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Interação, heteroglossia e discurso na #maternidadereal

RESUMO

O presente artigo é fruto de um estudo de doutorado acerca do ethos materno em redes sociais e tem por objetivo refletir sobre a expressão "#maternidadereal, empregada em postagens de internet. À luz do conceito de heteroglossia, de Mikhail Bakhtin, essa observação partirá da ideia de interação, fenômeno basilar e constituinte nas redes sociais. Além disso, o sentido de “real” será ponderado a partir da teoria de Jacques Lacan, para delinear as diferenças entre o discurso hegemônico da maternidade tradicional, de romantização, e o discurso contemporâneo e contra-hegemônico, por meio do qual a maternidade pode ser desabafada em suas dores. Por fim, para se verificar como esses discursos se cruzam na materialidade da língua, cinco posts com a tag #maternidadereal serão analisados, determinando, por meio de suas marcas, a que eixo axiológico eles se filiam. Como resultado, percebeu-se que a ideia de “real” flutua de acordo com a posição-sujeito da mãe que se apropria dela, evidenciando a heteroglossia fundamentadora desses enunciados.

PALAVRAS-CHAVE:
Análise do discurso; Heteroglossia; Maternidade; Rede social

ABSTRACT

This article is the result of a doctoral study about the maternal ethos in social networks and it aims to reflect on the expression #maternidadereal [real maternity], used in internet posts. In the light of Mikhail Bakhtin's concept of heteroglossia, this observation will start from the idea of interaction, a fundamental and constituent phenomenon in social networks. the meaning of “real” will be considered from Jacques Lacan’s theory, to delineate the differences between the hegemonic discourse of traditional motherhood, of romanticization, and the contemporary and counter-hegemonic discourse, through which motherhood can be vented in its pains. Finally, in order to verify how these discourses intersect in the materiality of language, 5 posts with the tag #maternidadereal will be analyzed, determining, through their brands, which axiological axis they are affiliated with. As a result, it was noticed that the idea of “real” fluctuates according to the subject-position of the mother who appropriates it, evidencing the heteroglossia that underlies these statements.

KEYWORDS:
Discourse analysis; Heteroglossia; Maternity; Social network

Introdução

“Todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência profunda do discurso da resposta antecipada” (BAKHTIN, 2002, p.89BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 5 ed. Tradução de Aurora F. Bernadini et al. São Paulo: Editora Hucitec, 2002. p.71-164.). Essa ideia de Mikhail Bakhtin é primordial para entender como as redes discursivas são tecidas: todo enunciado é uma resposta, e todo enunciado faz parte de uma cadeia mais ampla e complexa, fluindo em uma correnteza de muitos dizeres que já foram produzidos, inserindo-se nesse contexto seja para endossá-los, seja para refutá-los, mas indiscutivelmente imiscuindo-se a esse caldo, ressignificando-o e só ganhando sentido a partir dessa perspectiva. Bakhtin também adverte que esses enunciados não só se voltam ao passado, mas também miram para o futuro:

O discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado pelo discurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do “já dito”, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado. Assim, é todo diálogo vivo (BAKHTIN, 2002, p.89BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 5 ed. Tradução de Aurora F. Bernadini et al. São Paulo: Editora Hucitec, 2002. p.71-164.).

Com esses primeiros acordos em vista, pode-se começar a traçar o fito do presente trabalho. Sendo o enunciado constituído de unidades concretas e únicas do uso da língua, que “refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional” (BAKTHIN, 2010, p.261), selecionou-se um enunciado que tem o sabor da contemporaneidade, ainda que venha embebido pelo indelével e sacralizado discurso dominante sobre maternidade: o “#maternidadereal”. Tal enunciado provém de postagens de redes sociais, gênero tão novo quanto fecundo, em que os discursos se cristalizam e se renovam e, sobretudo, que se revela mais um campo da atividade humana e, como tal, tem como pedra fundamental de existência a interação.

Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado em andamento que analisa o discurso relativo à maternidade, com base em enunciados produzidos em redes sociais por mães sobre o próprio maternar, cujo foco precípuo é a identificação do ethos nessas postagens, isto é, a imagem de si própria que essas mães-autoras pretendem passar aos leitores por meio da materialidade linguística. Essa investigação está no bojo de um objeto de estudo profícuo contemporaneamente, que já possui trabalhos ocupados em perscrutar os discursos relativos às mães. Pesquisadoras de diversos campos, como a própria Análise do Discurso, entendem a pertinência acadêmica de se compreender como as mães têm desfrutado das redes para criar um novo ideário (ou atualizar o vigente) sobre o ofício de cuidar dos filhos e já destacam um movimento discursivo em direção ao eixo axiológico contradiscurso1 1 Vale citar como trabalhos emblemáticos neste recorte: Oliveira-Cruz e Mendonça (2021) e Lauxen e Quadrado (2018). . Importante salientar que defluem nesses enunciados tendências, saberes, crenças e valores de diversos campos, como o religioso, o feminista, o médico e a própria internet, e é por essa rica e fértil seara de conteúdos que surge o interesse em deslindar qual o contexto em que essas postagens surgem e como elas podem ser significadas à luz da Análise do Discurso. Justifica-se, portanto, refletir sobre o usufruto de uma hashtag em uma rede social tanto para identificar qual discurso a ela é vinculado (ou quais discursos são vinculados – como se verá, as possibilidades de filiação são plurais) como para se apontar quais acepções sobre ser mãe e sobre maternar permeiam, atualmente, os enunciados produzidos sobre maternidade – não por acaso, acepções essas que integram a heteroglossia ora tratada.

O presente artigo, então, irá refletir sobre a produção de cinco postagens do Instagram que contêm o discurso ligado à “maternidade real”, iluminando-o sob a luz da sabedoria bakhtiniana a partir de conceitos como interação e heteroglossia, produtivos para a análise de enunciados retirados de redes sociais, e também do conceito lacaniano do “real”, afinal, é em busca desse “real” que as mães descortinam ao público suas experiências.

1 #maternidadereal

Conforme Trotta (2016, p.1)TROTTA, C. #MaternidadeReal: conteúdo impróprio. In: 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, agosto de 2016, João Pessoa/PB. Anais da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia. Disponível em: http://www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcy I7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTEiO30iO3M6MToi aCI7czozMjoiNGVlMmFkNGYyMTFjYTJiNDAyMDJiN2VmODVlMmIyMWUiO30 %3D. Acesso em: 18 fev. 2021.
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Em meio às muitas hashtags que surgem a cada dia foi lançado o #DesafioDaMaternidade, assim como as inúmeras correntes do Facebook o desafio era fácil: mulheres deveriam publicar 3 ou 4 fotos que demonstrassem a felicidade delas em ser mãe, e marcar outras mulheres que supostamente fariam o mesmo. A hashtag se multiplicava em perfeita ordem até que um post de uma dona de casa de 23 anos surpreendeu a todas(os) ao não aceitar o desafio, e não versar sobre a felicidade consequente da maternidade, e sim apontar que tal corrente poderia estar iludindo outras mulheres, pois ser mãe não seria uma experiência apenas de contentamentos e satisfações.

Essa moça, ao não aquiescer com o desafio, em 15/2/2016, fez uma postagem em que explicava seus motivos de refutar o desafio, frisando que a maternidade perfeita era uma falácia.

