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Presença de São Tomás de Aquino na construção da narrativa medieval sobre o dinheiro

RESUMO

Limitando-se à ordenação moral do comércio defendida por Aquino, afirma-se que, como efeito inverso de estancar a interpretação, a Suma teológica tanto motivou a alimentação do imaginário cristão em narrativas como A divina comédia, de Dante Alighieri, de modo a ampliar a reflexão sobre as categorias dos pecadores pelo dinheiro, como também forneceu subsídios para a construção de antimodelos em parte das narrativas emolduradas da obra Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, recheada de tipos avarentos, simoníacos e fraudadores. Este artigo objetiva apresentar as instruções de Aquino a respeito dos usos do dinheiro, cotejando, em alguns momentos, com textos literários. Para isso, passagens bíblicas, comentadores da Bíblia de tradição católica e textos de economistas são trazidos à medida que o texto da Suma teológica é analisado. Teóricos do pensamento cristão, como Agostinho e Boécio, e do pensamento econômico, como Molina e Robbins, são utilizados.

PALAVRAS-CHAVE:
Narrativas econômicas; Tomás de Aquino; Idade Média

ABSTRACT

As a reverse effect of constraining interpretation and limiting itself to the moral ordering of commerce defended by Aquinas, the Summa Theologica both motivated the enrichment of the Christian imaginary in narratives like Dante Alighieri’s Divine Comedy and Geoffrey Chaucer’s work, The Canterbury Tales. In the case of the Divine Comedy, it expanded the reflection on the categories of sinners related to money, and as regards The Canterbury Tales, it provided support for the construction of anti-models in some of the framed narrative types of misers, simoniacs, and fraudsters. This article aims to present Aquinas’ instructions regarding the uses of money, juxtaposing, at times, with literary texts. For this purpose, biblical passages, commentators of the Catholic tradition Bible, and texts from economists are brought in as the Summa Theologica is analyzed. Theoretical thinkers of Christian thought, such as Augustine and Boethius, and economic thought, such as Molina and Robbins, have been used.

KEYWORDS:
Economic narratives; Thomas Aquinas; Middle Ages

Introdução

Preço justo, avareza, prodigalidade, parcimônia, liberalidade, usura - tais termos, estimulados pela Política e pela Ética a Nicômaco, de Aristóteles1 1 Obras escritas em torno de 350 a.C. , e revisitados e ampliados por São Tomás de Aquino em sua Suma teológica2 2 Obra escrita entre os anos 1265 e 1274, publicada de forma fragmentada depois da morte de Aquino e copilada, em sua versão final, apenas em 1570. , não somente se tornaram chaves tradutórias para a compreensão dos comportamentos econômicos, mas também serviram como contornos retóricos para uma organização das práticas econômicas do mundo medievo que estivesse imbuída de uma ordem moral cristã. Nesse sentido, no empenho interpretativo de São Tomás de Aquino, o desenho de um comportamento econômico virtuoso (lícito) ou pecaminoso (ilícito) foi motivado pela necessidade de exibir a diversidade de opiniões a respeito das mensagens cristãs para, além delas e em combate a suas interpretações, afirmar uma verdade unilateral capaz de moldar a ética do homem (também em suas trocas comerciais)3 3 Na Idade Média europeia, a correspondência entre a licitude com a virtude e a ilicitude com o pecado deriva do entendimento de que a moral pertence a uma Lei maior, a lei de Deus, interpretável no âmbito das Sagradas Escrituras. . A arquitetura retórica de Aquino valeu-se do mecanismo de uma correspondência ilustrada nas narrativas bíblicas, nas instruções do filósofo grego da Antiguidade Aristóteles (visto, além de seu tempo, como um sábio ordenador de fé cristã) e nos escritos de autoridades católicas (papas, teólogos, bispos, santos etc). Na elaboração discursiva de Aquino, a equivalência interpretativa verdadeira (perfeita) organiza a correta adequação dos costumes dos homens e, ao mesmo tempo, subtrai a pluralidade divergente (viciosa e pecaminosa).

Derivado da dialética socrática e aprimorado por meio da metodologia dos debates escolásticos, esse mecanismo social de controle da interpretação na Suma teológica, de Aquino, permite a exploração de variáveis interpretativas que, posteriormente, são suprimidas em vista de uma não correspondência com os textos sagrados ou de uma desautorização ocorrida por meio da apresentação de recortes de argumentos de autoridades reconhecidas pela Igreja. Acontece que a busca, a defesa e a justificação de um mecanismo interpretativo - que, simultaneamente, clareie o comportamento conveniente aos preceitos da vida cristã e coloque sombras sobre dubiedades ou interpretações desviantes - só aparentemente se realizam como processos redutores do imaginário no mundo medievo. Ao contrário disso, a Suma teológica mapeia dimensões interpretativas e estimula um olhar para a multiplicidade como forma necessária de revelação do Uno. Desse modo, nesse momento de vasculhar outros entendimentos, demais fontes de representação do pensamento medievo, incitadas direta ou indiretamente por Aquino, ora se valeram da descrição da natureza múltipla dos vícios para a elevação do modelo de conduta cristã, como em A divina comédia, de Dante Alighieri4 4 Obra composta entre 1304 e 1321 e publicada em 1472. , ora se valeram da retratação da diversa dimensão dos vícios para marcar o distanciamento ou a irrealidade desse mesmo modelo em relação às práticas sociais cotidianas, como nos Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer5 5 Obra escrita entre 1387 e 1400 e publicada em 1478. .

No tocante à descrição de Aquino a respeito das condutas econômicas, observa-se que as tentativas de demonstrar um conhecimento moral exemplar em meio à evolução das práticas pecuniárias obrigou o filósofo da Igreja Católica a tematizar diversos ângulos do comportamento econômico, revitalizando alguns debates localizados em Aristóteles. A classificação dos bens, os benefícios advindos do manejo do dinheiro ou os vícios e pecados estimulados pelo uso da pecúnia acabam por ser os principais grupos de temas nos quais se desenvolvem os exercícios argumentativos de Tomás de Aquino.

Nesse sentido, este estudo mapeia e comenta a discussão desses grupos temáticos (um por cada seção) de modo a buscar ecos contidos na filosofia tomista ou reverberações promovidas por tal filosofia que possam apresentar os momentos iniciais da história do pensamento econômico sob um prisma do cruzamento discursivo, escapando-se da mera e simplificadora perspectiva do objetivo doutrinário. A compreensão de que a constituição do pensamento econômico de Tomás de Aquino é resultante de um estudo da multiplicidade discursiva - e que também incentiva constituições de outras manifestações do discurso diferentes e até mesmo divergentes no período medieval - fortalece a tarefa de investigar a história econômica por meio de uma perspectiva transdisciplinar e dialógica. Por outro modo, pelo fato de os focos desse estudo acabarem por enfatizar a caracterização interdiscursiva de todo e qualquer discurso tal como uma condição de existência do sentido (Charaudeau; Maingueneau, 2004CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução do francês Fabiana Komesu. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2004.), observa-se que as concepções do discurso econômico de Aquino no contexto medievo apresentam-se como espaços de enunciação que são alimentados pelo discurso religioso - ao mesmo tempo que o alimentam também.

1 Classificação dos bens

Tomás de Aquino, no decorrer de toda a Suma teológica, conserva uma arquitetura retórica para a produção de saber (advinda da filosofia escolástica) que, de forma meticulosa, estrutura-se das seguintes partes em sequência: a) apresentação de questão de debate; b) enumeração de perspectivas sobre a questão tratada (geralmente adversárias à interpretação final); c) introdução de um comentário discordante às perspectivas elencadas (ou a alguma delas); d) estabelecimento de uma síntese a solucionar o debate; e e) fechamento com respostas a cada um dos pontos de vista enumerados.

Por ilustração, detalham-se, mais minuciosamente neste momento, os dois artigos a seguir. O primeiro deles consiste na investigação de Aquino: “Se a beatitude do homem consiste nas riquezas”, primeiro artigo da segunda questão do Tratado da bem-aventurança (cf. p. 931-932) da Suma teológica; e o segundo deles é “Se podemos merecer os bens temporais”, décimo artigo da 114ª questão do Tratado da graça (cf. p. 1730-1732) da Suma teológica.

Quanto ao primeiro, inicialmente, são levantados três pontos de vista, derivados de interpretações da Bíblia sagrada (Eclesiastes) ou de autores incorporados pela filosofia católica (Boécio e Aristóteles) como perspectivas oponentes a ser combatidas. O primeiro ponto de vista, partindo da seguinte passagem do Eclesiastes 10, 19: “Faz-se festa para se divertir; o vinho alegra a vida, e o dinheiro serve para tudo” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 631), defende que a plena satisfação do homem se realiza por meio do alcance de seus desejos, e esses são permitidos pelo acesso ao dinheiro. O segundo ponto de vista cita o conceito de beatitude de Boécio como um estado de perfeição pela reunião de todos os bens e, ao considerar o argumento de Aristóteles a respeito de a invenção da moeda servir como um meio eficiente de generalizar as trocas e acumular posses, apresenta a possibilidade de, no dinheiro, ser possível o sentimento de plena satisfação6 6 Ainda que as obras não sejam citadas no segundo ponto de vista, trata-se do trecho em que Boécio esclarece a natureza contraditória do dinheiro em A consolação da filosofia (obra escrita no século VI e publicada no século X somente) e dos trechos em que Aristóteles argumenta sobre a origem ou a função do dinheiro em Política ou em Ética a Nicômaco (obras produzidas em torno de 350 a.C.). . O terceiro ponto de vista, ao se valer de um fragmento do Eclesiastes 5, 9: “Aquele que ama o dinheiro nunca se fartará” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 627), compara a insaciabilidade do desejo em conhecer o sumo bem com a vontade infinita de pertencimento sob a matéria pecuniária.

Na parte de contra-argumentação à defesa das perspectivas relacionadas, de imediato realiza-se um exercício de correção interpretativa do segundo ponto de vista em relação à autoridade Boécio, afirmando-se que tal filósofo reconhece mais a atividade do gasto como condutor de satisfação do que a prática da acumulação das riquezas. Com isso, a contestação à segunda tese levantada coloca-a como uma matéria incompleta de defesa por citar a declaração da autoridade de Boécio, mas sem desenvolver seus argumentos sucedentes e contraditórios à própria tese. O trecho comentado de Boécio pelo momento contestatório encontra-se no ponto nove do livro dois de A consolação da filosofia:

Ora, as riquezas parecem ter mais valor quando se vão do que quando são adquiridas. É por isso que a avareza é causa de antipatia, e a generosidade, de louvores. Uma vez que não é possível manter algo que só tem valor se for trocado, o dinheiro só tem valor quando muda de mãos e deixamos de possuí-lo (Boécio, 2016, p. 52).

Na parte da síntese, também chamada de solução, Aquino defende que a beatitude do homem não provém das riquezas. Isso porque, ao citar a classificação aristotélica das riquezas em naturais (baseadas na produção do sustento humano em relação a alimentação, vestuário, deslocamento ou habitação) e artificiais (baseadas na invenção do dinheiro como facilitador da troca e como medida das coisas venais), Tomás de Aquino declara que a primeira classe existe no mundo para a serventia do homem, conforme a própria Escritura Sagrada, no versículo sete do capítulo oito dos Salmos7 7 Nesse Salmo, embora os homens sejam caracterizados como filhos de Adão e indignos de graça, destaca-se a generosidade de Deus ao colocar sob o mando do homem as criaturas do mundo: “Destes-lhe poder sobre as obras de vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo” (Bíblia, 2019, p. 542). Em relação às práticas econômicas, esse entendimento da hierarquia do homem quanto às demais criaturas e obras de Deus pode justificar, por exemplo, o uso exploratório dos recursos. , e que a segunda classe das riquezas foi criada para a garantia de conquista da primeira classe. Portanto, no raciocínio desenvolvido pelo teólogo, riquezas naturais (derivadas da satisfação atrelada ao sustento) ou artificiais (geradas como medida de valor intrínseco para a salvaguarda do intercâmbio de mercadorias) estão para servir ao homem e, portanto, abaixo dele - o que, na perspectiva de Aquino, torna impossível tais fornecerem a ele a plena satisfação.

