas formas de abordagem e organização de serviços.

DESTAQUE

  • O estilo de vida de pacientes com dor crônica foi alterado pós-COVID.

INTRODUÇÃO

O estilo de vida pode ser compreendido como uma forma cultural e social de viver e corresponde a um conjunto de todas as atividades de vida diária, capazes de favorecer a saúde de forma plena e saudável11 Vargas LM, Redkva PE, Cantorani JR, Gutierrez GL. Estilo de vida e fatores associados em estudantes universitários de educação física. Rev de Atenção à Saúde. 2015;13(44):17-26. DOI: https://doi.org/10.13037/ras.vol13n44.2693.
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A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o estilo de vida como “um conjunto de hábitos e costumes que são influenciados, modificados, encorajados ou inibidos pelo prolongado processo de socialização”. Esses hábitos incluem a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis e de outros fatores de risco para a saúde como inatividade física, dietas inadequadas, tabagismo e consumo exacerbado de bebidas alcoólicas, além do uso de substâncias psicoativas22 Nutbeam D. Health Promotion Glossary. Health Prom Glos. 1998;33(4):349-64.. Durante a pandemia do COVID-19 ocorreu a necessidade de realizar mudanças no estilo de vida da população, que geraram estresse devido à perda de emprego, de familiares, ao aumento de doenças psiquiátricas e ao isolamento social, resultando em um aumento do consumo de álcool, tabaco e de alimentos industrializados, além de um aumento do sedentarismo33 Dermanovic Dobrota V, Hrabac P, Skegro D, Smiljanic R, Dobrota S, Prkacin I, Brkljacic N, Peros K, Tomic M, Lukinovic-Skudar V, Basic Kes V. The impact of neuropathic pain and other comorbidities on the quality of life in patients with diabetes. Health Qual Life Outcomes. 2014;3;12:171..

Em um estudo recente33 Dermanovic Dobrota V, Hrabac P, Skegro D, Smiljanic R, Dobrota S, Prkacin I, Brkljacic N, Peros K, Tomic M, Lukinovic-Skudar V, Basic Kes V. The impact of neuropathic pain and other comorbidities on the quality of life in patients with diabetes. Health Qual Life Outcomes. 2014;3;12:171., pesquisadores acompanharam rotineiramente 50 pacientes que foram expostos ao novo coronavírus, responsável pela pandemia, e que também apresentavam dor crônica neuropática (DCN) causada por lesões periféricas ou centrais. Todos os pacientes que sobreviveram relataram uma piora de sua dor neuropática (DN) por várias semanas ou mais. Estes pesquisadores concluíram que, em futuro próximo, o acompanhamento prospectivo de pacientes com dor crônica (DC) afetados pelo COVID-19 poderá determinar se o risco de exacerbação da dor é distinto em pacientes neuropáticos, comparados com os pacientes sem DN33 Dermanovic Dobrota V, Hrabac P, Skegro D, Smiljanic R, Dobrota S, Prkacin I, Brkljacic N, Peros K, Tomic M, Lukinovic-Skudar V, Basic Kes V. The impact of neuropathic pain and other comorbidities on the quality of life in patients with diabetes. Health Qual Life Outcomes. 2014;3;12:171..

Alguns estudos44 Almeida FC, Castilho A, Cesarino CB, Ribeiro RC, Martins MR. Correlação entre dor neuropática e qualidade de vida. BrJP. 2018;1(4):349-53.,55 Hadi MA, McHugh GA, Closs SJ. Impact of chronic pain on patients’ quality of life: a comparative mixed-methods study. J Patient Exp. 2019;6(2):133-141. revelaram que pacientes com DC infectados com a COVID-19 experimentaram exacerbação de seus sintomas, o que pode ser devido a vários fatores, incluindo ameaças sociais, descontinuação da terapia, redução do acesso a tratamentos e preocupações sobre resultados de saúde. O impacto psicossocial do COVID-19 e do lockdown em pacientes com DC e as consequências em termos de manejo terapêutico foram delineados e alteraram o estilo de vida destes pacientes66 Campos GWS. A reforma sanitária necessária. In: Berlinguer G, Teixeira S F, Campos GWS. Reforma Sanitária: Itália e Brasil. São Paulo: HUCITEC-CEBES; 1988..