Desafio NÃO aceito! Me recuso a ser mais uma ferramenta pra iludir outras mulheres de que a maternidade é um mar de rosas e que toda mulher nasceu pra desempenhar esse papel. Eu vou lançar outro desafio, o desafio da MATERNIDADE REAL. De tudo o que as mães passam e as pessoas não dão valor, como se toda mulher já tivesse sido programada pra viver isso. Postem fotos de desconforto com a maternidade e relatem seus maiores medos ou suas piores experiências pra que mais mulheres saibam da realidade que passamos. Dizem que no final sempre acaba tudo bem, mas o meio do processo por muitas vezes é lento e doloroso. Primeiramente eu quero deixar bem claro que eu amo meu filho mas to detestando ser mãe. E acho que isso não vai melhorar nem quando ele tiver a minha idade atual (TROTTA, 2016, p.1TROTTA, C. #MaternidadeReal: conteúdo impróprio. In: 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, agosto de 2016, João Pessoa/PB. Anais da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia. Disponível em: http://www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcy I7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTEiO30iO3M6MToi aCI7czozMjoiNGVlMmFkNGYyMTFjYTJiNDAyMDJiN2VmODVlMmIyMWUiO30 %3D. Acesso em: 18 fev. 2021.
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).

Trotta (2016)TROTTA, C. #MaternidadeReal: conteúdo impróprio. In: 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, agosto de 2016, João Pessoa/PB. Anais da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia. Disponível em: http://www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcy I7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTEiO30iO3M6MToi aCI7czozMjoiNGVlMmFkNGYyMTFjYTJiNDAyMDJiN2VmODVlMmIyMWUiO30 %3D. Acesso em: 18 fev. 2021.
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sublinha as represálias – inclusive da própria plataforma do Facebook, em que o texto foi postado e que o baniu – recebidas por esse desabafo. A autora explica que esse tipo de conteúdo parecia uma ameaça a um paradigma socialmente estabelecido e aceito de que a maternidade é divina e isenta de reclamações. Posteriormente, centenas de mulheres se viram representadas pelas palavras da dona de casa e assim se inaugurou o movimento #maternidadereal. Uma síntese sobre a tradição dos estudos acerca da interação, proposta por Faraco, conversa diretamente com esse exemplo: “Toda essa tradição nos tem mostrado, de um lado, como respondemos constitutivamente às condições contextuais imediatas; e, de outro, como práticas culturais recorrentes moldam nossas interações” (FARACO, 2005, p.215FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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). Ao romper com uma prática cultural enraizada, em que a reprodução de um discurso vigente é o esperado, o relato surpreende, fugindo à interação tradicional (e até automatizada) e lançando a necessidade de um novo tipo de resposta.

Em um primeiro momento, já tendo o entendimento da #maternidadereal como foco, é preciso ponderar sobre o sentido de “real”. Jacques Lacan, psicanalista que se debruçou sobre a constituição psíquica humana, traz múltiplas reflexões sobre o que é real, ainda que todas resguardem um sentido pouco palpável. Conforme apontam os estudos do especialista,

O real é “o que é estritamente impensável”, é o impossível de ser simbolizado; o real é, por excelência, o trauma, o que não é passível de ser assimilado pelo aparelho psíquico, o que não tem qualquer representação possível. Por isso, o real é também aquilo que retorna ao mesmo lugar, já que o simbólico não consegue deslocá-lo, e o ponto de não-senso que ele implica se repete insistentemente enquanto radical falta de sentido (JORGE, 2010, p.11JORGE, M. A. C. Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. Volume 2: A Clínica da Fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.).

No entanto, uma distinção fundamental estabelecida por Lacan é entre real e fantasia. Na fantasia residiria o prazer, enquanto a realidade seria uma espécie de escolta da pulsão em concretizá-lo: ou seja, entre a realização do prazer e a pulsão por ele há a realidade, uma protetora contra eventuais efemérides danosas à vazão dessa pulsão. De modo menos metafórico, entre o real e a fantasia há a linguagem (JORGE, 2010JORGE, M. A. C. Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. Volume 2: A Clínica da Fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.), a ponte simbólica que permite ao homem transitar entre o mundo de fato e seu refúgio de gozo. Os humanos precisam de ferramentas para decifrar o real: “A realidade é aquela que vemos, a que imaginamos, portanto, dado que é a imagem com a qual temos de lidar. O real, por outro lado, é aquilo que se vê, mas que pode ser deduzido, ser demonstrado como verdadeiro” (GOROG, 2019, p.31GOROG, J. O que é real para Lacan? Stylus Revista da Psicanálise, Rio de Janeiro, n. 38, p.23-33, jul. 2019. Disponível em: http://stylus.emnuvens.com.br/cs/article/view/444/268. Acesso em: 15 ago. 2021.
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).

Já no contexto em que esse enunciado é produzido – por mulheres que são mães, em um canal virtual, em redes sociais, disseminado para vários destinatários –, o “real” equivale, a princípio, a um antônimo de “perfeita” (como será visto, esse sentido é poroso e se ressignifica de acordo com as intenções da autora). A maternidade perfeita seria uma condição forjada e impossível, em que não haveria erros e contratempos e tudo sairia como previsto e desejado – desde a educação das crianças à rotina da mãe. Ao mesmo tempo, essa maternidade “perfeita” pode ser representada (com uma foto produzida especialmente para denotar uma rotina impecável ou com um texto articulado para edulcorar as dificuldades inerentes à criação de um filho), enquanto a “real” seria impublicável. A hashtag “maternidadereal”, assim, emerge em uma tentativa de derrubar a ilusão que permeia o ofício do maternar.

A imagem de maternidade sacralizada está presente em todos os seios sociais, dos produtos de cultura de massa (como novelas e filmes) à publicidade, passando pelo senso comum, e é perpetuada pelo discurso cotidiano e pelos provérbios populares. Contemporaneamente, esse ideário encontrou fértil cultivo nas redes sociais, local em que a vida é glamourizada e em que, a partir de fotos, pode-se fazer um recorte da rotina, resumindo-a nos momentos encantadores e agradáveis – haja vista o supracitado movimento Desafio da Maternidade. Se há uma #maternidadereal é porque há a outra: maternidade dócil, açucarada, sem conflitos. Sob a égide da “maternidade real”, então, se encontrariam os tropeços, a falha, o cotidiano. Mas não apenas:

O enunciado vivo, que surgiu de modo consciente num determinado momento histórico em um meio social determinado, não pode deixar de tocar milhares de linhas dialógicas vivas envoltas pela consciência socioideológica no entorno de um dado objeto da enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social (BAKHTIN, 2015, p.49BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.).

De acordo com a sabedoria bakhtiniana, os enunciados são orgânicos e permeáveis (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.). Como a língua não pode ser represada e as margens que a delineiam nos escapam a todo instante, o mesmo valor do real pode ser designado a múltiplas situações – um momento de desabafo é “#maternidadereal”, mas um momento de ternura e aconchego também o é. A hashtag, então, migra de um rótulo de veracidade (ou até de verossimilhança) para cingir outras situações, tão plurais que chegam a perder o referencial primário - como será visto na seção de análise, já é possível encontrar “#maternidadereal” em postagens aleatórias, demonstrando a atratividade da hashtag, que passa a ser empregada menos como um slogan de causa e mais como um chamariz de uma audiência interessada em posts dessa natureza.

