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Estratégias de reelaboração do passado e a autenticidade de atos discursivos de expiação política

RESUMO

A partir da perspetiva de uma análise crítica do discurso, este artigo analisa a questão da autenticidade nos atos discursivos de expiação política. O objetivo é estudar de que forma a autenticidade dos atos discursivos de expiação política pode ser avaliada através de estratégias de reelaboração do passado empregadas em discursos de penitência. O artigo enfrenta a seguinte pergunta de pesquisa: de que forma estratégias de reelaboração do passado influenciam na autenticidade de um ato discursivo de expiação política? O artigo analisa uma declaração de 2015 proferida por Shinzo Abe, antigo primeiro-ministro do Japão, e argumenta que, no seu ato discursivo de expiação política de 2015, ele desenvolveu uma estratégia de cancelamento da memória histórica nipónica. Tal estratégia impediu que a declaração de 2015 de Shinzo Abe fosse considerada um genuíno ato discursivo de expiação política.

PALAVRAS-CHAVE:
Atos discursivos de expiação política; Contrição; Estratégias de reelaboração do passado; Análise Crítica do Discurso; Memória

ABSTRACT

This paper analyses the question of authenticity in speech acts of political atonement from a critical discourse analysis perspective. The objective is to study how strategies of re-elaboration of the past employed in atonement discourses may contribute to assess the authenticity of speech acts of political atonement. The paper tackles the following research question: how do strategies of re-elaboration of the past influence the authenticity of a speech act of political atonement? The paper analyses a 2015 statement by Japan’s former Prime Minister Shinzō Abe. The paper argues that former Japanese Prime Minister Shinzō Abe’s 2015 speech act of political atonement endorsed a strategy of cancellation. The paper claims that supporting such a strategy prevented Abe’s 2015 speech act of political atonement from being considered a genuine speech of political atonement.

KEYWORDS:
Speech acts of political atonement; Apologia; Strategies of re-elaboration of the past; Critical Discourse Analysis; Memory

Introdução

Este artigo pretende analisar de que forma estratégias de reelaboração do passado empregadas em discursos de penitência contribuem para avaliar a autenticidade dos atos discursivos de expiação política. A literatura tem discutido formas de avaliar a autenticidade dos atos discursivos de expiação política (SHEPARD, 2009SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009.; SMITH, 2013SMITH, N. Just Apologies: An Overview of the Philosophical Issues. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 13, n. 35, pp.35-69, 2013.; KOESTEN; ROWLAND, 2004KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004.; TEN BOS, 2011TEN BOS, R. The Moral Significance of Gestures. Business Ethics, v. 20, n. 3, pp.280-291, 2011.). Este artigo contribui para essa discussão propondo as estratégias de reelaboração do passado (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1159-1187CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.) como vias apropriadas para avaliar a autenticidade dos atos discursivos de expiação política. O artigo analisa a declaração proferida, em 14 de agosto de 2015 numa conferência de imprensa, pelo antigo primeiro-ministro do Japão Shinzō Abe por ocasião do aniversário do final da II Guerra Mundial. O artigo não pretende discutir as razões que conduziram Shinzō Abe a optar, em tal ocasião, por um ato discursivo de expiação. Tendo em conta as responsabilidades do Japão durante a II Guerra Mundial, o emprego de uma retórica de penitência não é surpreendente. O artigo pretende analisar como tal ato discursivo de expiação foi estruturado discursivamente. O ato discursivo de expiação proferido por Shinzō Abe será discutido empregando estratégias de legitimação discursiva como uma abordagem crítica da linguagem (VAN LEEUWEN, 2008VAN LEEUWEN, T. Discourse and Practice: New Tools for Critical Analysis. Oxford: Oxford University Press, 2008.).

O artigo argumenta que o ato discursivo de expiação política proferido, em 2015, pelo antigo primeiro-ministro Japonês Shinzō Abe defendeu a adoção, pela sociedade nipónica, de uma estratégia de cancelamento da memória histórica japonesa. O artigo também argumenta que a defesa de tal estratégia impediu que o ato discursivo de expiação política de Shinzō Abe fosse considerado como um ato genuíno de expiação.

O artigo compreende sete seções. A primeira seção apresenta a questão de pesquisa. A segunda seção é dedicada à revisão de literatura. A terceira seção aborda questões metodológicas e a quarta seção discute o enquadramento teórico do artigo. A quinta seção analisa o ato discursivo de expiação política proferido, em 2015, pelo antigo primeiro-ministro Japonês Shinzō Abe. A partir de tal análise, a sexta seção discute o referido ato discursivo segundo a tipologia das estratégias de reelaboração do passado (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). A análise de estratégias distintas de reelaboração do passado permitirá a avaliação da autenticidade do ato discursivo de expiação política anteriormente referido. A seção final do artigo discutirá a relevância de analisar atos discursivos de expiação política e como tal análise pode ser desenvolvida no futuro.

1 Questão de pesquisa

O artigo aborda a seguinte questão de pesquisa: de que forma as estratégias de reelaboração do passado influenciam a autenticidade de atos discursivos de expiação política? A investigação da questão de pesquisa suprarreferida exige a clarificação do conceito de ato político de contrição e do conceito de expiação política. Um “ato político de contrição” pode ser definido como um “pedido oficial de desculpa apresentado por um representante de um estado, corporação ou outro grupo organizado a vítimas, ou descendentes de vítimas, por injustiças cometidas pelos oficiais ou membros do grupo”1 1 Tradução nossa. No original, em inglês: “an official apology given by a representative of a state, corporation or another organized group to victims, or descendants of victims, for injustices committed by the group’s officials or members”. (THOMPSON, 2008, p.31THOMPSON, J. Apology, Justice, and Respect: A Critical Defense of Political Apology. In: GIBNEY, M.; HOWARD-HASSMANN, R.; COICAUD, J. M.; STEINER, N. (eds). The Age of Apology: Facing Up to The Past. Pennsylvania, PA: University of Pennsylvania Press, 2008. pp.32-44.). Edwards (2005, p.321)EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005. argumenta que os atos comunitários de contrição compreendem quatro elementos: recordação, reconciliação, mortificação e expiação.

A expiação consiste num gesto de reconhecimento da responsabilidade por erros passados no sentido de se construir uma nova personalidade coletiva ou individual com uma subjetividade convertida, reformada e livre de culpa (EDWARDS, 2005, p.322EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005.). Edwards (2005, p.323)EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005. define expiação como um primeiro passo no sentido da institucionalização de dinâmicas de superação intercomunitárias. A expiação representa o compromisso discursivo, assumido pelo culpado ou por alguém que fala em seu nome, de que provações passadas não voltarão a ocorrer (EDWARDS, 2005, p.322EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005.).

A literatura tem analisado a autenticidade de eventos retóricos de expiação política (KOESTEN; ROWLAND, 2004KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004.; SHEPARD, 2009SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009.). Koesten e Rowland (2004, p.73-74)KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004. abordam a questão da autenticidade a partir do conceito de mortificação. Os autores (KOESTEN; ROWLAND, 2004, p.73-74KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004.) argumentam que a mortificação é a “forma retórica”2 2 Tradução nossa. No original, em inglês: “rhetorical form”. que permite articular três conceitos que alocam autenticidade a “atos genuínos de expiação”, designadamente, o reconhecimento do “pecado individual” (“arrependimento”), a “introspeção” associada à “promessa de desistir do pecado” (“oração”) e a “reparação” (“caridade”). Todavia, os critérios de validação da autenticidade discutidos pela literatura não são suficientes para identificar plenamente os elementos discursivos que alocam autenticidade a um ato discursivo de expiação política. Este artigo pretende contribuir para o debate sobre a autenticidade dos atos de expiação política propondo as estratégias de reelaboração do passado (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.) como instrumentos analíticos de avaliação de tal autenticidade.

2 Revisão da literatura

Os atos discursivos de expiação política constituem formas de comunicação política. O desempenho discursivo dos sujeitos políticos tem sido extensivamente abordado na literatura sobre comunicação política e no nível da investigação teórica sobre atos discursivos (GOFFMAN, 1979GOFFMAN, E. Footing. Semiotica, v. 25, 1979. pp.1-30.; JAMIESON; KENSKI, 2017JAMIESON, K.; KENSKI, K. The Oxford Handbook of Political Communication. Oxford: Oxford University Press, 2017.; PERLOFF, 2008PERLOFF, R. Political Communication. Politics, Press and Public in America.London: Routledge, 2008.; AUSTIN, 1975AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. Harvard: Harvard University Press, 1975.; SEARLE, 1999SEARLE, J. Speech-acts. An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.).