Na parte das objeções, Aquino defende que os bens corpóreos são adquiridos pelo dinheiro e que esses seriam, entre os tolos, a única forma de satisfação conhecida; entretanto, declara que os bens espirituais não são acessíveis pela relação pecuniária e cita o versículo 16 do capítulo 17 dos Provérbios para justificar que a sabedoria não é um bem conquistável pelo dinheiro do estulto8 8 Nesse capítulo do Livro dos Provérbios, o que os bens espirituais proporcionam é julgado acima dos resultados obtidos pelos bens materiais. Desse modo, a ausência de bens espirituais, como a sabedoria ou a paz (provindas de Deus), subtrai a importância dos bens materiais para a construção da felicidade humana: “Adquirir a sabedoria vale mais que o ouro; antes adquirir a inteligência que a prata” (Bíblia, 2019, p. 614). . De igual modo, o teólogo afirma que o desejo pelos bens naturais é finito à medida de sua saciedade e que o desejo pelos bens artificiais não o é, mas que difere da infinitude pela satisfação em se conhecer o sumo bem. Acontece que, citando a Política, de Aristóteles, Tomás de Aquino nota a infinitude do desejo pelo bem temporal estimulada pela cobiça desordenada e que, enquanto o conhecimento do sumo bem leva o homem ao progressivo desprezo de outros bens, os bens materiais tornam-se cada vez mais insignificantes quanto mais esses são possuídos. Seus argumentos encontram esteio na ilustração do versículo 29 do capítulo 24 do Eclesiástico, a respeito da infinita satisfação advinda do sumo bem, e na ilustração do versículo 13 do capítulo quatro do Evangelho de São João, em relação à cessante satisfação dos bens corpóreos9 9 De um modo, na passagem do Livro do Eclesiástico, a comida e a bebida, como metáforas do Sagrado, prefiguram a cena da Última Ceia e da salvação espiritual pelo conhecimento do sumo bem, nunca esgotável em satisfação por aquele que o experimenta: “Aqueles que me comem terão ainda fome, e aqueles que me bebem terão ainda sede” (Bíblia, 2019, p. 671). De outro modo, no capítulo do Evangelho segundo João citado, opõe-se a água entendida como metáfora da palavra que leva ao conhecimento do Sagrado e que fornece um bem espiritual (a salvação) capaz de saciar qualquer necessidade fisiológica humana à água que repara a sede cotidiana e que nunca nos satisfaz por completo: “Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede / mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna” (Bíblia, 2019, p. 999). .

Com a argumentação desse artigo da Suma teológica, Aquino reforçou a divisão entre os bens temporais, reunidos em naturais e artificiais, e bens espirituais, que aproximam o homem do sumo e absoluto bem, dando a tais um significado hierárquico baseado na ordem moral cristã e na equivalência entre a missão de entender o processo de salvação e a epifania da satisfação em estado de plenitude advinda desse conhecimento.

É impossível a beatitude do homem consistir nas riquezas. Ora, há duas espécies delas, como diz o Filósofo: as naturais e as artificiais. Aquelas são as que o homem busca para satisfazer suas necessidades naturais, como a comida e a bebida, os vestuários, os transportes, a habitação e outras semelhantes. Estas são as que não provêm da natureza, em si mesmas, como o dinheiro, mas que a arte humana inventou para facilitar as trocas e são como a medida das coisas venais. // Ora, claro é que a beatitude do homem não pode consistir nas riquezas naturais. Pois, buscando-as ele para outro fim, a saber, o sustento da sua vida, não lhe podem constituir o fim último, antes, para ele se ordenam como fim delas. Por onde, na ordem da natureza, todas essas coisas são inferiores ao homem e para ele feitas, conforme a Escritura (Sl 8, 7): Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés. // Quanto às riquezas artificiais, elas não são buscadas senão por causa das naturais; pois, não o seriam se com elas não se comprassem as coisas necessárias ao uso da vida. Logo, com maior razão, não podem desempenhar o papel de fim último. // Por onde, é impossível consistir nas riquezas a beatitude, último fim do homem (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 931).

Em “Se podemos merecer os bens temporais”, décimo artigo da 114ª questão do Tratado da graça da Suma teológica, Tomás de Aquino parte para investigar mais três perspectivas e uma contra-afirmação. O primeiro ponto de vista afirma que, no Antigo Testamento, os bens temporais podem ser compreendidos como recompensa dos justos. O segundo ponto de vista, citando os versículos 20 e 21 do primeiro capítulo do Êxodo e os versículos 17 a 19 do 29º capítulo de Ezequiel, afirma que os bens materiais podem servir como pagamento direto de Deus por algum serviço a Ele prestado10 10 Nesse capítulo do Livro do Êxodo, o respeito e o temor a Deus em contraposição à lei do faraó por parte das parteiras, ao se negarem a realizar o infanticídio dos meninos hebreus no ato do nascimento, fizeram com que Deus recompensasse essas mesmas parteiras com prosperidade: “Deus beneficiou as parteiras: o povo continuou a multiplicar-se e a espalhar-se. / Porque elas haviam temido a Deus, ele fez prosperar suas famílias” (Bíblia, 2019, p. 51). No livro de Ezequiel, Deus oferta a terra do Egito a Nabucodonosor para ser saqueada por seus exércitos, a fim de cumprir os propósitos de enfrentamento contra o faraó do Egito: “No vigésimo sétimo ano, no primeiro mês, no primeiro dia do mês, a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: / filho do homem, Nabucodonosor, rei de Babilônia, impôs a seu exército a rude faina de guerrear Tiro: calvície em todos os crânios, esfoladuras em todas as espáduas! Todavia, nem ele nem seu exército retirarão de Tiro qualquer vantagem da opressão contra ela dirigida. / Eis por que diz o Senhor Javé: irei dar o Egito a Nabucodonosor, rei de Babilônia; ele pilhará suas riquezas; fará dele a sua presa, e repartirá os seus despojos; tal será o salário de seu exército” (Bíblia, 2019, p. 827). . No terceiro ponto de vista, há a defesa que os bens temporais correspondem aos meritosos, assim como as penas temporais cabem aos ímpios, como ocorre na ilustração do caso da cidade de Sodoma nos capítulos 18 e 19 do Gênesis11 11 Nos capítulos 18 e 19 do Livro do Gênesis, há a ideia da distribuição de prosperidade entre aqueles que respeitam a Deus e seguem os seus preceitos, como Abraão, que tem a promessa de um filho mesmo após a sua idade avançada e a de sua esposa, ou a de Ló, que é salvo da destruição da cidade de Gomorra e que depois tem sua linhagem preservada por meio das gravidezes de suas filhas com seu próprio sêmen. Por outro lado, a distribuição do castigo é dada àqueles que não seguem as orientações divinas: a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra dá-se pelo comportamento ofensivo e pecaminoso de seus habitantes sob o olhar de Deus, ou ainda o giro da face da mulher de Ló para trás para ter a visão das cidades destruídas, contrariando a ordem divina, é uma desobediência que a torna uma estátua de sal. . Na contra-argumentação, com a citação do segundo versículo do nono capítulo do Eclesiastes, comenta-se que os bens temporais são acessíveis indistintamente tanto para os bons como para os maus - assim também como os infortúnios que os afetam ou a morte que levará a todos12 12 Em sua investigação sobre o sentido da vida e a persistência da morte para todos indistintamente, Cohéllet, rei de Israel em Jerusalém, nota uma inicial falta de lógica em relação ao mérito dos destinos entre os justos e os ímpios: “Um mesmo destino para todos: há uma sorte idêntica para o justo e para o ímpio, para aquele que é bom como para aquele que é impuro, para o que oferece sacrifícios como para o que deles se abstém. O homem bom é tratado como o pecador e o perjuro como o que respeita seu juramento” (Bíblia, 2019, p. 630) .

Na parte da solução, São Tomás de Aquino divide os bens em relativos e absoluto. Os bens relativos são válidos pelo tempo em que duram e nas circunstâncias em que são necessitados, no entanto, não são eles matéria da salvação; já o bem absoluto liga-se à finalidade de redenção do espírito e de aproximação e entendimento do Sagrado. Dentro desse pensamento explanado, Aquino inicia uma perspectiva que tende a justificar o destino do bem (ora temporal, ora absoluto) e busca dar coerência entre a distribuição desses entre ímpios e justos, valendo-se, de imediato, do Livro dos Salmos em seu versículo 28 do capítulo 72 para justificar o conceito de bem absoluto, ou ainda o versículo 25 do capítulo 36 e o versículo dez do capítulo 33 para marcar a posição de amparo divino àqueles que agem conforme suas leis13 13 No capítulo 72 do Livro dos Salmos, ocorre, a princípio, um sentimento de indignação por constatar a prosperidade dos ímpios. No decorrer do salmo, há a interpretação de que os bens dados aos ímpios são ilusões que os projetam à destruição e, ao final desse salmo, revela-se a matéria do verdadeiro bem-estar: a proximidade com Deus: “Mas, para mim, a felicidade é me aproximar de Deus, é pôr minha confiança no Senhor Deus, a fim de narrar as vossas maravilhas diante das portas da filha de Sião” (Bíblia, 2019, p. 571). No capítulo 36 do Livro dos Salmos, o conselho de que não se deve ter inveja da prosperidade dos ímpios vem acompanhado da ideia de que a justiça de Deus exterminará aqueles que gozam do temporário bem-estar e que não seguem seus preceitos. Por outro lado, nesse mesmo capítulo, é enunciada uma certeza de proteção àqueles que são justos e preservam os valores de Deus em suas atitudes: “Fui jovem e já sou velho, mas jamais vi o justo abandonado, nem seus filhos a mendigar o pão” (Bíblia, 2019, p. 555). No capítulo 33 do Livro dos Salmos, comentado por Aquino, essa posição confirma-se ainda mais quando o teólogo cita o versículo que afirma a salvaguarda de Deus àqueles que o respeitam: “Reverenciai o Senhor, vós, seus fiéis, porque nada falta àqueles que o temem” (Bíblia, 2019, p. 553). .

O que podemos merecer é um prêmio ou uma recompensa, cujo caráter essencial é ser um bem. Ora, duplo é o bem do homem: o absoluto e o relativo. - O seu bem absoluto é o fim último, conforme à Escritura: Para mim me é bom unir-me a Deus; e por conseqüência, tudo o que se ordena a conduzir para esse fim. E tudo isso podemos, absolutamente, merecer. - O bem relativo e não absoluto do homem é o que lhe é atualmente bem, ou sob um certo aspecto. E esse não podemos merecer absoluta, mas, relativamente. // Assim sendo, devemos pois dizer, que os bens temporais, considerados enquanto úteis à pratica da virtude, que nos conduz à vida eterna, podem ser direta e absolutamente objeto de mérito, ao mesmo título que aumento da graça e tudo o que, depois da primeira graça, nos ajuda a chegar à felicidade. Pois Deus dá aos justos os bens temporais, e também aos maus, o quanto lhes basta para alcançarem a vida eterna. E nessa medida esses bens o são absolutamente. Por isso, diz a Escritura: Os que temem ao Senhor não serão privados de bem algum; e, noutro lugar: Não vi o justo desamparado. // Considerados, porém, esses bens temporais em si mesmos, são bens do homem, não absolutos, mas relativos. E então não constituem absolutamente matéria de mérito, senão só relativamente, isto é, enquanto os homens são movidos por Deus à prática de certos atos temporais, com os quais, gozando do favor divino, conseguem o que se propuserem. De modo que, assim como a vida eterna é, absolutamente, o prêmio das obras justas, por causa da moção divina, conforme já dissemos, assim também os bens temporais, considerados em si mesmos, implicam por essência o caráter de recompensa, levando-se em conta a moção divina, que move as vontades humanas a buscá-los, embora, por vezes, ao fazê-lo, os homens não sejam movidos por uma intenção reta (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 1731).