De acordo com a literatura a repercussão clínica e comportamental do COVID-19 acarretou mudanças no estilo de vida e afetou a saúde mental dos cidadãos77 Mattioli AV, Pinti M, Farinetti A, Nasi M. Obesity risk during collective quarantine for the COVID-19 epidemic. Obes Med. 2020;20:100263.. Em relação aos estilos de vida, a restrição social levou a uma redução importante nos níveis de atividade física de intensidade moderada a vigorosa, no aumento de tempo de comportamento sedentário e na alteração dos hábitos alimentares77 Mattioli AV, Pinti M, Farinetti A, Nasi M. Obesity risk during collective quarantine for the COVID-19 epidemic. Obes Med. 2020;20:100263.,88 Górnicka M, Drywień ME, Zielinska MA, Hamułka J. Dietary and lifestyle changes during COVID-19 and the subsequent lockdowns among polish adults: a cross-sectional online survey PLifeCOVID-19 study. Nutrients. 2020;12(8):2324..

Portanto, de acordo com os estudos existentes, pode-se dizer que o estilo de vida tem influência significativa na saúde física e mental do ser humano99 WHO [Internet]. Naming the coronavirus disease (COVID-19) and the virus that causes it [acesso em 09 jun 2022]. Disponível em: who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/naming-the-coronavirus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it.
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e, no caso de pacientes com DCN, que frequentemente causa grande sofrimento e incapacidade, avaliá-lo torna-se interessante visto que a gestão terapêutica é um desafo e medicamentos recomendados como tratamentos de primeira linha proporcionam alívio insatisfatório em muitos pacientes1010 Piercy KL, Troiano RP, Ballard RM, Carlson SA, Fulton JE, Galuska DA, George SM, Olson RD. The Physical Activity Guidelines for Americans. JAMA. 2018;320(19):2020-8..

Diante desse contexto este estudo investigou o estilo de vida de pacientes com DCN após terem sido infectados pelo COVID-19.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo analítico, observacional e transversal, que seguiu os critérios da iniciativa Strengthening the Reporting of Observacional studies in Epidemiology (STROBE), com a aplicação de dois instrumentos no momento da entrevista.

Este estudo foi realizado no Ambulatório da Clínica da Dor do Instituto de Câncer do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP (FAMERP), sendo que o período da coleta de dados compreendeu os meses de fevereiro a agosto do ano de 2021.

Participaram do estudo 62 pacientes de uma amostra total de 80 pacientes que realizavam acompanhamento mensal no Ambulatório da Clínica da Dor do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP. A amostra de conveniência foi calculada com erro amostral de 5% e nível de confança de 95%. Os critérios de inclusão foram: possuir diagnóstico de DCN; estar em tratamento no Ambulatório da Clínica da Dor, independente do tempo de tratamento; idade superior a 18 anos, independente do gênero; concordar em participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Excluíram-se pacientes com deficiências cognitivas, comorbidades psiquiátricas, desorientados ou sem condições para verbalização.

Primeiramente, foi utilizada uma ficha de identificação, contendo dados sociodemográficos como: nome do paciente, número de prontuário, idade em anos completos, procedência, escolaridade, estado civil, filhos, situação laboral e profissão. E quando houve necessidade de informações, foram consultados os prontuários eletrônicos.

