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Governação Participativa de Terras em Moçambique: Breve Revisão do Quadro Legal e Desafios de Implementação

Resumo

O compromisso com a democracia e participação popular no desenvolvimento nacional tem sido um princípio central em todas as Constituições moçambicanas e uma diretriz consistente nas políticas e leis governamentais. Para verificar como este princípio foi materializado no setor da governação da terra, este artigo fornece uma visão geral da história recente de Moçambique e do papel reservado à terra na formação do Estado e materialização da governação democrática. O artigo conclui que mais do que qualquer outro fator, a interferência político-partidária nos assuntos públicos moldou a identidade e o desempenho do Estado moçambicano, criando o cenário para uma interação complexa entre o governo, a população local e os investidores privados, pondo em risco o grande potencial da política e da lei de terras nacionais para promover processos de desenvolvimento participativo eficazes e sustentáveis.

Palavras-chave:
Governação da terra; participação; comunidades; investimentos; desenvolvimento

Abstract

A commitment to democracy and popular participation in the national development has been a central principle in all Mozambican Constitutions and a consistent directive in government policies and laws. To test the extent to which this principle has been materialized in the land sector, this paper provides a general overview of Mozambique’s recent history and the role reserved for land in the formation of the state and in materialization of democratic governance. The paper concludes that more than any other factor, political party interference in public affairs has shaped the identity and performance of the Mozambican state, setting the stage for a complex interaction between the government, local people and private investors that has jeopardized the great potential of the national land policy and law to promote effective and sustainable participatory development processes.

Keywords:
Land governance; participation; communities; investments; development

Resumen

El compromiso con la democracia y la participación popular en el desarrollo nacional ha sido un principio central en todas las constituciones mozambiqueñas y una directriz constante en las políticas y leyes gubernamentales. Para comprobar cómo se ha materializado este principio en el sector de la tierra, este documento ofrece una visión general de la historia reciente de Mozambique y del papel reservado a la tierra en la formación del Estado y materialización de la gobernanza democrática. El artículo concluye que, más que cualquier otro factor, la injerencia de los partidos políticos en los asuntos públicos ha configurado la identidad y la actuación del Estado mozambiqueño, sentando las bases para una compleja interacción entre el gobierno, la población local y los inversores privados que ha puesto en peligro el gran potencial de la política y la legislación nacional sobre la tierra para promover procesos de desarrollo participativos eficaces y sostenibles.

Palabras-clave:
Gobernanza de la tierra; participación; comunidades; inversiones, desarrollo

I. Introdução

O poder e as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper facilmente o homem mais firme. Por isso, queremos que vivam modestamente e com o povo. Não façam da tarefa recebida um privilégio ou um meio para acumular bens ou distribuir favores.

Samora Machel, 1986

Moçambique está localizado na costa oriental da África Austral, com o oceano Índico a leste e fronteiras partilhadas com a Tanzânia, Malawi, Zâmbia, Zimbabué, Suazilândia e África do Sul e é uma ex-colônia de Portugal. Como resultado do seu sucesso em manter um clima de paz e estabilidade política desde o fim da primeira guerra civil pós-independência em 1992, Moçambique atingiu níveis impressionantes de desempenho e crescimento económico e tem sido considerado como um terreno seguro para investidores nacionais e internacionais (WORLD BANK, 2010; MACUANE et al., 2017). Desde a independência de Portugal em 1975, o compromisso formal com a democracia e a participação popular no processo de desenvolvimento nacional tem sido um princípio central em todas as Constituições moçambicanas e uma diretiva consistente nas políticas, estratégias e leis governamentais. De fato, a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) tem defendido consistentemente este princípio no seu discurso como movimento de libertação (1962-1974), como líder do estado comunista de partido único pós-independência (1975-1994), e como o partido que ganhou eleições multipartidárias sob o regime democrático desde 1994 e continua a governar o país até aos dias de hoje.

No sentido de verificar até que ponto este princípio foi materializado na prática, este artigo fornece uma visão geral da história recente de Moçambique como nação e do papel reservado à terra na formação do Estado e na materialização da governança democrática. Para este propósito, o artigo analisa como o conteúdo progressista da política e da lei de terras aprovadas em 1995 e 1997, respectivamente, foram materializados no contexto político predominante em Moçambique. Usando como referência a forma como o governo enquadrou o papel dos investidores privados e os investimentos baseados na terra, nas seções que seguem, reflete-se como isso impactou a proclamada missão do estado de proteger os direitos à terra tanto de cidadãos quanto de comunidades, bem como de promover a governança participativa da terra e o desenvolvimento rural sustentável. Uma discussão sobre os desafios no processo de implementação está incluída na seção que precede a conclusão.

