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Organizações produtivas: a interação homem-máquina em Black Mirror

RESUMO

A série Black Mirror, transmitida entre 2011 e 2023 pela Netflix, tornou-se um fenômeno de mídia e seus episódios mostraram formas de interação homem-máquina (terminologia também referida como humano-computador). O nome da série se refere ao fato de que, quando uma tela é desligada, ela se torna um espelho negro que reflete a imagem do usuário. Este artigo1 1 Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001. A primeira autora agradece ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por permitir que ela se licenciasse temporariamente para realizar o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE). tem como objetivo analisar os efeitos da interação homem-máquina nas organizações produtivas apresentadas em Black Mirror. Esta pesquisa utilizou a análise do discurso, principalmente a partir das contribuições de Mikhail Bakhtin. O método consistiu em três etapas que contaram com a colaboração de estudantes de graduação e pós-graduação em Engenharia de Produção, integrando ensino e pesquisa e desenvolvendo o senso crítico dos pesquisadores-iniciantes. Os resultados indicam que, nas organizações apresentadas na série Black Mirror, há uma transição do conceito de fatores humanos para fatores ciborgues, bem como o uso da interação homem-máquina para promover o controle social.

PALAVRAS-CHAVE:
Interação homem-máquina; Fatores humanos; Organizações; Black Mirror; Análise de discurso

ABSTRACT

The series Black Mirror, broadcast between 2011 and 2023 on Netflix, has become a media phenomenon and its episodes have shown ways of human-computer interaction. The series’ name refers to the fact that when a screen is turned off, it becomes a black mirror that reflects the user’s image. This paper1 1 This study was partly financed by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001. The first author thanks the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) for allowing her to take a temporary leave of absence to carry out the Sandwich Doctoral Program abroad (PDSE). aims to analyze the side effects of human-computer interaction in Black Mirror’s production organizations. This research used discourse analysis, mainly from Mikhail Bakhtin’s contributions. The method consisted of three stages that relied on the collaboration of Industrial Engineering students. The research included undergraduate and postgraduate students working collectively, since this procedure integrates teaching and research and helps beginners develop a critical sense. The results indicate that in Black Mirror organizations there is a transition from the concept of human factors to cyborg factors, as well as the use of human-computer interaction to promote social control.

KEYWORDS:
Human-computer interaction; Human factors; Organizations; Black Mirror; Discourse analysis

Introdução

A questão da interação homem-máquina nas ciências humanas tem sido investigada com diferentes expressões (alguns preferem o termo humano-computador, referindo-se ao mesmo fenômeno) e em diferentes níveis, desde “pesquisa em hardware e software de interação” ou “pesquisa em design” até “pesquisa em impacto organizacional” (Booth, 2014BOOTH, Paul. A. An Introduction to Human-Computer Interaction (Psychology Revivals). New York: Psychology Press, 2014.). Ao longo dos anos, os desenvolvimentos sobre artefatos baseados em computador nesse campo de pesquisa são extensos, uma vez que a noção de interação homem-máquina passou da dinâmica de “apertar botões e puxar manivelas” (Suchman, 1990SUCHMAN, Lucy. What Is Human-Machine Interaction? In: ZACHARY, Wayne.; BLACK, John.; ROBERTSON, Scott. Cognition, Computing, and Cooperation. New Jersey, Ablex: 1990. p. 25-55.) para a análise de como operações específicas podem ter uma influência psicológica sobre o usuário ou operador do sistema.

Alguns desses estudos mais recentes, inclusive, incorporam o tema da ficção científica em seus elementos de referência. De fato, observada sob o prisma ficcional da tecnologia e dos fatores humanos, a interação humano-computador tem sido objeto de diversos artigos, que chegam a considerar tais metanarrativas como elementos que fornecem perspectivas alternativas interessantes, sendo particularmente válidas como potenciais fontes de insights dentro das organizações produtivas (Phillips; Zyglidopoulos, 1999PHILLIPS, Nelson; ZYGLIDOPOULOS, Stelios. Learning from Foundation: Asimov's Psychohistory and the Limits of Organization Theory. Organization, v. 6, n. 4, p. 591-608, 1999. DOI: https://doi.org/10.1177/135050849964002.
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). Isso ocorre uma vez que as estratégias dos grupos empresariais frente às inovações científicas e tecnológicas são refletidas criticamente nas narrativas de ficção científica, e seu estudo, portanto, permite caracterizar e destacar cenários atuais e prospectivos dos consequentes impactos dessas interações em um mundo em constante desenvolvimento.

Apesar da dificuldade de estabelecer uma definição conceitual para o termo ficção científica (Piassi, 2012PIASSI, Luis Paulo de Carvalho. O segredo de Arthur Clarke: Um modelo semiótico para tratar questões sociais da ciência usando ficção científica. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, v. 14, n. 1, p. 209-226, 2012. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-21172012140114 .
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; Hrotic, 2013HROTIC, Steven. The Evolution and Extinction of Science Fiction. Public Understanding of Science, v. 23, n. 8, p. 996-1012, 2013. DOI: https://doi.org/10.1177/0963662513478898.
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), principalmente devido às interseções desse gênero com as noções de literatura fantástica e fantasia (que mudam com o tempo), a ideia central gira em torno de uma narrativa virtual situada em um futuro hipoteticamente plausível, utópico ou distópico, permitindo possíveis desenvolvimentos ou involuções científicas.

Embora as narrativas expliquem tal configuração cronológica e temporal, não se trata apenas de considerar tais supostos cenários futuros. Os textos escritos nessa perspectiva - ou os filmes produzidos - também guardam relações dialógicas com o meio cultural de sua produção, uma vez que decorrem das preocupações dos tempos em que são concebidos (Cardoso, 2006CARDOSO, Ciro Flamarion. Ficção científica, percepção e ontologia: e se o mundo não passasse de algo simulado? História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 13, suplemento, p. 17-37, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59702006000500002.
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). Para além do mero entretenimento, tal abordagem discursiva alude ao dialogismo entre a vida real e as preocupações das pessoas com o futuro, ora imaginando um futuro tecno-vindouro, ora criticando os efeitos da tecnologia no presente. A ficção científica é, sem dúvida, um discurso sobre o futuro, mas principalmente sobre o presente, aspecto que traz à tona sua ambiguidade fundamental e, inequivocamente, sua vocação dialógica e problematizadora.

