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Poesia e acervos orais na urdidura dos poemas de Batata cozida, mingau de cará, de Eloí Bocheco

RESUMO

Neste estudo, a poesia oral é observada enquanto manifestação estética e a atenção se volta aos poemas que rememoram a infância cuja inspiração é o acervo oral. Apresentam-se coordenadas que favorecem a observação das propriedades poéticas e criativas do referido gênero poético, a partir das quais são analisados poemas da obra Batata cozida, mingau de cará (2006), de Eloí Bocheco. Desse modo, pode-se afirmar que a poética para a infância compreendida pela proposta da escritora permite ao pequeno leitor transitar, na mesma criação, pelo conhecido, isto é, pelos elementos da poesia oral quase sempre recuperados da tradição popular; e pelo que ele conhece na mesma oportunidade: o poema de autoria declarada, que pressupõe um trabalho urdido basicamente na escrita. Além disso, tais poemas podem ser compreendidos como variação dos poemas da tradição oral, que se renovam no limiar entre a oralidade e a escrita, num jogo lúdico com os dois códigos.

PALAVRAS-CHAVE:
Poesia oral; Poemas para a infância; Eloí; Bocheco

ABSTRACT

This study observes oral poetry as an aesthetic manifestation and attention, especially to poems that recall childhood in which the inspiration is the oral collection. Coordinates favor following the poetic and creative properties of the aforementioned poetic genre, from which verses from the book Batata cozida, mingau de cará [Cooked Potato, Yam Porridge], written by Eloí Bocheco (2006)BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., are analyzed. Thus, it can be said that the poetics for childhood understood by the writer’s proposal allows the little reader to transit, in the same creation, through the known, that is, throughout the elements of oral poetry almost always recovered from the popular tradition; and for what he knows at the same opportunity: the poem of declared authorship, which presupposes a work woven basically in writing. In addition, such verses can be understood as a variation of the oral tradition, renewed on the threshold between orality and writing, in a playful game with both codes.

KEYWORDS:
Oral Poetry; Poems for Childhood; Eloí; Bocheco

Entrou em mim a poesia

na forma de uma canção

que falava de uma rua

com pedrinhas de brilhantes

e de um anjo solitário

que vivia por ali

e roubou um coração.

Sonia Junqueira

Introdução

Poesia na varanda (2012), obra de Sonia Junqueira, com ilustrações de Flávio Fargas, explora a metapoesia, expondo ao leitor processos e aspectos dos bastidores da escrita poética que, nesta obra, é a inspiração ou o estímulo para a criação literária. Desse feito, a voz lírica revela, em cada estrofe, um motivo diferente para a criação poética e, ao se deixar perceber por esse viés, menciona, na terceira estrofe, utilizada como epígrafe, a influência da poesia oral enquanto manifestação estética, pontuando a sua relação com a musicalidade e sua capacidade de arrebatamento das emoções.

Muitos são os caminhos para a criação de poemas para a infância, pois muitas são as escolhas das quais o poeta ou a poeta podem lançar mão para a elaboração dos poemas que pretendem endereçar às crianças. Desse conjunto imenso de possibilidades, interessa-nos, neste estudo, os poemas inspirados pela oralidade, por isso a referência ao poema de Junqueira (2012)JUNQUEIRA, Sônia. Poesia na varanda. Ilustrações de Flávio Fargas. São Paulo: Autêntica, 2012. nos é importante. Apesar de não ser uma escrita que recria os poemas da tradição oral e, a partir dela, apresenta outro poema, na terceira estrofe, o sujeito lírico comunica com que eficiência - dentre os elementos que lhe despertam o senso poético ao longo das outras estrofes - o poema Se essa rua fosse minha é capaz de colocá-lo em estado de fruição e de prontidão poética.

Por acreditarmos que a poesia oral tem a capacidade de oferecer à criança momentos e situações insubstituíveis de fruição, tomamos frente na discussão sobre a sua presença na poética da escritora brasileira Eloí Bocheco, em especial na obra Batata cozida, mingau de cará (2006). Memória e oralidade, em suas diversas manifestações, permeiam a produção literária da escritora, oferecendo, ao mesmo tempo, material criativo (porque delas, Eloí Bocheco parte à criação autoral) e produto-criação, já que o resultado nasce impregnado desses recursos, aproveitados na composição dos seus poemas. Dessa maneira, a escritora oferece ao leitor uma literatura altamente “contaminada” pelas marcas da poética oral, conforme pode ser verificado na leitura de seus poemas e também de suas narrativas.

Para dar conta dessa proposta, inicialmente, apresentamos uma seção que revisa aspectos relacionadas à poesia da tradição oral, com base em Maria da Glória Bordini (1991)BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, [1986]1991., Eliane Debus (2006)DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61., Marta Morais de Costa (2006)COSTA, Marta Morais da. Poesia infantil: amanheceres, desnomes e invenções. In: COSTA, Marta Morais da. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 208-210., Fernando Azevedo (2014), Luciano Santos Xavier e Denise Dias de Carvalho Sousa (2022), entre outros. Interessa-nos desvincular o paralelo geralmente apresentado sobre a poesia escrita/autoral e a poesia oral, que reduz a segunda a um polo empobrecedor e coloca no anonimato e no vínculo com o popular seus argumentos. A partir desse viés, nosso intuito é apresentar coordenadas teóricas que acenem outras discussões, favoráveis à observação das propriedades poéticas da poesia oral.

Na sequência, recorremos a alguns poemas da coletânea Batata cozida, mingau de cará, de Eloí Bocheco, cuja tessitura aponta para o trabalho de aproveitamento de poemas da tradição oral, no intuito de investigar, quando possível, o material poético que pode estar na inspiração dos poemas hoje fixados em texto verbal. Além disso, nossa intenção foi de compreender como Eloí Bocheco constrói seus poemas, tendo presente o poema oral (cantiga, parlenda, trovas, quadras) ou outros registros da oralidade - como ditados e outras expressões -, e o poema apresentado pela autora, num exercício de comparação orientado por informações encontradas nas pesquisas de Luís da Câmara Cascudo (1984CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ed. da USP, 1984., 2006, 2012), nos estudos de Eloí Bocheco (2002)BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., ou pautado por princípios da poesia para a infância apresentados na seção anterior. No fechamento, esboçamos algumas palavras sugerindo como é o processo criativo de Eloí Bocheco na atividade de escrita a partir de poemas da oralidade.

1 Importância, imaginação e alteridade na poesia de transmissão oral e a infância

A importância das manifestações poéticas de transmissão oral é indiscutível para a criança. Bordini, em Poesia infantil (1991, p. 49), afirma que o grande acervo de poemas folclóricos de que dispomos,

Por implicar saberes diminuídos pela sociedade adulta, mas valorizados pela infantil, devido a seu teor iniciático e ludismo não-intelectualizado e vitalista (...) proporciona o verdadeiro prazer do texto, aquele em que o leitor entrega-se de corpo e alma às encantações da linguagem.

Glória Pondé (2017PONDÉ, Glória. Poesia e folclore para criança. In: PONDÉ, Glória (org.). A arte de fazer artes: como escrever histórias para crianças e adolescentes. São Paulo: SESI-SP Editora, 2017. p. 214-258. [1982], p. 229), em estudo precursor quando da sua primeira edição, destaca a “função iniciatória da poesia folclórica”, considerando os passos iniciais da criança e o seu percurso de encontros da com os textos poéticos no decorrer da vida. Lígia Marrone Averbuck (1982AVERBUCK, Lígia Marrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p. 63-83., p. 74), além de desenvolver argumento semelhante, explica que a sonoridade da língua aproxima decisivamente a criança dos poemas folclóricos e, por isso, é investimento particular da poesia de origem popular, devendo ser, também, “o primeiro passo para o caminho dos contatos das crianças com os textos poéticos”1 1 Ao comentar e citar os ensaios, conservamos a expressão “poesia folclórica” utilizada pelas pesquisadoras, apesar de problematizarmos a denominação na próxima seção. O propósito de mantermos tal nomenclatura é pontuar como cada pesquisadora faz uso da expressão e, se for o caso, deixar perceber os seus usos em relação à questões de valoração no que diz respeito ao acervo da oralidade e suas especificidades. Quanto à expressão “acervo folclórico”, trata-se de um sinônimo que Eloí Bocheco, na obra teórica Poesia infantil: o abraço mágico (2002), utiliza para se referir aos poemas da oralidade, ao lado de “tradição oral”, “cultura popular” e outros sinônimos. A utilização que a escritora faz da expressão “folclórico” não implica desrespeito a esse repertório, nem denota a folclorização como exotização da cultura popular, pelo contrário: ela reveste o vocábulo do significado cuja aura faz valer sua importância na composição do poema da oralidade. Optamos pela utilização da expressão “acervo folclórico” somente em casos que se referem ao conjunto de poemas que compareceram à infância de Eloí Bocheco, por considerar um modo de respeitar o seu vínculo com a oralidade. .

Na esteira em que Simone Assumpção (2001)ASSUMPÇÃO, Simone. Poesia folclórica. In: SARAIVA, Juracy Assmann (org.). Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 63-68. apresenta suas ideias, trata-se do:

(...) primeiro passo rumo à conquista de um leitor maduro, que seja capaz de realizar uma leitura emancipatória não apenas dos textos escolares, mas também do mundo que o cerca. Além disso a criança amplia sua bagagem de conhecimento que redunda na configuração de uma identidade vinculada à tradição cultural, tão necessária à formação da cidadania (p. 68).