A falta de diálogo entre a literatura sobre estudos de comunicação e a literatura no campo da análise do discurso explica parcialmente as razões que conduziram a que a investigação sobre atos de contrição e de expiação tenha sido predominantemente desenvolvida no seio dos estudos sobre atos discursivos de natureza política e no seio da pesquisa teórica pragmática (SEARLE, 1999SEARLE, J. Speech-acts. An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.; AUSTIN, 1975AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. Harvard: Harvard University Press, 1975.; VAN DIJK, 2007VAN DIJK, T. Discourse and Communication: A New Journal to Bridge Two Fields. Discourse & Communication, v. 1, n. 1, pp.5-7, 2007.). Ware e Linkugel (1973)WARE, B. L.; LINKUGEL, W. They Spoke in Defense of Themselves: On the Generic Criticism of Apologia. Quarterly Journal of Speech, v. 59, n. 3, pp.273-283, 1973. foram pioneiros na análise de atos de contrição como um género retórico. É possível identificar dois tipos distintos de estudos sobre atos de contrição. Um primeiro conjunto de autores tenta identificar estratégias de restauração da imagem em que a negação, a contestação, a evasão e a justificação de atos gravosos são táticas predominantes (BENOIT, 2015BENOIT, W. Accounts, Excuses and Apologies. Image Repair Theory and Research. Albany: State University of New York Press, 2015.; HEARIT, 2001HEARIT, K. M. Corporate Apologia: When an Organization Speaks in Defence of Itself. In: HEATH, R. L. (ed.). Handbook of Public Relations, Thousand Oaks: Sage, 2001. pp.501-511.). Um segundo grupo de investigadores estuda os atos de contrição enfatizando a necessidade de aceitar a responsabilidade em contextos onde a culpa não pode ser negada (KOESTEN; ROWLAND, 2004KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004.; GLYNN, 1995GLYNN, P. Towards a New Peace. Forgiveness as Politics. Current, v.371, pp.17-20, 1995.).

No campo dos atos de expiação, a literatura relevante tem discutido a importância da autenticidade dos atos discursivos de expiação. Shepard (2009)SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009. e Smith (2013)SMITH, N. Just Apologies: An Overview of the Philosophical Issues. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 13, n. 35, pp.35-69, 2013. avaliam a autenticidade através de vários critérios, designadamente, a “aceitação da culpa”, a identificação de danos, o “reconhecimento da vítima enquanto interlocutor moral”, e a expressão de arrependimento genuíno. Koesten e Rowland (2004)KOESTEN, J.; ROWLAND, R. The Rhetoric of Atonement. Communication Studies, v. 55, n. 1, pp.68-87, 2004. estabelecem uma articulação entre autenticidade e mortificação. Ten Bos (2011)TEN BOS, R. The Moral Significance of Gestures. Business Ethics, v. 20, n. 3, pp.280-291, 2011. avalia a autenticidade através de três elementos: a gestualidade associada à retorica da expiação, a autotransformação e a abertura materializada num ato discursivo de expiação. Shepard (2009, p.462)SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009. introduziu o importante conceito de “expiação simulada”, que ocorre quando “os transgressores aparentam ser honestos ao reconhecer a sua culpa, ao mesmo tempo que explicam a situação de forma a reduzir a sua responsabilidade”3 3 Tradução nossa. No original, em inglês: “wrongdoers appear to come clean in admitting their guilt, while simultaneously explaining the situation in a way that reduces their responsibility”. .

A natureza imprecisa dos conceitos de contrição e de expiação (SMITH, 2009SMITH, N. Just Apologies: An Overview of the Philosophical Issues. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 13, n. 35, pp.35-69, 2013.; TEN BOS, 2011TEN BOS, R. The Moral Significance of Gestures. Business Ethics, v. 20, n. 3, pp.280-291, 2011.) encontra-se relacionada com o subdesenvolvimento da análise da autenticidade nos estudos sobre expiação política em comparação com a abundância de estudos que abordam a contrição e a expiação sob a ótica da gestão empresarial (HUXMAN; BRUCE, 1995HUXMAN, S.; BRUCE, D. Towards a Dynamic Generic Framework of Apologia: A Case Study of Dow Chemical, Vietnam, and the Napalm Controversy. Communication Studies, v. 46, pp.57-72, 1995.; HEARIT, 2001HEARIT, K. M. Corporate Apologia: When an Organization Speaks in Defence of Itself. In: HEATH, R. L. (ed.). Handbook of Public Relations, Thousand Oaks: Sage, 2001. pp.501-511.) e das relações públicas corporativas (COOMBS; HOLLADAY, 2001COOMBS, T.; HOLLADAY, S. An Extended Examination of the Crisis Situation: A Fusion of the Relational Management and Symbolic Approaches. Journal of Public Relations Research, v. 13, pp.321-340, 2001.). Consequentemente, a articulação entre estratégias discursivas e atos discursivos de expiação política encontra-se particularmente subdesenvolvida. Grande parte da literatura sobre expiação política aborda o ato de expiação como perseguindo os mesmos objetivos que os atos de expiação privados ou corporativos (ELLWANGER, 2009ELLWANGER, A. The Rhetoric of Public Apology. 2009. Doctor’s Thesis (PhD in English) – University of South Carolina, Columbia, 2009.). A existência de uma distinção entre atos discursivos de expiação de natureza corporativa e atos discursivos de expiação de natureza política resulta na necessidade de estudar, nomeadamente, através de estudos de caso, que elementos discursivos devem ser empregados para avaliar a autenticidade dos atos discursivos de expiação política e como tais elementos estão relacionados com estratégias mais vastas de reelaboração do passado (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.).

3 Enquadramento metodológico: as estratégias de legitimação discursiva

Este artigo adota as estratégias de legitimação discursiva como instrumentos metodológicos de análise do ato discursivo de expiação política proferido, em 2015, pelo antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe (VAN LEEUWEN, 2007, p.91-112VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). As estratégias de legitimação discursiva, desenvolvidas no âmbito da análise crítica do discurso, “referem-se ao processo através do qual os agentes discursivos sancionam ou certificam um comportamento social determinado”4 4 Tradução nossa. No original, em inglês: “refer to the process by which speakers accredit or license a type of social behavior”. (REYES, 2011, p.782REYES, A. Strategies of Legitimization in Political Discourse: From Words to Actions. Discourse & Society, v. 22, n. 6, pp.781-807, 2011.). A legitimação é, consequentemente, entendida como a “justificação de um comportamento” sendo que tal justificação é desenvolvida através da argumentação (REYES, 2011, p.782REYES, A. Strategies of Legitimization in Political Discourse: From Words to Actions. Discourse & Society, v. 22, n. 6, pp.781-807, 2011.). Tal argumentação tem por objetivo clarificar e explicar ações, ideias ou pensamentos. Acresce que as estratégias de legitimação discursiva são empregadas para garantir a aprovação de uma audiência específica (REYES, 2011, p.782REYES, A. Strategies of Legitimization in Political Discourse: From Words to Actions. Discourse & Society, v. 22, n. 6, pp.781-807, 2011.). A expiação política é compreendida como um compromisso discursivo relativo à não repetição futura de um comportamento passado (EDWARDS, 2005EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005.). Enquanto promessa discursiva, os atos discursivos de expiação política podem ser definidos como um género de argumentação retórica desenvolvidos perante uma audiência e que têm como objetivo justificar e elucidar um determinado comportamento político (EDWARDS, 2005EDWARDS, J. Community-focused Apologia in International Affairs: Japanese Prime Minister Tomiichi Murayama's Apology. Howard Journal of Communications, v. 16, n. 4, pp.317-336, 2005.). Pode, consequentemente, ser estabelecida uma articulação entre a análise discursiva, os atos discursivos de expiação política e as estratégias de legitimação discursiva.

No sentido de discutir as dimensões complexas compreendidas num processo discursivo de legitimação, van Leeuwen (2007)VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007. desenvolveu um modelo baseado em quatro categorias de legitimação, designadamente, autorização, avaliação moral, racionalização e mitopoese.

A legitimação através da autorização emprega referências à autoridade investida na tradição, costume e lei, bem como em indivíduos a quem a autoridade foi alocada (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). Este género de legitimação pode ocorrer através da invocação da autoridade pessoal, da autoridade de especialistas, da autoridade de alguém considerado como um exemplo, da autoridade da tradição, da autoridade impessoal ou da autoridade da conformidade (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). A avaliação moral constitui uma segunda estratégia discursiva de legitimação. A legitimação através da avaliação moral define-se como a “legitimação por referência a sistemas de valores”5 5 Tradução nossa. No original, em inglês: “legitimation by reference to value systems”. (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). Este tipo de estratégia de legitimação pode ser empregada em associação com o uso de adjetivos avaliativos, abstrações e analogias (positivas e negativas) (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). A legitimação pela racionalização é desenvolvida por meio de referências a objetivos e hábitos da “ação social institucionalizada”, bem como ao conhecimento construído pela sociedade para alocar objetivos institucionais com “validade cognitiva” (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). A legitimação através da racionalização pode ser desenvolvida através da racionalização instrumental e teórica (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). Uma última estratégia de legitimação é a mitopoese compreendida como a “legitimação transmitida através de narrativas cujos resultados recompensam ações legítimas e punem ações ilegítimas”6 6 Tradução nossa. No original, em inglês: “legitimation conveyed through narratives whose outcomes reward legitimate actions and punish non-legitimate actions”. (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). As narrativas que sustentam uma estratégia de legitimação podem apresentar um quadro moral (contos morais) ou uma natureza preventiva (contos preventivos) (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.).

4 Quadro teórico: o passado e as suas narrativas

A relação entre atos discursivos de expiação política e narrativas de reelaboração do passado é influenciada pela relevância da política da memória e do trauma (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). A política da memória e do trauma emerge, fundamentalmente, da contestação em torno do significado da memória histórica (EDKINS, 2003, p.58EDKINS, J. Trauma and the Memory of Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.). A contestação sobre o significado da memória histórica e a sua tradução ao nível da memória coletiva pode ocorrer durante longos períodos de tempo sem que se produza um consenso comunitário sobre o significado de eventos traumáticos e de práticas mnemónicas (BECKER, 2014BECKER, D. Memory and Trauma as Elements of Identity in Foreign Policymaking. In: RESENDE, E.; BUDRYTE, D. (eds.). Memory and Trauma in International Relations. New York: Routledge, 2014. pp.73-89.).