Na parte das objeções, especificamente na primeira contestação, o teólogo, baseado na obra A doutrina cristã, de Santo Agostinho14 14 Obra produzida em 426. , declara que a promessa dos bens temporais como correspondência de atendimento dos desígnios de Deus, em verdade, são prefigurações de um bem maior; são, portanto, sinais de um bem que somente será perceptível a partir da mensagem do Novo Testamento, ou seja, a vida profética do povo do Antigo Testamento condiz com a promessa dos bens temporais, enquanto o bem absoluto vai se tornando cognoscível com a proximidade da chegada do Messias. Na objeção ao segundo ponto de vista, Aquino realiza uma correção na interpretação das passagens bíblicas citadas, denunciando que o autointeresse não pode vir disfarçado em vontade divina e complementa afirmando que, em certos momentos, Deus pode conceder bens temporais para aqueles que o servem circunstancialmente, contudo tal conduta (por ser uma ocorrência acidental) não lhes garante a conquista do bem absoluto. Na objeção ao terceiro ponto de vista, São Tomás de Aquino explica que as adversidades temporais acontecidas aos homens perversos podem ser compreendidas como punição que os afasta cada vez mais do bem absoluto, enquanto que as dificuldades encontradas pelo homem justo servem para prepará-lo para a salvação do espírito. Por fim, Aquino também rebate a contra-argumentação levantada, e assim o faz completando o raciocínio por essa lançada. Ainda que concorde que bens ou males são distribuídos entre ímpios e justos sem discriminação, Tomás de Aquino comenta que os bons, sofrendo ou tendo fortuna, são preparados para a felicidade final (a revelação do sumo bem) e os maus, com infortúnio temporal a marcar seu demérito ou com a boa fortuna a lhes afastar da verdadeira felicidade, são castigados pelo distanciamento contínuo do conhecimento do bem absoluto.

São Tomás de Aquino, com esse artigo, consegue responder, ao modo da doutrina cristã, a uma questão de ordem moral que é perseguida desde a Antiguidade Clássica: por que os injustos conseguem angariar fortunas, e os justos podem sofrer penas de uma vida de misérias? Como exemplo dessa investigação, a comédia Pluto, de Aristófanes, em IV a.C., tematizou exatamente a incoerência entre a distribuição assimétrica das riquezas e o comportamento respeitoso com os deuses ajustada à prática de ações honestas e corretas dos cidadãos. Na mitologia grega, inclusive, o deus Pluto, alegoria da riqueza, para representar essa ausência de correspondência entre a conduta moral exemplar e a garantia de riquezas, é caracterizado como cego - e a explicação advinda desse mito é geralmente associada ao fato de Zeus, prenunciando o poder mensurado a esse deus, cegá-lo para evitar a hegemonia futura dele acima dos outros deuses. Tal evento é recontado pela comédia Pluto, de Aristófanes, demonstrando uma crítica do comediógrafo, em que fica evidente que, como os homens, as divindades (Zeus como modelo maior) não favorecem aos justos, e sim aos seus próprios interesses e para preservar seus próprios privilégios.

CRÊMILO - E como lhe aconteceu a desgraça de ficar cego? Me conte! PLUTO - Foi Zeus quem me fez isto, despeitado por causa dos homens. Há muito tempo eu ameaçava de favorecer somente as pessoas justas, sábias e honestas. Então ele me cegou para me impedir de reconhecer as pessoas. Vejam até quanto vai o despeito dele contra as pessoas de bem! (Aristófanes, 2003ARISTÓFANES. Um deus chamado dinheiro ou Pluto. Tradução do grego Mário da Gama Kury. 1ed. In: ARISTÓFANES. Obra Completa. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 620-676., p. 627).

A manutenção da divisão entre os bens temporais ou materiais e os bens espirituais e revelatórios da salvação explica também a questão investigada pelo teólogo: a aparente falta de lógica entre o investimento moral e o resultado de um bom destino de riquezas. Nesse sentido, o teólogo explica os caminhos da riqueza defendendo que, de um modo, a atribuição dos bens temporais para os ímpios acaba por condená-los ao afastamento da graça maior da salvação e que a ausência de tais bens é um reconhecimento divino pelo desmerecimento de graça para tais homens com reprováveis condutas; de outro modo, a vida de fortuna dada aos justos corresponde ao mérito por um comportamento exemplar (alinhado aos preceitos divinos) e a ausência de bens materiais para esses serve de aperfeiçoamento para o espírito no sentido de se prepararem para receber a dádiva e a felicidade maiores da salvação.

Em “Se é lícito a alguém possuir uma coisa como própria”, segundo artigo da 66ª questão do Tratado da graça da Suma teológica (cf. p. 2159-2160), Tomás de Aquino advoga a licitude da condição de privado para certos bens e justifica tal posição declarando que a administração em situação de pertencimento particular torna-se mais efetiva considerando o maior interesse ao que é próprio do que é comum e ao que é mais específico para a matéria do controle do que é mais geral e não tão determinado para o manejo do possuidor. Por outro lado, Aquino defende que a divisão dos bens, legitimando-os como particulares, favorece a pacificação dos homens em relação à disputa do que é comum e indivisível. Além dos ecos que emanam das correções interpretativas realizadas a respeito de textos de São Basílio ou Santo Ambrósio citados ou ainda da demonstração da defesa de Santo Agostinho sobre o tema da questão da posse do bem, Aquino realiza uma argumentação que estará como uma ressonância em escritos de economistas da Escola de Salamanca como, por exemplo, Tomás de Mercado.

Nesse caso, repetindo explicitamente as justificativas de São Tomás de Aquino, o economista da Escola de Salamanca, no século XVI, amplia a defesa da eficiência dos bens privados ao afirmar que as fazendas particulares crescem e avançam em comparação às da cidade ou Conselho, que são mal geridas. Como uma narração cruzada entre o enredo bíblico e as razões já discutidas por Aquino, Tomás de Mercado (2020)MERCADO, Tomás de. Summa de tratos y contratos: libros I y II. 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020. enuncia que havia um estágio inicial de condição paradisíaca em que bens temporais não eram motivo de escassez e, portanto, de conflito, assim como as necessidades não haviam se multiplicado tanto entre os homens. No entanto, principalmente após a cena do dilúvio narrado pelo capítulo sete do Gênesis, o agigantamento da escassez de produtos e a falta de serviços levou ao inevitável crescimento do comércio. A partir desse cenário, Tomás de Mercado afirma que, por um lado, um maior processo de legitimação da propriedade privada ocorre, nesse sentido, para harmonizar confrontos em meio à miséria generalizante; e que, por outro, a escalada do pecado da cobiça desvirtua cada vez mais a função das trocas comerciais em servir a comunidade e gera uma deformidade no acúmulo de bens em que o indivíduo busca desproporcionalmente a posse de tudo.

2 Os benefícios advindos do manejo do dinheiro

A discussão do tema da virtude estimulada pelo dinheiro passa por questões a respeito da funcionalidade do ato de esmola - Se dar esmola é ato de caridade (artigo primeiro da questão 32 do Tratado sobre a caridade) (cf. p. 1948-1949), Se é de preceito dar esmola (artigo quinto da mesma questão e tratado) (cf. p. 1953-1955), Se aos religiosos é lícito viver de esmolas (artigo quarto da questão 187 do Tratado sobre os atos específicos de certos homens) (cf. p. 2859-2862) e Se aos religiosos é lícito mendigar (artigo quinto da mesma questão e tratado) (cf. p. 2862-2863) - e da liberalidade em relação ao gasto - investigação realizada em todos os seis artigos reunidos pela questão 117 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2450-2455): Se a liberalidade é uma virtude, Se a liberalidade tem por objeto o dinheiro, Se usar do dinheiro é ato de liberalidade, Se o ato principal da liberalidade é dar, Se a liberalidade faz parte da justiça e Se a liberalidade é a maior das virtudes.

Nesses dois primeiros artigos sobre o tema da esmola, São Tomás de Aquino argumenta que o ato de prestar ajuda por meio de bens materiais, motivado pela compaixão e associado à caridade, torna-se uma manifestação do amor de Deus, podendo, com a genuína piedade sentida e com a real vontade de doação a ajudar o próximo, redimir aquele que a dá. De outro modo, o ato de dar esmolas é um preceito derivado do amor ao próximo, entretanto, quem dá esmolas deve retirar do seu supérfluo (o contrário é pecado contra o Sagrado e uma violência contra si mesmo) e quem aceita esmolas deve realmente necessitar (o reverso é pecado).

Ora, o que nos move a dar esmolas é socorrer a quem sofre necessidade; e por isso, certos definem a esmola dizendo ser a obra pela qual damos alguma coisa a um necessitado, por compaixão e amor de Deus. Ora, esse motivo se funda na misericórdia, como já dissemos. Por onde, é manifesto que dar esmola é propriamente ato de misericórdia (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 1948).

Quanto a quem a dá, devemos levar em conta que há de gastar em esmolas do seu supérfluo, conforme ao Evangelho. Dai esmola do que é vosso supérfluo. E considero supérfluo o que sobra não só do necessário ao indivíduo em si mesmo considerado, mas também das demais pessoas dele dependentes; e a isto se chama necessário à pessoa, implicando a pessoa uma certa dignidade. Pois antes de tudo, devemos prover ao nosso necessário e ao daqueles que de nós dependem; e depois, com as sobras, obviaremos às necessidades alheias. Assim como a natureza cuida primeiro, por meio da virtude nutritiva, de tomar o necessário ao sustento do nosso próprio corpo; e dispende o supérfluo gerando a outro, pela virtude geratriz.

Quanto a quem recebe a esmola, há de ter necessidade; do contrário, não havia razão de lha fazermos. Mas como uma só pessoa não pode socorrer a todos os necessitados, nem toda necessidade obriga sob preceito mas só aquela sem a qual não pode ser socorrido quem padece necessidade. Pois, nesse caso tem aplicação o dito de Ambrósio: Dá de comer ao que está morrendo de fome; se não o fizeres, matá-lo-ás (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 1953-1954).

Baseada nessa consideração feita por São Tomás de Aquino, o poeta Dante Alighieri, na obra A divina comédia, coloca os dilapidadores dos próprios bens no segundo giro do sétimo círculo do Inferno - no mesmo círculo dos suicidas. Ou seja, no patamar daqueles que praticam violência a si próprios dentro da perspectiva de Alighieri, suicidas e gastadores inveterados a arruinar a saúde financeira são equivalentes na ofensa contra o Sagrado e merecem uma condenação em mesmo nível. Nesse sentido, é preciso também marcar uma distinção entre os pródigos, que se encontram no quarto círculo do Inferno junto aos avarentos, e os gastadores viciosos que se colocam em situação de penúria, estando num círculo muito mais afastado de Deus - com um pecado muito mais grave e com um castigo, portanto, muito mais sofrido. Aqueles que se colocam na posição de extrema pobreza por má gerência de seus próprios bens são continuamente despedaçados por cães - tal como na vida viviam despedaçados pela miséria por si mesmos induzida.

Corria enchendo a selva, em seguimento / De famintas cadelas negro bando / Quais alões da cadeia ao todo isento // A sombra homiziada se enviando, / A fez pedaços a matilha brava / E logo após levou-os ululando (Alighieri, 2003ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Tradução José Pedro Xavier Pinheiro. 1. ed. São Paulo: eBooksBrasil.com, 2003., p. 108).