Por isso, vale lembrar que uma narrativa de ficção científica é considerada o gênero discursivo de tais cenários futuros e ambientes diferentes - sempre contendo enunciados implícitos (e às vezes explícitos) sobre a sociedade contemporânea. Isso significa que, do ponto de vista discursivo, os autores de ficção científica usam seus ambientes ostensivamente estranhos como cenários prospectivos para examinar as implicações - materiais e psicológicas - que as novas tecnologias podem ter na vida social. Essa perspectiva deixa claro que a ciência não é apenas ficcionalizada, mas também as relações entre as pessoas e as relações entre essas pessoas e os artefatos tecnológicos.

O fio discursivo marcado pela imaginação de um futuro - a partir de um presente que dá conta dessa produção discursiva de sentidos - não se limita à bipolaridade presente-futuro, pois implica também diálogos com o passado. Esse dialogismo também não se estabelece em uma dinâmica linear, como reprodução de um relato antigo, mas na tentativa de esclarecer determinadas trajetórias e trajetórias sociais. Considerá-lo, talvez, possa até explicar por que os produtores cinematográficos, notadamente em séries de televisão, passaram a buscar conselhos de pesquisadores e cientistas na elaboração de seus roteiros (Machado, 2013MACHADO, Carlos Alberto. Histórias futuristas mais antigas do que possam parecer: origem das ideias dos roteiros de ficção cientifica. Semina: Ciências Sociais e Humanas, v. 34, n. 2, p. 149-160, 2013. DOI: https://doi.org/10.5433/1679-0383.2013v34n2p149.
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).

Estudos acadêmicos sobre ficção científica mostram que esse gênero implica uma crítica pungente à ciência existente. Tais narrativas ficcionais podem ocupar um lugar crítico diante dos problemas lançados pela pesquisa científica contemporânea, divulgando e sugerindo, como no caso do buraco na camada de ozônio, medidas que precisam ser tomadas (Milner et al., 2015MILNER, Andrew.; BURGMANN, James R.; DAVIDSON, Rjurik.; COUSIN, Susan. Ice, Fire, and Flood: Science Fiction and the Anthropocene. Thesis Eleven, v. 131, n. 1, p. 12-27, 2015. DOI: https://doi.org/10.1177/0725513615592993.
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); pode possibilitar reflexões sobre anseios coletivos em relação ao transplante de órgãos (Chozinski, 2016CHOZINSKI, Brittany Anne. Science Fiction as Critique of Science: Organ Transplantation and the Body. Bulletin of Science, Technology & Society, v. 36, n. 1, p. 58-66, 2016. https://doi.org/10.1177/0270467616636198.
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), ou sobre a falta de ética e irresponsabilidade de algumas práticas científicas, em geral (Van Der Laan, 2010). No entanto, a ficção científica também pode desempenhar um papel significativo na aceitação e implementação de novidades como as nanotecnologias (Bowman et al., 2007BOWMAN, Diana; HODGE, Graeme.; BINKS, Peter. Are We the Prey? Nanotechnology as Science and Science Fiction. Bulletin of Science, Technology & Society, v. 27, n. 6, p. 435-445, 2007. DOI: https://doi.org/10.1177/0270467607308282.
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); com a ressalva de que há cientistas que utilizam esse gênero ficcional, especialmente no cinema, como dispositivos promocionais para seus campos de pesquisa (Kirby, 2003KIRBY, David Allen. Science Consultants, Fictional Films, and Scientific Practice. Social Studies of Science, v. 33, n. 2, p. 231-268, 2003. DOI: https://doi.org/10.1177/03063127030332015.
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). Eventualmente, o horizonte geral de pesquisa na área é variado e multifacetado.

Há também estudos no campo da gestão organizacional que valorizam análises ficcionais da literatura ou da indústria cultural. Isso é especialmente verdadeiro em métodos baseados em uma abordagem crítica (Warwick, 2016WARWICK, Rob James Doubt, Uncertainty, and Vulnerability in Leadership: Using Fiction to Enable Reflection and Voice. Tamara - Journal for Critical Organization Inquiry, v. 14, n. 4, p. 127-137, 2016. Available at: https://tamarajournal.com/index.php/tamara/article/view/420. Access on: 01 November 2022.
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), nos quais é indicado que um sistema produtivo ― para gerar sua eficiência continuamente ― pode recorrer a processos de dominação social e controle da produção. Nesses contextos, portanto, emerge a validade das narrativas ficcionais, que funcionam de forma análoga a um estudo de caso, onde a questão central não está apenas na informação ou nos dados, mas na possibilidade de gerar uma relação de empatia que se traduz em um impulso para a ação (Czarniawska; Monthoux, 2004CZARNIAWSKA, Barbara.; DE MONTHOUX, Pierre. Good Novels, Better Management: Reading Organizational Realities in Fiction. Abingdon: Routledge, 2004.). Em uma ficção entendida como científica, esse fator não deve ser subestimado, especialmente porque esse tipo de ficção ― no cinema e na literatura ― de certa forma reflete a perspectiva crítica (Drago, 1992DRAGO, Pedro Anibal. Teoria crítica e teoria das organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 2, p. 58-64, 1992. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-75901992000200007.
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), ao discutir a situação do indivíduo contra a opressão da sociedade tecnocrática (ver exemplos das obras de George Orwell, especialmente 1984).

Para a abordagem desenvolvida neste artigo, é fundamental ressaltar que, embora tenha começado como gênero literário, a ficção científica não permanece hoje em um domínio predominantemente literário, pois inclui uma rede midiática de discursos cinematográficos, televisivos e hipertextuais, e em constante interação com a produção de quadrinhos e de jogos eletrônicos. Além disso, devido à sua grande penetração no meio social, tais histórias muitas vezes têm seus enredos e personagens associados a produtos, como action figures, buttons, camisetas, fanfics e muitos outros objetos explorados comercialmente pela Indústria Cultural (Cardoso, 2006CARDOSO, Ciro Flamarion. Ficção científica, percepção e ontologia: e se o mundo não passasse de algo simulado? História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 13, suplemento, p. 17-37, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59702006000500002.
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), aspecto muito recorrente em um modelo social que é interpretado como uma sociedade de consumo.

Do ponto de vista da Indústria Cultural, algumas dessas narrativas discursivas - como as produções cinematográficas ― têm recebido muita atenção nos últimos anos. Especialmente aquelas em que uma série de tecnologias assume papéis de protagonistas na estruturação de sociedades ficcionais imaginadas. Esses filmes, que se centravam em questões relacionadas à tecnologia, foram distribuídos de várias formas, quer em curtas ou longas-metragens; inicialmente por meio de salas de cinemas, satélite, cabo ou radiodifusão digital, em televisão aberta ou fechada, comércio sob a forma de venda ou locação de VHS e DVD; e mais tarde pela reprodução via streaming, torrent ou download de conteúdo.