Aquilo a que Caramani e Manucci (2019, p.1159)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019. designam como o “peso do passado” é um elemento fundamental para compreender a evolução dos regimes políticos em diversos Estados do sistema internacional. A literatura tem desenvolvido a relação entre a emergência de partidos populistas e de direita e o legado histórico de passados nacionalistas e fascistas (MUDDE; KALTWASSER, 2013MUDDE, C.; KALTWASSER, C. Exclusionary vs. Inclusionary Populism: Comparing Contemporary Europe and Latin America. Government and Opposition, v. 48, pp.147-174, 2013.; CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). Apesar das controvérsias a respeito da definição de conceitos como populismo e neofascismo, é cada vez mais relevante analisar como o passado influencia o discurso político contemporâneo (TRAVERSO, 2019TRAVERSO, E. The New Faces of Fascism. Populism and the Far-Right. London: Verso, 2019.). Neste contexto, as narrativas existentes sobre o passado constituem objetos analíticos relevantes. Como Traverso (2019, p.132)TRAVERSO, E. The New Faces of Fascism. Populism and the Far-Right. London: Verso, 2019. escreve, “a história é sempre escrita no e a partir do presente: as nossas interpretações do passado encontram-se claramente relacionadas com a cultura, a sensibilidade intelectual, as preocupações éticas e políticas do nosso tempo”7 7 Tradução nossa. No original, em inglês: “History is always written in and from the present: our interpretations of the past are obviously related to the culture, the intellectual sensibility, the ethical and political worries of our time”. .

No sentido de discutir como as narrativas mnemónicas do passado causam ou dificultam a emergência de partidos à direita do espectro político, Caramani e Manucci (2019)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019. desenvolveram uma tipologia de estratégias ideais de reelaboração do passado, designadamente, as estratégias de heroicização, culpabilização, vitimização e cancelamento. No contexto deste artigo, as estratégias de culpabilização e de cancelamento assumem particular relevância. A culpabilização ocorre quando um Estado aceita a sua responsabilidade enquanto transgressor, carregando “o fardo da culpa pelo regime fascista e seus perpetradores8 8 Tradução nossa. No original, em inglês: “burden of guilt for the fascist regime and its perpetrators”. (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1164CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). As narrativas mnemónicas oficiais deslegitimam o passado fascista de um Estado, enfatizam a necessidade de desenvolver políticas de reparação e estigmatizam narrativas alternativas (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1164CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). O cancelamento é uma estratégia discursiva de reelaboração do passado caracterizada pela tentativa de evitar a responsabilidade, dado que o passado histórico fascista não é objeto de discussão pública (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1164CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). Ao construir uma memória de cancelamento, um Estado não questiona o seu envolvimento com o desenvolvimento histórico e passado de um regime fascista (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1164CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). Consequentemente, tal desenvolvimento não é problematizado, resultando na coexistência de diversas narrativas sobre o passado e na ausência de uma forte narrativa oficial capaz de ter um papel hegemónico num debate inexistente (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1165CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). Todavia, o elemento caracterizador de tal estratégia não é “a natureza fragmentária da memória coletiva, mas a sua ausência”9 9 Tradução nossa. No original, em inglês: “not the divided nature of collective memory but the absence of it”. (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1165CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). A tipologia desenvolvida por Caramani e Manucci (2019)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019. classifica as estratégias nacionais de reelaboração do passado. Todavia, este artigo assume que tais estratégias podem ser identificadas nas narrativas individuais dos decisores políticos, dado que é através da retórica política daqueles que as estratégias nacionais de reelaboração do passado são decretadas.

5 Resultados

A quinta seção do artigo analisará o ato discursivo de expiação política proferido em 2015, numa conferência de imprensa por ocasião do aniversário do fim da II Guerra Mundial, pelo antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe (ABE, 2015ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). O discurso de 2015 do antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe pode ser considerado um ato discursivo de expiação política. O discurso encontra-se diretamente relacionado com o contexto mnemónico da II Guerra Mundial. O artigo recorreu à análise qualitativa do conteúdo de diversos documentos textuais e discursivos (MAYRING, 2014MAYRING, P. Qualitative Content Analysis. Theoretical Foundation, Basic Procedures and Software Solution. In: Klagenfurt. Social Science, 2014. Available at: https://www.ssoar.info/ssoar/bitstream/handle/document/39517/ssoar-2014-mayring-Qualitative_content_analysis_theoretical_foundation.pdf. Accessed: 20 May 2020.
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). Os resultados foram organizados através das quatro estratégias e subcategorias associadas de legitimação discursiva identificadas por van Leeuwen (2007)VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007..

O discurso do antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe foi proferido numa conferência de imprensa em 14 de agosto de 2015. O antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe discursou em japonês. A tradução foi fornecida pelo Gabinete do primeiro-ministro do Japão.

No que respeita à estratégia de legitimação com recurso à autorização (VAN LEEUWEN, 2007, p.92VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.), a análise retórica do discurso do antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe é elucidativa da perspetiva de Abe sobre o significado da história e da relação entre a história e a política. O antigo primeiro-ministro japonês declarou, no seu discurso, que, antes da sua declaração, “convocou o Painel Consultivo sobre a História do Século XX e sobre o Papel do Japão e a Ordem Mundial do Século XXI”10 10 Tradução nossa. No original, em inglês: “assembled the Advisory Panel on the History of the 20th Century and on Japan's Role and the World Order in the 21st Century”. , exortando os seus membros a “discutirem a questão de uma forma compreensiva e aberta”11 11 Tradução nossa. No original, em inglês: “discuss the matter most thoroughly as well as straightforwardly”. (ABE, 2015, par.6ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Consequentemente, o antigo primeiro-ministro Shinzō Abe invocou a autoridade dos especialistas para legitimar o seu discurso. Shinzō Abe reconheceu que “as visões e opiniões sobre a história diferem de um membro para outro entre os especialistas”12 12 Tradução nossa. No original, em inglês: “the views and opinions over history differ from one member to another among those experts”. (ABE, 2015, par.7ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Todavia, e dado que os membros do Painel Consultivo chegaram a um certo grau de consenso, o seu Relatório passou a ser considerado por Abe como a “voz da história” (ABE, 2015, par.7ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe também argumentou que o Relatório, desenvolvido pelo Painel Consultivo, permitiu-lhe “tirar lições da história e traçar o caminho que devemos seguir a partir de agora”13 13 Tradução nossa. No original, em inglês: “draw lessons from history and lay out the path we should pursue from now onward”. (ABE, 2015, par.8ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A história tornou-se, na narrativa do antigo primeiro-ministro Shinzō Abe, uma fonte de conhecimento (ABE, 2015, par.8ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A autoridade da conformidade foi empregada por Shinzō Abe como forma a alinhar o seu discurso com os atos discursivos de contrição proferidos pelos seus predecessores relativamente ao papel do Japão durante a II Guerra Mundial. Nas palavras de Abe, “a posição [de contrição] articulada pelos antigos gabinetes permanecerá inabalável no futuro”14 14 Tradução nossa. No original, em inglês: “Such position [of apology] articulated by the previous cabinets will remain unshakable into the future”. (ABE, 2015, par.23ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Esta declaração teve como objetivo sinalizar que o ato discursivo de expiação proferido por Shinzō Abe foi inspirado em declarações similares anteriores de antigos primeiros-ministros japoneses.

Em relação à estratégia de legitimação discursiva baseada na avaliação moral (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.), o antigo primeiro-ministro Shinzō Abe emprega julgamentos morais para reconhecer o sofrimento experienciado pelos opositores do Japão durante a II Guerra Mundial, nomeadamente, a China, os países do sudeste asiático e ilhas do Pacífico (ABE, 2015, par.16ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Numa referência velada à questão das “mulheres de conforto”, o antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe declarou que “Nunca devemos esquecer que existiam mulheres atrás dos campos de batalha cuja honra e dignidade foram gravemente feridas”15 15 Tradução nossa. No original, em inglês: “We must never forget that there were women behind the battlefields whose honor and dignity were severely injured”. (ABE, 2015, par.16ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Abe proferiu um ato pungente de contrição coletiva, ao declarar,

O nosso país infligiu danos e sofrimento imensuráveis a pessoas inocentes. A história é dura. O que está feito não pode ser desfeito. Cada vítima tinha a sua vida, sonhos e família querida. Quando contemplo diretamente este facto óbvio, mesmo agora, fico sem palavras e o meu coração fica dilacerado com profunda dor16 16 Tradução nossa. No original, em inglês: “Upon the innocent people did our country inflict immeasurable damage and suffering. History is harsh. What is done cannot be undone. Each and every one of them had his or her life, dream, and beloved family. When I squarely contemplate this obvious fact, even now, I find myself speechless and my heart is rent with the utmost grief”. (ABE, 2015, par.17ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

A análise do discurso do antigo primeiro-ministro Shinzō Abe não revela o emprego da racionalização como uma estratégia discursiva de legitimação. A estratégia de legitimação mais frequentemente empregada por Shinzō Abe é a estratégia de mitopoese. No seu discurso, Abe utiliza contos morais e contos preventivos (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.). Os contos morais empregados pelo antigo primeiro-ministro Shinzō Abe focam três grandes temas:

  • i. a expressão de remorso pelas ações desenvolvidas pelo Japão contra outras nações;

  • ii. o enfatizar da resiliência da nação japonesa;

  • iii. a aclamação da nação japonesa.