À parte desse uso mercadológico, a #maternidadereal, portanto, é uma resposta a uma cobrança social (tácita ou explícita) quanto a um comportamento que se espera das mães. Tal resposta pode ser tanto contestadora, refratando um status quo que exige um tipo de postura e um ideal de mãe, como apaziguadora, mostrando que a mulher está se saindo bem no papel de mãe ou encantada de sê-lo. E se a #maternidadereal surgiu para delinear uma posição axiológica e era, de fato, uma marcação identitária de um grupo de mães que se recusava a aderir a uma maternidade modular, essa fronteira foi corrompida, como será visto.

2 Interação e heteroglossia

O simples fato de haver esse tipo de postagem já merece uma reflexão. Viver é interagir, como ensina Bakhtin. E de acordo com o que postula Feuerbach, retomado por Faraco (2005)FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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, a interação é condição transcendental da existência: o EU é impossível sem TU, logo, eu só existo quando existe um tu, e é a esse que vou forjar minha existência. E por nós nos tornarmos EU a partir do OUTRO, esse “eu” precisa se mostrar e tomar posição (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5 ed. Traduzido diretamente do russo por Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.261-306.). Em um lócus em que a exposição e a opinião são privilegiadas, como as redes sociais, o EU só existe enquanto produtor de conteúdo. Os enunciados são frutos de trocas e compartilhamentos, em uma engrenagem do tipo “Quero mostrar quem sou eu, mas preciso do outro para validar”. Além disso, as redes sociais encampam um espaço de construção do EU muito específico, pois a razão de ser delas é a interação – é o primordial motivo para elas existirem, e elas só existem por isso. Como bem medita Silva (2015, p.98)SILVA, G. C. Linguagens digitais: um passeio pelas redes sociais e sua relação com a comunicação no contemporâneo à luz de Martino, Bakhtin e outros autores. In: CUNHA, A. P. A.; ROSTAS, M. H. S. G.; FREITAS, L. A. de A. (org.). Muitos caminhos, um destino: Conversas sobre educação. Pelotas: IFSul, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16729. Acesso em: 20 dez. 2022.
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Tenho a impressão de que se Bakhtin fosse vivo ele seria incansável na análise dos discursos que as redes sociais produzem. São inúmeros enunciados sendo (re)construídos a cada momento, por inúmeros sujeitos, cada qual com sua realidade de vida, valores, necessidades e entre outras coisas; num fluxo dialógico e polifônico.

A pesquisadora ainda traz uma boa definição das interações em redes sociais, à luz dos pressupostos bakhtinianos:

Portanto, pode-se dizer que as redes sociais se configuram por ser mais um espaço onde os indivíduos têm a oportunidade de produzir seus enunciados ou tentar estabelecer diálogos (carregados de valores, ideologias, intenções, entonações...), e estes são recebidos pelos outros da rede, de forma diferente para cada um, e mesmo não respondendo ou “curtindo” o que foi lido, isso produzirá uma imagem, mesmo que mentalmente, do autor, da situação daquilo que foi escrito (SILVA, 2015, p.99SILVA, G. C. Linguagens digitais: um passeio pelas redes sociais e sua relação com a comunicação no contemporâneo à luz de Martino, Bakhtin e outros autores. In: CUNHA, A. P. A.; ROSTAS, M. H. S. G.; FREITAS, L. A. de A. (org.). Muitos caminhos, um destino: Conversas sobre educação. Pelotas: IFSul, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16729. Acesso em: 20 dez. 2022.
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Faraco (2005, p.219)FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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lança uma exclamação que abrilhanta essa percepção sobre as motivações de se posicionar: “Quanta dor, quanto sofrimento, quantas fragilidades subjetivas, quanta morte psíquica pela ausência ou pela recusa do reconhecimento!”. Precisamos dessa troca para que nossa existência (e aqui, on e offline se fundem) seja consumada. Um post não curtido, não “amado”, não comentado, ou seja, um post desses ser ignorado equivale a um silenciamento, a uma falta de visibilidade, e isso gera uma fissura narcísica irreparável no sujeito. Na seara das relações virtuais, usufrui-se de ferramentas para reforçar e guiar as interações. Ao vincular o texto a uma hashtag, a possibilidade de haver esse dano diminui quando se relaciona a postagem a um recurso que a faz mais notável na plataforma como um todo, por meio dos mecanismos de busca, e não apenas para aquele recorte de seguidores. Em suma: ao inserir a tag, usuárias que procurem por ela podem encontrá-la, o que reforça os laços de identificação e de aprovação do conteúdo exposto.

Por escapar aos recortes desse breve estudo, não nos debruçaremos longamente sobre a condição de ser mãe em nossa sociedade brasileira contemporânea, mas, em síntese, pode-se afirmar: após décadas (séculos?) de voz silenciada ou abafada, as mães encontram um reduto para voltar a existir como seres humanos, para além da maternidade. A internet se transformou, ao mesmo tempo, em refúgio e palco de mulheres grávidas ou com filhos já nascidos – em postagens, blogs, fóruns e redes sociais, elas se encontram, escutam-se e falam sobre si mesmas e sobre o maternar. Nessa partilha, ao enunciar a própria maternidade, elas conseguem se apropriar dela, tornando o objeto mais palpável, com contornos mais nítidos. E se a língua é incontornável (HEIDEGGER apud FARACO, 2005), é só por meio dela que o sujeito consegue se reconhecer. Assim, escreve-se e publica-se sobre a maternidade para existir, para o outro vê-la, admirá-la, invejá-la ou mesmo acolhê-la em sua imperfeição e identificar-se com ela. “Não estou só”, alguns enunciados parecem dizer, enquanto outros sussurram “olhem para mim”.

E é por meio da língua que elas materializarão esses sentimentos, é por meio da língua que as mães comunicam as dores e os dissabores, e também é por meio da língua que elas enaltecem a prática materna. O sentimento ganha cores, texturas e camadas quando verbalizado. A língua é ideologicamente preenchida (BAKHTIN, 2005). Como expõe o estudioso, “Em cada momento concreto de sua formação, a língua é estratificada em camadas (...), em linguagem socioideológica” (BAKHTIN, 2005, p.41). A criação e a apropriação de sentidos e o deslizamento de outros formam uma identidade de grupo:

A estratificação e o heterodiscurso se ampliam e se aprofundam enquanto a língua está viva e em desenvolvimento; ao lado das forças centrípetas segue o trabalho incessante das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização verboideológica e da unificação desenvolvemse incessantemente os processos de descentralização e separação (BAKTHIN, 2005, p.41).

Cada posição axiológica materializa um enunciado. A mesma língua que cristalizou o enunciado “amor incondicional” como um axioma materno e, par e passo, como uma expressão intrínseca à vivência das mães, também deu vitalidade ao neologismo “maternar”, um verbo que em sua raiz semântica revela um comportamento especial de educar as crianças – não apenas criá-las, mas refletir, política, ideológica e conscientemente sobre esse ato –, ligado a uma posição bem-marcada axiologicamente. O “amor incondicional” e o “maternar” podem ser proferidos pela mesma mãe, no entanto, enquanto uma expressão retoma um ideário cristão, que preconiza o amor materno como divino, o maior e o único real, a outra é contemporânea e combativa, que finca um posicionamento empoderado das mulheres.