Para identificar o estilo de vida dos pacientes, foi utilizado o Questionário de Estilo de Vida Fantástico (FLQ)1111 Añez CRR, Reis RS, Petroski EL. Versão brasileira do questionário “Estilo de Vida Fantástico”: tradução e validação para adultos jovens. Arq Bras Cardiol. 2008;91(2):102-9., que consistiu em 25 questões fechadas que exploravam nove domínios: 1) família e amigos; 2) atividade física; 3) nutrição; 4) cigarro e drogas; 5) álcool; 6) sono e estresse; 7) tipo de comportamento; 8) introspecção; 9) trabalho. A codificação das questões foi realizada por pontos, da seguinte maneira: zero para a primeira coluna, 1 para a segunda coluna, 2 para a terceira coluna, 3 para a quarta coluna e 4 para a quinta coluna. As questões que somente possuíam duas alternativas pontuavam com zero para a primeira coluna e 4 pontos para a última coluna. A soma de todos os pontos permitiu chegar a um escore total que classificava os indivíduos em cinco categorias, que eram: “Excelente” (85 a 100 pontos), “Muito bom” (70 a 84 pontos), “Bom” (55 a 69 pontos), “Regular” (35 a 54 pontos) e “Necessita melhorar” (0 a 34 pontos). Era desejável que os indivíduos atingissem a classificação “Bom”; quanto menor o escore, maior a necessidade de mudança no estilo de vida do paciente99 WHO [Internet]. Naming the coronavirus disease (COVID-19) and the virus that causes it [acesso em 09 jun 2022]. Disponível em: who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/naming-the-coronavirus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it.
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Para avaliar a DN, utilizou-se a Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale (LANSS)1212 Bennett MI, Smith BH, Torrance N, Potter J. The S-LANSS score for identifying pain of predominantly neuropathic origin: validation for use in clinical and postal research. J Pain. 2005;6(3):149-58., que é uma avaliação física padrão ouro, muito utilizada em pacientes com dor neuropática e crônica, e tem por objetivo diferenciar casos de dor neuropática e dor não neuropática, baseando-se na análise da descrição do paciente sobre sensibilidade e no exame dos déficits sensitivos. Assim, são considerados cinco grupos de sintomas, dentre os quais se investiga a presença de disestesia, alodinia, dor paroxística, alterações autonômicas e sensação de queimação no local da dor. Como controle para essa avaliação, utilizou-se a área contralateral à área onde a dor é situada. As respostas para o LANNS são binárias e fazem referência à dor sentida na última semana. O escore varia de zero a 24; sendo o valor deste escore igual ou maior que 12, mecanismos neuropáticos estariam implicados com a dor do paciente; caso fosse menor que 12, a neuropatia seria menos provável1313 Villa LF, Cunha AM, Dias LA, Foss MH, Martins MR. Chronic neuropathic pain: quality of life, depressive symptoms and distinction between genders. BrJP. 2021;4(4):301-5.. Foram incluídos participantes que possuíam diagnóstico de DCN, estavam em tratamento na Clínica da Dor, independente do tempo de tratamento, com idade superior a 18 anos, independente do gênero, e que tinham sido contaminados com o COVID-19, com sintomas leves e/ou moderados. O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP (CEP/FAMERP) para apreciação em atenção aos preceitos éticos em pesquisa em seres humanos, aprovado (protocolo nº 015011/2019) com o Parecer nº 3.307.768, em 07 de maio de 2019.

RESULTADOS

Os dados sociodemográficos obtidos por meio da ficha de identificação foram apresentados na tabela 1. A idade dos 62 pacientes variou entre 30 e 85 anos, sendo o sexo feminino (60%) de maior percentual. Todos os pacientes tiveram COVID-19 com sintomas leves e/ou moderados nos anos de 2020/2021. No que diz respeito ao estado civil, 64% (n=40) eram casados e 80% (n=50) tinham filhos. Quanto à escolaridade, o maior percentual de pacientes, 47% (n=29), encontrava-se com formação em ensino fundamental. Além disso, grande parte encontrava-se em condição de afastamento do trabalho, 52% (n=32).

Tabela 1
Descrição das variáveis sociodemográficas dos pacientes avaliados na Clínica da Dor do Ambulatório do Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP (n=62).

De acordo com a escala LANNS, que determina como os nervos que carregam a informação de dor estão funcionando, as respostas afirmativas foram apresentadas na Tabela 2. Quanto ao exame de sensibilidade, na parte B da mesma escala, 80% (n=50) dos resultados apresentaram alodinia somente na área dolorida, e 74% (n=46) dos casos indicaram alteração do limiar por estímulo com agulha somente no lado dolorido. Segundo a escala utilizada, detectaram-se mecanismos neuropáticos em 77% dos casos (n=48).

