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A articulação de contextos curriculares e o uso de tecnologias digitais na construção de uma plataforma de Ciência Aberta

RESUMO

O artigo1 1 O presente artigo é resultado da pesquisa “Metodologias ativas na pós-graduação: outros contextos no ensino, na pesquisa e na extensão”, realizada no período de 2022 a 2023, financiada pelo Programa de Incentivo à Pesquisa Aplicada à Docência (PIPAD) da PUC-SP, edital 11.929/2022. relata uma experiência inacabada de pesquisa aplicada à docência, envolvendo articulação de diferentes disciplinas e contextos curriculares dentro de um programa de pós-graduação em literatura e crítica literária. Por meio do uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem e tecnologias digitais de informação e comunicação, buscamos pôr alguns dilemas constitutivos dos estudos literários em diálogo com noções e práticas da ciência aberta. Ao longo desse processo, formulamos as bases para construir uma plataforma digital que reunisse a produção das atividades de pesquisa desenvolvidas no contexto das disciplinas e a tornasse acessível para públicos e territórios socioculturais com os quais elas conversam. Promovendo o impacto social das pesquisas do programa, essa iniciativa suscita, enfim, um questionamento acerca dos modos de articulação entre contextos acadêmicos e sociais heterogêneos, tanto no interior da sala de aula conectada a outros ambientes quanto nas produções científicas abertas, acessíveis para diferentes públicos.

PALAVRAS-CHAVE:
Literatura e sociedade; Metodologias ativas; Ciência aberta; Contextos curriculares

ABSTRACT

This article1 1 The present article is the result of the research study Metodologias ativas na pós-graduação: outros contextos no ensino, na pesquisa e na extensão [Active methodologies in postgraduate studies: other contexts in teaching, research, and extension], carried out in the period from 2022 to 2023, funded by the Programa de Incentivo à Pesquisa Aplicada à Docência [Incentive Program to Research Applied to Teachin] (PIPAD) of PUC-SP, grant call 11.929/2022. reports an ongoing experience involving the application of research to teaching that articulates various disciplines and curricular contexts within a Post-graduate Program in Literature and Literary Criticism. Through the use of active teaching-learning methodologies and digital information and communication technologies, we seek to put some core dilemmas of literary studies into dialogue with notions and practices of open science. Throughout this process, we laid the groundwork for a digital platform that would bring together the results of research developed in the context of these various disciplines and make them readily available to their respective audiences and sociocultural territories. By raising awareness concerning the social impact of the program’s research, this report should prompt reflection on how to foster articulation between heterogeneous academic and social contexts, both within the classroom connected to other environments and in open scientific productions, accessible to different audiences.

KEYWORDS:
Literature and society; Active methodologies; Open science; Curricular contexts

Introdução

Quando, em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde decretou a infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) uma pandemia, levando, por sua vez, cinco dias depois, o governo do Estado de São Paulo a decretar o isolamento social, o campo da Educação - com todos os agentes nele envolvidos: professores, gestores, alunado, legisladores etc. - teve de se “reinventar”, buscando novas formas de efetivar processos de ensino-aprendizagem em todos os graus formativos, isto é, da Educação Infantil ao Ensino Superior. Nesse contexto, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - instituição de ensino superior de natureza privada, filantrópica e confessional -, assim como as demais instituições educacionais do país, anunciou o fechamento de seus campi e a suspensão das aulas presenciais, mantendo, contudo, as atividades pedagógicas à distância, com aulas, avaliações, orientações, reuniões, bancas, enfim, todas as atividades em formato remoto (on-line).

Em especial, seu Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária (PPG-LCL), que não teve, desde o início da pandemia, nenhuma de suas aulas canceladas, enfrentou enormes desafios, como a escolha de uma plataforma de comunicação, adaptação de seu corpo docente e discente a essa plataforma, ausência ou insuficiência de equipamentos (microcomputadores e câmeras), utilização de novas metodologias didáticas, além de questões subjetivas (os medos, as angústias e as dúvidas diante de inumeráveis “novidades”) e psicofísicas (os inevitáveis problemas de saúde física e mental).

Em meio a esse cenário, além de manter as atividades pedagógicas e administrativas, o referido programa envolveu-se em uma agenda quase diária de videoconferências (live e webinar), a fim de manter seus alunos motivados, promovendo eventos que foram, imediatamente, estendidos ao público em geral: eram aulas abertas sobre literatura e estudos literários; entrevistas com escritores, artistas do livro, editores e críticos literários; encontros com grupos de pesquisa etc., tudo aberto ao público, envolvendo seus mestrandos e doutorandos de maneira ativa, dando-lhes o protagonismo nas atividades e oferecendo conteúdo de qualidade nas redes sociais do programa.