E como Bakhtin também postula, não somos a origem das palavras – tudo já foi dito, tudo já foi enunciado. Endossamos, refutamos e recriamos o discurso alheio. É nesse alarido, no que veio antes e no que antagoniza, que se forja o discurso, servindo-se de vários outros, absorvendo e repelindo, num processo contínuo e inescapável, do qual emerge a heteroglossia, outro conceito cunhado e discutido pelo filósofo e cabal para a reflexão sobre o #maternidadereal.

A heteroglossia é o pressuposto da construção desse enunciado. A heteroglossia é “A estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos sociais, modos de falar de grupos, jargões profissionais, as linguagens dos gêneros (...)” (Bakhtin, 2015, p.29), e o filósofo segue arrolando diversas instâncias em que a linguagem pode ser partida, ou, por outra, citando diferenças de diversos níveis (sociais, culturais) e âmbitos (faixa etária, sexo) que cristalizam um modo de falar, um tom, uma voz. Nas palavras de Faraco (2005, p.219)FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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, heteroglossia é “um conjunto de múltiplo e heterogêneo de vozes ou línguas sociais e (...) o contínuo processo de encontros e desencontros, de aceitação e recusa, de absorção e transmutação das vozes sociais – fenômeno que ele [Bakhtin] designa de heteroglossia dialogizada”.

A heteroglossia, então, é essa convivência entre múltiplas vozes – todas falam a mesma língua, mas cada um dissolve, em sua semântica, em sua sintaxe, as particularidades, as ideologias, as diversidades socioculturais que cingem aquele determinado grupo que aquiesce àquele discurso. Essa dissonância é identificada nos discursos relativos à maternidade. Se o falar sobre a maternidade que se liga a uma tradição mais cristã tem um paladar mais adocicado, com palavras que inspiram docilidade e romantizam os relatos (o uso de diminutivos ou de um vocabulário infantil são, assim, instrumentais para conferir esse tom mais meigo), os enunciados filiados a essa “maternidade real” são mais áridos, mais assertivos, mais cortantes. E não é apenas nessa vocalidade que eles se distinguem – o conteúdo, por certo, é o grande fiador da questão: a mesma língua e o mesmo objeto podem ser tratados com abordagens distintas – de um lado, uma experiência cor-de-rosa e apaixonada enunciada por algumas mães; de outro, um mergulho mais profundo e íntimo, do qual emergem dores e desabafos. Na heteroglossia dialogizada, o ideário sobre ser mãe é tecido por diferentes vozes, desde a que ratifica a sacralização da função à voz que se insurge contra esse dogma. Há, portanto, um discurso hegemônico, em que se perpetua o citado discurso cristalizado e romantizado, e um discurso contra-hegemônico, que agora emerge e que se opõe a essa romantização. Como se verá, os enunciados aqui analisados são exemplos de heteroglossia porque pertencem a diferentes mulheres, que estão assujeitadas a diferentes contextos, e ora se filiam ao discurso hegemônico, ora ao contra-hegemônico. Idade, classe social, número de filhos, presença ou não de um parceiro, momento de vida são alguns dos elementos que modalizam a voz das enunciadoras e engendram a linguagem de acordo com as experiências e com as intenções daquela postagem – e esse conjunto plural de postagens, ainda que bastante restrito, de acordo com os limites deste artigo, já suscita alguns apontamentos sobre o que essas mães consideram o “real” da maternidade.

3 Análise de enunciados

Em uma busca rápida no Instagram, foram encontradas mais de 7 milhões de entradas etiquetadas com a “#maternidadereal”. Esse número é representativo, pois mostra como a expressão é produtiva e tem sido largamente empregada – como se nota, seu uso é direcionado para qualquer temática ligada à maternidade, de postagens com pouco conteúdo na legenda até a textos mais longos e complexos, em que há o relato de alguma dor ou epifania da autora daquele discurso. Como ensina Bakhtin (2005, p.48), “O discurso pode individualizar-se estilisticamente e enforma-se no processo mesmo de interação viva com esse meio específico”. Ou seja, cada enunciado terá o tom e o tempero de sua autora, tornando-se único, ainda que confeccionado por todos esses dizeres associados aos discursos maternos. Não há um discurso “puro”, todos são maculados pela palavra alheia.

O discurso voltado para seu objeto (...) entrelaça-se com suas complexas relações mútuas, funde-se com uns, afasta-se de outros, cruza-se com terceiros; e tudo isso pode formar com fundamentos o discurso, ajustar-se em todas as suas camadas semânticas, tornar complexa sua expressão, influenciar toda a sua feição estilística (BAKHTIN, 2015, p.48).

E ao mesmo tempo que esses enunciados estão impregnados da fala alheia, neste jogo de interação, os usuários agem com e sobre a língua, e a matizam para hastear as próprias bandeiras, privilegiando certos vocábulos e expressões que direcionam o discurso para determinadas posições axiológicas. Há sempre o movimento duplo de atividade (HUMBOLDBT apud FARACO, 2005FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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), de algo que permanece, de visões e ideários que se perpetuam, se solidificam e se ramificam através do tempo e das gerações, e algo transitório, elaborado intelectualmente, um trabalho individual mental, de criatividade e de renovação. É assim que as significações emergem: “(...) nesse complexo jogo claro-escuro entra o discurso que dele se impregna, que nele lapida seus próprios contornos semânticos” (FARACO, 2005, p.220FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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). Como determinam Gadet e Pêcheux (apud FARACO, 2005, p.220FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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), “o sentido não preexiste à sua constituição nos processos discursivos”, ou seja, o sentido está subordinado ao sujeito que o enuncia, o qual, por sua vez, aponta o enunciado para um discurso com que dialogiza e ao qual se filia. “#maternidadereal” pode ir além de um posicionamento e virar um grito de defesa, uma tentativa de apaziguamento psíquico ou mesmo uma manobra de pertencimento. Como será evidenciado nos posts, cada autora mobilizará os próprios sentidos ao usufruir da expressão. Ademais, como ensina Faraco (2009, p.7)FARACO, C. O problema do conteúdo, do material e da forma na arte verbal. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009. p.95-111., “Todo ato cultural (aí incluído todo e qualquer enunciado concreto, toda e qualquer manifestação da linguagem verbal situada) é, primordialmente, um ato responsivo”, e esse ato assume uma posição axiológica, evidenciando valores com os quais compactua. O sentido de #maternidadereal será aquele que compactuar com o repertório de vivências e crenças da autora, que pode tanto pertencer às práticas vinculadas ao discurso tradicional sobre ser mãe como contestá-lo. Além disso, assim como a língua é viva, os enunciados, mesmo os cristalizados, que a constituem também o são. Se #maternidadereal foi concebido em um momento de confronto, para marcar a dissonância a um discurso hegemônico e indicar um posicionamento antagônico à visão romantizada de maternidade, agora seu emprego não obedece necessariamente a tal regra, e sim ganha vida, cores e camadas. “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 2010, p.265): não se perde a função primária com que a hashtag foi idealizada, mas incorporam-se sentidos a ela à medida que se dissemina seu uso para diferentes mães.