É através de um conto moral que Shinzō Abe expressa remorso pelos atos cometidos pelo Japão contra outras nações asiáticas. No seu discurso, o antigo primeiro-ministro declarou que “o Japão expressou repetidamente o seu profundo remorso e desculpas sinceras pelas suas ações durante a guerra”17 17 Tradução nossa. No original, em inglês: “Japan has repeatedly expressed the feelings of deep remorse and heartfelt apology for its actions during the war”. (ABE, 2015, par.22ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe declarou a sua “sincera gratidão” à comunidade internacional pela reintegração do Japão após a II Guerra Mundial (ABE, 2015, par.29ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). O antigo primeiro-ministro louvou, particularmente, os “antigos prisioneiros de guerra dos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Austrália e outras nações” que “há muitos anos visitam o Japão para continuar a orar pelas almas das vítimas de guerra de ambos os lados”18 18 Tradução nossa. No original, em inglês: “have visited Japan for many years to continue praying for the souls of the war dead on both sides”. (ABE, 2015, par.26ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe enalteceu, igualmente, o povo chinês, considerado pelo antigo primeiro-ministro japonês como “tolerante”, apesar dos “sofrimentos insuportáveis causados pelos militares japoneses”19 19 Tradução nossa. No original, em inglês: “unbearable sufferings caused by the Japanese military”. , em particular aos prisioneiros de guerra chineses (ABE, 2015, par.27ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

O segundo conto moral desenvolvido por Shinzō Abe tem como objetivo destacar a resiliência do povo japonês. No seu discurso, proferiu condolências a todas as vítimas da II Guerra Mundial: “No 70º aniversário do final da guerra, prostro-me profundamente perante as almas de todos os que pereceram em casa e no exterior. Expresso os meus sentimentos de profundo pesar e as minhas eternas e sinceras condolências”20 20 Tradução nossa. No original, em inglês: “On the 70th anniversary of the end of the war, I bow my head deeply before the souls of all those who perished both at home and abroad. I express my feelings of profound grief and my eternal, sincere condolences”. (ABE, 2015, par.14ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Todavia, Abe enfatizou, em particular, o sofrimento do povo japonês durante a guerra empregando uma linguagem de resiliência. Nas suas palavras,

Mais de três milhões dos nossos compatriotas perderam as suas vidas durante a guerra: nos campos de batalha preocupados com o futuro da sua pátria e desejando a felicidade das suas famílias; em países estrangeiros remotos depois da guerra, em condições de frio ou calor extremos sofrendo de fome e de doença. Os bombardeamentos nucleares de Hiroshima e Nagasaki, os ataques aéreos a Tóquio e outras cidades e as batalhas terrestres em Okinawa, entre outros foram um golpe duro e sem piedade contra cidadãos comuns21 21 Tradução nossa. No original, em inglês: “More than three million of our compatriots lost their lives during the war: on the battlefields worrying about the future of their homeland and wishing for the happiness of their families in remote foreign countries after the war, in extreme cold or heat, suffering from starvation and disease. The atomic bombings of Hiroshima and Nagasaki, the air raids on Tokyo and other cities, and the ground battles in Okinawa, among others, took a heavy toll among ordinary citizens without mercy”. (ABE, 2015, par.15ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

O antigo primeiro-ministro Shinzō Abe salientou o facto de o Japão ser o “único estado a ter sofrido a devastação de bombardeamentos atómicos durante uma guerra”22 22 Tradução nossa. No original, em inglês: “the only country to have ever suffered the devastation of atomic bombings during war”. (ABE, 2015, par.33ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), enfatizou os “sacríficos” feitos pelo povo japonês durante a II Guerra Mundial (ABE, 2015, par.18ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), e enalteceu como, depois da guerra, os japoneses “foram capazes de sobreviver numa terra devastada e na mais estrita pobreza”23 23 Tradução nossa. No original, em inglês: “were able to survive in a devastated land in sheer poverty”. (ABE, 2015, par.31ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

Esta narrativa de resiliência encontra-se associada a um conto moral de aclamação da nação japonesa por ter criado “um país livre e democrático, respeitador do Estado de direito e que manteve, de forma consistente, a promessa de não mais recorrer à guerra”24 24 Tradução nossa. No original, em inglês: “a free and democratic country, abided by the rule of law, and consistently upheld that pledge never to wage a war again”. (ABE, 2015, par.21ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe louvou ainda a nação japonesa referindo “enquanto nos orgulhamos silenciosamente do caminho que trilhámos durante setenta anos enquanto nação amante da paz, continuamos determinados a nunca nos desviarmos desse curso inabalável”25 25 Tradução nossa. No original, em inglês: “while taking silent pride in the path we have walked as a peace-loving nation for as long as seventy years, we remain determined never to deviate from this steadfast course”. (ABE, 2015, par.21ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A aclamação da nação japonesa é concretizada:

  • i. representando o Japão enquanto país pacífico que tem, desde o final da guerra, contribuído para a “paz e a prosperidade” dos seus Estados vizinhos (ABE, 2015, par.22ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

  • ii. salientando o facto de “mais de seis milhões de japoneses repatriados terem, depois da guerra, regressado a casa em segurança de várias partes da região da Ásia-Pacífico, tendo-se tornado a força motriz da reconstrução japonesa do pós-guerra”26 26 Tradução nossa. No original, em inglês: “more than six million Japanese repatriates managed to come home safely after the war from various parts of the Asia-Pacific and became the driving force behind Japan’s postwar reconstruction”. (ABE, 2015, par.26ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

  • iii. realçando como “quase três mil crianças Japonesas deixadas para trás na China foram capazes de crescer lá e voltar a pisar o solo da sua terra natal”27 27 Tradução nossa. No original, em inglês: “that nearly three thousand Japanese children left behind in China were able to grow up there and set foot on the soil of their homeland again”. (ABE, 2015, par. 26ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

  • iv. apresentando o Japão como protetor dos direitos das mulheres, numa referência implícita à questão das “mulheres de conforto” abusadas pelos soldados japoneses durante a guerra (ABE, 2015, par.34ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

  • v. qualificando o Japão como um defensor de “um sistema económico internacional livre, justo e aberto” culpando, simultaneamente, o protecionismo económico e os “blocos económicos” por “fazerem prosperar as sementes do conflito” numa clara alusão às origens da II Guerra Mundial (ABE, 2015, par.35ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
    https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statem...
    );

  • vi. representando o Japão como um “guardião da paz, liberdade, democracia e dos direitos humanos” e como um promotor ativo da “Contribuição Proativa para a Paz” (ABE, 2015, par.36ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

  • vii. caracterizando o Japão como um Estado capaz de proteger a sua independência contra o domínio colonial inspirando, através da sua resistência ao colonialismo, “encorajamento para muitas pessoas sob domínio colonial da Ásia à África”28 28 Tradução nossa. No original, em inglês: “encouragement to many people under colonial rule from Asia to Africa”. (ABE, 2015, par.9ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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    );

    • i. destacando o facto de o Japão ter sido o primeiro país asiático a construir um “governo constitucional” (ABE, 2015, par.9ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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      ).

O conto moral de aclamação da nação japonesa corresponde à tentativa de Abe de reelaborar o passado japonês, bem como à sua necessidade de construir uma nova subjetividade internacional japonesa, de acordo com os objetivos dos discursos de expiação.

Os contos preventivos empregados pelo antigo primeiro-ministro Shinzō Abe desenvolveram quatro áreas significativas:

  • i. a politização da história;

  • ii. as causas da II Guerra Mundial e a alocação de culpa;

  • iii. a reabilitação da personalidade internacional japonesa;

  • iv. a complexidade da política mnemónica japonesa.

A relação entre a política e a história é um tema central no discurso de Shinzō Abe. O antigo primeiro-ministro japonês argumentou sobre a necessidade de o povo japonês parar para refletir sobre o passado “por mais distante que este esteja”29 29 Tradução nossa. No original, em inglês: “no matter how distant it has become”. (ABE, 2015, par.1ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A história é representada no julgamento moral de Shinzō Abe como uma fonte de “memórias dolorosas” que “nunca irão sarar” (ABE, 2015, par.24ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), mas também como uma fonte de ensinamentos para o futuro, dado que, nas palavras de Abe, “A política deve aprender com a história sabedoria para o futuro”30 30 Tradução nossa. No original, em inglês: “Politics must learn from history wisdom for the future”. (ABE, 2015, par.2ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Abe legitimou a constituição do “Painel Consultivo sobre a História do Século XX e sobre o Papel do Japão e a Ordem Mundial do Século XXI” com a necessidade de “refletir sobre o caminho para a guerra, o caminho que percorremos desde o fim da guerra e a era do século XX”31 31 Tradução nossa. No original, em inglês: “reflect upon the road to war, the path we have taken since it ended, and the era of the twentieth century”. , bem como com a necessidade, baseada em lições históricas, de “contemplar e, em seguida, traçar o caminho que o Japão deve seguir em direção ao futuro e no mundo”32 32 Tradução nossa. No original, em inglês: “contemplate, and then lay out, the path Japan ought to take toward the future, and in the world”. (ABE, 2015, par.3ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A visão particular de Shinzō Abe sobre as origens da II Guerra Mundial parte de uma perspetiva contraditória em relação à história e à política. Shinzō Abe recusa o revisionismo histórico, argumentando ser sua “convicção profunda” que as “[i]ntenções políticas ou diplomáticas nunca devem distorcer a história”33 33 Tradução nossa. No original, em inglês: “Political intentions, or diplomatic ones, should never be allowed to distort history”. (ABE, 2015, par.5ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Todavia, diversas passagens da sua declaração contradizem tal crença na relevância dos factos históricos.