Considerações como a de Assumpção (2001)ASSUMPÇÃO, Simone. Poesia folclórica. In: SARAIVA, Juracy Assmann (org.). Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 63-68. reafirmam a importância da literatura de transmissão oral na infância e, portanto, na vida presente e futura da criança, pois um leitor maduro e “emancipado”, bem como a formação de uma identidade vinculada às diferentes expressões culturais, em especial àquelas que nos legaram as manifestações poéticas orais, são objetivos essenciais e precisam ser perseguidos nas práticas leitoras desenvolvidas dentro e fora da escola.

Azevedo (2014, p. 30) enfatiza que o texto poético possibilita o exercício adequado da imaginação, pontuando que tal possibilidade se dá pela oferta e mediação da palavra intensificada pelas marcas da poeticidade. É a recorrência do contato com essa linguagem, cuja organização complexa, criativa, provocativa, afetiva,

mantém incessantes potencialidades subversivas face aos códigos, assegurando aos seus recetores a possibilidade de aí encontrarem, a cada nova leitura, novos espaços para a aventura hermenêutica. Neste sentido, ele caracteriza-se pela sua capacidade de opor resistência a uma codificação definitiva e unívoca (Azevedo, 2014, p. 30-31).

A linguagem poética - cujo potencial Azevedo caracterizou acima -, colocada à serviço do poema, e esse, a serviço da infância, portanto, dos leitores, compõe um sistema de comunicação literária, segundo o pesquisador. Suas propriedades intrínsecas levam estudiosos desse escopo, como Angela Leite de Souza (2013SOUZA, Ângela Leite de. Alguns dedos de prosa sobre poesia. In: CUNHA. Leo (org.). Poesia para crianças: conceitos, tendências e práticas. Curitiba: Positivo, 2013. p. 13-33., p. 26), a indagar: que efeito seria esse que o poema infantil produz sobre o leitor? E, também, a responder:

A surpresa, que é, sem dúvida, um dos meios mais eficazes de que o texto poético se vale para capturar o leitor. Quer pela colocação inusitada de um termo no verso, quer por um novo significado dado a um conceito conhecido, quer pela invenção de uma palavra - a poesia encontra jeitos especiais de atraí-lo. Ainda mais quando esse leitor é uma criança, a grande especialista em criar neologismos e misturar sentidos! (Souza, 2013SOUZA, Ângela Leite de. Alguns dedos de prosa sobre poesia. In: CUNHA. Leo (org.). Poesia para crianças: conceitos, tendências e práticas. Curitiba: Positivo, 2013. p. 13-33., p. 26).

Apesar da autora se referir ao poema escrito/autoral, a surpresa que ela menciona é um efeito buscado, desejado e promovido também pela poesia oral e seus modos de lidar com as camadas (sonoras, semânticas, imagéticas) do poema, com destaque para a camada semântica, focalizada pela pesquisadora no comentário.

O ponto de interseção dos autores reunidos aqui é a crença de que a criança é privilegiada em criatividade e recursos imaginativos, aspecto destacado também por Costa (2006COSTA, Marta Morais da. Vagabundear nos campos do imaginário. In: COSTA, Marta Morais de. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 178-180., p. 208), que vê na infância o “período em que o pensamento mais divaga, em liberdade, em imagens e ritmos”. A autora compara o imaginário do adulto e o da criança, e destaca o potencial dos pequenos em relação aos maiores:

Estreitamos nossa mente na busca de metáforas de primeiro grau, aquelas de que servem os maus poetas para rechear seu texto prosaico. Já a criança, ainda não totalmente dominada por essa opressiva objetividade, se permite, assim como os povos primitivos, imaginar outros e possíveis mundos. E, para tanto, metaforiza, cria analogias, de profunda beleza, e sedutor encanto. Por essa razão, a literatura para qualquer idade, tenta recuperar a infância das palavras para criar possibilidades de beleza, como o fizeram os simbolistas, os surrealistas, os que trabalharam com o absurdo e o lirismo sem fronteiras (Costa, 2006COSTA, Marta Morais da. Poesia infantil: amanheceres, desnomes e invenções. In: COSTA, Marta Morais da. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 208-210., p. 167).

Azevedo (2014) é enfático em explicar como a capacidade imaginativa da criança se potencializa na recepção das manifestações literárias, em especial aquelas que dizem respeito às vivências com o texto poético:

Brincar com as palavras e com a acumulação de significantes, descobrir o valor afetivo e expressivo das rimas e dos ritmos, desconstruir as palavras em sílabas e trauteá-las, procurar novas associações, surpreender-se com novos usos, representa, no fundo, uma possibilidade de conhecer um outro lado das coisas, um lado criativo que permite à criança sonhar e jogar: libertada da rotinização das experiências semióticas, geradoras da estereotipia e do lugar-comum, a palavra readquire a sua força ilocutiva e a sua capacidade perlocutiva (Azevedo, 2014, p. 29).

As considerações do pesquisador têm validade para a poesia em geral e, mesmo, para o texto poético sem distinção de público. Quanto à ênfase desta pesquisa, as considerações fortalecem a ideia de que a poesia de transmissão oral tem seu valor artístico-criativo, porque, assim como no poema escrito, “a palavra retoma a sua essência multívoca, tornando-se capaz de permitir ao seu utilizador reconhecê-la como corpo vivo, manuseável na sua multimodalidade afetiva e expressiva” (Azevedo, 2014, p. 29).

As manifestações próprias da poesia oral, ao redimensionarem a palavra por princípios não utilitaristas, também ensejam um entendimento da língua e da linguagem a partir de uma dimensão lúdica, aspecto pontuado por Azevedo (2014, p. 28):

(...) rimas, lengalengas, trava-línguas, aliterações, isto é, elementos textuais que, procedendo a associações inusitadas e inesperadas de vocábulos, transgridem frequentemente o semantismo de usos utilitários da língua, sublinhando o sentido de transracionalidade da linguagem e originando, pelas suas numerosas sugestões fónico-icónicas, uma visão da língua como entidade que encontra na sua dimensão lúdica uma das suas funções essenciais, concretizam essa presença do Outro, que, neste caso, se revela por um reclamar explícito do direito à imaginação. São, de facto, numerosas as situações nas quais o humor nasce da presença ostensiva do absurdo e do nonsense.

A presença do Outro, o que implica a sua existência e, portanto, a ideia de alteridade, isto é, o reconhecimento dessa existência, é mencionada pelo autor no fragmento e em outras partes de seu estudo. Discutir a alteridade na literatura para a infância nos parece tão apropriado quanto necessário, pois é evidente (apesar de pouco discutido nos estudos da área) que se trata de reconhecer, desde esse período que “[a literatura], quando verdadeira, alimenta-se da experiência e da consciência vital de quem [a produz]”, como menciona María Teresa Andruetto (2017ANDRUETTO, María Teresa. Que todos signifique todos: mas o que é todos? In: ANDRUETTO, María Teresa. A leitura, outra revolução. Trad. Newton Cunha. São Paulo: Edições SESC, 2017. p. 135-146., p. 137). Dessa maneira, adultos e crianças “valem-se do material literário para expandir os limites de sua existência, pois necessitamos ter acesso a outras vidas e outros mundos (...)” (Andruetto, 2017ANDRUETTO, María Teresa. Que todos signifique todos: mas o que é todos? In: ANDRUETTO, María Teresa. A leitura, outra revolução. Trad. Newton Cunha. São Paulo: Edições SESC, 2017. p. 135-146., p. 137).

Azevedo (2014), igualmente, percebe no “Outro” o potencial imaginativo que pode, pela exploração da dimensão lúdica da linguagem, levar a criança a alcançar novos patamares dessa faculdade, pois é com o Outro que ela imagina, é a partir do seu imaginário que a criança exercita, estimula e expande a sua imaginação. Esta é, portanto, uma abertura e um canal para a alteridade. Deste modo, o reconhecimento da presença do Outro também implica a formação de uma identidade vinculada à diversidade cultural, conforme Assumpção (2003) propõe, pois tal intento só é possível se a presença do Outro for respeitada, já que a cidadania se constrói nesse espaço de reconhecimento e respeito, portanto de alteridade.

2 Denominação, caracterização e valoração revisadas em tempo

As obras que tratam da literatura para a infância apresentam, protocolarmente, um capítulo sobre o gênero poético, isto é, sobre os poemas destinados às crianças e, como se pode esperar, o presente capítulo faz referência à relação desse gênero literário com a literatura de transmissão oral. Na oportunidade, geralmente é apresentado um paralelo entre a poesia oral - quase sempre denominada “folclórica” -, e a poesia escrita ou “artística”, numa oposição abertamente didática, como se a comparação favorecesse a compreensão e, entre esses polos, não houvesse discussões que oportunizassem debates mais relevantes.

Enfoques como esse pouco nos interessam, sobretudo, porque favorecem uma abordagem que opõe constantemente as duas manifestações, explorando a ideia de que a primeira é inferior e subalterna, observando com elitismo manifestações culturais que não se baseiam no registro escrito de suas convenções, considerando o gênero lírico. Outrossim, nos interessam entendimentos e abordagens que fomentem o alargamento dessas discussões, de modo que possamos estabelecer reflexões para além da compreensão de que a poesia oral, por sua origem popular, sua autoria não identificada com precisão frente à temporalidade, bem como sua transmissão pela performance oral, seja possuidora de aspectos empobrecedores frente à poesia escrita que, pela elaboração “formal”, venha a ser esteticamente favorecida. Esse tipo de enfrentamento já não tem validade - se é que teve em algum momento - se observarmos, por exemplo, que se trata de manifestações culturais distintas, que revelam identidades ou tradições culturais que não precisam de pronta oposição para firmarem suas singularidades e importância no contexto da infância e da produção poética destinada à criança.