Em relação ao ato de esmolar associado à vida dos que prestam serviços religiosos, o teólogo Tomás de Aquino comenta ser lícito que sejam realizadas algumas ofertas no sentido do sustento daqueles que administram e realizam os cultos sagrados ou ainda que tais sacerdotes possam ser materialmente protegidos por príncipes ou fiéis mais abastados, mesmo que não exerçam trabalhos manuais. Contudo, torna-se ilícito aceitar tais esmolas se o religioso abandonar a atividade sacerdotal ou se o bem ofertado é desviado para o estímulo à ociosidade e ao conforto da classe eclesiástica, subtraindo-os das obras necessárias aos mais necessitados: “Mas procedem ilicitamente os religiosos que, sem nenhuma necessidade e em troca de nenhum serviço prestado, pretendam, ociosos, viver das esmolas que foram dadas para os pobres” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2861)

Essa reflexão de Tomás de Aquino a respeito do pecado daquele que pede ou aceita esmola sem que haja real necessidade, combinada à condenação dos religiosos que captam oferendas para o próprio prazer e esquecem da função missionária de pregação e caridade junto aos pobres parece encontrar ressonância, como antimodelo de conduta cristã nesse quesito, nos Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer.

Especificamente, em “O conto do beleguim”, Chaucer apresenta uma caricatura do ideal almejado pelo comportamento cristão - tal atmosfera torna-se ainda mais cômica quando as autoridades religiosas inspiram os antimodelos por elas tão combatidos. Nesse conto, narra-se a história de um frade que se valia de uma mendicância e uma disfarçada pobreza para pedir donativos com um discurso hipócrita de falsa carestia. No enredo, os frades colocavam-se em distinção dos padres por sua serventia humilde aos mais pobres; entretanto, contraditoriamente, seus atos revelam-nos como verdadeiros parasitas que sequer orações prestavam àqueles que ofertavam donativos. No decorrer da história, um velho senhor, já irritado com o constante movimento parasitário dos frades, pede que aquele que agora exige donativos pegue um dinheiro em seu bolso traseiro para dividir entre eles. No entanto, o soldo que o ancião doou para o frade acaba por ser uma barulhenta e fedida flatulência. Ao final da narração, como uma forma ainda mais ácida de crítica, o beleguim conta que um grupo de frades tenta, por meio de exercícios de debates e análises sofisticadas e abstratas, desvendar como ocorre a divisão daquilo que, sendo uma flatulência, é aparentemente indivisível - uma sátira feroz que Chaucer atribui à intelectualidade eclesiástica (inclusive ao modelo e à forma de pensar do próprio Aquino), tão distante dos problemas reais e, desse modo, tão inútil.

O velho diz: “Então meu caro frade, / Sobre o meu lombo a tua mão afunda; / Vai apalpando até debaixo da bunda / E prometo que encontrarás ali / Um pequeno tesouro que escondi”. // E o frade pensa: “Qual será o segredo?” / Feliz, a mão enfia lá no rego / Do velho, e quando a mão ao cu alcança, / O velho, preparado, sem tardança, / Solta um peido brutal e ritombante / - Não soltaria estrondo semelhante / Um cavalo puxando um carroção! (Chaucer, 2013CHAUCER, Geoffrey. Contos da Cantuária. Tradução do inglês moderno José Francisco Botelho. 1. ed. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2013., p. 391-392).

Em relação ao comportamento liberal quanto ao uso do dinheiro, Tomás de Aquino aceita o eco da obra de Aristóteles, Ética a Nicômaco, quando nessa assim se afirma que a liberalidade é a virtude que equilibra dois vícios: a prodigalidade, que se excede no gastar e é deficiente no receber, e o avaro, que excede no receber e é deficiente no gastar. Associada à conduta moral e de equilíbrio que Aristóteles alega ter o homem liberal em relação ao gasto que ele promove de sua riqueza em benefício da sociedade, Aquino acrescentou as demais características à liberalidade concernentes à conduta cristã por ele defendida: 1) quem gasta de forma liberal liberta-se do pecado da cobiça: “a liberalidade exige que o amor imoderado do dinheiro não nos impeça de fazer os gastos nem dons necessários” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2452); 2) quem gasta de forma liberal ajuda o próximo: “o liberal cuida do que lhe é próprio, pois quer por aí auxiliar os outros” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2450); e 3) quem gasta de forma liberal enxerga maior virtude no favorecimento do próximo do que no gasto centrado em si mesmo: “o homem liberal gasta, e louvavelmente, mais com os outros do que consigo mesmo” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2450).

3 Os vícios e pecados estimulados pelo uso da pecúnia

A esse grupo temático pertencem artigos da Suma teológica que discutem os pecados da avareza, da prodigalidade, da fraude, da usura, da simonia e os vícios da parcimônia e do desperdício. O tema da avareza compõe oito artigos da questão 118 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2456-2464) - Se a avareza é pecado, Se a avareza é um pecado especial, Se a avareza se opõe à liberalidade, Se a avareza é sempre pecado mortal, Se a avareza é o máximo dos pecados, Se a avareza é pecado espiritual, Se a avareza é um pecado capital e Se são filhos da avareza os vícios assim chamados: traição, fraude, falácia, perjúrio, inquietude, violência e coração obdurado. Em relação ao tema da prodigalidade, há três artigos que compõem a questão 119 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2465-2468) - Se a prodigalidade se opõe à avareza, Se a prodigalidade é pecado e Se a prodigalidade é mais grave do que a avareza. Em menor grau, o tema da fraude é discutido em um artigo da questão 55 do Tratado sobre a prudência - Se a fraude pertence à astúcia (cf. p. 2487-2488) - e encontra maior discussão em quatro artigos da questão 77 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2213-2220) - Se podemos vender uma coisa por mais do que vale, Se a venda torna-se injusta e ilícita por causa de um defeito da coisa vendida, Se o vendedor está obrigado a revelar o vício da coisa vendida e Se é lícito, negociando uma coisa, vendê-la mais cara do que custou. Quanto ao pecado da usura, os quatro artigos de maior destaque aparecem na questão 78 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2221-2227) - Se receber usura pelo dinheiro mutuado é pecado, Se podemos, pelo dinheiro mutuado, exigir uma outra vantagem, Se estamos obrigados a restituir todo o dinheiro que recebemos com usura e Se é lícito receber dinheiro a título de mútuo, sob a condição de pagar usura. O tema da simonia é debatido em seis artigos da questão 100 do Tratado sobre a justiça (cf. p. 2366-2377) - Se a simonia é a vontade deliberada de comprar e vender um bem espiritual ou um bem anexo a ele, Se é sempre lícito dar dinheiro em troca de sacramentos, Se é lícito dar e receber dinheiro em pagamento das obras espirituais, Se é lícito receber dinheiro em paga de bens conexos com os bens, Se é lícito dar bens espirituais como pagamento de um serviço material ou oral e Se é pena adequada privar o simoníaco do que adquiriu por simonia. Dois artigos da questão 135 do Tratado sobre a fortaleza (cf. p. 2540-2541) destacam-se nos comentários a respeito dos vícios da parcimônia e do desperdício na Suma teológica - Se a parcimônia é um vício e Se à parcimônia se opõe algum vício.

São Tomás de Aquino defende que a avareza é um pecado espiritual que se nutre do deleite do estado excessivo de posse; a avareza, portanto, deriva de uma desmedida: o amor imoderado pelo possuir coisas materiais (quase sempre associado ao pertencimento da pecúnia). A avareza como pecado de tipo específico coloca-se como atitude oposta ao gasto ou à retenção de riquezas de forma moderada, isto é, ao contrário do que se designa como a virtude da liberalidade já descrita por Aristóteles em Ética a Nicômaco. Aquino ainda comenta que a avareza é considerada um pecado mortal quando se coloca como empecilho ao amor de Deus, obstaculizando completamente o ato da caridade ao próximo: “Será portanto a avareza pecado mortal se o amor às riquezas for tamanho, que se sobreponha à caridade e nos leve a proceder contra o amor de Deus e o do próximo” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2459); quando a avareza não serve de anteparo a gestos de caridade ou dos princípios de manifestação do amor divino, tal pecado é tido como perdoável, não sendo considerado pecado mortal: “Mas, será pecado venial se, embora amando as riquezas mais do que o deveríamos, não antepusermos esse amor desordenado ao divino, nem consintamos em, por causa delas, praticar qualquer ato contrário a Deus e ao próximo” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2459). Embora não sendo o máximo dos pecados, a avareza pode derivar pecados ou vícios combinados, como a traição, a fraude, a violência, a obsessão ou outros, que aumentam a gravidade da ação e o afastamento do Sagrado.

Em comparação com a prodigalidade, a avareza é considerada um pecado maior, mesmo que os dois pecados se coloquem como diametralmente distantes em suas atitudes desordenantes do equilíbrio necessário para o atendimento da ação moderada e virtuosa da liberalidade. Conforme a explicação do teólogo, o homem pródigo apresenta três vantagens em relação ao avarento. A primeira delas consiste no reconhecimento de que, embora também seja um pecado advindo da desmedida, o ofertar das riquezas (mesmo em excesso) está mais próximo da virtude da liberalidade, que se caracteriza pela distribuição de modo a beneficiar o entorno social, do que o reter. A segunda dessas vantagens surge do fato de que a prodigalidade beneficia as pessoas com as quais o pecador realiza o gasto, diferentemente da avareza, que concentra a riqueza toda em um só indivíduo. Por último, a terceira vantagem seria o fato de a prodigalidade ser um pecado mais fácil de ser sanável que a avareza: conforme Aquino, tanto a situação de pobreza como a idade mais avançada podem promover um gasto mais moderado e uma atitude mais prudente em relação aos desejos do indivíduo.

A prodigalidade, em si mesma considerada, é menos pecado que a avareza. E isto por três razões. - Primeiro, porque a avareza mais difere da virtude oposta; assim, é mais próprio do liberal dar - no que o pródigo peca por excesso - do que receber ou reter - no que peca por excesso o avarento. - Segundo, porque, como diz Aristóteles, o pródigo é útil aos muitos, a quem dá; ao contrário, o avarento não o é a ninguém e nem mesmo a si próprio. - Terceiro, porque a prodigalidade é facilmente sanável, tanto pelo declinar da idade para a velhice, que lhe é contrária, como porque o pródigo facilmente se empobrece, pelos muitos gastos inúteis que faz, e então, empobrecido, já não pode dar com superabundância; ou ainda, porque facilmente é levado a praticar a virtude, pela semelhança que tem o seu proceder com o da vida virtuosa (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2467).

Ainda que Dante Alighieri, na obra A divina comédia, tenha seguido muitas das orientações de São Tomás de Aquino e também o tenha reverenciado como personagem mais sábio entre os teólogos a guiá-lo pela quarta esfera do Paraíso, há discordâncias quanto à gravidade da avareza e da prodigalidade no momento em que o poeta representa os pecadores no quarto círculo do Inferno. Alighieri coloca os dois tipos de pecadores no mesmo nível de castigo, no mesmo patamar do desvio do Sagrado e da correspondente cena de tortura. Possivelmente, Dante Alighieri realizou a equivalência entre o pecado da avareza e o da prodigalidade não por desconhecimento dos estudos elaborados por São Tomás de Aquino, mas porque a construção alegórica desenvolvida na obra d’A divina comédia exigiu, para atingir uma ornamentação esteticamente mais impressionante, algum sacrifício da mensagem teológica.