Uma das ações mais exitosas, nesse sentido, foi a criação de uma Plataforma de Ciência Aberta2 2 Plataforma de Ciência Aberta. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (https://lcl-cienciaaberta.pucsp.br/ ). , experiência que envolveu professores e alunos de mestrado e doutorado em Literatura e Crítica Literária, proposta fundamentada nos seguintes princípios: i) necessidade de as ações acadêmicas gerarem impacto social positivo, conectando as experiências e produções acadêmicas com a sociedade em geral; ii) políticas e práticas fundamentais da Ciência Aberta; iii) estratégias e procedimentos das metodologias ativas e uso de tecnologias na educação; iv) urgência de renovação dos caminhos didático-pedagógicos na pós-graduação e na universidade como um todo. Esses quatro pontos estão interligados e estabelecem um funcionamento de causa e efeito que objetiva o ensino-aprendizagem-pesquisa com significado para o sujeito e sua comunidade.

O objetivo deste artigo é apresentar não apenas o contexto em que essa experiência educacional foi pensada e executada, mas também quais são seus principais fundamentos, suas práticas e sua metodologia, bem como os resultados alcançados até o presente momento, realizando, portanto, um relato de experiência voltado ao ensino e pesquisa no ensino superior e nos estudos pós-graduados, especificamente nas áreas de literatura e crítica literária.

1 Plataforma de Ciência Aberta (LCL/PUC-SP): contexto e fundamentos

Sabe-se da resistência com o uso de novas tecnologias no campo da educação. A área é reconhecida por priorizar, acertadamente, a humanização nas relações de ensino-aprendizagem e por buscar incessantemente o diálogo com os alunos, postura que se acentua na pós-graduação, que, supostamente, reúne pessoas mais maduras e repertoriadas, além de envolvidas com sua pesquisa e com a produção de suas dissertações e teses. Soma-se a isso o fato de a área da literatura e da crítica literária ainda ser marcada por abordagens convencionais do literário, vinculando o prazer e a relevância da leitura ao livro impresso e à reflexão silenciosa e individual.

Apesar dos estranhamentos enfrentados, nós - professores do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP - percebemos que o alcance de nossas ações acadêmicas poderia ser ampliado e potencializado no modo remoto, pois estávamos indo muito além de nossa sala de aula. A tecnologia mostrou-se aliada no uso das plataformas de comunicação, em especial o Teams e o Moodle, mas também o Zoom e o Google Meet. Foram exploradas, ainda, as potencialidades didáticas do audiovisual, desde o uso do PowerPoint até a separação da turma de alunos em grupos virtuais simultâneos para debates e realização de trabalhos em equipes, passando pelo aproveitamento dos recursos presenciais de cada participante, pois, como estávamos todos em casa, foi possível consultar as respectivas bibliotecas de livros impressos ou outros acervos particulares de arte.

Semana a semana, fomos reavaliando e aperfeiçoando nossas ações. Os retornos positivos avolumavam-se, mostrando os caminhos que deveriam persistir. Por exemplo, nossas redes sociais (que antes praticamente não existiam) ultrapassaram os 10 mil seguidores; foram realizados eventos com mais de 6 mil inscritos (como o Congresso Internacional de Literatura para Crianças e Jovens), os quais, no modo presencial, agrupavam cerca de 150 pessoas; além disso, essa participação vinha de todas as regiões do Brasil e de outros países, como Portugal, Angola, Argentina e Espanha. Acrescente-se, também, que a facilidade do modo on-line propiciou a participação de escritores e pesquisadores estrangeiros. O maior ganho, porém, foi a participação ativa de nossos alunos em atividades que mobilizaram grande parte do corpo discente, o que pôde contribuir com seus conhecimentos e experiências pessoais e profissionais, tornando o Programa um espaço de realização de seus projetos, dando visibilidade a seus saberes, e contribuindo, consequentemente, com a sociedade.

Quando a contaminação pela COVID-19 diminuiu e o isolamento social foi encerrado, as aulas e as atividades retornaram ao modo presencial, principalmente no primeiro semestre de 2022. No entanto, avaliamos que seria desnecessário e irracional abandonar as dinâmicas que construímos no modo remoto. Decidimos, então, aproveitar o conhecimento adquirido durante a pandemia, em nossas aulas e demais atividades, utilizando-o no modo presencial.

Em meio a essas reflexões e demandas, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da PUC-SP nos convidou para participar de um experimento, que, como o próprio nome diz, partia de uma proposta metodológica inicial, mas não se sabia ao certo aonde iria nos levar - tratava-se de algo para ser construído durante o percurso, respeitando as dinâmicas e especificidades de cada programa e de cada docente participante.

Basicamente, a proposta consistia na realização de disciplinas de maneira conjugada e no uso de Metodologias Ativas para dinamizar as aulas e dar protagonismo aos alunos, visando à renovação dos métodos de ensino, que se mostravam (essa era a avaliação) insuficientes para as novas gerações de estudantes e pesquisadores - pessoas com letramento tecnológico, com menor interesse em propostas metodológicas passivas (por exemplo, aula expositiva) -, e à recuperação dos danos causados pela pandemia.