Por que não atribuir valores como os expressos na nomenclatura “poesia folclórica” e “poesia artística”, nem separar pelo viés comparativo as duas categorias aqui evidenciadas? Primeiro, pelas questões que já mencionamos; segundo, porque aproximá-las, observá-las em diálogo e permuta constantes favorece potencialmente o argumento principal de nossa pesquisa, uma vez que o corpus de análise - os poemas Batata cozida, mingau de cará (2006) - percebe as duas ocorrências nos mesmos poemas, conforme demonstraremos. E terceiro, porque já temos referências teóricas que aludem às questões que levantamos.

Debus (2006)DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61. não utiliza as denominações “poesia folclórica” e “poesia artística” por considerar que existe valor estético na poesia folclórica, de modo a ter em conta que a segunda expressão não deveria ser utilizada para designar somente as composições escritas. Assim, a pesquisadora explica que a poesia se manifesta concretamente, ou seja, ganha a forma verbal, pela oralidade e pela palavra escrita. A partir desse entendimento, ela apresenta a seguinte denominação:

A primeira tem sua origem na oralidade - essas composições poéticas que atravessam gerações e se estabelecem em espaços geográficos distintos e muitas vezes com a mesma força, mesmo que em espaços diferentes. Quantas variações podem-se encontrar da mesma parlenda ou cantiga? Elas transformam-se ganhando nova vida na boca que a recebe. Os registros dessas composições podem ser encontrados, pois muitos pesquisadores já se debruçaram sobre elas para perpetuá-las, também através da escrita (Debus, 2006DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61., p. 54; grifo no original).

As considerações da autora incluem a ideia de que as composições poéticas da oralidade já possuem registro escrito, pressuposto que muitos pesquisadores parecem desconsiderar. A outra caracterização é assim apresentada:

A segunda manifestação tem sua origem na escrita. Muitos são os poetas que se dedicam a brincar com as palavras, apresentando às crianças a ludicidade do texto poético, com as suas rimas, os seus ritmos, as suas sonoridades. A palavra poética é transgressora ao desautomatizar as coisas cotidianas, nesse mundo do poetar, as coisas inanimadas ganham vida, e tudo se torna encantamento de uma lógica ilógica (Debus, 2006DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61., p. 54-55; grifo no original).

O trabalho artístico, no entendimento da pesquisadora, permeia as duas manifestações, o que não é de difícil entendimento se observarmos os exemplos que ela menciona, bem como os textos poéticos destinados à infância de modo geral. Além disso, os aspectos sonoros, marcas da oralidade e os jogos lúdicos que lembram o poema oral fazem-se presentes na caracterização do poema escrito apresentada pela pesquisadora. Isso porque a oralidade e a escrita, pela perspectiva do texto poético, podem ser vistas como conceitos híbridos, que se misturam e reprogramam, acompanhando a dinâmica das artes e de sua natureza cambiante.

Há, entretanto, que se considerar também que o poema escrito jamais abarcará a diversidade de elementos que compõem a enunciação da poesia oral, que é única e irrepetível, e coloca o poema em performance. Dito de outra maneira: o poema oralizado integra-se a um conjunto em que o texto verbal é articulado às sonoridades de sua vocalização, bem como à corporeidade de quem o vocaliza, além das circunstâncias dessa realização. Nessa linha de raciocínio, Xavier e Sousa (2022XAVIER, Luciano Santos; SOUSA, Denise Dias de Carvalho. Veredas epistêmicas e metodológicas da poesia oral. Tabuleiro de Letras, Salvador, v. 16, n. 1, p. 116-126, jan./jun. 2022. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/tabuleirodeletras/article/view/13743. Acesso em: 4 ago. 2023.
https://www.revistas.uneb.br/index.php/t...
, p. 118; grifo no original), destacam: “Ao contrário da poesia escrita, já registrada e fixada verbalmente, a poesia oral apresenta um aspecto movente que institui nela um ato constante de (re)criar e (re)significar, sujeito às condições de produção”. Essas condições colocam, no mesmo espaço e sob as mesmas circunstâncias, aquele que se pronuncia poeticamente e aquele(s) que assiste(m), compondo aquilo que Xavier e Carvalho (2002) consideram de complexa rede teórico-metodológica em que se situa o estudo da poesia oral. Apesar de nosso interesse, nesta pesquisa, se voltar para o estudo do texto fixado, o percurso da poesia oral e sua poética específica não devem ser esquecidas, bem como Debus (2006)DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61. destacou na classificação que propõe.

Bordini (1991)BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, [1986]1991., em Poesia infantil, comenta um poema endereçado à infância e destaca, em sua análise, que a propriedade poética da literatura ultrapassa, em longa medida, a ideia que muitos adultos possuem de infância, melindrada a uma noção infantilizada deste período. Nesse contexto, afirma:

Esse prazer da estranheza, apoiado na conexão surpreendente e amplificado pelas repetições estruturais, associa-se, junto ao consumidor infantil, ao prazer do jogo, também iterativo, gratuito, simulador, buscando rearranjar o real dentro de um esquema não apenas mental (o nível semântico do poema) de entendimento, mas também físico, de participação corporal (o nível fônico do poema) (Bordini, 1991BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, [1986]1991., p. 13).

Tal prazer e nível de interação só podem ser esperados pelo contato com o poema escrito, ou a poesia oral atinge esse nível de provocação estética? Separado do poema analisado, o comentário nos faz perceber que a ideia de aproveitamento estético-criativo da linguagem não está ligada à noção de autoria, como nos fazem acreditar alguns especialistas, pois as manifestações da linguagem poética assinaladas por Bordini comparecem nos poemas da oralidade, comumente conhecidos por sua autoria coletiva.

Na mesma esteira de pensamento, podemos considerar outra coordenada de Bordini (1986, p. 38-39):

O poema infantil, nas diversas modalidades de origem, popular ou culta, orientado ora para o gozo corporal do som, ora para o prazer fantástico das imagens, ora para o jogo ideológico com a existência do leitor, constitui um repto cognitivo para a criança. A gratuidade inerente a esses tipos tão diversos de brincadeira com palavras - quando artísticos e não professorais - arrasta o pequeno leitor a uma situação mental em que se pode tudo o que na vida cotidiana é visto com sobrancelhas franzidas, desde a quebra de padrões linguísticos até a subversão dos moldes de apropriação do real.

As brincadeiras ou propostas criativas com as palavras que operam nas três instâncias (gozo corporal, por meio da cadeia sonora; prazer fantástico e jogo ideológico com a existência do leitor) estão associadas às duas modalidades de origem mencionadas pela pesquisadora: popular e culta. Ambas, também, operam na direção de uma performance que ultrapassa a esfera cotidiana dos acontecimentos ordinários dentro do poema (o prazer fantástico), o que oferece garantias de que a infância será respeitada na conjuntura do poema (o jogo ideológico com relação à existência do leitor). Notamos, nas palavras da pesquisadora, que a ameaça às duas modalidades é a não operação do investimento poético e sua substituição pela intenção didático-pedagógica. Desse modo, o que intimida e aniquila o potencial poético de poemas endereçados às crianças não é a natureza oral de seu material, nem as marcas da poesia oral presentes na poética infantil, mas a orientação didática, que aposta na submissão pedagógica do leitor.

Bordini (1991BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, [1986]1991., p. 11) menciona que a vocação pedagógica da poesia infantil2 2 Trata-se, basicamente, da correspondência do poema infantil às características da criança, expressas nestas palavras por Bordini (2006, p. 256): “Para isso [ou seja, para fazer valer a sua vocação pedagógica,] o verso é o instrumento mais viável: apoia a memorização pela rima e pelo metro, é breve de modo a não dispersar a atenção, e concretiza em imagens as abstrações que se desejam inculcar”. vai manipular os recursos da oralidade, destituindo o poema que provém dessa categoria da espontaneidade e demais características que lhe são próprias, com vistas a imprimir na escrita poética as temáticas da vida escolar e de seu programa pedagógico: “Até hoje encontram-se sobrevivências dessa atitude no uso de quadrinhas para incutir bons hábitos, como o praticam todos os jardins de infância do país”. Nesse sentido, os descaminhos pelos quais o poema da tradição oral é conduzido para atender às demandas pedagógicas rompem com os traços mais importantes da poética oral, tornando-o um artefato didático, afronta que a lírica e a literatura para infância em geral sofrem constantemente. Contudo, quando esse investimento ocorre na manipulação dos recursos da oralidade, torna-se uma desonestidade ainda maior, porque tal poética, em sua gênese, subestima a capacidade da criança, sendo a que mais desperta o senso lúdico e o sonoro dos leitores, ouvintes, fruidores, brincantes.

Importante notar que Carlos Augusto Novaes, em “Elementos de composição poética: noções básicas” (2013), não separa as manifestações que se originam com base na oralidade daquelas que pressupõem o registro escrito e viabiliza outro enquadramento que não observa aspectos como a autoria ou origem dos poemas. Assim, o autor destaca, entre os diversos poemas que nascem da combinação de rimas e demais jogos sonoros (aliteração, trocadilho, onomatopeia e paronomásia), o trava-língua; entre as formas poéticas (ABC, acróstico, cordel, haikai, limerique), o acalanto, a parlenda e a trova. Essa classificação transversal pode parecer um simples reenquadramento, mas é a mais apropriada, porque não coloca em evidência questões de valoração como aquelas que observam nos poemas vinculados à tradição oral menos elaboração formal do que aquela que tem registro escrito.