Em primeiro lugar, Abe alerta que “devemos permanecer humildes em relação à história”34 34 Tradução nossa. No original, em inglês: “we must remain humble toward history”. e que tal humildade requer “que continuemos sempre a olhar para a história para nos perguntarmos se existem outras vozes que até agora não ouvimos”35 35 Tradução nossa. No original, em inglês: “that we always continue to look into history in order for us to ponder whether there are other voices we have heretofore failed to listen to”. (ABE, 2015, par.40ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Abe parece querer argumentar que a história da II Guerra Mundial não está fechada e que ainda há espaço para a emergência de visões alternativas sobre a participação do Japão na guerra. Shinzō Abe designa tais visões alternativas de “outras vozes” (ABE, 2015, par.51ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), que devem ser ouvidas para que os japoneses possam “aprender sabedoria para o nosso futuro”36 36 Tradução nossa. No original, em inglês: “learn wisdom for our future”. (ABE, 2015, par.41ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

Em segundo lugar, e apesar de reconhecer que o Japão “tomou o caminho errado” quando decidiu avançar “pela senda da guerra” (ABE, 2015, par.12ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), Shinzō Abe questiona se as ações japonesas durante a II Guerra Mundial constituem ou não um ato de agressão (ABE, 2015, par.47ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A reabertura de um debate tão controverso é visível nas seguintes palavras de Abe: “sobre que tipo de ações em concreto se qualificam ou não como ‘agressão’, penso que devemos deixar essa questão para os historiadores discutirem”37 37 Tradução nossa. No original, em inglês: “as for what kinds of actions in concrete terms qualify or fail to qualify as ‘aggression,’ I believe we should leave that for historians to discuss”. (ABE, 2015, par.47ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

Finalmente, Shinzō Abe desenvolve uma visão particular sobre as origens da II Guerra Mundial, em que atribui a culpa pelo início da guerra a fenómenos históricos concretos. Abe argumenta que foi a constituição de “blocos económicos” antes da guerra que “fizeram as sementes do conflito prosperar”38 38 Tradução nossa. No original, em inglês: “made the seeds of conflict thrive”. (ABE, 2015, par.35ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe também alegou que diversos fatores explicam a decisão do Japão de recorrer à guerra, nomeadamente, a Grande Depressão e as suas consequências para a economia japonesa, um “sentido de crise” devido ao domínio colonial, a formação de impérios coloniais e de blocos económicos ocidentais, bem como um “sentimento” crescente de “isolamento” (ABE, 2015, par.10ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Devido a estes factos históricos, Abe argumenta que o Japão foi compelido a “ultrapassar o seu impasse diplomático e económico através do uso da força”39 39 Tradução nossa. No original, e em inglês: “overcome its diplomatic and economic deadlock through the use of force”. (ABE, 2015, par.10ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

A discussão sobre as causas da II Guerra Mundial, e consequente alocação de culpa, são desenvolvidas em associação com a tentativa de Shinzō Abe de (re)construir a subjetividade internacional japonesa, condenando, em particular, o recurso à guerra (ABE, 2015, par.19ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). O antigo primeiro-ministro japonês declarou:

Incidente, agressão, guerra – não mais devemos recorrer a qualquer forma de ameaça ou uso da força como forma de resolução de disputas internacionais. Devemos abandonar para sempre o domínio colonial e respeitar o direito à autodeterminação de todos os povos do mundo40 40 Tradução nossa. No original, em inglês: “Incident, aggression, war – we shall never again resort to any form of the threat or use of force as a means of settling international disputes. We shall abandon colonial rule forever and respect the right of self-determination of all peoples throughout the world”. (ABE, 2015, par.20ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

A reabilitação da personalidade internacional japonesa é dificultada pela complexidade da política nipónica da memória e do trauma. Tal complexidade traduz-se na declaração de 2015 de Shinzō Abe. Dois elementos da referida declaração demonstram como o trauma e a memória da II Guerra Mundiais são ainda questão muito problemática na política japonesa.

Em primeiro lugar, e apesar de reconhecer que “os japoneses, através das gerações, devem encarar de frente a história do passado”41 41 Tradução nossa. No original, em inglês: “Japanese, across generations, must squarely face the history of the past”. (ABE, 2015, par.20ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), Shinzō Abe advertiu que,

Não devemos permitir uma situação em que os nossos filhos, netos ou mesmo os filhos de futuras gerações, que nada têm a ver com aquela guerra, tenham de continuar a desculpar-se ou que estejam predestinados a desculpar-se42 42 Tradução nossa. No original, em inglês: “We must not allow a situation in which our children, grandchildren, and even children of the future in generations to come, who have nothing to do with that war, must continue to apologize, or let them be predestined to apologize”. (ABE, 2015, par.30ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

Na perspetiva de Abe, a responsabilidade do Japão pelos acontecimentos da II Guerra Mundial termina com “a geração que está viva neste momento”43 43 Tradução nossa. No original, em inglês: “generation that is alive at this moment”. (ABE, 2015, par.61ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

O segundo elemento diz respeito à política de segurança nacional japonesa e à aprovação, em 2015, da “Legislação Japonesa para a Paz e a Segurança”44 44 Tradução nossa. No original, em inglês: “Japanese Legislation for Peace and Security.” , que envolveu uma transformação da “política de segurança nacional japonesa do pós-guerra dado que define as situações em que o Japão pode recorrer internacionalmente ao uso da força45 45 Tradução nossa. No original, em inglês: “Japan’s post-war national security policy since it defined the situations where Japan may internationally resort to the use of force”. (VALERO, 2017, par.4VALERO, V. Japan in 2016: Shifts in Domestic Politics amidst Shifts in Regional Landscape. CIRSS Commentaries, v. 4, n. 1, 2017. Available at: https://think-asia.org/bitstream/handle/11540/6937/Vol-IV-No-1-0117.pdf?sequence=1. Accessed: 2 May 2022.
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). A Legislação foi considerada como uma tentativa do gabinete de Shinzō Abe de abordar o “passado de guerra e o futuro de segurança” do Japão (VALERO, 2017, par.4VALERO, V. Japan in 2016: Shifts in Domestic Politics amidst Shifts in Regional Landscape. CIRSS Commentaries, v. 4, n. 1, 2017. Available at: https://think-asia.org/bitstream/handle/11540/6937/Vol-IV-No-1-0117.pdf?sequence=1. Accessed: 2 May 2022.
https://think-asia.org/bitstream/handle/...
). O antigo primeiro-ministro do Japão Shinzō Abe, na sua declaração de 2015, argumentou que a nova Legislação demonstra que o Japão “não deve deixar de se preparar para contingências”46 46 Tradução nossa. No original, em inglês: “not fail to prepare for contingencies”. (ABE, 2015, par.61ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A Legislação foi, todavia, caracterizada por Abe como tendo por objetivo “garantir as vidas e a existência cotidiana pacífica do povo japonês”47 47 Tradução nossa. No original, em inglês: “to secure the lives and peaceful daily lives of the Japanese people”. e “aumentar a nossa capacidade de prevenir antecipadamente a ocorrência de conflitos”48 48 Tradução nossa. No original, em inglês: “enhance our ability to prevent in advance conflicts from happening”. (ABE, 2015, par.10ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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).

6 Discussão

O ato discursivo de expiação de Shinzō Abe reflete a complexidade das perspetivas japonesas sobre o seu passado (HOOK, 2015, p.295-298HOOK, G. Excavating the Power of Memory in Japan. Japan Forum, v. 27, n. 3, pp.295-298, 2015.). Entre 1984 e 2019, o Japão proferiu 23 atos discursivos internacionais de expiação (DODDS, 2020DODDS, G. Political Apologies. In: Institute for the Study of Human Rights, Columbia University, 2020. Available at: https://www.humanrightscolumbia.org/ahda/political-apologies. Accessed: 2 May 2022.
https://www.humanrightscolumbia.org/ahda...
). Como Desmond (1995, p.3)DESMOND, E. Finally, a Real Apology. Time Magazine, August 28, 1995. Available at: https://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,983351,00.html. Accessed: 2 July 2001.
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argumenta, “Numa sociedade em que várias rondas de desculpas são feitas nas circunstâncias mais triviais, a questão de como admitir responsabilidade pelas enormidades cometidas pelo Japão durante a Guerra tem sido vexatória”49 49 Tradução nossa. No original, em inglês: “In a society where several rounds of apologies will be made in the most trivial circumstances, the question of how to admit responsibility for the enormities Japan committed during the war has been a vexing one”. .