N’A divina comédia, o castigo elaborado para os avarentos e para os pródigos é, com os peitos nus, fazerem rolar eternamente grandes pesos em direções opostas. Por estarem em uma trajetória circular, os dois grupos sempre se encontram no momento em que as pedras se chocam. Quando isso ocorre, os dois grupos trocam injúrias entre si em meio às queixas ofensivas a respeito do porquê uns, de um lado, guardam e do porquê outros, do lado oposto, gastam. Partindo da ideia de que o vestuário marca uma hierarquia e uma determinada distinção no plano social, a arquitetura da cena pensada por Dante Alighieri, ao conceber a nudez do peito em ambos os grupos, inutiliza a prática da retenção ou da gastança das riquezas como forma de demonstração de privilégio ou de vaidade sociais, estando agora em um contexto espiritual. O poeta também remonta uma antiga cena da tradição narrativa mitológica grega: o mito de Sísifo. É nítida a correspondência entre a inutilidade dos atos dos pecadores no castigo do Inferno e a do serviço de Sísifo, punido pelos deuses olímpicos a fazer rolar uma pedra ao topo de uma colina que sempre despenca para baixo, preservando-o nesse eterno trabalho. Em verdade, Dante Alighieri concebe um grau ainda maior de complexidade a respeito do sentido da inutilidade: enquanto, na mitologia grega, o serviço de Sísifo é caracterizado como infrutífero após a cena da imposição do castigo, na cena d’A divina comédia, a inutilidade dos trabalhos de rolagem das pedras entre os avarentos e os pródigos ocorre no tempo da tortura porque essa inutilidade já existia no tempo anterior à morte. Ou ainda melhor de ser dito, o tempo posterior à morte, que deve ser cultivado com atos úteis ao Sagrado na anterioridade da vida terrena, não encontra qualquer serventia em práticas de avareza ou de prodigalidade e, por isso mesmo, é que ocorre a condenação de tais pecadores a uma eternidade de tarefas estéreis.

Almas em cópia, nunca vista de antes, / Fardos de um lado e de outro, em grita ingente, / Rolavam com seus peitos ofegantes. // Batiam-se encontrando rijamente, / E gritavam depois, atrás voltando: / “Por que tens?” “Por que empurras loucamente?” // Assim no tetro círc’lo volteando / Iam de toda parte ao ponto oposto, / Por injúria o estribilho apregoando. // Nos semicírc’los novamente rosto / Faziam, té o embate reiterarem. / Eu, me sentindo à compaixão disposto, // “Quem são? Que razão há para aqui estarem?” / Ao mestre disse - “À esquerda os colocados / Clérigos são para tonsura usarem?” // “Da mente sendo vesgos, transviados” / Tornou - “andaram na primeira vida, / Sempre os bens aplicando desregrados. // Quem seus clamores ouve não duvida: / Levantam grita aos termos dois chegados, / Onde oposta os separa a culpa havida: // Os que então de cabelos despojados / Clérigos, papas, cardeais hão sido, / Pela nímia avareza subjugados” - (Alighieri, 2003ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Tradução José Pedro Xavier Pinheiro. 1. ed. São Paulo: eBooksBrasil.com, 2003., p. 61-62).

Outro aproveitamento da cultura mitológica grega sob esse aspecto da riqueza também foi realizado por Dante Alighieri. Na entrada do quarto círculo do Inferno, encontra-se Pluto, deus que representa a riqueza para a mitologia grega: “Ali’stá Pluto, o nosso grande imigo” (Alighieri, 2003ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Tradução José Pedro Xavier Pinheiro. 1. ed. São Paulo: eBooksBrasil.com, 2003., p. 59). A apresentação de Pluto pelo poeta Alighieri encontra ecos na estratégia de rebaixamento de entidades não vinculadas à tradição judaico-cristã. Estratégia essa reforçada em tempos medievais e justificadas em passagens bíblicas como o quarto versículo do capítulo seis do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, que, muitas vezes, são interpretadas como um processo de rebaixamento dos semideuses da Grécia Antiga: “Naquele tempo viviam gigantes na terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados nos tempos antigos” (Bíblia, 2006, p. 7), ou ainda o capítulo cinco do Evangelho segundo São Marcos, que comenta um caso de possessão e exorcismo realizado por Cristo e que pode ser entendido como um processo de rebaixamento dos demônios da cultura grega antiga - seres intermediários entre os homens e os deuses que frequentemente passeiam pelos sarcófagos e realizam atividades acompanhando os mortais como se mortais fossem (Ménard, 1991bMÉNARD, René. Mitologia greco-romana v.3. Tradução do francês Aldo Della Nina. 1. ed. São Paulo: Opus, 1991b.).

No caso de Pluto, deve-se compreender que ele nasce da mãe terra Deméter, deusa da colheita, portanto o entendimento sobre a riqueza (que Pluto representa) no mundo grego antigo e mitológico advém, inicialmente, dos resultados do cultivo da agricultura (Ménard, 1991aMÉNARD, René. Mitologia greco-romana v.1. Tradução do francês Aldo Della Nina. 1. ed. São Paulo: Opus, 1991a.) - uma visão muito próxima da obra Econômico, de Xenofonte (1999)XENOFONTE. Econômico. Tradução do grego Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.15 15 Obra produzida no século IV a.C. , que reflete o mito e valoriza os serviços agrários como fundamentais para a geração de riqueza.

Como uma variação do mito, o Pluto da peça de Aristófanes já é uma alegoria próxima do comércio e do elevado poder do dinheiro - alegoria que produz uma perigosa ambiguidade, pois, se, por um lado, a riqueza pode combater os males da pobreza e favorecer a prosperidade dos homens, por outro, conforme o próprio deus: “quando os homens me possuem verdadeiramente e ficam ricos, a maldade deles ultrapassa enormemente todos os limites da compostura” (Aristófanes, 2003ARISTÓFANES. Um deus chamado dinheiro ou Pluto. Tradução do grego Mário da Gama Kury. 1ed. In: ARISTÓFANES. Obra Completa. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 620-676., p. 628). É esse o Pluto da Antiguidade Clássica que Dante Alighieri destaca, pois, nessa variação, a riqueza (Pluto) estimula a desmedida e, para o cristão, o pecado. O deus Pluto na versão d’A divina comédia é duplamente um inimigo: é uma entidade divina não pertencente ao culto da cristandade e é o dinheiro que corrompe o homem, levando-o a pecar por avareza ou por prodigalidade.

Tanto em São Tomás de Aquino como em Dante Alighieri, a avareza e a prodigalidade são frutos da desmedida, são excessos que consolidam pecados e que podem promover uma tortura eterna após a vida terrena. Quanto a esses pecados, na Suma teológica, de Aquino, são perceptíveis formas correspondentes nos vícios da parcimônia e do desperdício, que são considerados afastamentos da proporção exigida pela razão entre despesas e obras. Como atos isolados, no entanto, essas manifestações são consideradas menos graves - são denominadas de vícios. Enquanto a desproporcionalidade ativada pela parcimônia reduz a distribuição de recursos ao entorno social, a que surge do desperdício resulta num gasto excessivo, levando os recursos à breve e desnecessária consunção16 16 Em relação à parcimônia, atualmente, em meio à ênfase a respeito da escassez dos recursos a serem alocados, o destaque hodierno ao conceito de Lionel Robbins (2012) para a Ciência Econômica, lançado em 1932, acaba por reconhecer em tal atitude mais uma virtude do que um vício. .

Ora, assim como um gasto pode ser pequeno relativamente à urna obra, assim também pode ser grande em relação a outra, de modo a exceder a proporção que deve ter com ela, segundo a regra da razão. Por onde, é manifesto que ao vício da parcimônia, pelo qual faltamos a proporção devida entre as nossas despesas e a obras correspondentes, procurando gastar menos do que o exige a dignidade delas, opõe-se o vício pelo qual excedemos essa proporção, gastando mais do que é a elas proporcionado. E esse vício se chama em grego banausia assim dito por causa da fornalha, porque ao modo do fogo de uma fornalha, tudo consome. Ou se chama apeirokalia isto é, sem bom fogo, porque, ao modo do fogo, tudo consome, mas não para o bem. Por isso, em latim esse vício pode chamar-se consumptio (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2541).

No tocante à obra A divina comédia, o pecado da prodigalidade - assim como a avareza possui uma forma mais leve no quinto círculo do Purgatório - possui uma variação correspondente mais grave que implica um castigo ainda maior no sétimo círculo do Inferno. Quando o pecado da prodigalidade intensifica-se, deixando de ser estimulado pela incontinência e passando a ser classificado como um pecado de violência contra si, Alighieri vislumbra que a prodigalidade pode apresentar uma forma ainda pior de gastança: aquela que torna o indivíduo completamente depauperado e incapaz de reação para assumir uma atitude moderada para a gestão de seus bens.

Em relação ao pecado da fraude, Tomás de Aquino afirma que se constitui em uma ilicitude e uma injustiça a venda de algo acima do preço justo. Uma possibilidade de fraude pode ser o comércio de um produto com defeito (de espécie, de quantidade ou de qualidade) sem a devida dedução no valor. Nesse caso, Aquino advoga que, havendo dano ao comprador pelo vício do produto, o vendedor deve indenizá-lo e devolver-lhe integralmente o dinheiro perdido na transação: “Ora, em todos esses casos além de pecar, quem fizer uma venda injusta está ainda obrigado a restituir” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2215).

A concepção de preço justo em Tomás de Aquino, ao incorporar o lucro aceitável como pagamento do trabalho do comerciante, torna-se mais flexível que a ideia de troca justa desenvolvida por Aristóteles. Anteriormente, Aristóteles defendeu, na Política, que a justiça do comércio se preserva se mantida a igualdade entre quantidades de custo e trabalho nas transações; contudo, São Tomás de Aquino, em sua Suma teológica, argumentou que, como um reconhecimento pelo seu esforço e para a manutenção do seu próprio sustento e o da sua família, uma compensação por meio de certa lucratividade (desde que moderada) poderia compor o pagamento ao vendedor. Conforme Oliveira e Gennari (2009OLIVEIRA, Roberson de; GENNARI, Adilson Marques. História do pensamento econômico. São Paulo: Saraiva, 2009., p. 25), São Tomás de Aquino aproxima-se do contexto histórico e reconduz a interpretação do pensamento católico sobre o fenômeno do aumento das trocas comerciais.

Ao considerar que o preço justo incorporava o lucro do comerciante, Santo Tomás operou um primeiro deslocamento em relação ao conceito aristotélico de troca justa. Para Aristóteles, a troca só é justa quando é feita entre produtos equivalentes. Ao se acrescentar o lucro do comerciante ao preço justo do produto, rompem-se a equivalência e o princípio de justiça. Pensadores vinculados à escolástica, anteriores a Santo Tomás, desenvolvendo Aristóteles, consideraram que as mercadorias que contivessem quantidade igual de trabalho e custos poderiam ser trocadas. A doutrina tomista deu um passo adiante, expondo que a remuneração do comerciante pelo seu trabalho, numa proporção que garantia a sua subsistência e a da sua família, não violava a justiça, estabelecendo pela primeira vez que a “troca desigual” não é necessariamente injusta. Temos aí a primeira acomodação da teologia católica às imposições do novo contexto histórico.

A criação do preço justo e a interpretação a respeito da sua flexibilidade moderada não tem apenas como norte o lucro como matéria do sustento da vida do comerciante. Em certas ocasiões em que a necessidade e a vantagem do comprador são proporcionais ao dano ou ao sofrimento do vendedor por se desfazer do bem, Tomás de Aquino defende o incremento no valor do produto como uma forma de equilíbrio ou correção nesse tipo de circunstância: “E em tal caso o justo preço consistirá em se considerar não somente a coisa vendida, mas também o dano que pela venda sofre o vendedor” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2213-2214). Em outro momento da Suma teológica, no quarto artigo da questão 71 do Tratado sobre a justiça, Se é lícito ao advogado receber dinheiro pelo seu patrocínio (cf. p. 2191-2192), São Tomás de Aquino afirma que o pagamento do advogado torna-se justo desde que, dentro de um nível aceitável e moderado em relação ao estabelecimento de valores, sejam considerados as condições pecuniárias dos clientes, os tipos de serviços prestados, o esforço empregado e o costume de preços da região: “Contanto, porém, que receba paga moderada considerada as condições das pessoas, dos serviços, do trabalho e do costume pátrio” (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2192).