A seguir, foram selecionadas 5 postagens com tal tag, que serão analisadas à luz dos preceitos ora discutidos. A escolha dessas postagens foi realizada aleatoriamente ao longo da primeira quinzena do mês de março de 2021 a partir da busca, na ferramenta do Instagram, pela #maternidadereal. Não houve, à ocasião, nenhum outro filtro que balizasse a seleção, apenas a atenção para abarcar diferentes perfis de mães, de modo a capturar o uso vivo da hashtag. Para manter a privacidade das autoras, foram omitidos os nomes das usuárias das contas bem como dos filhos.

Post 1 - #maternidadereal com diálogo publicitário

Na conta da usuária 1, em uma postagem de 21 de abril de 2021, consta a seguinte legenda:

Eeeee mamãe, 24 semanas, todo mundo já vê que você não anda sozinha

#gravida #gestante #maedemenina #gravidez #maedemenino #materni dade #bebe #baby #maededuas #love #maternidadereal #photography #familia #modagestante #mamae #gestação #mom #momlife

Como já aventado, “#maternidadereal” pode ser apenas um chamariz de público, sem, de fato, vincular uma reflexão sobre um maternar com (e de) verdade. Não há, na materialidade linguística do enunciado, nenhum indício do que seria a “maternidade real” ou como a autora a significa – a marcação, portanto, assim como as outras que a acompanham, como “#mamae” ou “#gestação”, não tem o intuito de relatar um episódio da vida dessa mãe ou um relato específico, e sim vincular essa postagem a um sistema de buscas que pode ser acionado por outras usuárias em busca desse tipo de conteúdo. Postagens publicitárias, por exemplo, valem-se dessa estratégia sem que o material possua traços do relato que se esperaria encontrar com tal hashtag. Esse é um exemplo de post que apenas reproduz a expressão para ecoar uma tendência, haja vista as outras marcações que vinham acompanhadas à publicação. O “real” aqui, portanto, é esvaziado da interpretação lacaniana. A foto que ilustra o post mostra uma mulher grávida exibindo um vestido vermelho. Não se pode, contudo, dizer que esse seja um enunciado neutro, visto o teor publicitário que o permeia. A transparência é uma falácia, como pondera Faraco (2005)FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244. Acesso em: 18 mar. 2023.
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. O sentido não é mera decodificação do signo, mas fruto de camadas mais profundas que podem escapar à própria racionalização do indivíduo. Neste caso, o sentido só é apreendido quando se reflete sobre o contexto – o desejo de venda e a intenção de conversar com mulheres que talvez procurem por essa hashtag. A voz enunciadora dessa postagem, além de vendedora (ou influencer, na linguagem cibernética), é uma mãe solo que tira renda da internet, ou seja, além de desejar promover produtos, existe uma espécie de autoridade desse sujeito para falar sobre maternidade.

Post 2 - #maternidadereal com o amor em evidência

Em uma postagem da usuária 2, no dia 10 de março de 2021, lê-se a seguinte legenda:

MESVERSÁRIO DA MINHA PRINCESA!

Há 9 meses nasceu o melhor de mim, minha pequena e doce X. O maior amor da minha vida, o meu sonho em forma de gente, o pedacinho de céu que Deus mandou com o propósito de mudar completamente a minha vida, começando de dentro pra fora de mim. Nove meses que pude sentir a maior benção de toda minha vida a mim concebida, a minha filha, a minha luz, esse pedacinho da mamãe fora do corpo dela. Ainda sinto a sensação de estar bem juntinha sentindo cada pequeno movimento teu, minha bonequinha. Desde que você nasceu, minha X, eu conheci o meu melhor lado, a minha melhor versão, a minha mais potente arma, O AMOR! Nasceu junto de ti uma mãe, uma verdadeira mulher. Jamais imaginei que seria tão forte o quanto hoje sou. Maternidade não é fácil, mas sem dúvidas é a melhor escola da vida. Sei que desde que eu te vi e senti teu cheirinho pela primeira vez, eu deixei para trás uma menina inocente e boba e pude enxergar a vida como realmente é. Contos de fadas não existem. Mas sem dúvidas ser mãe vai muito além disso. Deus tem um propósito muito grande para a nossa vida, nós duas, eu por você e você por mim, minha menina linda. Deus, obrigado pelo maior presente que eu poderia ganhar, minha filha, minha menininha, minha doce X. Eu sou realizada por ter você, todo amor do mundo eu tenho pra te dar! Te amo muito além do que qualquer outra pessoa nesse mundo. Sem você minha vida não teria sentido. Te amo incondicionalmente, filha.

•#amordemae #mae #maternidadereal #maternidade #amorverdadeiro #amorpuro

Neste exemplo, logo nas primeiras palavras, é latente a paixão com que a mãe descreve a maternidade, demonstrando estar embriagada com o sentimento que é ter um filho. Já-ditos e mesmo expressões de uso corrente são encontrados neste excerto, como “melhor de mim”, “maior amor da minha vida”, “pedacinho do céu”, “melhor lado”, “maior presente”, “te amo incondicionalmente”.

A linguagem é carregada de adjetivos, superlativos e diminutivos, o que traz um tom mais adocicado e exalta tanto o papel de mãe assumido como a presença da bebê em sua vida. Esse é um ponto sensível, aliás: o tom elogioso não é só à maternidade, mas igualmente a si mesma como mãe.

As ressalvas não têm força e desaparecem em meio ao derramamento romântico, pois não são desenvolvidas e, novamente, parecem ecoar o que já foi dito, em um ato quase automatizado de organizar os discursos alheios sobre as dificuldades apenas para mencionar que eles existem, sem a própria autora afiançá-los. Neste post, o eixo axiológico estruturante é o hegemônico, enquanto o supradestinatário é manejado, justamente, para reforçar essa hegemonia, e ele é tanto o discurso religioso (com menção direta a Deus) quanto o senso comum (com as frases-feitas), que se unem e se completam na missão de cimentar o ideário imaculado da maternidade. Como retoma Bakhtin (2002, p.86),

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social.

Trechos como “Maternidade não é fácil, mas sem dúvidas é a melhor escola da vida” simbolizam isso, pois a autora não escreve em que sentido não é fácil e qual é o aprendizado que obteve desde que virou mãe. Já o excerto: “Sei que desde que eu te vi e senti teu cheirinho pela primeira vez, eu deixei para trás uma menina inocente e boba e pude enxergar a vida como realmente é. Contos de fadas não existem. Mas sem dúvidas ser mãe vai muito além disso.” talvez remeta à ideia de #maternidadereal com a qual a postagem é marcada, mas a despeito dessa afirmação, toda a construção e a linguagem aludem a um conto-de-fadas, há uma “cadência cor-de-rosa”, que embala o amor materno quase como um sentimento diáfano, tão grande e poderoso que oblitera qualquer dificuldade – que até existe, mas é tão minúscula que sequer merece ser comentada. O “real” aqui, forjado por meio das palavras, simboliza uma maternidade que retoma um ideário de sacralidade e perfeição, ou seja, a “maternidade real” desta autora é virtuosa, amparada em experiências amorosas e transformadoras. O “real”, portanto, aqui retratado é o “real” da paixão, imiscuído à fantasia e realçado por meio da linguagem.