Os mandatos de Shinzō Abe como primeiro-ministro contribuíram para aumentar a controvérsia doméstica e internacional relativa à política mnemónica japonesa devido, particularmente, às suas visitas ao Santuário Yasukuni, à sua oposição à decisão da UNESCO de inscrever os “Documentos sobre o Massacre de Nanjing” no Programa Registo da Memória do Mundo, ou à designação de “revisionistas incontritos para cargos de destaque, incluindo na emissora pública nacional, NHK”50 50 Tradução nossa. No original, em inglês: “unapologetic revisionists to high-profile posts, including at the national public broadcaster, NHK”. (SOBLE, 2015, par.9SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.; PLETNIA, 2020, p.1-16PLETNIA, M. Internal Pressure - Japan War Bereaved Families Association and its Influence on Japanese Politics of Memory. Electronic Journal of Contemporary Japanese Studies, v. 20, n. 3, pp.1-16, 2020.; NAKANO, 2021, p.590-607NAKANO, R. Japan’s Demands for Reforms of UNESCO’s Memory of the World: The Search for Mnemonical Security. Cambridge Review of International Affairs, v. 34, n. 4, pp.590-607, 2021.). O ato discursivo de expiação do antigo primeiro-ministo Shinzō Abe, proferido em 2015, apoiou a adoção pela sociedade japonesa de uma estratégia de cancelamento (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). O apoio a tal estratégia pode explicar por que razão a declaração de 2015 de Shinzō Abe foi considerada insincera por audiências domésticas e por audiências internacionais (SOBLE, 2015SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). Oficiais chineses consideraram a declaração inautêntica e rica em “truques linguísticos” (SOBLE, 2015, par.10SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). A então Presidente da Coreia do Sul Park-Geun-hye classificou a declaração como insuficiente (SOBLE, 2015, par.11SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). O antigo primeiro-ministro japonês Tomiishi Murayama, cuja declaração de 1995 é considerada como o mais autêntico ato de expiação alguma vez proferido por um líder japonês, argumentou que o discurso de Abe fracassou dado que Shinzō Abe empregou “linguagem floreada e falou longamente, mas não clarificou porque o estava a fazer”51 51 Tradução nossa. No original, em inglês: “flowery words and talked at length, but he didn’t make clear why he was doing it”. (SOBLE, 2015, par.12SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.; DESMOND, 1995DESMOND, E. Finally, a Real Apology. Time Magazine, August 28, 1995. Available at: https://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,983351,00.html. Accessed: 2 July 2001.
https://content.time.com/time/subscriber...
).

Segundo Caramani e Manuci (2019, p.1164)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019., uma estratégia de reelaboração do passado baseada no cancelamento baseia-se no “evitamento de responsabilidade” pelo passado fascista. A estratégia de cancelamento funda-se na tentativa de apagar a memória coletiva. Como Caramani e Manuci (2019, p.1165)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019. escrevem “ao desenvolver uma memória de cancelamento, um país remove a sua relação com o fascismo do debate público”52 52 Tradução nossa. No original, em inglês: “by developing a memory of cancellation, a country removes its past relationship with fascism from the public debate”. . O estado não discute a sua “cumplicidade implícita ou explícita com, ou a acomodação de regimes externos”, enfraquecendo o desenvolvimento de uma narrativa oficial sobre o seu passado fascista. Tal enfraquecimento cria uma janela de oportunidade para a emergência de várias narrativas sobre o passado evitando a estigmatização do período fascista de um estado e promovendo o desaparecimento da memória coletiva sobre tal período (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1165CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.).

A estratégia atual japonesa de reelaboração do passado é a culpabilização. Todavia, este artigo argumenta que o ato discursivo de expiação política proferido por Shinzō Abe em 2015 defendeu uma estratégia de cancelamento. Este argumento é corroborado por vários elementos.

O primeiro elemento respeita ao reconhecimento de responsabilidade. A forma como o antigo primeiro-ministro Shinzō Abe, na sua declaração, reconheceu a culpa pelas atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial é controversa. Shinzō Abe empregou a autoridade através da conformidade (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.) para argumentar que os governos japoneses do pós-guerra expressaram o remorso e a contrição do Japão pelos acontecimentos da II Guerra Mundial. Abe também reconheceu que o sofrimento experienciado pelos inimigos do Japão durante a II Guerra Mundial, bem como o dano infligido pelo Japão “sobre pessoas inocentes”, causou “danos e padecimentos imensuráveis (ABE, 2015, par.17ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statem...
). Todavia, Shinzō Abe tentou enfraquecer a responsabilidade japonesa pelos eventos da II Guerra Mundial transferindo a culpa para forças externas, principalmente para as potências coloniais ocidentais, o colonialismo e os “blocos económicos” formados antes da guerra (ABE, 2015, par.9ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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), considerados responsáveis por fazerem “florescer as sementes dos conflitos”53 53 Tradução nossa. No original, em inglês: “the seeds of conflicts thrive”. (ABE, 2015, par.19ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statem...
), por criarem as dinâmicas económicas que levaram à II Guerra Mundial e, fundamentalmente, por conduzirem o Japão a um “impasse” que forçou o país a entrar em guerra (ABE, 2015, par.33ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). A estratégia desenvolvida por Abe evoca o conceito de Shepard (2009, p.462)SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009. de “expiação simulada”. No seu discurso de 2015, Shinzō Abe admitiu os erros japoneses durante a II Guerra Mundial, mas enquadra a situação tentando diminuir as responsabilidades do Japão (ver SHEPARD, 2009, p.462SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009.). Segundo o conceito de Shepard (2009, p.462)SHEPARD, R. Towards a Theory of Simulated Atonement. A Case-Study of George W. Bush’s Response to the Abu Ghraib Torture Scandal. Communication Studies, v. 60, n. 5, pp.460-475, 2009. de “expiação simulada”, a estratégia seguida por Shinzō Abe não teve sucesso, porque a “saliência” doméstica e internacional dos “pecados” japoneses cometidos durante a II Guerra Mundial é ainda muito significativa.

Um segundo elemento importante concerne à tentativa de apagar a memória coletiva sobre o passado de guerra do Japão. O ato discursivo de expiação política de Shinzō Abe é frequentemente comparado com atos de expiação proferidos pelos seus predecessores, designadamente, a declaração de 1995 de Tomiishi Murayama (SOBLE, 2015SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). Murayama foi o primeiro primeiro-ministro japonês a ter reconhecido explicitamente que o Japão cometeu atos de agressão durante a II Guerra Mundial e a ter inequivocamente condenado o passado japonês de “nacionalismo complacente”54 54 Tradução nossa. No original, em inglês: “self-righteous nationalism”. (DESMOND, 1995, p.4DESMOND, E. Finally, a Real Apology. Time Magazine, August 28, 1995. Available at: https://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,983351,00.html. Accessed: 2 July 2001.
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). Elementos estratégicos da declaração de Murayama de 1995, nomeadamente, a referência aos atos de agressão japoneses, foram inseridos no discurso de Shinzō Abe (ABE, 2015ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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; MURAYAMA, 1995MURAYAMA, T. Statement by Prime Minister Tomiichi Murayama ‘On the Occasion of the 50th Anniversary of the War's End,’” August 15, 1995. Available at: https://www.mofa.go.jp/announce/press/pm/murayama/9508.html. Accessed: 2 May 2022.
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). Todavia, existem distinções significativas entre os dois discursos. Através da autoridade por conformidade, Abe endossou os atos de contrição dos seus predecessores. Todavia, numa “rutura potencialmente controversa com expressões de contrição de anteriores líderes japoneses”55 55 Tradução nossa. No original, em inglês: “potentially contentious break with the previous expression of contrition by Japanese leaders”. , Abe não proferiu o seu pedido pessoal de desculpas (SOBLE, 2015, par.3SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). O facto de Shinzō Abe não ter exprimido o seu pedido de desculpas pessoal é significativo (SOBLE, 2015SOBLE, J. Shinzo Abe Echoes Japan’s Past World War II Apologies but Adds None. The New York Times, August 14, 2015.). A inexistência de um ato pessoal de contrição é congruente com o argumento de Abe de que as gerações japonesas futuras não devem de “estar predestinadas a pedir desculpas”56 56 Tradução nossa. No original, em inglês: “be predestined to apologize”. pelos acontecimentos da II Guerra (ABE, 2015, par.53ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Na perspetiva de Abe, a responsabilidade do Japão pelos acontecimentos da II Guerra Mundial deve terminar com a “geração que está viva neste momento” (ABE, 2015, par.53ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Shinzō Abe parecia acreditar que discutir os atos de agressão japoneses durante a II Guerra Mundial podia colocar em risco a “segurança ontológica” e a “segurança mnemónica” das gerações japonesas vindouras e que, consequentemente, no futuro, o Japão devia seguir uma estratégia de reelaboração do passado baseada no cancelamento (NAKANO, 2021NAKANO, R. Japan’s Demands for Reforms of UNESCO’s Memory of the World: The Search for Mnemonical Security. Cambridge Review of International Affairs, v. 34, n. 4, pp.590-607, 2021.; GUSTAFSSON, 2014, p.71-86GUSTAFSSON, K. Memory Politics and Ontological Security in Sino-Japanese Relations. Asia Studies Review, v. 38, n. 1, pp.71-86, 2014.; CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). A adoção de uma estratégia de cancelamento relativamente ao papel do Japão na II Guerra Mundial facilita a legitimação da reforma da política de segurança japonesa traduzida na Legislação para a Paz e a Segurança de 2015 promovida pelo governo de Shinzō Abe (HOSOYA, 2015, p.44-52HOSOYA, Y. Historical Memories and Security Legislation: Japan’s Security Policy under the Abe Administration. Asia-Pacific Review, v. 22, n. 2, pp.44-52, 2015.).