Embora o desenvolvimento de novas tecnologias tenha impactado fortemente os meios de comunicação de massa contemporâneos há algum tempo, a dinâmica do ciberespaço traz implicações diferentes com as novas telesséries em relação aos filmes da ficção científica clássica do cinema e da televisão. Isso ocorre fundamentalmente porque, em um cenário favorecido pela fácil difusão via sistema e diferentes serviços de streaming (streaming de conteúdo online no Xbox 360, dispositivos Blue-Ray, conversores de TV, Ps3, iPad, iPhone, Nintendo Wii e outros dispositivos conectados à internet), algumas séries de televisão desenvolveram inovações narrativas dignas de análise e pesquisa (Sola; Lucena, 2014SOLA, Javier Ciguela.; LUCENA, Jorge Martinez El imaginario social de la democracia en Black Mirror. Revista Latina de Sociología relaso, n. 4, p. 90-109, 2014. DOI: https://doi.org/10.17979/relaso.2014.4.1.1223.
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).

Destaca-se, particularmente, uma série ― Black Mirror ― em que os episódios colocam em questão elementos da Tecnologia da Informação supostamente típicos de sociedades altamente desenvolvidas do ponto de vista tecnológico, para mostrar os impactos e implicações dessa interação na vida social. As narrativas se passam em um tempo futuro, mas mantêm relações dialógicas com situações e aspectos muito característicos das sociedades atuais. Do ponto de vista do gênero discursivo, Black Mirror possui temas recorrentes do gênero literário e cinematográfico da ficção científica, cujo efeito discursivo é levar o espectador a aceitar, ou pelo menos admitir, interações e elementos considerados factualmente reais, numa dinâmica discursiva que opera em uma tensão entre o que é entendido como realidade e o que mistura tecnologia, ciência, fantasia e ficção.

Em 1 de dezembro de 2011, Charlie Booker escreveu um artigo no jornal The Guardian sobre a série Black Mirror que, sob sua direção, seria lançada três dias depois no Channel 4. Na apresentação dos três episódios do que mais tarde ficaria conhecido como primeira temporada, ele falou das relações dialógicas que os episódios mantinham com situações contemporâneas. De acordo com Brooker, roteirista e produtor da série, sua inspiração veio de Rod Serling, que, para lidar com a censura frequente a seus roteiros de televisão, criou uma série de ficção focada na crítica social contemporânea no final dos anos 1950, chamada The Twilight Zone. Isso porque uma teledramaturgia sobre racismo no sul dos Estados Unidos certamente enfrentaria dificuldades para conseguir patrocinadores corporativos. Descrever o racismo em um mundo ficcional, no entanto, não implicaria grandes oposições (Brooker, 2011).

Do ponto de vista analítico, cabe ressaltar que a série de Brooker, seguindo os passos de Serling e outros, apresenta cada episódio com cenário e elenco diferentes, ou seja, não há personagens permanentes nem sequência entre as narrativas. Há, no entanto, um denominador comum que permeia todos os episódios e temporadas, pois há críticas contínuas, não à sociedade futura, mas à forma como interagimos com a tecnologia no momento presente. A questão retórica levantada por Brooker (2011) foi: “Se a tecnologia é uma droga ― e parece uma droga ― então quais são, precisamente, os efeitos colaterais?”

Portanto, o aspecto distintivo desta série ― os efeitos colaterais da tecnologia ― em comparação com outras produções de conteúdo semelhante levantou o objetivo deste artigo: analisar quais são, em Black Mirror, os efeitos colaterais da interação homem-máquina, dentro das organizações produtivas.

1 Metodologia

O método desta pesquisa, de caráter qualitativo, utilizou a análise do discurso, principalmente a partir das contribuições de Mikhail Bakhtin (Volóchinov) (2004BAKHTIN, Mikhail (VOLÓCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11a ed. São Paulo: Hucitec, 2004. [1929]). Vale lembrar que Mikhail Bakhtin (1895-1975) é frequentemente referido ao que se convencionou chamar de Círculo de Bakhtin, que, dentre outros, também era integrado por Pável Nikoláievitch Miedviédev (1895-1975) e Valentin Nikoláievitch Volóchinov (1895-1936).2 2 Em 1973, o renomado filólogo russo Viacheslav Ivanov, depois acompanhado de outras fontes autorizadas, divulgou publicamente que Bakhtin era o verdadeiro autor de Marxismo e filosofia da linguagem, inicialmente publicado por Volóchinov. Discorrer sobre essas questões históricas de autoria intrínsecas à obra bakhtiniana ― a viúva de Volóchinov atestou a autoria de Bakhtin (Clark; Holquist, 1998) ― tomaria muito tempo, implicaria a contextualização da censura stalinista e pouco acrescentaria, pois questões metodológicas da mesma natureza desta discussão já foram desenvolvidas em outros artigos (Castro, 2015; Castro; Leão, 2020). O linguista russo pertenceu ao que se convencionou chamar de Círculo de Bakhtin, integrado também por Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Pável Nikoláievitch Miedviédev (1895-1975), dentre outros. Assim sendo, para manter o foco em Black Mirror, algumas circunstâncias históricas mais específicas precisam ser destacadas.

Charlie Brooker já havia produzido a minissérie Dead Set, em 2008, e um documentário de cinco episódios chamado How TV ruined your life, em 2011. Black Mirror, no entanto, tem qualidade superior, pois é uma ficção científica que usa muito bem o recurso da metaficção, uma narrativa metalinguística como pretexto para a autocrítica (Sola; Lucena, 2014SOLA, Javier Ciguela.; LUCENA, Jorge Martinez El imaginario social de la democracia en Black Mirror. Revista Latina de Sociología relaso, n. 4, p. 90-109, 2014. DOI: https://doi.org/10.17979/relaso.2014.4.1.1223.
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).