Tabela 2
Respostas positivas às questões da escala LANNS, de acordo com os pacientes avaliados com dor crônica na Clínica da Dor do Ambulatório do Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP. (n=62).

Dentre as DN mais frequentes, encontram-se a lombalgia, neuropatia diabética, neuralgia herpética, síndrome do túnel do carpo, entre outras menos frequentes.

Em relação ao FLQ, a maioria dos pacientes pós-COVID-19 apresentaram estilo de vida “regular” (n=48/77%). Quase 20% dos pacientes (n= 12) manifestaram “necessitar de ajuda”, e apenas 3,7% (n= 2) citaram um “bom” estilo de vida. Na figura 1, foram analisados os subdomínios do estilo de vida dos pacientes com DN pós-COVID-19, salientando que o subdomínio família/amigos foi o mais bem assinalado.

Figura 1
Análise de parte dos subdomínios do questionário “Estilo de Vida Fantástico” em pacientes avaliados com dor crônica na Clínica da Dor do Ambulatório do Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP (n=62).

Quanto ao domínio nutrição, na questão “estou no intervalo de x quilos do meu peso considerado saudável?”, quase metade dos pacientes responderam mais de 8 kg (n= 29). O domínio cigarro e drogas mostrou que 12% (n=8) dos pacientes ainda fumam mais de 10 cigarros/dia. No domínio tocante ao álcool, apenas um (1,6%) paciente ingeria mais de 20 doses de álcool por semana, três (4,8%) pacientes consumiam de 8 a 10 doses/semana e 58 (93,6%) nunca bebiam.

Os dados mostram que os pacientes avaliados com idades abaixo de 55 anos apresentaram maior prejuízo na capacidade de trabalho. Além disso, a maioria (64%) relatou que sua saúde mental foi impactada negativamente e listou sentimentos de frustração, aborrecimento e depressão, identificados pelo subdomínio da introspecção, que compõe a lista de verificação do estilo de vida (FLQ).

DISCUSSÃO

No presente estudo, obteve-se uma incidência maior de pacientes do sexo feminino, casados, com idade media de 56,2±12,9 anos, variando entre 30 e 77 anos. Em um estudo recente, realizado nos EUA1414 Dale R, Stacey B. Multimodal treatment of chronic pain. Med Clin North Am. 2016;100(1):55-64., sobre a incidência de DN, foram entrevistados 24.925 pessoas diagnosticadas com esta dor, resultando em um perfil de 52,2% do sexo feminino e idade média de 51,5 anos, corroborando os presentes dados.

Um estudo1515 Colloca L, Ludman T, Bouhassira D, Baron R, Dickenson AH, Yarnitsky D, Freeman R, Truini A, Attal N, Finnerup NB, Eccleston C, Kalso E, Bennett DL, Dworkin RH, Raja SN. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers. 201716;3:17002. relatou resultados similares, com uma média de idade de 55,6 anos, e outro estudo55 Hadi MA, McHugh GA, Closs SJ. Impact of chronic pain on patients’ quality of life: a comparative mixed-methods study. J Patient Exp. 2019;6(2):133-141. reafirmou estes resultados ao mencionar que está de acordo com os dados da literatura, de maior prevalência de DN acima dos 50 anos.

Em relação à escolaridade, neste estudo o predomínio foi de pacientes com média de 3 a 8 anos de estudo, que se enquadram no ensino fundamental, sendo estes dados semelhantes aos de uma pesquisa1616 Almeida FC, Castilho A, Cesarino CB, Ribeiro RC, Martins MR. Correlation between neuropathic pain and quality of life. BrJP. 2018;1(4):349-53. que observou a mesma prevalência no diagnóstico de DCN.

Com relação à DCN, um estudo1717 Posso I P, Palmeira CC, Vieira EB. Epidemiologia da dor neuropática. Rev Dor. 2016;17(1):11-4. relatou que a prevalência exata de DN na população mundial é desconhecida e, de modo semelhante, não existem dados precisos sobre a prevalência dessa dor entre os brasileiros. Ademais, o mesmo estudo indicou que o LANSS, que visa predominantemente identificar a dor de origem neuropática, como distinta da dor nociceptiva e sem a necessidade de exame clínico, é o instrumento mais usado.