Ao contrário da ideia da troca justa aristotélica, a dinâmica variacional criada pelo conceito de preço justo em Aquino impulsionou, mais tarde, uma série de debates entre os economistas mercantilistas, principalmente da Escola de Salamanca, que levou à descrição dos fenômenos inerentes à consolidação das práticas capitalistas. Pode-se afirmar, a partir do entendimento da flexibilidade do preço justo, que Martín de Azpilcueta (2020)AZPILCUETA, Martín de. Comentario resolutorio de cambios. 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020. derivou o comentário sobre a elevação de valores de produtos e serviços a partir do fenômeno da maior quantidade de moeda em 1556; que Tomás de Mercado (2020)MERCADO, Tomás de. Summa de tratos y contratos: libros I y II. 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020. descreveu a alteração dos preços a partir da variação do local, do tempo ou do número de compradores e vendedores em 1571; e que, em 1593, Luís de Molina (2020)MOLINA, Luís de. La teoría del justo precio. 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020. acrescentou a essas variações o risco e a habilidade do vendedor, além do prazer como valor subjetivo no comprador a compor o preço justo, gerando também o conceito de margem para os preços mínimo e máximo a dar determinada elasticidade a valores praticados (correspondente à dinâmica real das vendas) sem que, com isso, fugisse da ideia de justiça para as trocas comerciais. O conceito de preço justo de Tomás de Aquino se, por um lado, permitiu determinado dinamismo para reflexões subsequentes do pensamento econômico que resultaram em ajustes de interpretação entre a prática moral e a negociação cotidiana do comércio cada vez mais abrangente na Idade Média, por outro, impôs condenações ao uso do dinheiro para a realização de empréstimos. Para Aquino, a usura é um artifício em que ocorre uma separação entre o preço de uso e o preço justo, ou seja, na aplicação dos juros, vende-se o que não se tem e, portanto, não se usa aquilo que se paga. Nesse sentido, o teólogo preserva a mesma ideia aristotélica de que o dinheiro serve como instrumento de troca de produtos ou de mão de obra empregada e próprio para ser gasto desse modo; a utilização do dinheiro como fonte de criação para mais dinheiro por meio da usura (sem produção de materiais ou transformação desses) seria, logo, uma atividade que corrompe a prática social e original dada à pecúnia - o que deforma as tarefas econômicas da sociedade de um modo geral, tornando-as improdutivas, pecaminosas na visão de Aquino ou antinaturais na visão de Aristóteles. A reprovação à usura, embora anterior a Tomás de Aquino, ganhou, com esse teólogo, maior ressonância, que influenciaria outros pensadores da Economia por um largo período. Tal tradição religiosa no pensamento sobre os empréstimos associados a atividades imorais e pecaminosas somente receberia maior contestação em torno de 400 anos à frente, por meio de economistas como William Petty (1996PETTY, William. Obras econômicas. Tradução do inglês Luiz Henrique Lopes dos Santos e Paulo de Almeida. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996., p. 61), que defende que:

se alguém cede seu dinheiro sob a condição de não poder pedi-lo de volta antes de um momento determinado, quaisquer que possam ser suas próprias necessidades nesse meio tempo, certamente pode receber uma compensação por esse inconveniente que admite para si próprio. Esse benefício é o que comumente chamamos de usura.

Não somente economistas foram estimulados pelos comentários de Aquino a respeito do tema, mas os literatos também se viram incentivados pelas discussões teológicas quanto às práticas injustas de comércio. Contudo, perceptivelmente, ocorre, como tendência, uma diferença entre esses dois grupos: enquanto os economistas mercantilistas encontraram, no conceito de preço justo, a possibilidade de adequar a dinâmica dos preços às trocas reais do comércio, respeitando a conduta moral cobrada pelo teólogo, os literatos colocaram em relevo como as condutas pecaminosas em relação ao uso do dinheiro são altamente castigadas no contexto da moralidade judaico-cristã.

O tema do pecado advindo do uso do dinheiro torna-se tão importante na Idade Média que, inevitavelmente, em narrativas exemplares, como A divina comédia, de Dante Alighieri, também aparece de forma destacada. Os fraudadores encontram-se no penúltimo círculo do Inferno - o que significa dizer que, aos olhos de Deus, a injustiça praticada no campo das trocas comerciais é mais punível que o ato de suicídio. Somente menos grave que o pecado da traição, a fraude, nesse sentido, instala a desordem e fere a moral necessária a hábitos harmônicos que organizam a sociedade e os valores cristãos. Na décima e última vala do oitavo círculo, por exemplo, estão os falsários de dinheiro, tornados hidrópicos e atormentados por uma sede incessante - ou seja, tal como a moeda falsificada, o corpo do falsário é uma deformação que, embora esteja acumulada de líquidos, esses não saciam a sede do organismo assim como a água verdadeira o faria. Em Alighieri, se a moeda falsificada atribui para a economia uma liquidez deformada que a adoece por fim, no inferno, o falsário deve pagar esse custo com o seu próprio organismo.

Essa correção moral aos crimes vinculados ao dinheiro também é pregada pelo personagem do frade, em Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer. Na narrativa desse personagem, o frade conta a história de um beleguim que, acostumado a extorquir pessoas humildes ameaçando-as sob falsas ordens das autoridades inquisitoriais da Igreja, encontra com um diabo disfarçado e conta-lhe todos os seus crimes, tal como se fossem práticas elogiosas do ponto de vista da astúcia. No decorrer da história, o beleguim coage uma velha senhora com falsas acusações de pecados de traição conjugal e a obriga a ceder uma panela na ausência do dinheiro exigido para que não a entregue às autoridades da Igreja. Nesse momento, a velha manda o beleguim para o Inferno; o diabo aproveita a situação e leva o malfeitor consigo.

A ligação entre a astúcia e a fraude acaba também por ser um tema explorado por Aquino em sua Suma Teológica. Ao contrário do elogio ao comportamento astuto presente nos cânones da literatura homérica da Antiguidade Clássica - tal como no Canto IX da Odisseia17 17 Obra produzida no século VIII a.C. , em que Ulisses engana o ciclope ao se dar o falso nome de ninguém para evitar-lhe a vingança após cegá-lo (Homero, 2009HOMERO. Odisseia. Tradução do grego Manoel Odorico Mendes. 4. ed. São Paulo: Atena Editora, 2009.) -, a astúcia é apontada como pecado e conduta desviante dos comportamentos judaico-cristãos por São Tomás de Aquino. O teólogo define a astúcia como uma prática que, oposta à prudência, utiliza artifícios falsos, simulados e aparentes para a conquista de uma finalidade boa ou má. Na perspectiva de Aquino, mesmo que o objetivo da astúcia possa ser bem motivado a uma meta benéfica, a mentira do seu método contamina de pecado todo o processo. Aquino também declara que, quando o dolo da astúcia se reverte em fraude, tem-se, nesse caso, um tipo de dolo que somente pode ser revertido em atos. A defesa da astúcia como pecado por Tomás de Aquino ocorre centrada na interpretação das Sagradas Escrituras e na leitura atenta de passagens como o versículo nove do capítulo dez do Livro dos Provérbios: “Quem anda na integridade caminha com segurança, mas quem emprega astúcias será descoberto” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 610), como o versículo dez do capítulo 13 dos Atos dos Apóstolos: “Filho do demônio, cheio de todo engano e de toda astúcia, inimigo de toda justiça, não cessas de perverter os caminhos retos do Senhor!”, como o segundo versículo do quarto capítulo da Segunda Epístola aos Coríntios: “Afastamos de nós todo procedimento fingido e vergonhoso. Não andamos com astúcia, nem falsificamos a palavra de Deus. Pela manifestação da verdade nós nos recomendamos à consciência de todos os homens, diante de Deus” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 1083), ou ainda como o terceiro versículo do capítulo 11 da mesma epístola: “Mas temo que, como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim se corrompam os vossos pensamentos e se apartem da sinceridade para com Cristo” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 1087). Tal interpretação sobre o emprego da astúcia, além de estar distante do elogio homérico da Antiguidade Clássica, está igualmente dissonante da hodierna visão da prática econômica, que, como imagem de prosperidade, consolidou a figura do comerciante e de suas trocas vantajosas, elevou a esperteza do industrialista quanto à oferta de um produto sedutor e celebrou as decisões do rentista em suas oportunidades de investimento nas miríades das especulações.

Outro pecado advindo do uso do dinheiro é discutido no contexto da Suma teológica: a compra ou a venda de bens sagrados (simonia). Tal comércio, no entender de Aquino, gera um tipo específico de fraude condenável por três razões. Primeiro, não se pode fixar um preço para a sacralidade. Nenhum objeto terreno serve de referência de troca, de modo que objetos sagrados não podem ser vendidos ou comprados. Segundo, não se pode vender aquilo de que não se é dono. Como manifestação da Divindade, tais objetos são testemunhos de Sua expressão para ser exibidos, e não para servirem de instrumentos de posse ou acumulação. Terceiro, objetos sagrados advêm da graça, ofertada de forma gratuita. Sua negociação desrespeita essa ordem sagrada e pode ser considerada um ato de irreligião.

Ora, as coisas espirituais não podem constituir matéria da compra e venda por três razões, - Primeiro, porque não podem ser pagas por nenhum dinheiro do mundo, como da sabedoria diz a Escritura: Mais preciosa é que todas as riquezas e tudo o mais que se deseja não se pode comparar com ela. E por isso também Pedro, condenando na raiz mesmo o pecado de Simão, disse: O teu dinheiro pereça contigo, uma vez que tu te persuadiste que o dom de Deus se podia adquirir com dinheiro. - Segundo, porque não pode ser matéria própria de venda aquilo de que o vencedor não é dono, como se vê pela autoridade supracitada. Ora, um prelado da Igreja não é dono, mas dispenseiro dos bens espirituais, conforme àquilo do Apóstolo: Os homens devem nos considerar como uns ministros de Cristo e como uns dispenseiros dos mistérios de Deus. - Terceiro, porque a venda repugna à origem dos bens espirituais, procedentes da vontade gratuita de Deus. Por isso, o Senhor diz: Dai de graça o que de graça recebestes. - Portanto, quem compra ou vende um bem espiritual comete uma irreverência para com Deus e para com as causas espirituais. Por onde, comete o pecado de irreligião (Aquino, 2018AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018., p. 2366-2367).

O tema da simonia encontra ressonância tanto em Dante Alighieri quanto em Geoffrey Chaucer. No Canto XIX d’A divina comédia, na terceira vala do oitavo círculo do Inferno, os traficantes de coisas divinas ou os vendedores de títulos eclesiásticos encontram-se empilhados e enterrados de cabeça para baixo e com chamas nos pés. Entre esses simoníacos representados, aparece o Papa Nicolau III a aguardar muitos outros papas simoníacos a vir para esse círculo. Alighieri não poupa críticas a Roma e, em sua alegoria, coloca os homens que deveriam inspirar a ascensão ao Reino dos Céus de cabeça para baixo como forma de castigo. Os maiores responsáveis pela elevação do espírito dos homens, em verdade, utilizaram de sua função para pecar, portanto, seu corpo dirigido para baixo tanto aponta para a inversão de sua posição sagrada, como também indica o movimento contrário à elevação do espírito. Do mesmo modo, as chamas nos pés, como tradução final da perdição e do castigo, estabelecem a antítese da imagem da água na cabeça na hora do batismo como forma de sacramento que permite o reconhecimento do caminho da salvação e da bênção.