A interação humano-computador envolve, nessa metaficção, paradoxos e distopias. O termo Black Mirror refere-se ao espelho, ou uma tela onipresente de uma TV, um monitor, um tablet ou smartphone, que pode ser encontrado em cada parede, na palma de cada mão (Brooker, 2011BROOKER, Charlie. The Dark Side of Our Gadget Addiction. The Guardian, Londres, 1 de dezembro de 2011. Available at: https://www.theguardian.com/technology/2011/dec/01/charlie-brooker-dark-side-gadget-addiction-black-mirror. Access on: 01 November 2022.
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). Assim, o nome dado à série é uma referência ao fato de que, quando essas telas são desligadas, elas se tornam um espelho preto que reflete a imagem projetada do usuário. Em um tecnodrama, Black Mirror usa efeitos cinematográficos para mostrar as condições de um futuro possível, em que a subjetividade humana seria afetada pela dinâmica digital (Conley; Burroughs, 2020CONLEY, Donovan.; BURROUGHS, Benjamin. Bandersnatched: Infrastructure and Acquiescence in Black Mirror. Critical Studies in Media Communication, v. 37, n. 2, p. 120-132, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/15295036.2020.1718173.
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).

Em fevereiro de 2013, mais três episódios formaram a segunda temporada, também sendo lançado um novo episódio especial em dezembro de 2014. Esses primeiros episódios foram produzidos pela Zeppotron (produtora de conteúdo para televisão, internet, rádio e dispositivos móveis), mas um ponto interessante de mudança ocorreu quando a Netflix lançou a terceira temporada, em outubro de 2016, já que a partir daí é possível ver mudanças de formato (alguns episódios mais recentes se distinguem dos anteriores) e maior abrangência de distribuição, o que fez de Black Mirror um fenômeno mundial.

Portanto, há episódios originalmente feitos para o Channel 4 e outros produzidos para a plataforma de streaming, o que implicou assimetrias entre as durações dos episódios. Alguns são muito maiores do que outros porque, em certos casos, havia um padrão duradouro (pelas contingências de ter ou não intervalos de transmissões televisivas). A relação dos episódios analisados - todos eles são atualmente distribuídos pela Netflix, incluindo a quarta e quinta temporadas, lançadas respectivamente em dezembro de 2017 e junho de 2019 - pode ser vista na Tabela 1 (que também inclui o filme de dezembro de 2018).

Tabela 1
Temporadas, episódios e roteiristas de Black Mirror. Fonte: Os autores

O método de análise consistiu em etapas que contaram com a colaboração de estudantes de pós-graduação e de iniciação científica, bolsistas e voluntários. Inicialmente, foram analisados todos os episódios da série, com a identificação e enumeração de cenas que mostravam os efeitos colaterais da interação humano-computador, dentro das organizações produtivas. Em seguida, as cenas identificadas foram transcritas com sua consequente classificação, segundo categorias analíticas dos estudos e artigos utilizados como referencial teórico. Após a discussão crítica dos resultados obtidos, ocorreu a sistematização da discussão.

Muitas investigações realizadas em nosso grupo de pesquisa incluem como membros estudantes de graduação, mestrado e doutorado, que trabalham coletivamente. Esse procedimento integra ensino e pesquisa e ajuda o pesquisador-iniciante a desenvolver o pensamento crítico, indo além do senso comum. Uma das questões encontradas em artigos de estudantes de graduação sobre a mesma série, por exemplo, é que algumas considerações têm se limitado a verificar como os episódios descrevem a interação humano-computador em termos de clusters, justaposições ou hibridizações entre seres humanos e artefatos tecnológicos, incluindo a ênfase de que os dispositivos móveis, às vezes, desconectam os usuários uns dos outros (Boren, 2015BOREN, Alex. A Rhetorical Analysis of Black Mirror: Entertaining Reflections of Digital Technology’s Darker Effects. Undergraduate Research Journal at UCCS, v. 8, n. 1, p. 15-24, 2015. Available at: https://www.semanticscholar.org/paper/A-Rhetorical-Analysis-of-Black-Mirror%3A-Entertaining-Boren/c05c8970e80817472819d3a53f7ddde24418776a. Access on: 01 November 2022.
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). Contudo, se formos considerar as contribuições da análise do discurso propostas por Bakhtin (Volóchinov) (2004BAKHTIN, Mikhail (VOLÓCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11a ed. São Paulo: Hucitec, 2004. [1929]), o importante é investigar como a série Black Mirror atua na produção e circulação de sentidos que organizam e regulam a vida das pessoas, tendo, nesse sentido, ligação direta com a produção industrial de dispositivos digitais.

Nas abordagens da análise do discurso, o discurso é um sistema de pensamento, conhecimento ou comunicação que constrói uma experiência de mundo. Mas um problema para algumas abordagens de estudos sobre comunicação de massa está em definir relações entre discursos e práticas sociais, políticas e culturais, porque elas tendem a considerar perspectivas monológicas. Nas teorias da linguagem de Bakhtin e o Círculo, é possível encontrar algumas soluções críticas e emancipatórias. Para Bakhtin (Volochinov) (2004), um enunciado necessariamente mantém vínculos com outros enunciados, o que ele chama de dialogismo, essas redes de vínculos em que um discurso incorpora, reflete e refrata outros discursos. Assim, um procedimento promissor de análise é selecionar um tema e indagar, com o que isso aqui está dialogando?

O enfoque de Bakhtin e o Círculo aplicado à comunicação de massa oferece novas direções para o estudo das relações entre discursos e os efeitos colaterais da interação humano-computador, dentro das organizações produtivas. Um resultado poderoso desse modelo de Bakhtin e o Círculo tem sido discutido em estudos sobre televisão (Newcomb, 1984NEWCOMB, Horace. On the Dialogic Aspects of Mass Communication. Critical Studies in Mass Communication, v. 1, p. 34-50, 1984. DOI: https://doi.org/10.1080/15295038409360012.
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): a comunicação é constantemente refratada pelos contextos de recepção. Assim, um episódio de televisão desenvolve o sistema de visões de mundo inerente à sua representação visual, e cada episódio de uma série de televisão faz parte de um diálogo maior envolvendo todos os outros episódios. Essas relações são fictícias, mas dialogam com o mundo real dos espectadores. Assim, uma ênfase analítica será relacionar as diversas empresas mencionadas nos episódios de Black Mirror e ver o dialogismo implicado nas produções tecnológicas.

É bem possível argumentar que Black Mirror é apenas uma produção comercial, e a tarefa do produtor de televisão é trazer uma novidade e usá-la para atrair um público que gera lucro comercial. Mas em Black Mirror há um aspecto crítico muito distinto, e a análise dialógica de Bakhtin e o Círculo nos permite indicar como as estratégias de grupos corporativos têm o potencial, em breve, de usar a interação humano-computador para promover o controle social.