3 Aproveitamento, intertexto, diálogo entre as manifestações ou poema de inspiração oral

Na poesia endereçada à infância, o recurso de fundir os dois universos e seus contingentes poéticos - o da oralidade e o da poesia escrita ou autoral - é usado frequentemente. Eloí Bocheco (2002)BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., em sua obra teórico-poética, afirma que o diálogo com o acervo folclórico “faz parte do projeto de incorporação do cotidiano infantil à poesia de anos mais recentes” (Bocheco, 2002BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., p. 67). Nessa perspectiva, a ensaísta poeta afirma que “a poesia infantil de feição contemporânea procura criar uma relação de proximidade com o universo linguístico e experiencial da criança” (Bocheco, 2002BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., p. 67).

Azevedo (2014, p. 30) se preocupa em explicar como se dão as relações entre o conhecido (a poética da oralidade) e os poemas inspirados nesses recursos:

Se os elementos da literatura tradicional oral constituem, assim, uma espécie de magma seminal para processos de transformação e de recriação posteriores, eles configuram-se também funcionalmente como elementos de elevada relevância no processo da comunicação literária.

Sendo detentora de uma ainda não muito alargada competência enciclopédica, a criança, em função da comunidade sociocultural em que se integra e de que partilha as experiências, possui algum saber acumulado da sua interação com textos da literatura tradicional oral, fruto, ora da sua pertença a uma comunidade (...). Neste sentido, o seu reencontro com imagens, símbolos, convenções, temas ou estilemas, já seus conhecidos, por via desses processos de partilha comunitária de uma memória coletiva, auxilia a criança a cooperar interpretativamente com o texto.

A comunicação literária compreende um processo amplo e intenso, que envolve o conjunto de referências culturais com as quais a criança entra em contato desde que se insere no espaço cultural, que refletem no conjunto de textos, em especial os literários, que ela vai encontrar durante a vida. No caso do enfoque deste trabalho, observamos o estágio inicial desse percurso, onde se encontram as manifestações da literatura da tradição oral, e nos passos recém seguintes, ou seja, a possibilidade de a criança reencontrar vestígios do estágio inicial/anterior, o que oportuniza uma participação maior e mais efetiva na conjuntura do texto poético, por meio do reconhecimento da memória coletiva representada ali. A satisfação que esse reencontro representa para o leitor tem, de acordo com Azevedo (2014, p. 30), “dimensão fundamental para que, à medida que for adquirindo maior experiência, possa exercitar leituras de outros níveis e interagir com textos progressivamente mais complexos e ludicamente abaladores das suas expectativas pré-definidas”.

O pesquisador português também destaca a relevância das manifestações literárias de transmissão oral encontrarem espaço e se manterem vivas frente ao investimento da linguagem literária escrita e, mesmo, dos recursos tecnológicos. Nas suas palavras:

Infravalorizadas, quando comparadas com as transmissões literárias escritas, as manifestações literárias de transmissão oral revelam-se um relevante intertexto na literatura infantil e é, em larga medida, graças à sua incorporação na escrita literária para crianças, que essas manifestações literárias constituem ainda hoje, numa sociedade alfabetizada e tecnologicamente evoluída, uma forma literária viva (Azevedo, 2014, p. 25; grifo nosso).

No excerto, o autor também pontua a tendência de a poesia oral ser desvalorizada frente à expressão poética escrita, apesar de sua importância reconhecida e assimilada também como intertexto de grande importância na produção poética destinada à infância, viés que nos interessa sobremaneira nesta pesquisa, que enfatiza o aproveitamento ou a incorporação direta (digamos assim) do poema da oralidade na escrita autoral, procedimento que percebe a poesia oral como matriz verbal da criação escrita e autoral. Em “Poesia infantil: amanheceres, desnomes e invenções”, Costa (2006COSTA, Marta Morais da. Poesia infantil: amanheceres, desnomes e invenções. In: COSTA, Marta Morais da. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 208-210., p. 209) faz referência a outra categoria de intertextualidade: “A arte poética remete a interioridades, a sensações, a melodias ouvidas/perdidas em tempos imemoráveis e recuperadas no instante mesmo da leitura. Cantigas, parlendas, jogos verbais formam a base de textos que enraizaram a vivência com a poesia”.

Na ampliação desse pensamento, a autora menciona os poemas de Cecília Meireles e José Paulo Paes como intertextos da poesia iniciática mencionada no fragmento, não pelo fato de eles aproveitarem versos ou expressões do repertório da poesia oral em nível textual, mas porque há, entre eles, nuances sonoras e uma relação sensível com as palavras, o que configura a aproximação intertextual sugerida.

Azevedo e Costa, ao proporem a aproximação do texto recriado a partir da matriz oral com a intertextualidade - no sentido de diálogo que ela comumente tem nos estudos literários -, abrem mais um caminho de entendimento do trabalho poético de Eloí Bocheco, porque o jogo intertextual consegue explicar e, ao mesmo tempo, nomear o processo criativo da escritora, conforme demonstraremos na sequência.

Eloí Bocheco (2002)BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., em “Palavra de todos, palavras de sempre: o diálogo com o acervo folclórico”, capítulo de destaque da obra Poesia infantil: o abraço mágico, apresenta considerações teóricas que revelam pesquisa séria sobre o tema, bem como ampla exemplificação das manifestações poéticas orais, oportunidade em que a escritora lança mão de poemas do modernismo e da poesia contemporânea destinada à infância, além de utilizar exemplos de seu próprio repertório, poemas inéditos à época da publicação de sua obra, mas que já compunham o conjunto inicial da coletânea que nos interessa neste estudo.

Batata cozida, mingau de cará (2006) foi a obra vencedora do I Concurso Literatura para todos, na categoria tradição oral. O projeto literário de Eloí Bocheco, nessa coletânea, é aproximar o leitor do repertório da oralidade levemente trabalhado, com toques e ajustes autorais. Os quarenta poemas da coletânea dialogam de diferentes maneiras com a poesia de tradição oral. Nossas considerações se pautam, de modo geral, pelas orientações teóricas que elencamos nas seções anteriores; contudo, não passaremos à análise de cada poema e sua classificação, tendo em vista “as formas da imaginativa popular” que a própria Eloí Bocheco (2002BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., p. 68) menciona: “quadras, parlendas, jogos, modinhas, acalantos, trava-línguas, brincadeiras de roda, cantos de trabalho”. Nossa exploração segue uma adesão às ocorrências mais criativas e inventivas, de acordo com o nosso ponto de vista.

O primeiro verso da obra - e que também a intitula - abre o poema “Trovinhas”, composto por dezoito estrofes, consideradas trovas (as “trovinhas” do título), que aludem aos desafios, “disputa poética, parte cantada, parte improvisada entre os cantadores” (Cascudo, 2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 260). Apesar de Cascudo informar que esse gênero que recebemos de Portugal pode ser encontrado principalmente no Nordeste (mais no sertão do que na orla litorânea), o pesquisador observa que ele é conhecido em todo o Brasil, distribuição que as dezoito estrofes do poema de Eloí Bocheco e as demais ocorrências do gênero inseridas na obra podem servir de atestado. De amostra, destacamos as seguintes estrofes:

Batata cozida, mingau de cará

Moça bonita que vem do Pará

Parem de cantar, parem de pular

Abram a roda que ela vai passar.

(...)

Eu não tenho eira nem beira

Nem sequer algum parente

Sou filho de uma colina

Neto do sol poente.

Marmeleiro, penda o galho

Que eu quero colher marmelo

Marmeleiro, o que é que eu faço

para encontrar o amor que eu quero?

Lá atrás daquele morro

tem um pé de abacateiro

Quem quiser casar comigo

apareça no terreiro (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 15-16).

O verso-título não teve escolha aleatória; pelo contrário, ele é porta-voz da cultura oral que a obra representa. Em conversa com a autora, ela nos relata que muitas das quadrinhas (ou trovinhas) que ouviu na infância iniciavam com o verso “batata cozida, mingau de cará”, expressão que funcionava como “puxa verso” que, pela sua sonoridade, era um mote bastante apropriado para rimar. O trabalho de Eloí Bocheco foi o de puxar, a partir desse mote, outros versos de sua memória poética e somá-los a outros que ela elabora, no ritmo e na toada da oralidade e de sua memória poética3 3 Babau do Pandeiro, compositor e cantor popular cearense, inseriu o verso na música “Mingau de cará”, cuja letra tem sua assinatura. Nas declarações sobre suas composições, que podem ser encontradas na internet, o poeta explica que vai reunindo o repertório recolhido das manifestações culturais com as quais entrou e entra em contato e, a partir delas, com os saberes que possui em torno dos recursos musicais e poéticos, compõe as letras de suas canções, bem como os arranjos musicais. O processo criativo de Babau do Pandeiro sinaliza o modo característico das manifestações populares, aqui representadas pela canção, utilizarem-se dos recursos poéticos, aqueles que lidam com a oralidade, especificamente. O mesmo processo observamos na poética de Eloí Bocheco, que, na outra ponta do país, utiliza a mesma expressão na elaboração de seu poema, deixando perceber, como mencionamos, o modo de tecer versos (urdir) que reúnem aquilo que o tempo já deliberou como de autoria coletiva e os recursos da autoria declarada. . E, de verso em verso, estrofe em estrofe, aí estão os quarenta poemas que compõem a coletânea. Percebido por esse viés, o verso-título nos ensina - sem lançar mão do tom professoral ou didático de muitas escritas destinadas à infância -, pelo próprio fazer poético, com que espontaneidade e avivamento são construídas as composições dessa natureza.