Vimos, no convite, a oportunidade de replicar o princípio das múltiplas telas simultâneas em contextos presenciais plurais, e também simultâneos, que, ademais, só é possível com uso das novas tecnologias. Um dos resultados mais palpáveis desse processo foi a construção, em conjunto, com professores e alunos, da Plataforma de Ciência Aberta - sobre a qual discorremos adiante -, que se fundamenta em dois princípios predominantes: as ideias de Ciência Aberta e de Metodologias Ativas.

Fruto de um longo debate sobre as tensões entre abertura e fechamento do conhecimento científico em sociedades democráticas, travado, pelo menos, desde o início do século XX (Chubin, 1985CHUBIN, Daryl E. Open Science and Closed Science: Tradeoffs in a Democracy. Science, Technology, & Human Values. v. 10, n. 2, pp. 73-80, 1985. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/689511. Acesso em: 28 set. 2023.
https://www.jstor.org/stable/689511...
; Merton, 1942MERTON, Robert K. Science and Technology in a Democratic Order. Journal of Legal and Political Sociology, v. 1, pp. 115-126, 1942. Disponível em: https://www.panarchy.org/merton/science.html. Acesso 29 set. 2023.
https://www.panarchy.org/merton/science....
), o conceito de Ciência Aberta tem ganhado cada vez mais força nos últimos anos, diante da quase onipresença das novas tecnologias de comunicação, que têm criado novas formas de cooperação e interlocução entre pesquisadores, bem como canais mais inclusivos de divulgação do saber científico e de diálogo com os grupos interessados, o que permite cultivar um ambiente mais propício tanto ao desenvolvimento do conhecimento científico quanto às formas de beneficiar as comunidades que o fomentam.

Renovado pelas novas ferramentas e meios tecnológicos de partilha de informações, de textos, de reflexões e de pesquisas, o encontro entre demandas de rigor e autonomia do saber e de democratização desse mesmo saber - agora impulsionado pela ideia de Ciência Aberta - tem, nos estudos literários, um território fértil para se desenvolver, afinal, a experiência artística e literária, nos marcos da modernidade, tem se destacado por uma relação tensa, tanto contra o senso e a linguagem comum (que ela procura “estranhar”, como dizia um imperativo formalista) quanto contra seu cerceamento por qualquer saber ou prática especializada. Espera-se que a literatura seja, ao mesmo tempo, comum e singular, acessível a todos e única para cada leitura, em cada obra (Eagleton, 2006EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2006.; Compagnon, 2010COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes B. Mourão e Consuelo Fontes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.). É como se algo na experiência literária se recusasse a ser domesticado no interior de uma especificidade bem definida (e a criação literária questiona e redefine incessantemente os limites do que se considera “literatura”), à medida que discute e contesta os pressupostos comuns das nossas diferentes práticas e formas de vida, confrontando igualmente sua submissão a um estado geral de inespecificidade (Adorno, 1995ADORNO, Theodor. On Some Relationships between Music and Painting. The Musical Quarterly, v. 79, n. 1, pp. 66-79, 1995. Disponível em: https://academic.oup.com/mq/article-abstract/79/1/66/1078568?redirectedFrom=PDF. Acesso em: 28 set. 2023.
https://academic.oup.com/mq/article-abst...
).

Não é de se admirar que os estudos literários sejam afetados por essa mesma tensão que acomete a literatura, na sua hesitação prolongada entre especificidade e inespecificidade, linguagem poética e linguagem comum, saberes especializados e senso comum. Vale lembrar, como faz o crítico inglês Terry Eagleton (2006)EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2006., que o próprio desenvolvimento dos estudos literários, dentro do âmbito universitário, sofre uma inflexão decisiva a partir dos anos 1960, com a democratização - sempre insuficiente e lenta, mas ainda assim notável - do acesso à universidade, experiência que também vivemos no Brasil, embora mais recentemente e com um déficit muito maior para com uma população muito mais numerosa. O surgimento de um público leitor cada vez mais heterogêneo desconstrói os até então naturalizados pressupostos do juízo de gosto partilhados pelas elites letradas e passa a exigir um trabalho contínuo de reconstrução, no espaço público, dos modos de leitura e dos critérios da crítica. Por outro lado, à medida mesma em que são mobilizados por esse influxo democratizante, os estudos literários multiplicam-se em correntes críticas e teorias, refinam-se segundo as exigências de rigor científico, tornam-se mais complexos e, com isso, transformam-se num saber especializado que - incorporado aos dilemas da própria criação artística ou à espreita dos documentos curriculares (Rodrigues, 2019RODRIGUES, Daniele Gualtieri. Discursos sobre ensino de literatura em documentos curriculares nacionais. 2019. 141 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.) -, paradoxalmente, ergue-se como uma barreira adicional entre o leitor comum e a experiência literária.