Na obra Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, no início de “O conto do vendedor de indulgências”, há uma séria advertência quanto ao juramento em falso e ao uso do santo nome em vão (embora isso o vendedor de indulgências faça o tempo todo). As suas táticas astuciosas de venda dos objetos sagrados não somente retiram a reverência necessária aos referenciais religiosos, ao deturparem sua historicidade, como também estabelecem a fraude como elemento central da prática comercial. Como exemplo disso, o vendedor de indulgências afirma que alguns ossos de carneiro que carrega consigo pertenceram ao animal de um santo patriarca hebreu (fraude baseada na falsificação da origem), que esses têm poderes curativos e preventivos em relação ao rebanho ou ao ciúme humano e que também possuiriam a propriedade de dotar de prosperidade o dono desse artefato (fraude baseada na falsificação do efeito). Como uma forma de atrair ainda mais compradores, o vendedor de indulgências vale-se do constrangimento a fim de forçar a decisão do público, declarando que a pessoa que tiver cometido um pecado horrível e vergonhoso não pode estar em estado de graça suficiente para oferecer donativos às relíquias expostas. No decorrer do conto, há um protesto contra o excesso da bebida, embora o narrador comece a ficar embriagado. Exatamente por causa desse estado é que o vendedor de indulgências começa a revelar as intenções submersas de sua pregação e da sua venda de relíquias: prega-se a generosidade para os outros a fim de obter deles o lucro; prega-se contra a avareza e a ambição alheia motivada pela própria cobiça. A partir do seu próprio exemplo, o vendedor de indulgências generaliza: “Garanto que infinitas pregações / Nascem das mais impuras intenções” (Chaucer, 2013CHAUCER, Geoffrey. Contos da Cantuária. Tradução do inglês moderno José Francisco Botelho. 1. ed. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2013., p. 302). Não à toa, o vendedor de indulgências, preservando a mesma hipocrisia que distancia a mensagem enunciada daquele que a enuncia, conta uma história de fundo moral em que três amigos, por causa da ambição, matam-se uns aos outros após disputarem um tesouro. Ao fim, o personagem-narrador, ao justificar para si a venda da indulgência autorizada pelo bispo, acaba por demonstrar como o perdão pode ser negociado de forma vantajosa, desde que baseado no temor pela condenação da alma.

Considerações finais

A Suma teológica, de Tomás de Aquino, além de ser um texto de árdua criação e inventividade, é fruto de um gigantesco exercício de interpretação de temporalidades, de traços culturais e de posturas distintas na tentativa de fortalecer as bases do pensamento cristão. Nesse sentido, não é incomum afirmar-se que a Suma teológica é uma releitura de alguns dos escritos de Aristóteles por São Tomás de Aquino no período da Idade Média que, por meio de cruzamentos com narrativas bíblicas e estudos de autoridades eclesiásticas, derivou um sofisticado e complexo manual de instruções para os comportamentos dos fiéis cristãos. É notório também o exercício da justaposição de uma série de interpretações e de posturas bem diferentes quanto aos itens levantados durante toda a obra a fim de que, em sua parte conclusiva, seja apresentada uma síntese esclarecedora. Ademais, a inteligência de Aquino deve lidar com respostas que ajustem as emergências do seu tempo com aquelas que se viram há muito registradas nas Escrituras Sagradas, sem que tais movimentos interpretativos possam resultar em contradição.

No caso dos fenômenos econômicos, que se avolumaram cada vez mais no tempo de Aquino, essas respostas, além de convincentes, deveriam ser, ao mesmo tempo, entendimentos sobre os espaços comerciais ordinários, tentativas de situar uma prática cristã em meio às trocas do comércio e uma proposta de regulação com base na ética da religião católica. A criação do preço justo, por exemplo, foi já um ajuste de realidade ao tempo de Aquino. Isso porque tal conceito, fruto do estudo da realidade circundante, superou a ideia aristotélica de troca igual e descreveu a possibilidade de uma compensação razoável para o comerciante, justificando a condição de seu próprio sustento e o da sua família. Primeiro, a ideia de preço desatrelado da equivalência exata da troca pelo produto ou pelo trabalho empregado para a transformação do produto foi já um reconhecimento da situação das práticas comerciais no tempo de Aquino; segundo, ao se observar a necessidade de sobrevivência do comerciante e o da sua família, essa compensação é validada por princípios cristãos; terceiro, o preço justo requer que essa compensação não ultrapasse a razoabilidade da medida que forneça ao vendedor o suficiente para a função de sua própria manutenção e de sua família. Como inovação do pensamento econômico, a noção de preço justo desdobrou-se por diversos estudos posteriores de economistas mercantilistas, como Martín Azpilcueta, Tomás de Mercado e Luís de Molina. Tais economistas da Escola de Salamanca adicionaram mais outras discussões com novas aberturas para a interpretação dos fenômenos econômicos emergentes da época a partir da ideia inicial de preço justo. Com isso, Aquino, dentro da tradição do cristianismo católico e lidando com ajustes interpretativos com maestria, favoreceu a flexão de certos pontos de partida para a compreensão dos fenômenos do mercado.

Se dentro do pensamento econômico, Tomás de Aquino pôde criar conceitos que fomentaram novas formas de serem contadas e analisadas as práticas comerciais, no campo das literaturas, a descrição tomista a respeito dos pecados advindos do dinheiro motivou os momentos mais comentados das obras de Dante Alighieri e de Geoffrey Chaucer.

As duas ilustrações narrativas a respeito das práticas econômicas existentes na Idade Média (acompanhadas de suas avaliações morais como pecaminosas) em Dante Alighieri e em Geoffrey Chaucer estão próximas das lições de Tomás de Aquino em sua Suma teológica. Nesse tempo, a importância do tema para a condução da epistemologia cristã tornou-se cada vez mais urgente e a sua fala na Suma teológica transbordou, inevitavelmente, para outras manifestações da cultura, como a narração literária. Ainda que os estudos teológicos de Aquino sejam por demais detalhados a respeito do tema e que tenham motivado toda uma arquitetura para A divina comédia, é inegável afirmar que o poder das alegorias criadas por Alighieri no imaginário cristão como força de ilustração e síntese seduziram bem mais a forma de se pensar a cristandade por meio da organização do mérito ou do castigo pela conduta do fiel. No caso de A divina comédia, muitos desses pecados advindos da atividade econômica são descritos nos cantos do Inferno: avareza e prodigalidade no quarto círculo do Inferno; gastança autodestrutiva e usura no sétimo círculo; simonia, corrupção, roubo, furto e falsificação no oitavo círculo. Subtraindo-se apenas a avareza e a prodigalidade, todos os outros ou se equiparam ao crime do assassinato (os do sétimo círculo), ou o superam, observando-se a perspectiva da gravidade do pecado e da ofensa contra o Sagrado. Ou seja, tanto em Aquino como em Alighieri, é notório que a urgência demandada por uma discussão a respeito das más práticas econômicas na Idade Média acabou por apontar uma nocividade muito maior ao tecido espiritual e social da cristandade dos pecados relacionados ao dinheiro que dos pecados advindos da subtração da vida (homicídio ou suicídio).

Em relação aos Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, pode-se afirmar que, por mais destoante que possa parecer a estrutura cômica contida nessa obra em relação à organização discursiva dos compêndios de ensinamento moral de Tomás de Aquino, os tipos avarentos, simoníacos ou fraudadores encontram-se submetidos à mesma reprovação já manifesta pelo teólogo. Na eleição pelo formato do emolduramento, com a passagem entre personagens e narrativas alternadas, o apelo cômico tanto surge da interação entre os personagens-narradores e de suas rivalidades explícitas (como a do frade e a do beleguim), como também da necessidade de testar a narrativa em diversos grupos sociais que, longe de inspirar a idealidade dos valores morais cristãos, expressam a distância caricatural em que o real se encontra.