Post 3 - #maternidadereal: a mãe ainda é uma pessoa

Em uma postagem da usuária 3, no dia 14 de março de 2021, lê-se a seguinte legenda:

Você é mãe, mas ainda é a Ana. Você é mãe, mas ainda é a Bia. Você é mãe, mas ainda é a Joana, Renata, Carol, Letícia... Você é mãe, não uma máquina. Você é feita de ossos, sangue, pele, não ferro. Você, antes de tudo, é humana. Você se sente cansada, indisposta muitas vezes e desanimada algumas vezes, e quer saber? Tá tudo bem! Porque vamos ser bem sinceros, ser mãe é uma das coisas mais incríveis do mundo, mas na maternidade real, nos sentimos assim muitas vezes. Então não se sinta culpada por pedir pra alguém ficar com o seu filho(a) uns minutos pra você poder tomar um banho, comer, caminhar, fazer algo só pra você... Você mais do que merece tirar um dia pra tomar aquele banho bem demorado, se maquiar, fazer aquela hidratação no cabelo e por aquela roupa que você se sente maravilhosa e tirar lindas fotos. Você não só merece, como PRECISA disso. Ponha na sua cabeça que você PRECISA cuidar de si mesma. Que você DEVE se amar e dar atenção a você também. Que você é um HUMANO, com sentimentos, pensamentos e emoções, como qualquer outra pessoa. Muitas pessoas gostam de por nas nossas cabeças que depois que nos tornamos mães somos apenas mãe, NÃO! Antes de ser mãe você já era uma mulher, você já era filha, você já era namorada/esposa, você já era amiga, você já era VOCÊ.

#autocuidado #makeup #mulher #saudemental #maternidadereal #bele za #maeadolescente #mãe

Se no post anterior a autora se autoexultava como mãe, aqui a #maternidadereal opera em outro sentido: apesar de ser mãe, você é uma pessoa. Sua vida não pode ser resumida à maternidade. A mãe-autora pondera: “ser mãe é uma das coisas mais incríveis do mundo”, mas, diferente do post anterior, essa afirmação positiva é diluída ao longo do texto, em que se revelam vicissitudes advindas da condição materna. O “real”, neste contexto, opera como uma ressalva: apesar de ser mãe, a progenitora continua sendo um indivíduo, um sujeito independente daquele ser a quem deu a vida. Como já citado, sendo o “real o impossível de ser simbolizado”, essa mãe “real” está buscando, por meio da linguagem (e desse post), representar como se vê neste papel e tateando, na materialidade verbal, a própria identidade, diluída entre o sujeito que é e o sujeito-mãe que se tornou.

Além disso, há um trabalho de humanização da mãe – enquanto o Post 2 fala em Deus, aqui a palavra “HUMANO” é até ressaltada, em caixa alta, relembrando que sentimentos, pensamentos e emoções (nem sempre elevados e bonitos) são comuns a todos. Mesmo no início, a autora reforça: mães são feitas de sangue, pele e ossos, não são seres diáfanos e imunes a tristezas, decepções e enfados.

Aqui, nota-se que o #maternidadereal está vinculado a uma ideia de desmistificar a aura sacralizada da maternidade. Nesta maternidade real, a mãe não se anula e não deixa de existir como sujeito, em toda complexidade de papéis e até de máscaras sociais que esse indivíduo incorpora, só porque teve filhos. A autora desse post, vale salientar, é uma mãe adolescente, que teve a filha aos 18 anos e não é casada.

Interessante notar que aqui se evoca uma voz do outro (que seria, justamente, o eixo axiológico hegemônico) – “Muitas pessoas gostam de pôr na nossa cabeça que depois que nos tornamos mães somos apenas mães, NÃO!” –, num gestual responsivo e refratário de um discurso socialmente já sedimentado, que neste trabalho estamos assumindo como o discurso vigente e tradicional. Aqui se visualizam as duas posições axiológicas em confronto: enquanto uma é partidária de uma maternidade pacificada e abnegada, em que a vida da mãe se volta totalmente à criança, uma nova posição, antagônica a essa, emerge, contestando esse senso comum que determinou (e ainda determina) as práticas e os estereótipos sociais. É nessa caudalosa rede, em que discursos se confrontam, se completam e se dispersam que o heterodiscurso sobre a maternidade se forja.

Post 4 - #Maternidadereal: entre o cansaço e o amor

Em uma postagem da usuária 4, no dia 12 de março de 2021, lê-se a seguinte legenda: “Motivo dos meus cabelos brancos! Mas ao olhar essa foto eu me sinto a mulher mais forte desse mundo! Da mesma forma que me tiram as forças eles me fortalecem! Como você se sente ao olhar seus filhos?”

Este post, embora curto, é emblemático por comprovar a dualidade inescapável em que se encontra a maternidade: os filhos são a força da mãe e tiram a força da mulher. São o motivo dos cabelos brancos, mas são o motivo do sorriso (na foto que acompanha o texto, a autora está com os quatro filhos ao redor de uma mesa de aniversário, claramente feliz com a presença das crianças). A heteroglossia é a base desse discurso: temos aqui alguém - uma mãe de quatro crianças, ou seja, com experiência nesse ofício - que já se sente à vontade para confessar que a maternidade não é apenas maravilhosa, mas também constituída por dificuldades e esgotamento, todavia, concomitantemente, ainda vê romantismo e é feliz nessa função. Talvez esse seja um exemplo de #maternidadereal, em que se intercalam uma mistura de sentimentos, e o maniqueísmo do “amor incondicional” é trocado pela honestidade de um amor que existe e resiste, no entanto, também cansa. O eixo axiológico, portanto, é um ponto de equilíbrio entre o discurso hegemônico e o contra-hegemônico, enquanto o “real” não é um confronto entre a fantasia e a rotina, e sim o encontro das duas.

Post 5 - #maternidadereal - vicissitude e publicidade

Em uma postagem da usuária 5, no dia 10 de março de 2021, lê-se a seguinte legenda:

Quem me acompanha aqui sabe da minha luta contra o refluxo da X! Graças a Deus Gabi está melhor e eu mais tranquila também. Vocês sabem o quanto fiquei fragilizada e com medo depois dos engasgos que ela teve. O que salvou e tem me ajudado diariamente é o colchão antirefluxo da @(loja) Melhorou muito a qualidade de sono dela e consequentemente da mamãe e do papai também! Esse colchão além de ser muito confortável, foi projetado para combater os efeitos negativos do refluxo. A posição supina e a elevação de 45º influem positivamente no processo digestivo, impedindo que o leite "volte" e o bebê regurgite, melhorando azia e dores abdominais, possibilitando que o bebê sofra menos e durma muito melhor.

Estou compartilhando com vocês, por que eu tenho certeza que essa dica pode ajudar muitas famílias. Afinal estamos juntas nessa missão tão linda que é a maternidade.