Quanto ao estilo de vida, que apresentou necessidade de melhora nos domínios de atividade, álcool e nutrição, um estudo1818 Yamada K, Kubota Y, Iso H, Oka H, Katsuhira J, Matsudaira K. Association of body mass index with chronic pain prevalence: a large population-based cross-sectional study in Japan. J Anesth. 2018;32(3):60-7 revelou que as evidências de que a perda de peso (abordada no domínio nutrição) melhora a dor crônica são limitadas. No entanto, há indicações de que estar abaixo do peso é uma consideração no manejo de pacientes com DCN.

Ainda em relação ao estilo de vida, foco desta pesquisa, grande parte dos pacientes citaram ter um modo de viver regular, apresentando escores com significado negativo, principalmente, nos domínios de atividade e nutrição. Um estudo1919 Mills SEE, Nicolson K P, Smith BH. Chronic pain: a review of its epidemiology and associated factors in population-based studies. Br J Anaesth. 2019;123(2):e273-e283. relatou que para desenvolver planos de tratamento e estratégias de prevenção com pacientes com DN, esta precisa ser compreendida no contexto de fatores sociais, biológicos, psicológicos e físicos, além dos padrões sociais de estilo de vida que constituem os principais fatores de risco comportamentais envolvidos nas doenças crônicas e incapacidades sérias.

Uma pesquisa2020 Van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology – where do lifestyle factors fit in? BrJP. 2013;7(4):209-17. mostrou que a DC, como a maioria das doenças, geralmente surge de uma série ou combinação de múltiplos eventos, mesmo quando há um evento precipitante solitário na sua gênese, como uma lesão, por exemplo. A referida pesquisa cita, ainda, que permanecem uma série de fatores que afetam a duração, a intensidade e os efeitos físicos, psicológicos, sociais e emocionais da DC. Comportamentos relacionados à saúde e seus resultados são os fatores de risco modificáveis mais importantes na gênese, duração e impacto da DC.

Verificou-se que a DCN deve ser valorizada, requerendo um cuidado integral, com a consideração da dor como um condicionante de qualidade de vida (QV) e levando em consideração o estilo de vida de cada população, porque assim serão trazidos conhecimentos científicos para que os direcionamentos das ações ocorram eficientemente. A principal limitação deste estudo é o seu desenho transversal. Portanto, não é possível inferir causalidade entre as associações do estilo de vida antes e após o COVID.

Este estudo tem limitações que devem ser explicitadas: utilizou-se uma amostra de conveniência e reduzida; os instrumentos de coleta de dados deste estudo foram aplicados pelo próprio pesquisador, o que pode ter influenciado, de alguma maneira, as respostas dos participantes; estudos sobre estilo de vida de pacientes com DC são escassos, o que dificulta a discussão sobre o tema.

O ponto forte deste estudo foi abordar pacientes com DC que frequentam clínicas de dor e que devem ser questionados sobre o seu estilo de vida, visto que a restrição social afetou níveis de atividade, sedentarismo, hábitos alimentares, gerou perda ou interrupção de seguimento de saúde, entre outros problemas. Isto pode ser entendido como um alerta ao cenário atual para que profissionais de saúde contemplem esta condição.

Assim, este estudo sugere abordar o estilo de vida de pacientes com DC, possibilitando identificar fatores que podem ser melhorados ou implementados no tratamento.

CONCLUSÃO

No presente estudo, os pacientes com DCN mostraram que o nível de atividade e a presença de álcool comprometeram seu estilo de vida. Estes componentes são aspectos do estilo de vida destes pacientes que devem ser entendidos e validados, a fim de se pensar em estratégias de enfrentamento que possam influenciar novas formas de abordagem e organização de serviços.

Assim, sugere-se que as características do estilo de vida dos pacientes que se refletem nos aspectos comportamentais dos padrões sociais, sejam levadas em consideração como fatores que podem influenciar o tratamento e o resultado.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2022
  • Aceito
    16 Nov 2022
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