Portanto, nesta abordagem investigativa, a análise de como as relações homem-máquina de Black Mirror organizam, controlam, regulam e prescrevem práticas sociais adquiriu grande importância. Assim, do ponto de vista da proposição bakhtiniana (Castro et al., 2013), considerou-se que a linguagem e os signos sociais produzem significados, e as cenas em que as empresas utilizam a interação humano-computador para promover o controle social representam discursivamente relações de poder. Os resultados obtidos na análise do material ― coletados e sistematizados dialogicamente (Bakhtin (Volochinov), 2004BAKHTIN, Mikhail (VOLÓCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11a ed. São Paulo: Hucitec, 2004. [1929]) ― permitiram a configuração de dois eixos principais, uma vez que se verificou que as organizações produtivas retratadas indicaram (1) uma transição do conceito de fatores humanos no trabalho para a ideia híbrida de ciborgues; (2) interesse no uso da interação humano-computador para promover o controle social.

1.1 Uma transição do conceito de fatores humanos no trabalho para fatores ciborgues

A pesquisa constatou que, ao longo dos episódios de Black Mirror, várias cenas mostraram os efeitos das interações humano-computador no âmbito das organizações produtivas. Além disso, as interações, nesses casos, ocorrem com tal intensidade que, inúmeras vezes, os personagens retratados deixam de ser a mera condição humana para serem retratados como ciborgues efetivos. Por outro lado, a inclusão de nanopróteses digitais não otimiza a vida social, mas a compromete em relação à fraternidade, esperanças, felicidade e valores liberais. Portanto, a condição da existência humana passa a ser vista de forma desprivilegiada, como efeito colateral da integração de hardware e software no corpo humano.

O termo ciborgue - uma contração de cibernética do organismo - foi originalmente proposto em setembro de 1960 por Manfred Clynes e Nathan Kline, publicado em uma revista científica chamada Astronautics, para indicar os benefícios dos sistemas homem-máquina no espaço sideral. O contexto histórico era a corrida espacial (uma série de demonstrações tecnológicas competitivas entre a União Soviética e os Estados Unidos da América, para mostrar superioridade em voos espaciais), e esses autores defendiam a tese de que parecia mais apropriado alterar as funções corporais para atender às exigências das viagens espaciais do que construir um ambiente semelhante à Terra no espaço. Assim, na definição clássica, “os ciborgues incorporam deliberadamente componentes exógenos estendendo a função de controle autorregulador do organismo para adaptá-lo a novos ambientes” (Clynes; Kline, 1960, p. 27).

Tais noções pertinentes sobre o conceito de ciborgue começaram a se popularizar no ano seguinte, com o lançamento do livro Cyborg: Evolution of Superman (Halacy, 1965HALACY, Daniel Stephen. Cyborg: Evolution of the Superman. New York, Harper & Row, 1965.), que teve até um prefácio de Manfred Clynes, no qual se levantou a hipótese de outros conceitos de ciborgue, além de viagens espaciais. Portanto, a ideia principal do livro ocasionou uma enorme influência no senso comum e na indústria cultural nas décadas seguintes, dada a força simbólica do conceito de que o ser humano pode ser capaz de aumentar a incorporação de dispositivos tecnológicos.

No entanto, no contexto acadêmico, o conceito de ciborgue refere-se principalmente a um ensaio fundamental de Donna Haraway - “A Cyborg Manifesto” - publicado originalmente em 1985HARAWAY, Donna. A Cyborg Manifesto. Socialist Review, n. 80, p. 65-108, 1985., na revista Socialist Review (Haraway, 1985). Seu trabalho tem sido crucial para as explorações de imaginários tecnocientíficos (McNeil et al., 2017) e forneceu alguns insumos que seriam incorporados à análise das cenas de Black Mirror. Isso ocorre principalmente porque, no cenário acadêmico atual, a referência à ideia de ciborgue consiste em uma mistura de concepções imaginárias e práticas genuínas (Picon, 1998PICON, A. La ville territoire des cyborgs. Paris, Les Editions de l'Imprimeur: 113, 1998.), e foi recentemente ampliada para descrever grandes redes de comunicação e controle, por exemplo, o cotidiano de uma população urbana, as redes de software, as empresas e toda a gama do tecido social (Gray, 1995GRAY, Chris Hables. The Cyborg Handbook, New York: Routledge, 1995.).

As narrativas em Black Mirror mencionam algumas empresas e produtos que induzem a condição de ciborgue, e ocasionalmente aparecem em mais de um episódio. Nesse sentido, esta análise a partir do dialogismo bakhtiniano não se restringe a meras relações entre enunciados isolados, mas permite que se depreenda um discurso corporativo que emerge dialogicamente em várias ocasiões. Em outras palavras, as narrativas da série incorporam no roteiro, nas falas dos personagens e, sobretudo, nas práticas discursivas, a linguagem vigente no ambiente dos fatores humanos no trabalho. A SaitoGemu, por exemplo, é uma corporação que produz jogos e está associada à TCKR Systems, uma empresa de pesquisa e tecnologia. Testando um novo software de realidade virtual, a SaitoGemu, no episódio “Versão de Testes”, contrata alguns voluntários para inovar tecnologicamente a indústria do segmento com um jogo de terror que buscaria, no inconsciente do usuário, todos os seus medos. Com a parceria para o desenvolvimento do projeto, a TCKR é a empresa que fornece os dispositivos que foram inseridos no cérebro, o que permite ao jogador experimentar a realidade aumentada (sistema RA).

Desenvolvida pela TCKR, esta tecnologia é particularmente considerada representativa da transição humana para o ciborgue, uma vez que uma pessoa incorpora deliberadamente componentes digitais exógenos. No episódio, tal tecnologia está sendo aprimorada pela SaitoGemu e, embora ainda esteja em seus estágios de desenvolvimento, os mesmos eletrodos neurais são igualmente retratados em outros episódios de Black Mirror, como na sanção dos personagens Victoria Skillane e Joe Potter, respectivamente em “Urso branco” e “Natal”. O conceito geral permanece apresentado no episódio da quinta temporada, “Striking vipers”, no qual a mesma tecnologia - embora ainda mais aprimorada e desenvolvida pela TCKR - leva à problematização das relações de gênero e da condição ciborgue, o que, de fato, lembra a discussão seminal de A Cyborg Manifesto (Haraway, 1985HARAWAY, Donna. A Cyborg Manifesto. Socialist Review, n. 80, p. 65-108, 1985.).