Em consonância com esse contexto, é preciso salientar que, entre os fundamentos da Ciência Aberta, em especial quando voltada ao campo da Educação, encontra-se a ideia de Recursos Educacionais Abertos (REA), que se vincula à necessidade de repensar as abordagens pedagógicas contemporâneas, em consonância com uma atuação mais ativa do corpo discente, com a finalidade de participar na construção do conhecimento e de sua difusão. Como lembram Francine Barbosa e Maurício Arimoto,

A mudança cultural, aliada a novas políticas governamentais e institucionais, é imprescindível não somente para o desenvolvimento e uso de REAs, mas, sobretudo, para o amplo acesso ao conhecimento, consequentemente, para a democratização da educação (2013BARBOSA, Ellen Francine; ARIMOTO, Maurício Massaru. Recursos Educacionais Abertos. Computação Brasil, Revista da Sociedade Brasileira de Computação, Porto Alegre, n. 22, p. 17-21, fev. 2013. Disponível em: https://www.sbc.org.br/component/flippingbook/book/13. Acesso em: 28 set. 2023.
https://www.sbc.org.br/component/flippin...
, p. 19).

Não são diferentes, em termos gerais, os princípios elaborados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cujas recomendações procuram fornecer um marco internacional para políticas e práticas da Ciência Aberta, buscando, entre outras coisas, contribuir para a redução das exclusões digitais, tecnológicas e de conhecimento e promover “(...) um entendimento comum sobre a ciência aberta, sobre os benefícios e desafios associados, assim como sobre os diversos caminhos para a ciência aberta” (UNESCO, 2021UNESCO. Recomendação sobre Ciência Aberta. 2021. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379949_por. Acesso em: 28 set. 2023.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, s.p.). São princípios que não dispensam - ao contrário, pressupõem, como sugerimos acima - o emprego de abordagens pedagógicas atualizadas, em especial as chamadas Metodologias Ativas.

O uso de Metodologias Ativas na pós-graduação requer, em primeiro lugar, o manejo, consciencioso, das chamadas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), que atuam como suporte necessário tanto à interação entre todos os envolvidos no trabalho acadêmico quanto à veiculação de material de pesquisa, divulgação de ações coordenadas, conjugação de métodos e procedimentos específicos etc. Trata-se de um conjunto de atividades operatórias que implica desde a prática docente e a composição dos currículos das disciplinas envolvidas até a logística de agrupamento de materiais e/ou alunos envolvidos em todas as etapas do processo de pesquisa. Evidentemente, como efeito colateral positivo do emprego das TDICs no processo educativo, pode-se elencar tanto a valorização dos meios digitais na correlação ensino-aprendizagem-pesquisa quanto o favorecimento do letramento e da inclusão digitais, tão necessários à realidade educacional contemporânea.

Essa é uma realidade que envolve, diretamente, a própria figura do professor, que passa a ser redimensionada e ressignificada no processo de construção de uma pesquisa assentada na aplicação de Metodologias Ativas na pós-graduação. Como lembram Antonio Schuartz e Helder Sarmento,

O contexto digital requer um professor que não seja apenas um transmissor do conhecimento, mas também um provocador em uma sociedade que tem demandado sujeitos críticos, competentes, criativos e flexíveis. Nesse cenário, práticas pedagógicas endurecidas e enrijecidas devem ser flexibilizadas e a elas agregadas outras que coloquem os estudantes como produtores do conhecimento. O professor passa a ser o agente mediador nesse processo (2020SCHUARTZ, Antonio Sandro; SARMENTO, Helder Boska de Moraes. Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) e processo de ensino. Revista Katálysis. Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 429-438, set.-dez. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/xLqFn9kxxWfM5hHjHjxbC7D/. Acesso em: 28 set. 2023.
https://www.scielo.br/j/rk/a/xLqFn9kxxWf...
, p. 430).

Previsto em documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 28 set. 2023.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/...
), o uso ativo das TDICs tem repercussões positivas na aplicação das Metodologias Ativas na pós-graduação, entendidas - nesse contexto e de modo geral - como um conjunto de procedimentos e técnicas metodológicas voltadas à tipificação da dinâmica do ensino-aprendizagem em contextos pedagógicos, de modo a reavaliar processos e resultados.

A Plataforma de Ciência Aberta elaborada pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária, da PUC-SP, valoriza, portanto, tanto no âmbito da pesquisa quanto no da docência, situações didáticas pautadas por aprendizagem que se baseiam em estratégias que privilegiam o protagonismo estudantil e a disrupção de padrões pedagógicos centralizados na figura do professor. E esse fenômeno é particularmente apropriado à realidade do Ensino Superior, como afirmam Thais Schlichting e Marcia Heinzle:

É no contexto de inovações e transformações que se inserem as diferentes metodologias ativas de aprendizagem. Embora sejam distintos movimentos metodológicos, os princípios norteadores são compartilhados e partem da compreensão de que o estudante [do Ensino Superior] é o centro do seu processo de ensino e aprendizagem. Sob essa perspectiva, o acadêmico é inserido em práticas, nas quais, ao se engajar ativamente, contando com a orientação de professores, constrói sua autonomia ao longo do processo de formação (2020SCHLICHTING, Thais de Souza; HEINZLE, Marcia Regina Selpa. Metodologias ativas de aprendizagem na educação superior: aspectos históricos, princípios e propostas de implementação. Revista e-Curriculum. São Paulo, v. 18, n. 1, p. 10-39, jan./mar. 2020. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/36099. Acesso em: 28 set. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/curr...
, p. 20).