  • 1
    Obras escritas em torno de 350 a.C.
  • 2
    Obra escrita entre os anos 1265 e 1274, publicada de forma fragmentada depois da morte de Aquino e copilada, em sua versão final, apenas em 1570.
  • 3
    Na Idade Média europeia, a correspondência entre a licitude com a virtude e a ilicitude com o pecado deriva do entendimento de que a moral pertence a uma Lei maior, a lei de Deus, interpretável no âmbito das Sagradas Escrituras.
  • 4
    Obra composta entre 1304 e 1321 e publicada em 1472.
  • 5
    Obra escrita entre 1387 e 1400 e publicada em 1478.
  • 6
    Ainda que as obras não sejam citadas no segundo ponto de vista, trata-se do trecho em que Boécio esclarece a natureza contraditória do dinheiro em A consolação da filosofia (obra escrita no século VI e publicada no século X somente) e dos trechos em que Aristóteles argumenta sobre a origem ou a função do dinheiro em Política ou em Ética a Nicômaco (obras produzidas em torno de 350 a.C.).
  • 7
    Nesse Salmo, embora os homens sejam caracterizados como filhos de Adão e indignos de graça, destaca-se a generosidade de Deus ao colocar sob o mando do homem as criaturas do mundo: “Destes-lhe poder sobre as obras de vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 542). Em relação às práticas econômicas, esse entendimento da hierarquia do homem quanto às demais criaturas e obras de Deus pode justificar, por exemplo, o uso exploratório dos recursos.
  • 8
    Nesse capítulo do Livro dos Provérbios, o que os bens espirituais proporcionam é julgado acima dos resultados obtidos pelos bens materiais. Desse modo, a ausência de bens espirituais, como a sabedoria ou a paz (provindas de Deus), subtrai a importância dos bens materiais para a construção da felicidade humana: “Adquirir a sabedoria vale mais que o ouro; antes adquirir a inteligência que a prata” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 614).
  • 9
    De um modo, na passagem do Livro do Eclesiástico, a comida e a bebida, como metáforas do Sagrado, prefiguram a cena da Última Ceia e da salvação espiritual pelo conhecimento do sumo bem, nunca esgotável em satisfação por aquele que o experimenta: “Aqueles que me comem terão ainda fome, e aqueles que me bebem terão ainda sede” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 671). De outro modo, no capítulo do Evangelho segundo João citado, opõe-se a água entendida como metáfora da palavra que leva ao conhecimento do Sagrado e que fornece um bem espiritual (a salvação) capaz de saciar qualquer necessidade fisiológica humana à água que repara a sede cotidiana e que nunca nos satisfaz por completo: “Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede / mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 999).
  • 10
    Nesse capítulo do Livro do Êxodo, o respeito e o temor a Deus em contraposição à lei do faraó por parte das parteiras, ao se negarem a realizar o infanticídio dos meninos hebreus no ato do nascimento, fizeram com que Deus recompensasse essas mesmas parteiras com prosperidade: “Deus beneficiou as parteiras: o povo continuou a multiplicar-se e a espalhar-se. / Porque elas haviam temido a Deus, ele fez prosperar suas famílias” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 51). No livro de Ezequiel, Deus oferta a terra do Egito a Nabucodonosor para ser saqueada por seus exércitos, a fim de cumprir os propósitos de enfrentamento contra o faraó do Egito: “No vigésimo sétimo ano, no primeiro mês, no primeiro dia do mês, a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: / filho do homem, Nabucodonosor, rei de Babilônia, impôs a seu exército a rude faina de guerrear Tiro: calvície em todos os crânios, esfoladuras em todas as espáduas! Todavia, nem ele nem seu exército retirarão de Tiro qualquer vantagem da opressão contra ela dirigida. / Eis por que diz o Senhor Javé: irei dar o Egito a Nabucodonosor, rei de Babilônia; ele pilhará suas riquezas; fará dele a sua presa, e repartirá os seus despojos; tal será o salário de seu exército” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 827).
  • 11
    Nos capítulos 18 e 19 do Livro do Gênesis, há a ideia da distribuição de prosperidade entre aqueles que respeitam a Deus e seguem os seus preceitos, como Abraão, que tem a promessa de um filho mesmo após a sua idade avançada e a de sua esposa, ou a de Ló, que é salvo da destruição da cidade de Gomorra e que depois tem sua linhagem preservada por meio das gravidezes de suas filhas com seu próprio sêmen. Por outro lado, a distribuição do castigo é dada àqueles que não seguem as orientações divinas: a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra dá-se pelo comportamento ofensivo e pecaminoso de seus habitantes sob o olhar de Deus, ou ainda o giro da face da mulher de Ló para trás para ter a visão das cidades destruídas, contrariando a ordem divina, é uma desobediência que a torna uma estátua de sal.
  • 12
    Em sua investigação sobre o sentido da vida e a persistência da morte para todos indistintamente, Cohéllet, rei de Israel em Jerusalém, nota uma inicial falta de lógica em relação ao mérito dos destinos entre os justos e os ímpios: “Um mesmo destino para todos: há uma sorte idêntica para o justo e para o ímpio, para aquele que é bom como para aquele que é impuro, para o que oferece sacrifícios como para o que deles se abstém. O homem bom é tratado como o pecador e o perjuro como o que respeita seu juramento” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 630)
  • 13
    No capítulo 72 do Livro dos Salmos, ocorre, a princípio, um sentimento de indignação por constatar a prosperidade dos ímpios. No decorrer do salmo, há a interpretação de que os bens dados aos ímpios são ilusões que os projetam à destruição e, ao final desse salmo, revela-se a matéria do verdadeiro bem-estar: a proximidade com Deus: “Mas, para mim, a felicidade é me aproximar de Deus, é pôr minha confiança no Senhor Deus, a fim de narrar as vossas maravilhas diante das portas da filha de Sião” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 571). No capítulo 36 do Livro dos Salmos, o conselho de que não se deve ter inveja da prosperidade dos ímpios vem acompanhado da ideia de que a justiça de Deus exterminará aqueles que gozam do temporário bem-estar e que não seguem seus preceitos. Por outro lado, nesse mesmo capítulo, é enunciada uma certeza de proteção àqueles que são justos e preservam os valores de Deus em suas atitudes: “Fui jovem e já sou velho, mas jamais vi o justo abandonado, nem seus filhos a mendigar o pão” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 555). No capítulo 33 do Livro dos Salmos, comentado por Aquino, essa posição confirma-se ainda mais quando o teólogo cita o versículo que afirma a salvaguarda de Deus àqueles que o respeitam: “Reverenciai o Senhor, vós, seus fiéis, porque nada falta àqueles que o temem” (Bíblia, 2019BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019., p. 553).
  • 14
    Obra produzida em 426.
  • 15
    Obra produzida no século IV a.C.
  • 16
    Em relação à parcimônia, atualmente, em meio à ênfase a respeito da escassez dos recursos a serem alocados, o destaque hodierno ao conceito de Lionel Robbins (2012)ROBBINS, Lionel. Um ensaio sobre a natureza e a importância da Ciência Econômica. Tradução do inglês Rogério Galindo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. para a Ciência Econômica, lançado em 1932, acaba por reconhecer em tal atitude mais uma virtude do que um vício.
  • 17
    Obra produzida no século VIII a.C.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • AGOSTINHO. A doutrina cristã: manual de exegese e formação cristã. Introdução e tradução do latim Nair de Assis Oliveira. 1ed. São Paulo: Paulus, 2002. (Patrística, 17)
  • ALIGHIERI, Dante. A divina comédia Tradução José Pedro Xavier Pinheiro. 1. ed. São Paulo: eBooksBrasil.com, 2003.
  • AQUINO, Tomás de. Suma teológica Tradução do latim de Carlos Josaphat. 1. ed. São Paulo: Permanência, 2018.
  • ARISTÓFANES. Um deus chamado dinheiro ou Pluto Tradução do grego Mário da Gama Kury. 1ed. In: ARISTÓFANES. Obra Completa. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 620-676.
  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética Tradução do inglês Baby Abrão, Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991.
  • ARISTÓTELES. Poética; Organon; Política; Constituição de Atenas Tradução do grego, do inglês e do francês Baby Abrão, Pinharanda Gomes e Terezinha Monteiro Deustch. 6. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
  • AZPILCUETA, Martín de. Comentario resolutorio de cambios 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020.
  • BÍBLIA Sagrada. Tradução Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 27. ed. São Paulo: Salve Rainha, 2019.
  • BOÉCIO. A consolação da filosofia Tradução do latim Willian Li. 1. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.
  • CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso Coordenação da tradução do francês Fabiana Komesu. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
  • CHAUCER, Geoffrey. Contos da Cantuária Tradução do inglês moderno José Francisco Botelho. 1. ed. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2013.
  • HOMERO. Odisseia Tradução do grego Manoel Odorico Mendes. 4. ed. São Paulo: Atena Editora, 2009.
  • MÉNARD, René. Mitologia greco-romana v.1 Tradução do francês Aldo Della Nina. 1. ed. São Paulo: Opus, 1991a.
  • MÉNARD, René. Mitologia greco-romana v.3 Tradução do francês Aldo Della Nina. 1. ed. São Paulo: Opus, 1991b.
  • MERCADO, Tomás de. Summa de tratos y contratos: libros I y II 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020.
  • MOLINA, Luís de. La teoría del justo precio 1. ed. Brussels: New Direction; Fundación Civismo, 2020.
  • OLIVEIRA, Roberson de; GENNARI, Adilson Marques. História do pensamento econômico São Paulo: Saraiva, 2009.
  • PETTY, William. Obras econômicas Tradução do inglês Luiz Henrique Lopes dos Santos e Paulo de Almeida. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
  • ROBBINS, Lionel. Um ensaio sobre a natureza e a importância da Ciência Econômica Tradução do inglês Rogério Galindo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • XENOFONTE. Econômico Tradução do grego Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

1. Adequação do título ao artigo.

Sim, o título está adequado ao conteúdo do artigo. Faltam ao resumo, porém, a apresentação dos teóricos e teorias das quais se servirá para construir a análise pretendida, a metodologia e mesmo os objetivos do texto.

2. Adequação do trabalho ao tema proposto.

O trabalho, sim, está adequado à proposta apresentada.

3. Explicitação do objetivo do trabalho e coerência de seu desenvolvimento no texto.

O artigo explicita, na Introdução, os objetivos do trabalho, que buscam investigar a história econômica por intermédio de uma perspectiva transdisciplinar e dialógica. Pergunto-me se não seria o caso de trazer para o texto teóricos que fundamentam a ideia da dialogia, como, por exemplo, Bakhtin e seu Círculo, já que a revista Bakhtiniana “contempla os estudos bakhtinianos no Brasil e no estrangeiro, de forma específica e em seu diálogo com outras áreas do conhecimento”.

4. Conformidade com a teoria proposta, demonstrando conhecimento atualizado da bibliografia relevante;

O artigo não porta teorias atuais de que se serve. De fato, ao citar algum autor, ele o faz a fim de trazer alguma informação adicional, comentando a sua possível influência em (ou diálogo com) outras obras literárias, com dados histórico-filosóficos e não exatamente a fim de trazer algum ferramental analítico. O item 3 aponta essa questão.

5. Originalidade da reflexão e contribuição para o campo de conhecimento.

O texto contribui para o campo de conhecimento, sobretudo filosófico e literário, mas faltam-lhe autores atuais do campo dos estudos do discurso, com as devidas aplicações no corpus em estudo.

6. Clareza, correção e adequação da linguagem a um trabalho científico.

O texto está bem escrito, ainda que necessite de alguma revisão (poucos casos aqui e ali) de pontuação, a fim de adequá-lo à norma padrão exigida neste tipo de gênero textual. APROVADO COM RESTRIÇÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    07 Mar 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo está redigido em linguagem adequada, com desenvolvimento lógico e conexão entre suas partes. Os argumentos e autores utilizados para referendá-los demonstram domínio do tema proposto. A reflexão apresentada é pertinente ao conectar propostas teológicas e suas atualizações por escritores ficcionais. Há, entretanto, algumas observações relativas a erros de redação e outros aspectos que demandam atenção e serão indicados nas Observações complementares. O artigo carece de revisão em sua redação, principalmente quanto ao uso de pontuação, à grafia incorreta de palavras, e à correção de palavras unidas de forma equivocada (Ex: "artigosa", p. 3; “tambémrebate”, p. 8; “debatesse”, p. 12 etc). Sugiro que as citações da Suma teológica, de Tomás de Aquino, feitas de forma indireta, recebam transcrição literal, mesmo que em nota de rodapé. Sugiro a identificação da versão bíblica utilizada e, se possível, justificar a escolha. O tópico dois é bem menor do que os demais. Se possível, sugiro que os três tópicos possuam extensão semelhante. Na p. 19, principalmente, são citados autores e indicados os anos da tradução de suas obras. Sugiro que se indique o ano dos originais ou então o período em que os autores viveram. APROVADO COM RESTRIÇÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    04 Abr 2023

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

O artigo intitulado "Presença de São Tomás de Aquino na construção da narrativa medieva sobre o dinheiro", se mostra pertinente e relevante desde seu título, ao propor pesquisar e discutir um tema pouco estudado. A leitura que o(a) autor(a) faz desse tema em Tomás de Aquino, sem esquecer Aristóteles, não é importante apenas para a “construção da narrativa medievo sobre o dinheiro”, mas também para a reflexão sobre a própria teoria econômica de um modo geral. Trata-se, portanto, de um estudo que se mostra original e inédito, principalmente no modo como o(a) aborda as questões nele tratadas, fazendo assim uma perfeita sintonia e coerência entre o título e o conteúdo do artigo. É necessário ressaltar também a coerência existente entre o objetivo proposto pelo(a) autor(a) e o desenvolvimento do texto até as considerações finais, ao realizar comentários e observações detalhadas que destacam a presença da visão tomista no início das reflexões econômicas, sem esquecer a relevância da “perspectiva transdisciplinar e dialógica” quando o assunto é a pesquisa sobre a história econômica. Todos os comentários do(a) autor(a) estão fundamentados nos textos de Tomás de Aquino e também em estudos importantes e relevantes sobre o tema analisado, demonstrando assim um domínio do assunto e do pensamento tomista. Como foi dito anteriormente, o texto se apresenta como uma reflexão original e inédita ao propor discutir uma questão que não é estudada com frequência em Tomás de Aquino e, além disso, é um texto que abre para o diálogo com o campo da pesquisa econômica. De um modo geral as discussões e análises realizadas ao longo do texto são claras e bem fundamentadas pelo(a) autor(a) através de fontes bibliográficas relevantes e adequadas ao tema escolhido. APROVADO

  • recomendação: aceitar
  • Parecer editorial

    Solicitamos que leia atentamente os pareceres acima, e reescreva o texto de modo a responder às questões nele levantadas. O artigo deve ser reenviado para o email da revista até dia 20 de junho de 2023.

Histórico

  • Parecer recebido em
    03 Maio 2023

Parecer IV

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer IV

Vários pontos que necessitavam de adequação e que foram indicados em parecer anterior foram atendidos. No entanto, outros dois permanecem problemáticos:

- “Na p. 19, principalmente, são citados autores e indicados os anos da tradução de suas obras. Sugiro que se indique o ano dos originais ou então o período em que os autores viveram”. Esta indicação não foi acolhida pelo autor do artigo.

- “Sugiro que as citações da Suma Teológica, de Tomás de Aquino, feitas de forma indireta, recebam transcrição literal, mesmo que em nota de rodapé”. Esta indicação não foi, igualmente, atendida pelo autor.

A segunda indicação é de fundamental importância, visto que os textos de Tomás de Aquino estruturam e desenvolvem a argumentação do artigo. O não registro literal de segmentos da Suma Teológica impede que os leitores confiram se os argumentos do articulista e sua interpretação da obra de Tomás de Aquino estão adequados às citações originais ou não. NÃO APROVADO

  • recomendação: not accept

Histórico

  • Parecer recebido em
    27 Jun 2023

Parecer V

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer V

A versão atualizada do artigo contempla as observações que fiz. Portanto, do meu ponto de vista, o artigo está apto à aprovação para publicação. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    06 Jul 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2023
  • Aceito
    10 Out 2023
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