#maternidadereal #maedemenina #refluxoembebes #refluxo #mamaep rimeiraviagem

Este é um post peculiar e por isso foi selecionado para esta análise: ao mesmo tempo em que a mãe relata um problema de saúde da filha (ou seja, há, sim, uma questão séria que envolve o bem-estar da criança, compromete a qualidade de vida e gera legítimas preocupações), aproveita-se dele para divulgar uma marca, em uma ação publicitária (nesse caso, discreta e quase disfarçada) para promover a loja de colchões. Como esse debate escapa ao recorte do presente ensaio, não nos aprofundaremos, mas fato é que a carreira de influenciadora materna se mostra profícua nas redes sociais: influenciadoras são mães que usam de sua volumosa rede de seguidores para ditar tendências e modas, além de incutir determinadas ideias de consumo e promover produtos e marcas. É uma prática comum conjugar um anúncio a um post com uma pauta da realidade daquela mãe, com algum fato de sua vida e de sua experiência para dar mais credibilidade ao que se divulga. Esta mãe, aliás, assume essa posição-sujeito de influenciadora: é uma mulher de 30 anos, classe média-alta, empresária com mais de 30 mil seguidores. Diferente aqui do Post 1, há um discurso que embasa essa venda – o tom médico/científico, inclusive, até se sobrepõe ao tom materno, e é ele quem assume o eixo axiológico dominante para credibilizar o produto proposto e que motiva a publicação. As primeiras linhas anunciam que a mãe trava uma luta contra o refluxo do bebê, momento em que se sublinha o “real”, ou seja, a maternidade não é só feita de alegrias, mas também de batalhas práticas, e para essas batalhas é que se lançam mão de artefatos especiais. O “real”, ainda, sinaliza que adversidades não apenas emocionais, como também efetivas, são naturais à maternidade: um bebê com refluxo, condição que precisa de tratamento, não é o bebê calmo e sorridente que protagoniza as redes sociais, e sim um ser com demandas que fogem à fantasia e viram práticas, concretas. Ao final, a autora ainda fala em “dica”, reforçando a ideia de que a maternidade é uma rede de apoio e que compartilhar saberes fortalece todos envolvidos nela. Esse enunciado orienta-se mais ao eixo hegemônico do discurso, pois apesar de vinculado à #maternidadereal, não traz rupturas e nem se direciona a confrontar o ideário romantizado, mas sim auxiliar outras mães de uma maneira mais objetiva.

Considerações finais

A internet possibilitou o acesso a uma escrita particular: os desabafos maternos. Mergulhadas nas trocas favorecidas pelas redes sociais, mães de múltiplas vivências e biografias agora podem enunciar como se sentem em relação à própria maternidade – e desfrutam largamente dessa ferramenta. Essa abertura também jogou luz a um aspecto até então pouco falado e divulgado sobre o ofício: as dores, os problemas, os dias ruins.

Buscou-se, neste breve artigo, ilustrar como a heteroglossia é materializada em enunciados com visões divergentes – ideologicamente, a concepção de ser “mãe” e de “maternidade” não é unívoca, tendo cada autora uma posição-sujeito em relação a esses objetos, ora hegemônica em relação ao discurso dominante (ou seja, uma visão romantizada, que associa a maternidade à sacralidade), ora contra-hegemônica (a qual assume uma postura mais crítica em relação ao maternar, desvelando também as vicissitudes naturais à função). Neste contexto, emerge a hashtag “#maternidadereal”, que se foi concebida justamente para denunciar um lado menos aclamado da maternidade, hoje, viralizada nas redes, é empregada com diferentes fitos. Tal multiplicidade de posições é abordada nos próprios enunciados, direta ou indiretamente, para corroborar ou para ressalvar o ponto de vista (independentemente da posição axiomática assumida por cada uma), o que caracteriza na matéria viva a presença da heteroglossia nesses discursos. O “real”, assim, também é recortado de maneiras particulares: enquanto o real para uma mãe é a perda da identidade, para outra pode ser, justamente, a alegria de ter um filho. Esse entendimento é fulcral para se esquadrinhar o ideário acerca da maternidade que se fomenta contemporaneamente: ainda que se viva um momento de rupturas e intensas transformações sociopolíticas e culturais, em que o papel da mãe é debatido e repensado, a existência de diferentes “reais” ratifica que discursos não morrem e nem são substituídos, mas sim se revitalizam, em um fluxo contínuo de respostas aos enunciados do mesmo eixo axiológico.

O que se pode depreender desse estudo é que a voz do outro (seja vindoura do senso comum, seja de instâncias institucionais, como a religiosa) não apenas é evocada, como é basilar na construção do próprio discurso. É a partir dessa interação que as autoras significam a própria maternidade e procuram um equilíbrio entre a romantização e a criticidade – mas ambas, sem dúvidas, reais.

  • 1
    Vale citar como trabalhos emblemáticos neste recorte: Oliveira-Cruz e Mendonça (2021)OLIVEIRA-CRUZ, M. F.; MENDONÇA, M. C. (org.). Maternidade nas mídias. Santa Maria: Facos - UFSM, 2021. Disponível em: https://www.ufsm.br/editoras/facos/maternidade-nas-midias-2. Acesso em: 14 dez. 2022.
    https://www.ufsm.br/editoras/facos/mater...
    e Lauxen e Quadrado (2018)LAUXEN, J., & QUADRADO, R. P. Maternidade sem romantismos: alguns olhares sobre as maternidades e os sujeitos-mãe na contemporaneidade. RELACult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, n. 4, 2018. Disponível em: https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/775. Acesso em: 12 fev. 2021.
    https://periodicos.claec.org/index.php/r...
    .
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 5 ed. Tradução de Aurora F. Bernadini et al São Paulo: Editora Hucitec, 2002. p.71-164.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5 ed. Traduzido diretamente do russo por Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.261-306.
  • BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.
  • FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio, v. 3, n. 1, p.214-221, 2005. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244 Acesso em: 18 mar. 2023.
    » https://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/6244
  • FARACO, C. O problema do conteúdo, do material e da forma na arte verbal. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: dialogismo e polifonia São Paulo: Contexto, 2009. p.95-111.
  • GOROG, J. O que é real para Lacan? Stylus Revista da Psicanálise, Rio de Janeiro, n. 38, p.23-33, jul. 2019. Disponível em: http://stylus.emnuvens.com.br/cs/article/view/444/268 Acesso em: 15 ago. 2021.
    » http://stylus.emnuvens.com.br/cs/article/view/444/268
  • JORGE, M. A. C. Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. Volume 2: A Clínica da Fantasia Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
  • LAUXEN, J., & QUADRADO, R. P. Maternidade sem romantismos: alguns olhares sobre as maternidades e os sujeitos-mãe na contemporaneidade. RELACult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, n. 4, 2018. Disponível em: https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/775 Acesso em: 12 fev. 2021.
    » https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/775
  • OLIVEIRA-CRUZ, M. F.; MENDONÇA, M. C. (org.). Maternidade nas mídias Santa Maria: Facos - UFSM, 2021. Disponível em: https://www.ufsm.br/editoras/facos/maternidade-nas-midias-2 Acesso em: 14 dez. 2022.
    » https://www.ufsm.br/editoras/facos/maternidade-nas-midias-2
  • SILVA, G. C. Linguagens digitais: um passeio pelas redes sociais e sua relação com a comunicação no contemporâneo à luz de Martino, Bakhtin e outros autores. In: CUNHA, A. P. A.; ROSTAS, M. H. S. G.; FREITAS, L. A. de A. (org.). Muitos caminhos, um destino: Conversas sobre educação. Pelotas: IFSul, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16729 Acesso em: 20 dez. 2022.
    » https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16729
  • TROTTA, C. #MaternidadeReal: conteúdo impróprio. In: 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, agosto de 2016, João Pessoa/PB. Anais da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia Disponível em: http://www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcy I7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTEiO30iO3M6MToi aCI7czozMjoiNGVlMmFkNGYyMTFjYTJiNDAyMDJiN2VmODVlMmIyMWUiO30 %3D Acesso em: 18 fev. 2021.
    » http://www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcy I7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTEiO30iO3M6MToi aCI7czozMjoiNGVlMmFkNGYyMTFjYTJiNDAyMDJiN2VmODVlMmIyMWUiO30 %3D