São práticas como as descritas acima que possibilitam e estimulam a realização de experiências inovadoras no âmbito da pós-graduação brasileira, especialmente por meio da adoção de metodologias diversificadas e ativas, vinculadas ao emprego das TDICs.

Com efeito, já faz algum tempo que os métodos “tradicionais” de ensino são questionados, sendo vistos como algo ultrapassado, antidemocrático e ineficaz para a maioria dos estudantes. Desse modo, cada vez mais as instituições de ensino buscam maneiras de modernizar o processo de aprendizagem, tornando o ensino mais significativo e eficaz para seu alunado. É nesse cenário que surgem as Metodologias Ativas, conceito que compreende o estudante não apenas como um “ouvinte”, um mero espectador de conteúdo na sala de aula, mas como um protagonista, tornando-se o centro do processo de ensino-aprendizagem.

Um dos objetivos das Metodologias Ativas, portanto, é tornar a realidade educacional um processo mais “atraente” aos alunos, principalmente num mundo, como é o atual, em que os estudantes têm acesso a muitas informações ao mesmo tempo. As Metodologias Ativas buscam, nesse contexto, despertar o “desejo” do estudante em aprender, por meio do protagonismo, levando-o a desempenhar um papel de agente ativo de sua própria aprendizagem. Pode-se afirmar, assim, que o principal diferencial das Metodologias Ativas para o método “tradicional” de ensino é a mudança no papel de cada agente no processo de aprendizagem.

Paulo Freire, na obra Educação e mudança (1979), destaca, já em seu primeiro capítulo, a ideia de compromisso, relacionando-a ao processo educativo e vinculando-a à necessidade de ação e reflexão por parte dos agentes nele envolvidos:

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo seu próprio mundo, do que resulta que este ser não é capaz de compromisso (p. 17).

Quando se fala em Metodologias Ativas, de certo modo, também se está reportando à ideia de compromisso, já que se trata de um termo que - no contexto educacional - encontra-se conceitualmente vinculado às noções de autonomia, protagonismo e aprendizagem significativa, todos eles direta ou indiretamente ligados a processos/recursos metodológicos distintos. Portanto, o emprego das Metodologias Ativas revela-se, também, capaz de despertar no aprendente não apenas a curiosidade pela pesquisa, mas um novo sentido no seu cotidiano educativo, baseado na relação ativa e crítica com o conhecimento, interpelando-o por meio de questionamentos e experimentações. Como lembram Lilian Bacich e José Moran, “[...] a aprendizagem por meio da transmissão é importante, mas a aprendizagem por questionamento e experimentação é mais relevante para uma compreensão mais ampla e profunda” (2018BACICH, Lilian, MORAN, José (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora. Porto Alegre: Penso, 2018., p. 2).

Portanto, a construção de conhecimentos, principalmente como participação/intervenção em atividades práticas, é o que define, em última instância, as Metodologias Ativas, o que implica o envolvimento do estudante no processo da apreensão, organização e consolidação desse mesmo conhecimento.

2 A articulação de contextos curriculares e o uso de tecnologias digitais na construção da Plataforma de Ciência Aberta: uma experiência

O Programa de Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, convidado pela Pró-reitoria de Pós-Graduação a participar do projeto intitulado “Articulação de contextos curriculares e uso de tecnologias digitais em cursos de graduação e pós-graduação da PUC-SP”, selecionou, no segundo semestre de 2022, quatro disciplinas a serem ministradas no período para participar desse projeto: Literatura e leitura: palavra, imagem e design em confluência (disciplina eletiva ofertada a mestrandos e doutorandos), ministrada pela professora Dra. Diana Navas; Literatura e Territorialidade: espirais poéticas (disciplina eletiva ofertada a mestrandos e doutorandos), conduzida pela professora Dra. Elizabeth Cardoso; Projeto de Pesquisa (disciplina obrigatória oferecida exclusivamente a mestrandos), ofertada pelo professor Dr. Maurício Silva; e Teoria Literária (disciplina obrigatória para mestrandos e eletiva para doutorandos), ministrada pelo professor Dr. Fábio Roberto Lucas.

A escolha das disciplinas justificou-se pela familiaridade que os docentes apresentam em relação à proposição de atividades envolvendo o uso de diferentes tecnologias digitais e metodologias ativas, bem como em razão de estarmos diante de disciplinas obrigatórias e eletivas, o que implica especificidades a serem consideradas em suas ofertas.