Um terceiro elemento diz respeito ao desenvolvimento de uma narrativa sobre o passado de guerra japonês capaz de estigmatizar o período nacionalista nipónico. Como previamente referido, a leitura da declaração de 2015 de Shinzō Abe revela que o antigo primeiro-ministro japonês tinha uma perspetiva muito específica sobre a relação entre a história e a política. Shinzō Abe recusa o revisionismo, o que pode explicar a sua decisão de constituir o “Painel Consultivo sobre a História do Século XX e sobre o Papel do Japão e a Ordem Mundial do Século XXI”. Invocando a autoridade dos especialistas (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.), Shinzō Abe classificou as conclusões do Painel como a “voz da história” (ABE, 2015, par.7ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Contudo, e de certa forma em contradição com a sua condenação do revisionismo político, Shinzō Abe emprega um conto preventivo (VAN LEEUWEN, 2007VAN LEEUWEN, T.Legitimation in Discourse and Communication. Discourse and Communication, v. 1, n. 1, pp.91-112, 2007.) para alertar que os japoneses devem sempre estar abertos a ouvir “outras vozes que até agora falhámos em ouvir57 57 Tradução nossa. No original, em inglês: “other voices we have heretofore failed to listen to”. ” (ABE, 2015, par.40ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Tal declaração, ao invés de estigmatizar o passado nacionalista japonês, legitima a emergência de vozes alternativas que podem querer glorificar tal passado. A mensagem de Abe destinava-se a audiências internacionais e domésticas, mas favoreceu as últimas. Privilegiar audiências domésticas e adotar uma abordagem suave relativamente aos crimes de guerra japoneses foram estratégias empregadas por Shinzō Abe para satisfazer as elites conservadoras da direita japonesa, bem como os setores da sociedade opostos ao desenvolvimento de uma “visão masoquista da história nacional” (SZCZEPANSKA, 2014, p.1SZCZEPANSKA, K. The Politics of War Memory in Japan. New York: Routledge, 2014.). Na sua declaração, Shinzō Abe nunca adota uma atitude explícita de condenação do passado nacionalista japonês e não menciona a colaboração entre a Alemanha e o Japão durante a II Guerra Mundial. O antigo primeiro-ministro reconhece apenas que o Japão, após a I Guerra Mundial, desafiou a ordem internacional e que o país tomou um “caminho errado” na II Guerra Mundial (ABE, 2015, par.12ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). Todavia, Abe nunca expressa uma condenação clara do regime que levou o Japão à guerra e a uma aliança com a Alemanha Nazi. Shinzō Abe preferiu louvar as conquistas japonesas do pré-guerra e do pós-guerra investindo retoricamente na reconstrução da subjetividade internacional do Japão.

Conclusão

Este artigo argumentou que o antigo primeiro-ministro japonês Shinzō Abe, no seu ato discursivo de expiação política de 2015, defendeu a adoção, pela sociedade japonesa, de uma estratégia de reelaboração do passado baseada no cancelamento (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). A declaração de Shinzō Abe pode ser interpretada como uma tentativa de concretização de cinco objetivos fundamentais:

  • i. enfraquecer a responsabilidade japonesa pelos acontecimentos da II Guerra Mundial;

  • ii. legitimar a convicção de que, no futuro, o debate público nipónico deve deixar de incluir questões relativas à responsabilidade japonesa pelos atos de agressão cometidos durante a II Guerra Mundial;

  • iii. fragilizar a tradicional estratégia japonesa de culpabilização pelos atos praticados durante a guerra, o que se traduz na ausência, na declaração de Shinzō Abe, de uma condenação clara do regime que conduziu o Japão à guerra e a uma aliança com a Alemanha Nazi;

  • iv. elogiar as conquistas japonesas do pré-guerra e do pós-guerra, obscurecendo assim a memória das atrocidades cometidas pelo Japão durante a guerra;

  • v. validar a emergência de diversas narrativas sobre o passado prevenindo a estigmatização do período nacionalista do país e estimulando o esfumar da memória coletiva (CARAMANI; MANUCCI, 2019, p.1165CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.).

Estes cinco objetivos são congruentes com uma estratégia de reelaboração do passado baseada no cancelamento (CARAMANI; MANUCCI, 2019CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019.). Este artigo argumentou que a defesa de tal estratégia de cancelamento evitou que o ato discursivo de expiação política que Shinzō Abe proferiu em 2015 fosse considerado como um ato genuíno de expiação. O ato discursivo de expiação política que Shinzō Abe enunciou em 2015 favoreceu audiências domésticas numa tentativa de agradar às elites conservadoras japonesas de direita que se opõem à normalização de uma narrativa baseada numa “visão masoquista da história nacional”58 58 Tradução nossa. No original, em inglês: “masochistic view of national history”. (SZCZEPANSKA, 2014, p.1SZCZEPANSKA, K. The Politics of War Memory in Japan. New York: Routledge, 2014.). Na sua declaração de 2015, Shinzō Abe não expressou o seu próprio pedido de desculpas pelos crimes de guerra japoneses (ABE, 2015ABE, S. Press Conference by Prime Minister Shinzō Abe. In: Prime Minister of Japan and his Cabinet. August 14, 2015. Available at: https://japan.kantei.go.jp/97_abe/statement/201508/1212349_9926.html. Accessed: 1 July 2001.
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). O antigo primeiro-ministro japonês não invocou a sua autoridade pessoal, mas sim a autoridade de especialistas para legitimar o reconhecimento coletivo da culpa japonesa. Consequentemente, a presença pessoal de Abe na declaração é mínima, o que permitiu ao antigo primeiro-ministro japonês dissociar-se do reconhecimento japonês pelas atrocidades da II Guerra Mundial. Tal dissociação dificultou o reconhecimento da autenticidade do seu ato discursivo de expiação política. O não reconhecimento da autenticidade do ato discursivo de expiação política de Shinzō Abe é pertinente, dado que, segundo Caramani e Mannuci (2019)CARAMANI, D.; MANUCCI, L. National Past and Populism: The Re-Elaboration of Fascism and its Impact on Right-Wing Populism in Western Europe. West European Politics, v. 42, n. 6, pp.1159-1187, 2019., adotar uma estratégia de reelaboração do passado baseada no cancelamento pode ter consequências para as políticas domésticas nacionais, particularmente, no que respeita à emergência de movimentos políticos de extrema-direita cuja agenda pode incluir o revisionismo histórico.

A relevância do argumento desenvolvido neste artigo relaciona-se com a necessidade de esclarecer, tanto para decisores políticos que desenvolvem práticas discursivas como para académicos, as condições que alocam autenticidade aos atos discursivos de expiação política. O reconhecimento da autenticidade dos atos discursivos de expiação política contribui para a superação e reparação dos traumas mnemónicos e consequente reconciliação e pacificação das relações internacionais. Novos estudos devem analisar diversos e específicos atos discursivos de expiação política para avaliar que elementos alocam ou removem autenticidade a tais atos.

Pareceres

Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, este periódico publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Parecer 1

O artigo desenvolve uma discussão pertinente sobre o ato discursivo de expiação política baseando-se numa extensa revisão do objeto de pesquisa e propondo novas categorias para abordar o fenómeno. A revisão de literatura é atual e relevante para a análise. O enquadramento metodológico encontra-se exposto de forma clara e é adequado ao estudo. Acresce que a análise se encontra bem fundamentada com resultados importantes no quadro do tema em discussão. Consequentemente, não tenho restrições à publicação do artigo. APROVADO.

Paulo Roberto Gonçalves Segundo - Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, São Paulo, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5592-8098; paulosegundo@usp.br

Parecer 2

O artigo encontra-se bem escrito e estruturado. Analisa um evento histórico de grande importância e é, consequentemente, muito relevante para a literatura da área. A revisão de literatura cobre os textos gerais clássicos e os trabalhos específicos sobre expiação. Infelizmente, a análise baseia-se numa tradução do japonês para o inglês. Mesmo tomando em consideração que a análise se baseou numa tradução oficial fornecida pelo Gabinete do primeiro-ministro, esta é uma importante limitação do estudo particularmente devido à distância cultural e semântica entre as línguas inglesa e japonesa. Tal limitação levanta a questão de saber se os resultados traduzem plenamente as tradições discursivas e políticas japonesas. Por outras palavras, serão os resultados precisos; será que Abe, o público japonês, ou um investigador japonês reconheceriam e validariam os resultados? Ficaria mais tranquilo se o artigo tivesse um coautor japonês e se tomasse em consideração na análise a cultura política japonesa. A literatura, por exemplo, é quase integralmente não japonesa. Todavia, a declaração em análise destina-se a uma audiência global, e particularmente asiática, e os resultados parecem plausíveis e interessantes. A discussão considerou o contexto e a receção do discurso. O artigo não traz inovações metodológicas, mas aplica de forma competente e clara o quadro teórico. Constitui uma interessante e relevante contribuição para a área. APROVADO.