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O artigo aborda um tema bastante contemporâneo, de muita plasticidade à gramática bakhtiniana (redes sociais e maternidade real) e, potencialmente, inovador se forem reformuladas as seguintes questões:

1- A perspectiva ética implicada no dialogismo requer um posicionamento dos(as) autores(as) sobre o tema em questão. Do contrário, a escrita acaba se tornando apenas uma espécie de aplicação de noções filosóficas ao tema da maternidade real. Seria interessante elaborar em que o artigo acrescenta tanto à perspectiva, como ao debate do tema no mundo da vida;

2- Como a alegoria bakhtiniana da carnavalização dialoga com o debate conceitual proposto? Os novos usos da #maternidadereal não seriam um modo de subverter a curiosa reconstrução narrativa da expressão? Não está explícito no artigo o critério para a escolha das noções empreendidas no trabalho interpretativo. Também a dialética, a força transformadora do dado, como campo expressivo social, não lança questões ou desafios para ao vocabulário filosófico escolhido;

3- Torna-se importante esclarecer o critério para a escolha das postagens, sua força de representatividade para o tema. Considero também necessária a ampliação ou aprofundamento do dialogismo na própria forma de compreender/ler os enunciados - as ambiguidades e responsividade a possíveis outridades em jogo em tais construções enunciativas.

Penso que sem esses ajustes o argumento do artigo perde sua força inovadora e de contribuição para a abordagem bakhtiniana. APROVADO COM RESTRIÇÕES

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    27 Jul 2022

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

Trata-se de um texto muito bem escrito, claro, e que constrói paulatinamente, sua argumentação, conduzindo o leitor a seguir a proposta do artigo, desde o título. É um trabalho original, pois pouco explorado no que se refere à temática (#maternidadereal), à luz de uma visão bakhtiniana, e, mais do que isso, atual, já que traz como base para suas discussões os discursos que circulam nas redes sociais, portanto, igualmente relevante do ponto de vista de um diálogo com a sociedade. O autor consegue mostrar como os posts de algumas mães podem ser analisados e compreendidos em uma clara articulação com os conceitos teóricos que lhe servem de base. Há, assim, uma grande contribuição para os estudos bakhtinianos e, de um modo geral, para a área do Discurso.

Entretanto, ressalto alguns pontos que necessitam de adequação para a publicação do texto.

O primeiro, diz respeito ao fato de os objetivos propostos no resumo não serem os mesmos propostos no corpo do artigo. Retomo, aqui, as palavras do autor:

Resumo (p.1)

“1) refletir sobre a expressão "#maternidadereal, empregada em postagens de internet.

a) À luz do conceito de heteroglossia, de Mikhail Bakhtin, essa observação partirá da ideia de interação, gesto comportamental e linguístico basilar nas redes sociais.

b) Além disso, o sentido de “real” será ponderado a partir da teoria de Jacques Lacan, para delinear as diferenças entre o discurso hegemônico da maternidade tradicional, de romantização, e o discurso contemporâneo e contra-hegemônico, por meio do qual a maternidade pode ser desabafada em suas dores.

c) Por fim, para se verificar como esses discursos se cruzam na materialidade da língua, 5 posts com a tag #maternidadereal serão analisados, determinando, por meio de suas marcas, a que eixo axiológico eles se filiam”.

Artigo (p.2)

“O presente artigo, então, irá refletir sobre a produção de 5 postagens do Instagram que contêm o discurso ligado à “maternidade real”, iluminando-o sob a luz da sabedoria bakhtiniana a partir de conceitos como interação, real, gênero do discurso e heteroglossia.”

No resumo, portanto, há a proposta de se explorar as noções de “interação”, “heteroglossia”, “real”, “gesto comportamental” e no início do artigo apresenta-se como reflexão os conceitos de “interação”, “real”, “gênero do discurso” e “heteroglossia”. Assim, em um primeiro momento, é necessário realizar modificações para que os objetivos sejam os mesmos tanto no resumo quanto no corpo do texto.

Além disso, a noção de “gesto comportamental” não é retomada ao longo do texto, nem nas análises. Assim, caso o autor opte por mantê-la, ele deve retomá-la ao longo do texto e, principalmente nas análises.

Já o conceito de “real” é de fato explorado na parte teórica do texto, mas não é retomado nas análises e, considerando a importância dessa noção, acredito que ele deva ser incluído nas discussões dos posts.

No que tange à noção de “gênero do discurso”, ela aparece apenas mais uma vez ao longo do texto, não sendo explorada nem do ponto de vista teórico nem das análises. Diante disso, deve-se avaliar se essa noção é profícua para a proposta do texto e, se for, deve ser de fato discutida nos dois âmbitos.

Há um outro ponto que me parece relevante ser trazido, desta vez na introdução do trabalho: foi feita uma pesquisa (exaustiva ou não) sobre a existência de outros trabalhos (além do citado) sobre essa temática? Sobre posts? À luz da mesma teoria? O que dizem esses trabalhos? Em que o trabalho do autor contribui para o que já foi feito?

Há dois momentos no texto que me parecem precisar de reformulação para maior clareza: p.2: “Sendo o enunciado unidades concretas e únicas do uso da língua (...)”; sugestão: Sendo o enunciado constituído de unidades concretas (...)

Por fim, chamo a atenção para a parte das considerações finais que devem ser um lócus de retomada dos objetivos propostos e também deveria apontar limitações do estudo, bem como reflexões prospectivas a partir do que se observou no texto. Nesse sentido, esse item necessita igualmente de desenvolvimento por parte do autor, tem-se a impressão de um fechamento abrupto do texto, sem que os devidos aspectos tenham sido contemplados. p.4: “De modo menos metafórico, entre o real e a fantasia há a linguagem (JORGE, 2010JORGE, M. A. C. Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. Volume 2: A Clínica da Fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.), a ponte simbólica em que o homem transita entre o mundo de fato e seu refúgio de gozo.” Sugestão: (....) a ponte simbólica que permite ao homem transitar entre o mundo (....)” APROVADO COM RESTRIÇÕES

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    8 Ago 2022

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

A autora do artigo realizou todas as modificações necessárias para a publicação do artigo. Há apenas 3 ajustes a serem feitos, a meu ver, para a versão final:

p.9: "aceitação e recusa, de absorção e transmutação das vozes sociais - fenômeno que ele [Bakhtin] designa de heteroglossia dialogizada”. (falta um "o" em "heteroglossia")

p.12: "hegemônico e indicar um posicionamento antagônico à visão romantizada de ..." (concordância: "posicionamento antagônico" e não "antagônica")

p.19: "um bebê com refluxo, condição que precisa de tratamento, não é o bebê calmo e sorridente que protagoniza as redes sociais, e sim um ser com demandas que fogem à fantasia e viram de ordem factual."(clareza: "e viram de ordem factual" não está muito claro.) APROVADO

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Set 2022

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
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