Consideramos, no projeto desenvolvido no segundo semestre de 2022, todos os alunos matriculados nas quatro disciplinas, organizados em grupos, não de acordo com a(s) disciplina(s) em que estavam efetivamente matriculados, mas a partir de suas propostas pessoais de investigação científica. O objetivo dessa organização levou em consideração o fato de os alunos poderem, simultaneamente ao desenvolvimento de disciplinas, investir em sua própria pesquisa, na elaboração de sua dissertação ou tese, encontrando, entre seus pares e professores, possibilidades de intercâmbios científicos.

A partir daí, os alunos foram organizados em quatro grupos, com as seguintes temáticas: Literatura infantil e juvenil e educação, coordenado pela professora Diana Navas; Prosa de ficção, conduzido pelo professor Maurício Silva; Questões étnico-raciais e de gênero, supervisionado pela professora Elizabeth Cardoso; e Poesia, outras artes e saberes, acompanhados pelo professor Fábio Roberto Lucas. Convém lembrar que, apesar de cada professor coordenar um grupo, encontros com todos os alunos foram realizados ao longo do semestre, dos quais participavam simultaneamente todos os professores envolvidos.

Aos grupos foi, então, apresentada a proposta de trabalho a ser desenvolvida ao longo do semestre: a elaboração de produtos derivados das investigações científicas e que demonstrassem, de forma prática, a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos nas disciplinas. Tais produtos deveriam ser destinados a públicos diversos, especialistas e não-especialistas na área de literatura, de forma a contribuir socialmente com a divulgação, discussão e ampliação de temáticas literárias no âmbito social. A esse objetivo foi acrescentado o desafio de, no desenvolvimento de seus produtos, cada grupo inter-relacionar os conhecimentos adquiridos nas quatro disciplinas ofertadas.

Como nem todos os alunos estavam matriculados nas quatro disciplinas envolvidas no projeto, propôs-se o conceito de “portas abertas” entre elas, ou seja, foi possibilitado aos alunos assistirem - sem caráter de obrigatoriedade e na modalidade remota - as aulas das quatro disciplinas, de acordo com seus interesses, contando, no entanto, como créditos apenas a frequência na(s) disciplina(s) em que estavam regularmente matriculados. É válido ressaltar que, visando garantir o diálogo efetivo entre o conteúdo das disciplinas, o plano de aula de cada uma delas foi elaborado em parceria entre os professores, permitindo, dessa forma, que temas e referências bibliográficas pudessem ser intercambiados e compartilhados por todos.

Acompanhando cada um dos grupos e os produtos que estavam sendo por eles desenvolvidos, os docentes perceberam a riqueza e diversidade de materiais elaborados - seja em termos de conteúdo, seja em termos digitais -, percebendo, assim, a possibilidade de criação de uma plataforma, a qual pudesse, atendendo aos princípios da Ciência Aberta, abrigá-los e garantir a visibilidade, discussão e ampliação dos temas ali propostos. A ideia, muito bem recebida pelos grupos, impunha, no entanto, novo desafio: construir tecnicamente uma plataforma no ambiente virtual, o que implicava recursos financeiros para a contratação de um serviço especializado. A saída encontrada pelo grupo de professores foi concorrer ao edital PIPAD (Pesquisa Aplicada à Docência), oferecido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como forma de garantir subsídios para o desenvolvimento de pesquisas que proponham novas formas de os docentes pensarem e atuarem nos cursos de graduação e pós-graduação.

O projeto apresentado foi aprovado e proporcionou ao grupo os recursos para o desenvolvimento de uma plataforma de ciência aberta que, desde então, tem permitido publicar os trabalhos e estudos dos pesquisadores discentes, conforme são produzidos, avaliados, refeitos e aprovados dentro das disciplinas de pós-graduação que temos ministrado, sempre articuladas entre si e ao projeto como um todo.

Vale sublinhar que a plataforma permite a publicação de trabalhos em diferentes formatos e mídias, do texto escrito e salvo em diferentes formatos de documento (pdf, docx etc.) ao registro audiovisual, além da integração com as plataformas de vídeo e som mais utilizadas na internet. Ela também permite organizar os conteúdos de diferentes modos, criando categorias à medida que novos trabalhos são propostos, além de links variáveis e fixos entre os diversos conteúdos, o que possibilita a criação tanto de relações lineares (como séries de episódios a respeito de um tema) quanto de relações constelacionais ou em rizoma, constituídas pelas palavras-chave presentes nos metadados de cada material e pelo histórico de navegação dos usuários.