Um sistema produtivo igualmente associado às transições humano/ciborgue é a empresa Smartelligence, considerada uma empresa de tecnologia e serviços domésticos, que desenvolveu uma tecnologia conhecida como cookies. Esses dispositivos, que aparecem no episódio “Natal”, são uma espécie de pequenos chips que são inseridos no córtex cerebral de pessoas interessadas em um tipo especial de serviço doméstico. Na narrativa, quando é removido cirurgicamente do cérebro da personagem Greta, o cookie é conectado a um dispositivo eletrônico portátil. Portanto, ele se transforma em um cookie Greta, uma cópia neuro digital completa da consciência de Greta, que, transformada em cookie, controlará a casa inteligente e a agenda da personagem, garantindo que tudo aconteça como se ela estivesse no comando, já que vem de uma representação completamente idêntica, um ciborgue de inteligência artificial. O enclausuramento de Greta no cookie, no entanto, é vivido na consciência como sofrimento real, e essa contingência, no cenário narrativo de Black Mirror, implicou que a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) decidisse que esses cookies têm direitos humanos, como é mostrado em uma nota de rodapé no episódio da temporada seguinte: “Odiados pela Nação”.

Outros tipos de efeitos colaterais psicológicos podem ser identificados, como o uso consequente do produto Z-Eye, também apresentado no episódio “Natal”, que funciona como uma espécie de aparelho de realidade aumentada com efeitos visuais, tecnologia análoga ao produto Willow Grain, abordado em detalhes em “Toda a sua História”, episódio em que, notadamente, toda a vida social está implicada diretamente no uso obrigatório desses grãos.

O Grain também é um pequeno chip que, quando implantado atrás da orelha, registra todas as memórias da vida do usuário, o que inclui falas de pessoas envolvidas em diversas situações. Na narrativa, o aspecto mais explorado é que o Grain permite o acesso a todas as memórias, mesmo as ruins, por meio de um processo chamado refazer. A perda da condição humana torna-se evidente, uma vez que esse recurso de refazer permite a reprodução dessas memórias, nos olhos do usuário ou em uma tela, com efeitos de zoom e múltiplas velocidades, podendo ser previamente escolhidos em um menu, controlado por um pequeno console portátil. O psiquismo abre mão da capacidade de esquecer, um elemento fundamental na saúde mental do ser humano.

O Grain, assim como outros implantes neurais introduzidos ao longo da série, mantém relações dialógicas com muitas tecnologias mais antigas, como as fitas K-7 e o VHS, que desde a década de 1970 foram capazes de facilitar a gravação de sons e imagens, e outras tecnologias subsequentes, como CDs, DVDs, Blue-Rays, e também MP3 Players, iPods ou até mesmo Napster, Spotify e outros softwares de serviços de streaming. Os recursos de refazer são, de fato, discursivamente semelhantes ao atributo de assistir a uma cena de filme novamente ou repetir uma faixa de áudio.

Em “Crocodilo”, a sofisticação tecnológica é ainda maior: a obrigação legal de compartilhar memórias pessoais em caso de investigação de acidente para pagamento de seguro, há o uso do recaller. O recaller é um sistema que incorpora um Grain mais específico, que apenas escaneia registros relacionados a acidentes, visíveis em um pequeno monitor. A transição é notável porque, se inicialmente a tecnologia permitia apenas uma revisão privada das memórias, posteriormente uma exigência legal transformou as memórias pessoais em interesse público. Em todos esses casos, no entanto, a principal questão dessa análise é que, em Black Mirror, os dispositivos são hibridizados no corpo humano, evocando a transição de humano para ciborgue.

Vale ressaltar que Black Mirror explora diferentes possibilidades de interação. Em alguns casos, um dispositivo indutor de realidade virtual é inserido dentro da mente humana, como a representação de imagem predominante em San Junipero. No entanto, em outros episódios, a mente humana é integrada dentro da realidade virtual, como o primeiro episódio da quarta temporada.

Com o título “USS Callister”, este episódio retrata backups de consciência para uma realidade simulada projetada em um massively multiplayer online game, semelhante ao programa de televisão vintage Star Trek. A questão é que a versão algorítmica da consciência não é a priori suscetível às mesmas condições típicas da já limitada vida humana, às variantes de programação desenvolvidas para o ambiente virtual.

Não seria o caso, no entanto, de fazer uma descrição ampla, neste artigo, de todos os gadgets, dispositivos e a tecnologia ciborgue nomeada; ou transformar o ser humano em uma máquina (veja o implante neural MASS de “Men Against Fire”) ou transformar a máquina em humano (como a carne sintética inteligente em “Volto já”). Sistemas digitais e virtuais como esses se cruzam dialogicamente em todos os episódios de cada temporada e indicam uma constante que reinicia o ciclo até onde a narrativa avança.

O principal ponto a ser objetivamente destacado é que há uma disfunção social nos retratos ciborgues exibidos em Black Mirror. Aspecto que remete à crítica social elaborada pelo autor, o desenvolvimento desse processo tecnológico traz, inevitavelmente, efeitos colaterais psicológicos indesejáveis. Portanto, é possível buscar uma relação dialógica entre as séries de televisão e o ambiente atual das grandes corporações. Assim, a questão se insere em uma reflexão maior sobre as estratégias de inovação tecnológica atualmente em desenvolvimento em diversas organizações produtivas, considerando todos os impactos futuros que podem ser causados pelas novas formas de interação humano-computador que estão sendo construídas atualmente.

1.2 O uso da interação humano-computador para promover o controle social

Outro dado relevante da pesquisa afirma que as inovações tecnológicas de Black Mirror implicam essencialmente formas de controle social. Trata-se, portanto, não apenas de avaliar a dimensão tecnológica da vida dos ciborgues como indivíduos, mas também de perceber que as relações de poder praticadas por tais grupos sociais são historicamente construídas pelas interações homem-máquina.

O episódio “Queda livre” descreve relações pessoais mediadas por um aplicativo de recepção digital. A questão do controle, nesse caso, é explícita e evidente devido às consequências da falta de adaptação do mainstream e como isso causaria a exclusão da vida social. Através de um implante ocular, os usuários compartilham aprovações ou reprovações mútuas de condições, o que lhes concede um sistema de classificação em tempo real, numa escala de 0 a 5. A aprovação constante é vista como um grande problema, pois cada avaliação é calculada como médias ponderadas com avaliações anteriores, produzindo então uma pontuação que definiria se alguém pode ter acesso a privilégios do dia a dia, como descontos e melhores taxas de hipoteca para compras, acesso a serviços preferenciais, aluguel de moradias em áreas nobres ou até mesmo permissão para participar de eventos sociais reservados. Assim, significa que existe um sistema de classificação de nível de status social.