A principal conclusão do artigo é que, mais do que qualquer outro fator, a interferência dos partidos políticos nos assuntos públicos moldou a identidade e o desempenho do Estado moçambicano. Isso preparou o terreno para uma interação complexa entre o governo, a população local e os investidores privados que colocou em risco o grande potencial da política e da lei fundiária nacional para promover processos de desenvolvimento participativos eficazes, justos e sustentáveis.

Essa contribuição é uma adaptação dos dois primeiros capítulos da tese de doutorado defendida pela autora em 2020, na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, com o título “Investimentos Fundiários em Moçambique”: Desafios na Proteção dos Direitos Comunitários, Participação e Partilha de Benefícios”. A tese baseou-se substancialmente na experiência da autora como advogada ambiental e no seu trabalho empírico como defensora do interesse público em questões de terra e recursos naturais em Moçambique ao longo dos últimos 17 anos. Como Diretora Geral do Centro Terra Viva (CTV)1 1 - O CTV é uma organização não governamental multidisciplinar dedicada à pesquisa e à advocacia ambiental, criada em 2002 (www.ctv.org.mz /Centro Terra Viva - Estudos e Advocacia Ambiental). , de 2002 a 2015, e como Consultora Jurídica Sénior desde 2016 até à data, a autora seguiu diferentes processos relacionados com a terra, tanto a nível central como local em todo o país e liderou o apoio jurídico do CTV às comunidades afetadas pelos projetos descritos neste artigo. A autora promoveu e participou em debates políticos e processos de formulação de políticas/leis, seguiu projetos de investimento fundiário de larga escala, bem como projetos de gestão comunitária dos recursos naturais (Community-Based Natural Resource Management - CBNRM), o que ajudou a obter uma visão dos desafios enfrentados pelo setor ambiental em geral, e pelo setor de gestão e administração fundiária em particular.

II. O papel da terra na formação e consolidação do Estado moçambicano e na estratégia de investimento do país

Para o governo moçambicano, a promoção de investimentos, especialmente investimentos estrangeiros diretos (IED), foi vista como a melhor forma de acelerar o desenvolvimento e assegurar fundos para reconstruir a rede de infraestruturas sociais e económicas destruídas pela guerra civil do país, que durou 16 anos, de 1976 a 1992 (GOM, 2000, 2005, 2009, 2015).

Do mesmo modo, apesar das mudanças de regime económico vividas pelo país desde a independência (socialismo de 1975 a 1990 e capitalismo a partir de 1990), em teoria o governo moçambicano manteve uma política de desenvolvimento consistente centrada no povo (GOM, 1975, 1990, 2004). Pelo menos em teoria, esta política deu destaque à responsabilidade do Estado em proteger os cidadãos e os direitos das comunidades locais (GOM, 1995). Neste contexto, a responsabilidade do estado de proteger os cidadãos e os direitos das comunidades locais à terra, particularmente no contexto da promoção do investimento baseado na terra, mereceu especial atenção na Política Nacional de Terras (PNL) de 1995 (GOM, 1995) através da exigência obrigatória de tanto o governo como as empresas consultarem as comunidades locais para obterem o seu consentimento e negociarem situações mutuamente benéficas quando pretenderem utilizar a sua terra e outros recursos. O seguinte objetivo político pode ser encontrado na PNL de 1995:

Assegurar os direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros recursos naturais, assim como promover o investimento e o uso sustentável e equitativo destes recursos. (GOM, 1995)