Assim que o desenvolvimento da plataforma foi concluído e seu acesso foi disponibilizado, publicamos todos os conteúdos produzidos pelos pesquisadores discentes nos cursos do segundo semestre de 2022. Também está prevista a publicação retrospectiva dos trabalhos produzidos no primeiro semestre daquele ano, além dos trabalhos desenvolvidos no primeiro semestre de 2023. Ao escrever este artigo, estamos, portanto, no terceiro semestre consecutivo de realização do trabalho. Nesse percurso, muitos pesquisadores discentes participam dele desde o primeiro momento, outros entraram e depois saíram, seguindo seu trajeto dentro da pós-graduação. A cada novo semestre, mais pesquisadores discentes juntam-se àqueles que já produziram materiais para o repositório e essa dinâmica de continuidade e mudança paulatina do corpo de estudiosos envolvidos parece estar criando uma cultura acadêmica e de pesquisa, cristalizando, em resumo, uma prática cujos contornos e limites ainda precisam ser mais bem discutidos, definidos e institucionalizados.

A conclusão do desenvolvimento da plataforma foi um passo importante nessa direção, pois ela permitiu determinar com mais segurança e praticidade os critérios e exigências de formalização dos conteúdos projetados e criados pelos diferentes grupos de pesquisa constituídos dentro das disciplinas. Mais do que isso, configurou, na prática, um território de encontro entre os contextos heterogêneos mobilizados tanto pelas disciplinas, com suas Metodologias Ativas, quanto pelo conceito de Ciência Aberta, que nortearam o desenvolvimento da plataforma. Afinal, agora os pesquisadores discentes se organizam em projetos por interesses comuns, analisando obras literárias e mobilizando conceitos dos estudos literários em diferentes linguagens - aí incluída a do artigo acadêmico - e pensando em diferentes públicos, não só o da universidade, mas também o dos vários níveis escolares, das instituições culturais, do campo literário e do artístico etc. Trata-se, em suma, de uma plataforma para produções técnicas de difusão das pesquisas em andamento, que a um só tempo permite partilhar o que tem sido feito com a comunidade científica e ampliar o contato com um público mais abrangente, mas interessado e implicado em pesquisas realizadas por um programa de pós-graduação em literatura e crítica literária: professores e educadores atraídos pela análise de obras contemporâneas ou novos olhares críticos e historiográficos sobre obras do passado; mediadores de leitura ou de atividades em instituições culturais, entidades engajadas nas políticas públicas de educação, artistas, tradutores e editores em busca da renovação de seus repertórios conceituais e teóricos.

Como se trata de um novo terreno e de um novo ambiente de atuação das pesquisas, esse processo de formalização do uso da plataforma ainda terá muitos capítulos, que deverão definir de modo mais preciso desde os níveis de exigência qualitativa para a publicação até seus possíveis papéis, talvez para além da produção técnica, em dinâmicas de pré-publicação, avaliação aberta de pares externos, dentre outras práticas de Ciência Aberta (SciELO-Scientific Electronic Library Online-, 2019SciELO. Guia para publicação contínua de artigos em periódicos indexados no SciELO. 2019. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/guia_pc.pdf. Acesso em: 28 set. 2023.
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). Mais do que isso, esse terreno expõe diretamente o encontro entre as formas de acessibilidade e visibilidade pensadas para a pesquisa acadêmica (resumo, palavras-chave, referências) e aquelas pensadas para integrar os conteúdos dentro dos mecanismos dos sites de busca (frases de foco, metadescrição e definição das “urls”, dentre outros fatores de otimização da procura).

Em resumo, cadastrar um novo conteúdo na plataforma envolve uma verdadeira sobredeterminação dos metadados, produzidos para indexar um mesmo conteúdo em, pelo menos, dois mundos bem heterogêneos: o mundo das produções científicas reconhecidas por agências de fomento e instituições universitárias e o mundo das produções culturais que habitam a internet em busca do seu público não acadêmico. Assim, ao conceber o projeto que pretendem publicar na plataforma, os pesquisadores discentes precisam ter em mente tanto as palavras-chave das discussões teóricas e críticas que os colocarão em contato com outros pesquisadores acadêmicos dedicados a esse mesmo tema quanto as expressões e termos por meio dos quais os possíveis públicos interessados nesse conteúdo podem buscá-lo.

Com o potencial de se tornar uma revista acadêmica e multimídia aberta para diferentes contribuições, desenvolvidas dentro e fora do nosso programa de pós-graduação, a plataforma deve também tomar precauções para que não se descaracterize seu uso, nem se inviabilizem suas funções iniciais - firmadas no interior do trabalho com as disciplinas articuladas e as Metodologias Ativas - que nos instigaram em nosso projeto de pesquisa aplicada à docência. Vale notar, nesse sentido, que o design da plataforma permite a adoção de um sistema de Publicação Contínua (PC) - que torna trabalhos de pesquisa acessíveis tão logo eles sejam aprovados por pareceres e comissões avaliativas, sem necessidade de aguardar pelo próximo número periódico (Scielo SciELO-Scientific Electronic Library Online-, 2019SciELO. Guia para publicação contínua de artigos em periódicos indexados no SciELO. 2019. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/guia_pc.pdf. Acesso em: 28 set. 2023.
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; Santos, 2019) -, dispondo-os em série cronológica, de acordo com a data de publicação. A plataforma também pode organizá-los em diferentes níveis de categorias, de projetos no interior dos quais os conteúdos se potencializam, encontrando elos com a dimensão mais ampla e coletiva de sua produção, elos que - ao menos no caso das produções feitas pelos grupos dentro das disciplinas articuladas - são, às vezes, mais fortes do que os existentes entre artigos de um dossiê temático de uma revista acadêmica.