Ricardo José Rosa Gualda - Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, Bahia, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-1925-1435; ricardogualda@utexas.edu

  • 1
    Tradução nossa. No original, em inglês: “an official apology given by a representative of a state, corporation or another organized group to victims, or descendants of victims, for injustices committed by the group’s officials or members”.
  • 2
    Tradução nossa. No original, em inglês: “rhetorical form”.
  • 3
    Tradução nossa. No original, em inglês: “wrongdoers appear to come clean in admitting their guilt, while simultaneously explaining the situation in a way that reduces their responsibility”.
  • 4
    Tradução nossa. No original, em inglês: “refer to the process by which speakers accredit or license a type of social behavior”.
  • 5
    Tradução nossa. No original, em inglês: “legitimation by reference to value systems”.
  • 6
    Tradução nossa. No original, em inglês: “legitimation conveyed through narratives whose outcomes reward legitimate actions and punish non-legitimate actions”.
  • 7
    Tradução nossa. No original, em inglês: “History is always written in and from the present: our interpretations of the past are obviously related to the culture, the intellectual sensibility, the ethical and political worries of our time”.
  • 8
    Tradução nossa. No original, em inglês: “burden of guilt for the fascist regime and its perpetrators”.
  • 9
    Tradução nossa. No original, em inglês: “not the divided nature of collective memory but the absence of it”.
  • 10
    Tradução nossa. No original, em inglês: “assembled the Advisory Panel on the History of the 20th Century and on Japan's Role and the World Order in the 21st Century”.
  • 11
    Tradução nossa. No original, em inglês: “discuss the matter most thoroughly as well as straightforwardly”.
  • 12
    Tradução nossa. No original, em inglês: “the views and opinions over history differ from one member to another among those experts”.
  • 13
    Tradução nossa. No original, em inglês: “draw lessons from history and lay out the path we should pursue from now onward”.
  • 14
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Such position [of apology] articulated by the previous cabinets will remain unshakable into the future”.
  • 15
    Tradução nossa. No original, em inglês: “We must never forget that there were women behind the battlefields whose honor and dignity were severely injured”.
  • 16
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Upon the innocent people did our country inflict immeasurable damage and suffering. History is harsh. What is done cannot be undone. Each and every one of them had his or her life, dream, and beloved family. When I squarely contemplate this obvious fact, even now, I find myself speechless and my heart is rent with the utmost grief”.
  • 17
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Japan has repeatedly expressed the feelings of deep remorse and heartfelt apology for its actions during the war”.
  • 18
    Tradução nossa. No original, em inglês: “have visited Japan for many years to continue praying for the souls of the war dead on both sides”.
  • 19
    Tradução nossa. No original, em inglês: “unbearable sufferings caused by the Japanese military”.
  • 20
    Tradução nossa. No original, em inglês: “On the 70th anniversary of the end of the war, I bow my head deeply before the souls of all those who perished both at home and abroad. I express my feelings of profound grief and my eternal, sincere condolences”.
  • 21
    Tradução nossa. No original, em inglês: “More than three million of our compatriots lost their lives during the war: on the battlefields worrying about the future of their homeland and wishing for the happiness of their families in remote foreign countries after the war, in extreme cold or heat, suffering from starvation and disease. The atomic bombings of Hiroshima and Nagasaki, the air raids on Tokyo and other cities, and the ground battles in Okinawa, among others, took a heavy toll among ordinary citizens without mercy”.
  • 22
    Tradução nossa. No original, em inglês: “the only country to have ever suffered the devastation of atomic bombings during war”.
  • 23
    Tradução nossa. No original, em inglês: “were able to survive in a devastated land in sheer poverty”.
  • 24
    Tradução nossa. No original, em inglês: “a free and democratic country, abided by the rule of law, and consistently upheld that pledge never to wage a war again”.
  • 25
    Tradução nossa. No original, em inglês: “while taking silent pride in the path we have walked as a peace-loving nation for as long as seventy years, we remain determined never to deviate from this steadfast course”.
  • 26
    Tradução nossa. No original, em inglês: “more than six million Japanese repatriates managed to come home safely after the war from various parts of the Asia-Pacific and became the driving force behind Japan’s postwar reconstruction”.
  • 27
    Tradução nossa. No original, em inglês: “that nearly three thousand Japanese children left behind in China were able to grow up there and set foot on the soil of their homeland again”.
  • 28
    Tradução nossa. No original, em inglês: “encouragement to many people under colonial rule from Asia to Africa”.
  • 29
    Tradução nossa. No original, em inglês: “no matter how distant it has become”.
  • 30
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Politics must learn from history wisdom for the future”.
  • 31
    Tradução nossa. No original, em inglês: “reflect upon the road to war, the path we have taken since it ended, and the era of the twentieth century”.
  • 32
    Tradução nossa. No original, em inglês: “contemplate, and then lay out, the path Japan ought to take toward the future, and in the world”.
  • 33
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Political intentions, or diplomatic ones, should never be allowed to distort history”.
  • 34
    Tradução nossa. No original, em inglês: “we must remain humble toward history”.
  • 35
    Tradução nossa. No original, em inglês: “that we always continue to look into history in order for us to ponder whether there are other voices we have heretofore failed to listen to”.
  • 36
    Tradução nossa. No original, em inglês: “learn wisdom for our future”.
  • 37
    Tradução nossa. No original, em inglês: “as for what kinds of actions in concrete terms qualify or fail to qualify as ‘aggression,’ I believe we should leave that for historians to discuss”.
  • 38
    Tradução nossa. No original, em inglês: “made the seeds of conflict thrive”.
  • 39
    Tradução nossa. No original, e em inglês: “overcome its diplomatic and economic deadlock through the use of force”.
  • 40
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Incident, aggression, war – we shall never again resort to any form of the threat or use of force as a means of settling international disputes. We shall abandon colonial rule forever and respect the right of self-determination of all peoples throughout the world”.
  • 41
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Japanese, across generations, must squarely face the history of the past”.
  • 42
    Tradução nossa. No original, em inglês: “We must not allow a situation in which our children, grandchildren, and even children of the future in generations to come, who have nothing to do with that war, must continue to apologize, or let them be predestined to apologize”.
  • 43
    Tradução nossa. No original, em inglês: “generation that is alive at this moment”.
  • 44
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Japanese Legislation for Peace and Security.”
  • 45
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Japan’s post-war national security policy since it defined the situations where Japan may internationally resort to the use of force”.
  • 46
    Tradução nossa. No original, em inglês: “not fail to prepare for contingencies”.
  • 47
    Tradução nossa. No original, em inglês: “to secure the lives and peaceful daily lives of the Japanese people”.
  • 48
    Tradução nossa. No original, em inglês: “enhance our ability to prevent in advance conflicts from happening”.
  • 49
    Tradução nossa. No original, em inglês: “In a society where several rounds of apologies will be made in the most trivial circumstances, the question of how to admit responsibility for the enormities Japan committed during the war has been a vexing one”.
  • 50
    Tradução nossa. No original, em inglês: “unapologetic revisionists to high-profile posts, including at the national public broadcaster, NHK”.
  • 51
    Tradução nossa. No original, em inglês: “flowery words and talked at length, but he didn’t make clear why he was doing it”.
  • 52
    Tradução nossa. No original, em inglês: “by developing a memory of cancellation, a country removes its past relationship with fascism from the public debate”.
  • 53
    Tradução nossa. No original, em inglês: “the seeds of conflicts thrive”.
  • 54
    Tradução nossa. No original, em inglês: “self-righteous nationalism”.
  • 55
    Tradução nossa. No original, em inglês: “potentially contentious break with the previous expression of contrition by Japanese leaders”.
  • 56
    Tradução nossa. No original, em inglês: “be predestined to apologize”.
  • 57
    Tradução nossa. No original, em inglês: “other voices we have heretofore failed to listen to”.
  • 58
    Tradução nossa. No original, em inglês: “masochistic view of national history”.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Traduzido pela autora.

REFERENCES

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Parecer 1

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer 1

O artigo desenvolve uma discussão pertinente sobre o ato discursivo de expiação política baseando-se numa extensa revisão do objeto de pesquisa e propondo novas categorias para abordar o fenómeno. A revisão de literatura é atual e relevante para a análise. O enquadramento metodológico encontra-se exposto de forma clara e é adequado ao estudo. Acresce que a análise se encontra bem fundamentada com resultados importantes no quadro do tema em discussão. Consequentemente, não tenho restrições à publicação do artigo. APROVADO.

  • recomendação: revisão

Parecer 2

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer 2

O artigo encontra-se bem escrito e estruturado. Analisa um evento histórico de grande importância e é, consequentemente, muito relevante para a literatura da área. A revisão de literatura cobre os textos gerais clássicos e os trabalhos específicos sobre expiação. Infelizmente, a análise baseia-se numa tradução do japonês para o inglês. Mesmo tomando em consideração que a análise se baseou numa tradução oficial fornecida pelo Gabinete do primeiro-ministro, esta é uma importante limitação do estudo particularmente devido à distância cultural e semântica entre as línguas inglesa e japonesa. Tal limitação levanta a questão de saber se os resultados traduzem plenamente as tradições discursivas e políticas japonesas. Por outras palavras, serão os resultados precisos; será que Abe, o público japonês, ou um investigador japonês reconheceriam e validariam os resultados? Ficaria mais tranquilo se o artigo tivesse um coautor japonês e se tomasse em consideração na análise a cultura política japonesa. A literatura, por exemplo, é quase integralmente não japonesa. Todavia, a declaração em análise destina-se a uma audiência global, e particularmente asiática, e os resultados parecem plausíveis e interessantes. A discussão considerou o contexto e a receção do discurso. O artigo não traz inovações metodológicas, mas aplica de forma competente e clara o quadro teórico. Constitui uma interessante e relevante contribuição para a área. APROVADO.

  • recomendação: revisão

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2022
  • Aceito
    06 Fev 2023
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