Tal entendimento do processo criativo de Eloí Bocheco também é uma chave de leitura que pode servir para a poesia criada a partir da oralidade e demais elementos do acervo folclórico. São pontos de conexão e interseção como esses que unem leitores de diferentes regiões do país em torno dos mesmos motivos poéticos, ao mesmo tempo que os poemas dessa categoria vão apresentando a eles as novidades, no caso, os versos e estrofes que são criação da autora. Considerando a ampla distribuição e acolhida que a obra teve4 4 E ainda tem, pois está disponível nos acervos das bibliotecas públicas brasileiras em quantidade significativa, bem como em arquivo digital em diversas plataformas do MEC. - e o fato de ela compor, inicialmente, um acervo para leitores e leitoras estudantes da EJA -, os poemas alcançaram e interagiram com um grande grupo de leitores, ainda mais heterogêneo do que crianças. Desse modo, os diferentes leitores podem encontrar diferentes acessos à obra e ao imaginário que ela traduz, possibilitando diferentes trilhas, orientadas pelos diferentes modos de eles se relacionarem com a oralidade e seu acervo poético.

A quadra, conforme pontua Cascudo (1984CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ed. da USP, 1984., p. 172), é a estrutura mais recorrente das trovas ou desafios, além de ser a original dessa manifestação poética. A sextilha - composição de seis versos -, por exemplo, surgiu nos últimos anos do século XIX e, em seguida, foram aparecendo outras variações, destaca o pesquisador. A expressão “quatro pés” é utilizada para se referir aos quatro versos: “Os quatro pés eram a quadra, de sete sílabas, a mais antiga forma do desafio sertanejo” (Cascudo, 1984CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ed. da USP, 1984., p. 172). Em Vaqueiros e cantadores (1984), o pesquisador dedica um capítulo ao desafio e detalha características como os antecedentes dessa ocorrência poética, os instrumentos utilizados nos intervalos das declamações, os temas recorrentes, como se dão os convites, as perguntas e as respostas, como ocorre a batalha, enriquecendo o capítulo com um grande número de exemplos.

A amostra que recortamos permite perceber que a primeira tarefa de Eloí Bocheco no poema é recolher os versos, as trovas em forma de quadras, registrá-los pela palavra escrita e fazer as adequações (arranjos) que sua memória e seu trabalho poético permitem e, em muitos casos, exigem. Nesse sentido, a última estrofe transcrita possui inúmeras variações, nas quais os dois primeiros versos são a estrutura repetida (com pequenas variações na árvore frutífera) e os dois últimos são geralmente improvisados, recriados em diversos contextos festivos e culturais, tais como: atividades escolares, recreação, sendo, muitas vezes, recitadas e/ou improvisadas como pagamento de prendas em brincadeiras de rodas.

Quanto à metrificação, notamos que ocorrem variações na mesma estrofe e o esquema de rimas também não se repete em todas as quadras: a estrofe de abertura, por exemplo, apresenta rimas emparelhadas (AABB). Nas demais estrofes, há um esforço da escritora em manter rimados o segundo e o quarto verso de cada quadra, pois, convenhamos, o projeto de construção desse poema não é dos mais fáceis de executar, já que, diferentemente de outros poemas, em que a adequação sonora pode se resolver pelo nonsense, aqui, Eloí Bocheco precisa conservar o conteúdo das “trovinhas” num campo semântico cujo significado, apesar de estarmos no campo polissêmico do poema, comunica determinado conteúdo no plano da objetividade.

A voz lírica que conversa com o marmeleiro na penúltima estrofe transcrita e acaba por perguntar-lhe um conselho amoroso lembra as cantigas de amigo da Idade Média, do início da Literatura Portuguesa, conhecido como Trovadorismo. Essa ocorrência nos remete a uma anotação de Câmara Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 260-261), que, ao reunir as informações sobre o desafio, pontua a presença das disputas ou trovas pelos períodos históricos mais antigos e seu comparecimento durante o medievo europeu. Os cancioneiros (coletâneas escritas) do Trovadorismo português dão testemunho da intensa produção das “tenções” - denominação que elas também recebiam na região ibérica - em pelo menos quatro modalidades: “d’amor”, “d’amigo”, “d’escarnho” e “maldizer”. Os versos de Eloí Bocheco, na estrofe em questão, parecem recuperar os detalhes que mencionamos na abertura do parágrafo e que comumente associamos às cantigas de amigo.

“Dizeres rimados” é um poema que acolhe trinta e cinco “dizeres” ou “ditados” bastante conhecidos, os quais são recolhidos (recebem registro escrito) e arranjados na estrutura de um poema de oito quadras em rima emparelhadas - que aparecem em versos consecutivos, em pares, no formato AABB. Ditados, provérbios, expressões idiomáticas, entre outros sinônimos que podemos encontrar para os “dizeres” do título do poema de Eloí Bocheco, são máximas “valendo da direção moral, conduta, advertência, em breves palavras, facilitando a memorização imediata” (Cascudo, 2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 583). Eloí Bocheco (2002BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002., p. 85), no seu livro teórico-poético, assim as descreve:

Os ditados ou provérbios encerram uma conclusão apurada no fogo brando da experiência pretérita. Reúnem uma multiplicidade tal de vivências apreendidas que se aplicam às mais variadas situações da vida presente. Por isso, um ditado é evocado sempre que alguém quer associar, empiricamente e por conclusão um acontecimento passado a acontecimentos atuais da mesma espécie. Se alguém fica indeciso sobre aproveitar ou não uma oportunidade que aparece, não é nada difícil que alguém cite aquele velho ditado: “Cavalo encilhado só passa uma vez!”

A construção poética de Eloí Bocheco consegue espelhar as suas próprias considerações, bem como as de Cascudo (2012)CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., pela variedade de temas que os ditados trazem ao poema e pela diversidade de saberes e conhecimentos empíricos que são articulados nos versos e estrofes. Eis algumas que recortamos do conjunto:

De cavalo dado não se olham os dentes

Cesteiro que faz um cesto faz um cento

De cobra não nasce passarinho

Quanto mais velho melhor o vinho.

Com a boca cheia d´água ninguém assopra

O ponto do crochê se escolhe é na amostra

Coroa não cura dor de cabeça

Em receita que deu certo, não mexa!

(...)

A aranha vive do que tece

No olho do dono é que o carneiro cresce

Cada um sabe onde o sapato aperta

Até o santo desconfia quando é demais a oferta (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 35-36).

Ao comparecerem à estrutura do poema, os ditados não são modificados no seu conteúdo e, ao se tornarem verso e depois estrofes, por meio do deslocamento da vida cotidiana para dentro do poema, são levemente ajustados para que as combinações favoreçam, sobretudo, a cadência sonora do final dos versos (a composição das rimas emparelhadas). O trabalho de Eloí Bocheco aqui nos reporta a um entendimento do que é o labor dos poetas acerca do acervo folclórico e nos faz perceber em que medida sua mão pesa na coautoria junto ao material recolhido da oralidade, pois os ajustes que ela faz são poucos, uma troca aqui e acolá para favorecer o esquema de rimas e, ao mesmo tempo, manter o sentido, tão importante no caso específico desse gênero oral, o ditado. Assim, a leitura do poema pode representar ao leitor o exercício de reconhecer, nas construções reorganizadas, o mesmo sentido já conhecido nas expressões utilizadas no espaço cultural.

“Tangolomango” recupera, em conteúdo e - em certa medida - estrutura, uma cantiga de roda investigada por Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 674), que nos informa que, ao final de cada estrofe cantada, uma das crianças deixa a brincadeira. A expressão que dá título ao poema significa “morrer”, ter um achaque, um tangolomango, o que é facilmente assimilado no decorrer das estrofes:

Eram oito formiguinhas

morando num tagete

Deu tangolomango numa

e das oito ficaram sete.

Das sete que restaram

Uma se afogou no orvalho

Outra partiu com um bem-te-vi

e ficaram cinco que eu vi.

Dessas cinco que restaram

Uma tropeçou num pato

e das cinco ficaram quatro.

(...)

Destas duas que ficaram

Uma resvalou na espuma

e restou apenas uma.

Esta uma que ficou

foi jogar paciência

Deu tangolomango nela

e acabou-se a descendência (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 24-25).

Os registros mais remotos que o pesquisador encontrou estão na Europa (Portugal, França e Espanha), onde a cantiga apresenta, em sua gênese, o formato enumerativo e regressivo que percebemos no poema de Eloí Bocheco. A versão mais comum é a portuguesa, que apresenta um grupo de marrafinhas (mulheres, irmãs entre si), que vão morrendo, sucessivamente, uma a uma. Variam, entretanto, o número e as próprias figuras, havendo, por exemplo, uma versão, a mais conhecida em Portugal, que inicia com vinte e quatro marrafinhas, cujo público não é o infantil, cantada e dançada por adultos, e uma versão mexicana com dez perritos (cachorros). Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 274) afirma que “[n]o Brasil, para onde vieram os elementos, é apenas uma parlenda (...) ou cantiga de roda, (...) que ligar-se-á idealmente aos ensalmos enumerativos pela associação da imagem decrescente”. Notamos isso, pois os elementos essenciais são realocados de outros espaços culturais, mas as variações são muitas, tantas quantas forem as vontades e as necessidades de seus brincantes, prosadores e poetas. Eloí Bocheco, por sua vez, utiliza um grupo de sete formiguinhas, que vão morrendo inventivamente, até o fim da linhagem.