Tal tecnologia se aproxima dialogicamente de produtos e serviços contemporâneos - seja o Facebook ou outras mídias sociais - que igualmente atribuem pontuações ou quantificações para classificar vários usuários. “Queda livre”, no entanto, é focado na questão de mostrar como Lacie Pound, a personagem principal desta história, percebe que a espontaneidade de sua aceitação envolve uma certa parcela de exclusão social.

O pensamento de que todos controlam todos, por meio de um aplicativo de reputação, alude ao controle da sociedade, em uma escala que pode ser percebida como uma espécie de panóptico. De fato, no âmbito das ciências humanas e sociais, é uma prática padrão referenciar o Panóptico de Bentham - que etimologicamente “pan” significa “tudo” e “opsis” significa “visão” - quando geralmente descreve procedimentos de vigilância e controle (Sewell; Barker, 2001SEWELL, Graham; BARKER, James. Neither Good, nor Bad, but Dangerous: Surveillance as an Ethical Paradox. Ethics and Information Technology, v. 3, n. 3, p. 183-196, 2001. DOI: https://doi.org/10.1023/A:1012231730405.
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).

A expressão panóptico, originalmente usada para definir um tipo de manufatura em que o mestre de ofício poderia exercer controle direto sobre os funcionários subordinados, foi imposta como um plano arquitetônico a um modelo de prisão, planejado por Jeremy Bentham, em escritos produzidos na Rússia em 1787 e, posteriormente, entregues a um amigo na Inglaterra (Bentham, 1995). Devido à influência de Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Discipline and Punish: The Birth of the Prison, translated by Alan Sheridan. New York: Vintage, 1979.) no que se refere ao controle sobre a sociedade disciplinar, o Panóptico passou a designar projetos de visibilidade totalizante, organizados de forma dominante e coercitiva, instituídos nas relações sociais de vigilância e poder social.

Por isso, em Black Mirror, são introduzidas tecnologias que possibilitam novos meios de vigilância, novos processos que também podem ser caracterizados como panópticos. Um dos principais exemplos é o episódio “Quinze milhões de méritos”.

A narrativa é completamente panóptica, pois replica relações sociais em que há uma onipresença de telas interativas. Os quartos não têm nenhum tipo de parede; em vez disso, há apenas telas, assim como os banheiros e o local onde as pessoas pedalam em bicicletas que produzem eletricidade. O cotidiano é mediado por imagens desses espelhos negros. Há até representações imagéticas controladas dos usuários, que aparecem na tela através do avatar.

Uma parte do controle social em “Quinze milhões de méritos” ocorre através da mídia de entretenimento, em um show de talentos chamado Hot Shot. Nesse eixo analítico, o conceito de dialogismo pode mais uma vez ser acionado para mostrar como a prática discursiva dos reality shows hodiernos é incorporada dialogicamente na série. O engajamento das pessoas com esse tipo de diversão é tão grande que elas se alienam da realidade opressora em que vivem. Os competidores disputam com seus talentos uns contra os outros e são avaliados por jurados, dentro de uma estrutura discursiva que possui perspectivas dialógicas com diversos programas de televisão (o que é ainda mais destacado, já que “Quinze milhões de méritos” foi ao ar originalmente na mesma noite da etapa final do reality show musical X-Factor). Portanto, as telas panópticas dessa sociedade monitoram os personagens tanto quanto os alienam. Esse é um aspecto mais denso do que o mencionado em “Hino Nacional”, em que a população em massa assiste à transmissão a partir de uma situação na TV e nas telas dos smartphones. Situação, aliás, marcada pela manipulação e procedimentos persuasivos mediante os quais um indivíduo (sequestrador) manipula a opinião pública para que essa, por sua vez, manipulasse o primeiro-ministro (Mendes, 20019).

Um dispositivo tecnológico é desenvolvido em “Odiados pela Nação”, chamado ADIs (Autonomous Drone Insects), considerando o interesse no equilíbrio ambiental através da preservação das abelhas no ecossistema. No entanto, a narrativa mostra que as ADIs podem ter algumas outras características além de evitar o colapso das colônias de abelhas, e o conflito entre vigilância e liberdade se torna o centro das atenções. A perspectiva panóptica, portanto, também está presente porque os drones têm softwares avançados de reconhecimento facial feitos para vigilância pública. Assim, a tecnologia em questão permite a observação contínua da população e dos grupos sociais, um traço típico de controle social que surge como efeito colateral da interação humano-computador, dentro de uma empresa de robótica ambiental chamada Granular (também citada em “Bandersnatch”).

A noção de controle panóptico persiste em “Manda quem pode” devido ao ato da empresa cujo software - Shrive - tem um disfarce inofensivo de um removedor de malware gratuito. No entanto, depois de instalado, o software não apenas remove todo o malware do computador dos usuários, mas também dá acesso ao disco rígido e à webcam, o que fornece à empresa a permissão para ter controle absoluto da vida de alguém. Dada essa permissão, os controladores do Shrive começam a chantagear várias pessoas que utilizaram o software, sempre sob a ameaça de espalhar informações comprometedoras de seus usuários. Isso gera todo um ciclo de ações, muitas delas ilícitas, para buscar até onde uma pessoa está disposta a ir para proteger suas informações.

Um dispositivo de controle social distinto é mostrado em “Hang the DJ”, que envolve um novo tipo de aplicativo chamado The System, que controla a vida afetiva de dois personagens na busca do par perfeito. O discurso desenvolvido na narrativa estabelece a possibilidade da tecnologia determinar o futuro, atribuindo à inteligência artificial o poder de decisão individual e condicionando as relações sociais de seus usuários ao controle dos desenvolvedores.

Uma das principais formas manipuladoras de controle, no entanto, aparece em “Momento Waldo”, episódio em que a animação digital de um urso azul começa a ganhar força nas eleições para o parlamento inglês. O personagem animado é dublado pelo comediante Jamie Salter e seu sucesso midiático implica tal projeção social que permite a ideia de deixar Waldo concorrer à eleição. A questão é que uma animação pixelada pode ser, em uma democracia, mais representativa do que outros seres humanos. Ao final da reportagem, o processo de transmissão ganha relevância política externa, já que a pessoa sugere usar Waldo como forma de manipular e influenciar as eleições na América do Sul.