Conclusão

Como articular produtivamente essas exigências não só heterogêneas, mas muitas vezes opostas? Talvez essa seja a pergunta que sintetiza o desafio formativo e institucional que temos pela frente, que se vincula a dilemas sociais e culturais mais amplos, derivados da constante aceleração técnica da vida (Rosa, 2022ROSA, Hartmut. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Rio de Janeiro: Vozes, 2022.) e da presença mais e mais ubíqua de meios de reprodução e comunicação, que multiplicam constantemente os encontros entre contextos heterogêneos (Aira, 2016AIRA, César. Sobre el arte contemporáneo. Barcelona: Penguin, 2016.), a universidade e os ambientes domésticos de nossos pesquisadores discentes, conectados nas aulas pela internet durante o período da pandemia, ou, ainda, a universidade e os campos de pesquisa, tal como as salas de leitura nas escolas da rede pública e privada de ensino, alvo de interesse de muitos de nossos docentes e pós-graduandos com projetos sobre a formação do leitor literário. Esse tipo de encontro não é viabilizado sem riscos, o principal deles sendo, talvez, o de uma acomodação pelo mais fácil, que rasure as singularidades e diferenças entre os contextos heterogêneos, que os homogeneize, cedendo às pressões e automatismos da vida moderna em aceleração constante, pressões que intensificam a reificação social das experiências de seres e sujeitos, submetendo-as à instrumentalização e à condição de mercadorias intercambiáveis (Rosa, 2022ROSA, Hartmut. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Rio de Janeiro: Vozes, 2022.).

Por outro lado, não é menos verdade que a plataforma de Ciência Aberta aciona possibilidades críticas de enfrentamento dessa tendência à aceleração e à reificação, oferecendo caminhos para um reagenciamento da tecnologia, que nos permita, dentre outras coisas, reconfigurar tensões historicamente constitutivas dos estudos literários, como aquela entre a democratização e a especialização do saber teórico e crítico, exposta anteriormente. O que ocorre com ela quando o espaço acadêmico de aprimoramento e refinamento desse saber, em seu rigor próprio, não só abre para o público seu desenvolvimento in fieri, mas também toca ou se entrelaça em ato a seus territórios culturais de experimentação e recepção?

A pergunta ganha ainda outro nível de ressonância quando levamos em conta que a pesquisa e a construção desses saberes - agenciadas a partir de Metologias Ativas - são a realização de pesquisadores discentes que, não raramente, têm conexão profunda com tais territórios, neles assumindo papéis diversos, como o de professores, mediadores culturais, editores etc. Atenta às especificidades entre esses papéis e a produção do conhecimento acadêmico, nossa comunidade de pesquisas - agora com sua plataforma de Ciência Aberta - se vê diante do desafio de agenciar de modo produtivo as tensões e dificuldades que surgem nesse encontro entre local e virtual, espaço público universitário e espaço privado do aluno, o diálogo interno com a academia e o diálogo com os outros públicos, a cidade de São Paulo e as muitas outras regiões do Brasil.

  • 1
    O presente artigo é resultado da pesquisa “Metodologias ativas na pós-graduação: outros contextos no ensino, na pesquisa e na extensão”, realizada no período de 2022 a 2023, financiada pelo Programa de Incentivo à Pesquisa Aplicada à Docência (PIPAD) da PUC-SP, edital 11.929/2022.
  • 2
    Plataforma de Ciência Aberta. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (https://lcl-cienciaaberta.pucsp.br/ ).

REFERÊNCIAS

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  • AIRA, César. Sobre el arte contemporáneo Barcelona: Penguin, 2016.
  • BACICH, Lilian, MORAN, José (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora Porto Alegre: Penso, 2018.
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  • SciELO. Guia para publicação contínua de artigos em periódicos indexados no SciELO 2019. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/guia_pc.pdf Acesso em: 28 set. 2023.
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  • SCHUARTZ, Antonio Sandro; SARMENTO, Helder Boska de Moraes. Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) e processo de ensino. Revista Katálysis Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 429-438, set.-dez. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/xLqFn9kxxWfM5hHjHjxbC7D/ Acesso em: 28 set. 2023.
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Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo apresenta uma temática relativamente recente no Brasil e que, infelizmente, ainda encontra resistência por parte de alguns periódicos nacionais, qual seja, a prática da ciência aberta. O(s) autor(es) apresenta(m) um texto coerente com o que propõe(m) no título e no objetivo do artigo, por meio de uma linguagem clara e científica. Nesse sentido, sou favorável à aprovação do manuscrito. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Set 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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