O tangolomango, como uma parlenda mnemônica decrescente, é um recurso bastante utilizado na literatura para a infância produzida no Brasil. Algumas dessas produções são bastante próximas da oralidade, fixando no texto verbal recursos próprios da poética oral; outras só lembram a estrutura enumerativa decrescente. No primeiro caso, circulam pelos espaços de animação cultural e de iniciação à leitura, a versão recolhida por Sílvio Romero, O Tango-Lo-Mango, citada por Cascudo (2012)CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012. no Dicionário de folclore; bem como a versão de José Mauro Brant (2002)BRANT, José Mauro. Contos, cantos e acalantos (CD). Rio de Janeiro: Selo Biscoitinho, 2002. para aquela versão, “As nove filhas”, que se encontra no CD Contos, Cantos e Acalantos. O livro As dez filhas do seu João, de Fábio Sombra (2010)SOMBRA, Fábio. As dez filhas do seu João. Ilustrações do Grupo Costurando Histórias. Belo Horizonte: Abacatte Editorial, 2010., ilustrado pelos tapetes do Grupo Costurando Histórias, também é um exemplo pertinente do primeiro caso, já que nele o autor revisita o tangolomango “Marrafinhas de Lisboa”, a versão portuguesa que mencionamos anteriormente, registro mais antigo que encontramos dessa ocorrência folclórica, na obra Tradições populares de Portugal, de J. Leite de Vasconcelos (1882)VASCONCELOS, J. Leite de. Tradições populares de Portugal. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C.ª, 1882..

A presença dos lenços na indumentária é o motivo do poema “Lenços”, feito que está a nos lembrar que a identidade de uma cultura também se manifesta nas nuances mais detalhadas. Sua utilização nos meneios na dança é influência dos espanhóis na cultura dos argentinos e paraguaios, repassada aos brasileiros pelos atalhos da Região Sul - sinalizada por Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 395), informação que ele mesmo questiona, já que em outros lugares da Europa, como França, Bélgica, Hungria e Tcheco-Eslováquia, o lenço também figura em alguma dança. Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 395) nota que, no Norte e no Nordeste do Brasil, a ocorrência não é verificada. De sua pesquisa, interessam-nos especialmente as seguintes informações:

O lenço também era objeto de código na linguagem dos sinais amorosos. No bolso do paletó, as ponta para cima, firmeza; para baixo, dobradas, amor ausente ou desconfiança, amargura; sem mostrar uma só ponta, rompimento; com uma flor natural entre as pontas, comprometimento, noivo, amor fiel e correspondido; tirar o lenço e metê-lo no bolso de uma vez, disponível, sem compromisso, livre para amar, dobrar o lenço à vista a criatura interessada, cuidado, cautela, prudência (Cascudo, 2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 396).

O aproveitamento que Eloí Bocheco faz dessa linguagem de sinais amorosos é essencialmente lúdico, porque não obedece às coordenadas registradas por Cascudo (2012)CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., mas inventa outras que recolocam o lenço como um objeto que não corresponde aquilo que a comunidade cultural já conhece no plano do sistema de códigos. A escritora propõe outros sinais que implicam outros significados, que obedecem à imaginação da voz lírica e se ligam a outras coordenadas, como às brincadeiras e jogos poéticos de sua infância, eventos lúdicos mais interessados em fazer funcionar as rimas na composição sonora dos dísticos. Vejamos:

Lenço lilás

bons presságios traz.

Lenço na cintura

o amor perdura.

Lenço de pontas

acerto de contas.

(...)

Lenço no ar

alguém vai chegar (Bocheco, 2012, p. 32).

Os lenços constituem elemento lúdico para a escritora, bem como para a sua comunidade cultural, e aparecem em outros dois poemas da coletânea. Em “Olha”, a voz lírica exibe seus adereços para os pássaros sanhaço, cotovia e sabiá. Um deles é o lenço, conforme registrado na segunda estrofe: “Meu lenço é bordado de ABC / Tenho cinco namorados, / mas nenhum vem me ver” (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 40). Na poética de Eloí Bocheco, o lenço compõe um conjunto do qual fazem parte os chapéus, os anéis e suas pedrarias, os colares, os laços de fita e as saias de barras bordadas, elementos caros à voz lírica, pela recorrência com que são utilizados e pela estima demonstrada para com eles. No poema “Caçarola”, o lenço aparece para confirmar a idade da caçarola, posse da voz lírica, o que remete a um valor da comunidade cultural, que projeta no lenço a veracidade da informação: “Eu tenho uma caçarola / com cem anos de idade / Tá aqui o meu lenço / que confirma a verdade” (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 42).

Muitas vezes, o trabalho de Eloí Bocheco, considerando os poemas da tradição oral, se concentra na estrutura poética, que, ao ser utilizada, introduz novo tema que até então não tinha sido motivo de poesia escrita. Daí, também, a importância de não opormos oralidade e escrita, conforme considerações de Debus (2006)DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61. e de Xavier e Souza (2022) trazidas para a seção dois. Essa ocorrência não será abordada nas análises, outrossim, os poemas “Beija-flor” e “Ou...Ou” são exemplos dela. Outras vezes, os variados temas do universo popular são dispostos e ordenados em estruturas que acenam para a quase novidade da construção do verso ou da estrofe e o que reencontramos é a musicalidade característica da poética oral, resultado de arranjos até então não acessados pela autora, fazendo com que a sonoridade compareça potencialmente aos seus poemas. É o caso do poema que dá título à coletânea e de “Trovinhas”, ambos analisados.

Entretanto, em muitos casos, a autora repete estrutura e motivo, inserindo aspectos novos e inusitados acerca de elementos já conhecidos da cultura popular, como é o caso do poema “Cutia”, cuja estrutura e fama de mentirosa da figura personificada remetem a outra cantiga, “A barata diz que tem”.

A cutia diz que viu

um fantasma prateado

É mentira da cutia

Ela tá é assustada.

A cutia diz que traz

muita linha do horizonte

É mentira da cutia

Ela traz é só barbante.

(...)

A cutia diz que tem

um pente de marfim

É verdade da cutia

Ela até emprestou pra mim!

Ah, ah, oh, oh, ela até emprestou pra mim! (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 23).

Se puxarmos na memória a versão da cantiga comumente difundida, cuja barata é a personagem, notaremos que Eloí Bocheco coloca a nova personagem em novos episódios de mentira; contudo, retoma a estrutura poética da cantiga “original”, que colocamos entre aspas, porque a única referência que encontramos sobre a versão original é que tem procedência europeia, questão que não nos preocupa, uma vez que a variação é justamente um estímulo no escopo dessa temática. “Cutia” apresenta uma novidade em relação às versões que encontramos e a que conhecemos de nossa infância: a última estrofe destaca uma verdade dita pela personagem. A construção sonora - em especial, a busca pelas rimas - e o jogo lúdico, no caso, uma adesão franca ao ilogismo, contribuem para a construção do nonsense no poema.

Na organização dos temas abordados em Literatura oral do Brasil (2006 [1985]), Cascudo apresenta, no segundo capítulo, uma seção intitulada “Canto, dança, auto popular e dança dramática”, na qual reafirma a natureza cantadeira e dançadeira do brasileiro, herança dos grupos étnico-raciais que o compõem. Trata-se, segundo o pesquisador, de uma comunicação mais rápida, unânime e completa dentro do país, ocorrência que, segundo Cascudo, etimológicos e mitológicos da área não percebem em países europeus. Dentre o repertório que Cascudo registra, estão as manifestações de devoção aos santos, com destaque para as cantigas de São João, “sabidas em todo Brasil, são tradicionais pela sua popularidade e transmissão” (Cascudo, 2006CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. São Paulo: Global, 2006., p. 42).

Além dos cantos e danças joaninos, que iam dos ranchos aos grupos dessa devoção, Cascudo (2006CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. São Paulo: Global, 2006., p. 43) registra as janeiras, “Visitas aos amigos com música simples e cortejo em fila singela. No Brasil, resistiram até as primeiras décadas do século XIX”. Eloí Bocheco, no seu bazar poético, oferece ao leitor o poema “Janeiro”, aos moldes daqueles que comparecem ao acervo das janeiras brasileiras:

Janeiro vai

Janeiro vem

Pingente celeste

vou dar ao meu bem.

Janeiro ia

Janeiro vinha

Panela no fogo

Pirão de farinha.

Janeiro vem

Janeiro vai

O galo canta

e a casa cai.

Janeiro sai

Janeiro entra

Num dia chega

e no outro senta.

Janeiro vem

Janeiro passa

Fogo de palha

Nuvem de fumaça (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 21).

O poema de Eloí Bocheco recupera a expressão dos dois versos que abrem o poema das janeiras nordestinas. Cascudo (2006CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. São Paulo: Global, 2006., p. 43) registra a letra que Gustavo Barroso recolheu no Ceará, cujas estrofes começam com os versos “Janeiro vai / Janeiro vem” em variações parecidas com as da escritora, cuja inventividade se revela nos outros dois versos das estrofes, servindo, mais uma vez como exemplo dos seus procedimentos com os registros da oralidade. Podemos notar que ela insere elementos da cultura popular - expressões recolhidas de ditados, provérbios, expressões idiomáticas, parlendas etc. -, selecionadas principalmente a partir do esquema de rimas que é necessário compor com o segundo verso, que constitui, em cada estrofe, uma variação de “Janeiro vai / Janeiro vem”. Assim, Eloí Bocheco rima o segundo e o quarto versos, propondo um esquema em ABCB, tão presente nas quadras, forma poética popular por excelência, que dialogam com a popularidade das janeiras.