Conclusão

A elaboração deste artigo partiu da premissa de que as narrativas de ficção científica frequentemente criticam como as organizações produtivas desenvolvem processos de dominação e controle social. Assim, a análise discursiva de tais narrativas fornece perspectivas interessantes para evidenciar os cenários - presente e futuro - do impacto da interação humano-computador no mundo do trabalho. Nesse sentido, esta pesquisa oferece uma contribuição que difere de outras similares no campo dos estudos por focalizar a série Black Mirror a partir de uma perspectiva bakhtiniana.

A pesquisa teve como objetivo analisar os efeitos colaterais da interação humano-computador dentro das organizações problematizadas de Black Mirror. Por isso, nos episódios da série, a orientação metodológica identificou cenas com os impactos negativos da interação humano-computador no âmbito das organizações produtivas retratadas: SaitoGemu, empresa Smartelligence, TCKR Systems, dentre outras. Os dados coletados, no entanto, não receberam tratamento meramente descritivo. Ao contrário, a partir dos estudos de Mikhail Bakhtin (Volóchinov) (2004BAKHTIN, Mikhail (VOLÓCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11a ed. São Paulo: Hucitec, 2004. [1929]), foi dada ênfase a como a linguagem da narrativa articulava dialogismos com empresas e organizações que discursivamente faziam uso da interação humano-computador em suas relações de poder.

Assim, as cenas identificadas foram transcritas - justamente porque, ao longo dos episódios desta série, várias cenas mostram os efeitos colaterais da interação humano-computador dentro das organizações produtivas -, a análise crítica dos resultados obtidos mostrou que, em Black Mirror, as relações homem-máquina prescrevem práticas sociais importantes para servir como potenciais fontes de insights dentro das organizações produtivas. Ou seja, práticas organizacionais que induzem a condição ciborgue e o controle social.

Como já mencionado no levantamento bibliográfico, as inovações tecnológicas e as estratégias das grandes corporações tendem a se refletir nas narrativas de ficção científica. Consequentemente, artigos como este traçam criticamente cenários de impactos (atuais e prospectivos) sobre os sistemas produtivos. Acima de tudo, avaliam a situação do fator humano nas cadeias produtivas, levando em consideração tendências em que há uma transição do conceito de fatores humanos no trabalho para a ideia híbrida de fatores ciborgues; e possíveis interesses organizacionais no uso da interação humano-computador para promover o controle social.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

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  • SUCHMAN, Lucy. What Is Human-Machine Interaction? In: ZACHARY, Wayne.; BLACK, John.; ROBERTSON, Scott. Cognition, Computing, and Cooperation. New Jersey, Ablex: 1990. p. 25-55.
  • VAN DER LAAN, James. Frankenstein as Science Fiction and Fact. Bulletin of Science. Technology & Society, v. 30, n. 4, p. 298-304, 2010. DOI: https://doi.org/10.1177/0270467610373822
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  • VOLOŠINOV, Valentin. N. Marxism and the Philosophy of Language. Translated by Ladislav Matejka and I. R. Titunik. New York: Seminar Press, 2.ed. 1986.
  • WARWICK, Rob James Doubt, Uncertainty, and Vulnerability in Leadership: Using Fiction to Enable Reflection and Voice. Tamara - Journal for Critical Organization Inquiry, v. 14, n. 4, p. 127-137, 2016. Available at: https://tamarajournal.com/index.php/tamara/article/view/420 Access on: 01 November 2022.
    » https://tamarajournal.com/index.php/tamara/article/view/420
  • 2
    Em 1973, o renomado filólogo russo Viacheslav Ivanov, depois acompanhado de outras fontes autorizadas, divulgou publicamente que Bakhtin era o verdadeiro autor de Marxismo e filosofia da linguagem, inicialmente publicado por Volóchinov. Discorrer sobre essas questões históricas de autoria intrínsecas à obra bakhtiniana ― a viúva de Volóchinov atestou a autoria de Bakhtin (Clark; Holquist, 1998) ― tomaria muito tempo, implicaria a contextualização da censura stalinista e pouco acrescentaria, pois questões metodológicas da mesma natureza desta discussão já foram desenvolvidas em outros artigos (Castro, 2015; Castro; Leão, 2020).
  • 1
    Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001. A primeira autora agradece ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por permitir que ela se licenciasse temporariamente para realizar o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE).
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

O texto é bem escrito, com excelentes referências teóricas e explicações relevantes sobre a série Black Mirror até a temporada 5, de 2019. A interação humano-computador é bem retratada no texto, justificando o subtítulo. APROVADO.

Fiz meu mestrado em Cinema nos Estados Unidos (Arizona State Univ) e tive Mikhail Bakhtin como minha primeira e mais relevante referência. Portanto, se os autores quiserem continuar tendo Bakhtin como sua principal fonte de referência, sugiro a adoção do conceito de polifonia do autor. Caso decidam comparar textos, para criar um diálogo entre textos, sugiro o conceito de intertextualidade de Julia Kristeva que utilizei em meu doutorado (Univ. da Califórnia, EUA). Escrevi sobre Bandersnatch e USS Callister, mas, caso os autores queiram analisar a sexta temporada, devem ter cuidado, pois alguns episódios não refletem tão bem as interações entre humanos e computadores. “Beyond the Sea” pode ser analisado por sua interação humano-computador, mas os outros episódios da sexta temporada seguem outras estratégias que não enfatizam a interação humano-computador.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    03 Jul 2023

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

O artigo propõe realizar uma análise discursiva de episódios da série Black Mirror, com o objetivo de investigar como a produção televisiva apresenta e discute os efeitos colaterais da interação humano-computador nas organizações. Trazendo uma contribuição importante, original e criativa para a área dos estudos linguístico-discursivos, o trabalho promove uma leitura interdisciplinar do corpus, orquestrando a perspectiva dialógica bakhtiniana e teorias que tratam de tecnologia, organizações, comunicação em massa, cyborgs e ficção científica. O problema foi proposto de forma clara e a fundamentação teórica foi exposta e discutida de maneira consistente ao longo do trabalho. A metodologia adotada atendeu satisfatoriamente aos propósitos da pesquisa. O texto dos/as autores/as é inteligente, coeso, coerente e atende às normas gramaticais e estilísticas aplicáveis aos artigos científicos. Ademais, o modo como os argumentos foram desenvolvidos revela segurança e maturidade teórica e analítica dos/as autores/as ao tratar do assunto. As referências bibliográficas são atuais e pertinentes à discussão travada na investigação. Isto posto, recomendo publicação. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    07 Jul 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2023
  • Aceito
    15 Out 2023
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