Em alguns poemas de Batata cozida, mingau de cará (2006), localizamos estrofes que abordam o tema da despedida. De acordo com Cascudo (2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 262), são versos muito populares iniciados por frases como “Quero dar a despedida”, “Vou dar a despedida”, “Vou-me embora, vou-me embora”. O pesquisador afirma tratar-se de “uma tradição peninsular, não apenas a finalizar os bailes populares, em que as últimas quadras são destinadas aos adeuses dos auditórios, como também descende das serenatas, em que a despedida era obrigatória e ritual” (Cascudo, 2012CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., p. 262).

No fechamento do poema “Serenata”, Eloí Bocheco aproveita a expressão “Vou dar a despedida”, comumente utilizada e apresenta a variação do verbo para a terceira pessoa do plural, com a novidade nos outros versos que seguem, jogando com o humor: “Vamos dar a despedida / como deu a saracura / Uma perna na janela / e outra lá em Singapura” (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 64). Além disso, o encaixe da estrofe no registro verbal (poema) daquilo que seria uma serenata, revelada, além do título, pela voz lírica que se dirige às mulheres da casa, encontra correspondência nas coordenadas de Cascudo (2012)CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012., já que a serenata, segundo o pesquisador, encerrava-se com a estrofe derradeira. “Cavalo marinho”, poema de seis estrofes, também tem seu fechamento com uma quadra de despedida, só que a expressão que sinaliza o adeus é deslocada para o quarto verso: “Papagaio canta / Periquito chora / Cavalo marinho, / vamo-nos embora!” (Bocheco, 2006BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006., p. 67).

As parlendas comparecem em quantidade expressiva na obra Batata cozida, mingau de cará (2006), de modo que pelo menos um terço dos poemas dialoga com suas características, considerando as diferentes modalidades que Jacqueline Heylen (1987, p. 13-14) menciona: brincos, mnemonias, travalínguas e réplicas. Alguns dos poemas que analisamos nesta seção são parlendas. Cabe um estudo apurado dos textos que aqui não foram abordados, observando a ligação com as categorias mencionadas, bem como com as possibilidades de os poemas dialogarem com registros escritos que Heylen e outros pesquisadores apresentam nos seus estudos.

Considerações finais

Não há exagero na afirmação de que é possível visualizar um projeto estético-literário no aproveitamento que Eloí Bocheco faz dos elementos da tradição oral, que fica evidente nos poemas aqui analisados. O trabalho poético da autora, conforme foi possível perceber, é o de reunir, no poema escrito, o texto da tradição oral e o de autoria identificada. Desse modo, a poética da autora, exemplificada aqui pelos poemas analisados, demonstra que a oposição entre poesia oral e poesia escrita opera em termos de valoração e, na prática da escrita e da leitura do texto poético não tem serventia.

Nosso entendimento é que as categorias em questão sinalizam diferentes modos de lidar com a linguagem poética, que se manifestam pelo rearranjo da língua e pela garantia de diferentes elementos culturais, capazes de atingir contextos de exploração da linguagem poética criativos e artísticos dentro de suas propostas. Além disso, entendemos que falar de modo depreciativo da poesia oral e demais textos da oralidade é, também, depreciar a criança porque, como podemos perceber em diversas oportunidades, existe uma aproximação íntima entre essa manifestação poético-afetiva e a infância. Tal aproximação não ocorre pelo que as crianças têm pouco desenvolvido (dada a sua idade e outras circunstâncias), como sugerem algumas publicações da área, mas pelo uso da imaginação, da criatividade e pelo entusiasmo com que elas se entregam à fruição em contato com tais manifestações.

A poética para a infância compreendida pelo viés que Eloí Bocheco permite ao pequeno leitor transitar, na mesma criação, pelo já conhecido - os elementos da poesia oral quase sempre recuperados da tradição popular - e pelo que ele vem a conhecer em seguida: um texto de autoria declarada que pressupõe um trabalho urdido basicamente na escrita. Assim, a produção poética da escritora não se impõe autoritariamente ao leitor que chega à escola ou a outros espaços de formação de leitores com o repertório da oralidade, pois o seu texto poético híbrido quanto aos aspectos discutidos neste estudo, obedece ao esquema que pontuamos, o que favorece à criança a construção do seu repertório literário.

Debus (2006DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61., p. 53) pontua a necessidade de a literatura oral ter seu espaço garantindo no repertório infantil. Desse modo, a poesia oral não é somente um gesto de iniciação, assim como os projetos poéticos inspirados nela não são somente “pontes” entre a poesia oral e a poesia escrita. Ambas as categorias poéticas devem ter sua importância destacada, mas não devem ser vistas como trampolim para essa última, outras vezes denominada “artística”. As três categorias devem compor o repertório de leituras na escola e fora dela, numa atitude que não deve, de modo algum, sugerir a exclusão de nenhuma delas, principalmente das duas primeiras, sempre sujeitas à marginalização, no contexto da historiografia literária.

Outrossim, os poemas de Eloí Bocheco podem ser compreendidos como uma variação dos poemas do acervo oral, processo que se vale de uma propriedade da poética oral, que é a de se modificar, se transformar. Essa característica também encontra ressonância nas coordenadas de Xavier e Souza (2022, p. 118) sobre a poesia oral, em especial quando destacam que a performance do intérprete é diferente a cada vez que é retomada, devido às suas condições de produção, pois conta com a relação oral-auditiva entre o locutor e o público que, por se darem no instante da vocalização do poema, não se repetem com as mesmas características. A não-possibilidade/não-necessidade de recuperar o instante da performance sinaliza a possibilidade de a expressão verbal, no conjunto dos elementos que a compõem, não exigir que o texto seja recuperado em sua integralidade, abrindo espaço para a variação de que tratávamos. Deste modo, a escrita poética de Eloí Bocheco desenvolve-se nesse limiar entre a oralidade e a escrita, bebe das duas fontes, transita pelos dois códigos e encontra as crianças por meio das duas manifestações, possibilitando a experiência estético-criativa, entendida no processo de comunicação literária.

O trabalho de Eloí Bocheco em relação ao acervo oral também pode ser entendido pelas veredas da intertextualidade, conforme as coordenadas de Azevedo (2014) e Costa (2006)COSTA, Marta Morais da. Poesia infantil: amanheceres, desnomes e invenções. In: COSTA, Marta Morais da. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 208-210. mencionadas. O jogo intertextual possibilita nomear e, ao mesmo turno, explicar o processo criativo da escritora em relação à tradição oral, o que já havíamos afirmado. Cabe agora destacar brevemente como o processo intertextual se estabelece na criação da escritora: pelo registro e recuperação do acervo oral que os poemas de Eloí Bocheco realizam ao nível textual, ao incorporarem em seus versos aquilo que ainda não compõem o poema escrito5 5 Uma classificação observando as categorias de intertextualidade pode ser realizada com os textos desse grupo, observando em especial se eles se constituem paráfrases ou paródias em relação aos primeiros registros disponíveis. ; pela aproximação que o labor com o acervo da oralidade propõe entre as relações sensíveis com a palavra e uma função iniciática que podemos perceber nos textos que marcam as vivências poéticas de nossos primeiros tempos.

Por fim, devemos considerar o fato de a criança leitora da atualidade encontrar, em obras como Batata cozida, mingau de cará, o seu repertório oral mais consistente - mesmo sabendo que a poeta faz poesia inspirada na tradição oral. A suposição tem validade: haverá de se encontrar modos de se ofertar às novas gerações o repertório da oralidade, dentro de uma cultura cada vez mais letrada e devotada à tecnologia, que desconhece a transmissão oral desse acervo nos moldes que ela ocorreu na infância da autora, quando de seu contato e encantamento com as poéticas orais. Se o modo de transmissão não pode ser recuperado em sua plenitude, Eloí Bocheco, no registro escrito, lega material alternativo para que os leitores contemporâneos consigam acessar também o acervo oral, mesmo que por outra via e reformulado, transformado. Esse movimento, que retoma a essência artístico-poética de tempos pretéritos, e apresenta-a sob nuances de novidade, é próprio da atividade popular.

  • 1
    Ao comentar e citar os ensaios, conservamos a expressão “poesia folclórica” utilizada pelas pesquisadoras, apesar de problematizarmos a denominação na próxima seção. O propósito de mantermos tal nomenclatura é pontuar como cada pesquisadora faz uso da expressão e, se for o caso, deixar perceber os seus usos em relação à questões de valoração no que diz respeito ao acervo da oralidade e suas especificidades. Quanto à expressão “acervo folclórico”, trata-se de um sinônimo que Eloí Bocheco, na obra teórica Poesia infantil: o abraço mágico (2002), utiliza para se referir aos poemas da oralidade, ao lado de “tradição oral”, “cultura popular” e outros sinônimos. A utilização que a escritora faz da expressão “folclórico” não implica desrespeito a esse repertório, nem denota a folclorização como exotização da cultura popular, pelo contrário: ela reveste o vocábulo do significado cuja aura faz valer sua importância na composição do poema da oralidade. Optamos pela utilização da expressão “acervo folclórico” somente em casos que se referem ao conjunto de poemas que compareceram à infância de Eloí Bocheco, por considerar um modo de respeitar o seu vínculo com a oralidade.
  • 2
    Trata-se, basicamente, da correspondência do poema infantil às características da criança, expressas nestas palavras por Bordini (2006, p. 256): “Para isso [ou seja, para fazer valer a sua vocação pedagógica,] o verso é o instrumento mais viável: apoia a memorização pela rima e pelo metro, é breve de modo a não dispersar a atenção, e concretiza em imagens as abstrações que se desejam inculcar”.
  • 3
    Babau do Pandeiro, compositor e cantor popular cearense, inseriu o verso na música “Mingau de cará”, cuja letra tem sua assinatura. Nas declarações sobre suas composições, que podem ser encontradas na internet, o poeta explica que vai reunindo o repertório recolhido das manifestações culturais com as quais entrou e entra em contato e, a partir delas, com os saberes que possui em torno dos recursos musicais e poéticos, compõe as letras de suas canções, bem como os arranjos musicais. O processo criativo de Babau do Pandeiro sinaliza o modo característico das manifestações populares, aqui representadas pela canção, utilizarem-se dos recursos poéticos, aqueles que lidam com a oralidade, especificamente. O mesmo processo observamos na poética de Eloí Bocheco, que, na outra ponta do país, utiliza a mesma expressão na elaboração de seu poema, deixando perceber, como mencionamos, o modo de tecer versos (urdir) que reúnem aquilo que o tempo já deliberou como de autoria coletiva e os recursos da autoria declarada.
  • 4
    E ainda tem, pois está disponível nos acervos das bibliotecas públicas brasileiras em quantidade significativa, bem como em arquivo digital em diversas plataformas do MEC.
  • 5
    Uma classificação observando as categorias de intertextualidade pode ser realizada com os textos desse grupo, observando em especial se eles se constituem paráfrases ou paródias em relação aos primeiros registros disponíveis.

REFERÊNCIAS

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  • AVERBUCK, Lígia Marrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p. 63-83.
  • BOCHECO, Eloí. Batata cozida, mingau de cará. Brasília: MEC, 2006.
  • BOCHECO, Eloí. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002.
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  • CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012.
  • CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. São Paulo: Global, 2006.
  • CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ed. da USP, 1984.
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  • COSTA, Marta Morais da. Vagabundear nos campos do imaginário. In: COSTA, Marta Morais de. Mapa do mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Leitura, 2006. p. 178-180.
  • DEBUS, Eliane. A poesia: a criança e a iniciação literária. In: DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil. São Paulo: Paulus, 2006. p. 49-61.
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  • VASCONCELOS, J. Leite de. Tradições populares de Portugal. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C.ª, 1882.
  • XAVIER, Luciano Santos; SOUSA, Denise Dias de Carvalho. Veredas epistêmicas e metodológicas da poesia oral. Tabuleiro de Letras, Salvador, v. 16, n. 1, p. 116-126, jan./jun. 2022. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/tabuleirodeletras/article/view/13743 Acesso em: 4 ago. 2023.
    » https://www.revistas.uneb.br/index.php/tabuleirodeletras/article/view/13743

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O texto é muito bem articulado e fundamentado teoricamente, trazendo, como recorte para os estudos da oralidade, a poesia infantil. Solicito, no entanto, que seja feita uma discussão sobre o termo “folclórico”.

1.Solicito que o termo “folclore” seja revisitado desde o título. É feita uma discussão quanto à escolha da autora em análise pelo termo, na página 14. Essa explicação deve ser levada ao início do texto, em nota de rodapé, pontuando para o leitor a escolha e os motivos de ser utilizada a palavra “folclore / folclórico”. A explicação presente na nota 1 não é suficiente. 2. Os teóricos utilizados para abordar a tradição oral ao longo do texto não empregam a palavra “folclórico”, exceto Câmara Cascudo. É necessário problematizar os enfrentamentos postos quanto ao termo, que implica a folclorização como exotização da cultura popular. Essa discussão, mesmo que pontuada de maneira breve, precisa estar presente no texto. 3. A oralidade não é sinônimo de folclore, muitas vezes, no texto, aparece como se assim o fosse. 4. Sugiro que seja revisado o uso da palavra folclore no corpo do texto, empregando em substituição termos como “tradição oral”, “poética da oralidade”, “oralidade”, “cultura popular”. 5. Na página 9, tratando da questão da oralidade/ escrita, registre que o texto escrito jamais abarcará a diversidade de elementos que compõem a enunciação, única e irrepetível, da poesia oral. Aponte, por exemplo, a entoação e a relação com a audiência, em cuja performance são construídos os sentidos, por meio da interação verbal. CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    13 Jul 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo "Literatura oral e acervo folclórico na urdidura dos poemas de Batata cozida, mingau de cará, de Eloí Bocheco" traz como ponto forte, justamente, a sua análise da obra da poeta, alinhavando com atenção os elementos folclóricos trabalhados no corpus de análise. O grande problema, todavia, resta na preparação do texto para chegar ao efetivo momento de análise. É preciso vigilância epistemológica ao utilizarmos os conceitos, demarcando com clareza com o que concordamos e como os utilizaremos. Digo isto pois o título do artigo fala em "Literatura oral" e o resumo introduz "Poesia oral". Ambos não são sinônimos, e autores que trabalham no âmbito das poéticas orais o rejeitam. Ver, a título de exemplo, "A voz e o sentido: poesia oral em sincronia" de Frederico Fernandes. Não seria impossível utilizar literatura oral, mas ressalto, com a devida distinção entre os termos. A questão se complexifica ainda mais quando o texto trabalha ainda com um outro termo, "poesia folclórica", que não é tratado conceitualmente. A nota de rodapé explica que o termo foi mantido por ser utilizado pelas autoras mencionadas, mas o resultado é confuso. A primeira coisa a fazer é delimitação teórica: Neste artigo entendemos literatura oral como ______________. Tais e tais autoras utilizam o termo “poesia folclórica”, que é definido como ________________. Existe correspondência? Se existir, prossiga e use literatura oral, que é um termo conceitualmente mais fortalecido. Se não existir, tensione. Acrescento ainda que seria valioso expor a distinção entre a literatura oral propriamente dita e aquela que, como a própria Eloi fala, mobiliza os acervos dessa oralidade do folclore enquanto inspiração. Isso para que o leitor não se confunda e entenda que Eloi faz poesia folclórica. O que ela faz é poesia inspirada pelo folclore. Como diz Rossini Tavares de Lima, são “projeções do folclore”. Retornar ao texto, revisando conceitos e delimitando suas demarcações e discordâncias teóricas antes de prosseguir para a análise. CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    29 Jul 2023

Parecer editorial

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer editorial

Solicitamos que leia atentamente os dois pareceres e reescreva os artigos a partir das orientações nele presentes. Infomamos ainda que a primeira parecerista, Michele Freire Schiffler, disponibilizou-se a interação, caso os autores considerem necessário.

Pedimos que reenviem o artigo revisto para a revista até 17/08/2023, para ser novamente avaliado.

Interação autor e parecerista

Autor

Professora Michele, boa tarde.

Muito obrigado pelas observações. Estou trabalhando nas reformulações e equacionando as suas solicitações com as do outro parecer.

Sobre o item 2, seria possível me indicar uma ou duas obras que possam me ajudar a fazer uma breve referência à “folclorização como exotização da cultura popular”? Tenho em mente algumas leituras dos estudos culturais, mas com suas sugestões, poderia ir mais rápido ao recorte, já que o semestre por aqui está reiniciando com uma série de atividades.

Desde já agradeço a sua atenção e disponibilidade em dividir seu tempo e conhecimento.

Prof. Michele

Bom dia!

Indico as discussões presentes em Congressos a respeito, como a Carta do Folclore, aprovada no VIII Congresso Brasileiro, em Salvador; a Carta Sul-Americana das Culturas Populares, em uma releitura da Carta do Folclore Americano; bem como o livro Performance, de Diana Taylor; e o próprio “Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento”, do Bakhtin, que não traz uma discussão especificamente sobre o uso político do termo, mas traz uma profunda análise do caráter performático e de atualização da enunciação popular.

Espero ter ajudado, os Congressos a respeito e os encontros com Mestres da Cultura popular trazem vivo esse questionamento.

Ah, eu trato um pouquinho disso também em um artigo aqui da Bakhtiniana, “Sobre Bakhtin, quilombos e a cultura popular” (https://doi.org/10.1590/2176-457332347).

Um abraço, sigo à disposição,

Autor

Boa tarde, professora Michele! Muito obrigado. Precisei trabalhar no artigo nesses últimos dias, de modo que as referências serão utilizadas em outras escritas, inclusive em outra obra da Eloí que estou estudando, que se chama “Está pronto, Seu Lobo? E outros poemas”, cuja construção é muito parecida com “Batata cozida, mingaú de cará”. Fiz os ajustes de modo a contemplar as suas sugestões/orientações, e as da sua colega. Precisava terminar ontem, porque o meu semestre está bastante puxado a partir de agora. Um abraço!

  • recomendação: aceitar

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

Parabéns pelo texto! Apenas sugiro o plural no título, em: “Poesia e acervoS orais”.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    10 Ago 2023

Parecer IV

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer IV

As correções solicitadas foram feitas; há um rigor maior no trato dos termos poesia oral e poesia folclórica. Texto apto para publicação.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Set 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2023
  • Aceito
    22 Out 2023
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