Para materializar a diretiva da PNL, seguiu-se um processo participativo em 1995 e 1996 (TANNER, 2002TANNER, C. Law-Making in an African Context: The 1997 Mozambican Land Law. FAO Legal Paper Online 26, 2002. Retrieved from http://www.sarpn.org.za/CountryPovertyPapers/Mozambique/Legal/tanner.php
http://www.sarpn.org.za/CountryPovertyPa...
) que culminou com a aprovação da Lei de Terras de 1997, ainda hoje em vigor. O processo de revisão da Lei de Terras é em si mesmo considerado emblemático devido à abordagem altamente consultiva adotada e ao envolvimento e liderança substanciais tanto do governo como das organizações da sociedade civil, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (NEGRÃO, 2000NEGRÃO. A Indispensável Terra Africana para o Aumento da Riqueza dos Pobres, 2000. Retrieved from https://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/179.pdf
https://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficin...
). Este processo foi descrito por Turner (2010), que na altura serviu como Conselheiro Técnico Superior da FAO em Moçambique:

O desenvolvimento da própria Lei de Terras foi uma grande conquista, não só porque forneceu uma solução inovadora e viável para problemas muito complexos, mas também porque foi desenvolvida através de um exercício participativo que incluiu a sociedade civil, acadêmicos e todos os ministérios e setores com interesse ou papel na gestão de terras e recursos. Teve, e ainda tem, amplo apoio em todo o país, especialmente entre aqueles que promovem o desenvolvimento local, baseado na comunidade e que esperam que o Estado respeite e proteja os direitos básicos de seus cidadãos (p. 121).

Além disso, orientações para os processos de desenvolvimento nacional, incluindo para o investimento estrangeiro, foram também fornecidas em várias disposições da Constituição da República, conforme transcritas na Tabela I.

Tabela I.:
Organização econômica nacional de Moçambique

Até recentemente, Moçambique era considerado também uma história de sucesso no continente africano devido a promoção da democracia e de um desenvolvimento económico rápido e estável (WORLD BANK, 2010; USAID, 2011), com legislação de terras progressista e integrando princípios de boa governação (MOYO, 2010MOYO, S. Land Reform, Small Scale Farming and Poverty Eradication: Lessons from Africa. AISA Policy Brief 21, 2010.; CABRAL; NORFOLK, 2016CABRAL, L.; NORFOLK, S. Inclusive Land Governance in Mozambique: Good Law, Bad Politics? Institute of Development Studies (IDS) Working Paper 478, 2016.). De fato, uma revisão combinada das disposições constitucionais e de diferentes instrumentos legais empreendida para esta pesquisa, particularmente da legislação sobre terras e recursos naturais, daria ao leitor uma visão de um processo de desenvolvimento nacional orientado para a eliminação da pobreza através da melhoria das condições de vida de todos os cidadãos, com a participação dos mesmos na utilização sustentável dos recursos naturais do país. Neste contexto, a propriedade estatal sobre a terra e todos os outros recursos naturais foi constitucionalmente adoptada para o benefício e em nome de todos os cidadãos moçambicanos (GOM, 1975, 1990, 2004). Além disso, Moçambique tem sido considerado um caso exemplar de um país com uma política progressista e um quadro legal que contém disposições para que as comunidades locais beneficiem dos investimentos baseados na terra. A Lei de Terras de 1997 foi descrita como uma das melhores em África (WILY, 2011WILY, L. A. The Law is to Blame: The Vulnerable Status of Common Property Rights in Sub-Saharan Africa. Development and Change, v. 42, v. 3, p. 733-757, 2011.; MCAUSLAN, 2013MCAUSLAN, P. Land Law Reform in Eastern Africa: Traditional or Transformative? A Critical Review of 50 Years of Land Law Reform in Eastern Africa 1961-2011. Abingdon, UK: Routledge, 2013.; TANNER, 2002TANNER, C. Law-Making in an African Context: The 1997 Mozambican Land Law. FAO Legal Paper Online 26, 2002. Retrieved from http://www.sarpn.org.za/CountryPovertyPapers/Mozambique/Legal/tanner.php
http://www.sarpn.org.za/CountryPovertyPa...
; NORFOLK; TANNER, 2007; BICCHIERI, 2014; TANNER, 2017).

Esta avaliação positiva do quadro jurídico do país deve-se geralmente a disposições sobre: (1) consultas comunitárias destinadas a proteger os direitos comunitários e a assegurar a sua inclusão política e econômica; (2) parcerias entre comunidades e o setor privado destinadas a permitir a utilização da terra rural por atores externos, mantendo os direitos comunitários e promovendo benefícios mútuos; (3) pluralismo jurídico e institucional destinado a integrar normas consuetudinárias e líderes tradicionais na gestão dos recursos naturais e a permitir uma gestão da terra e dos recursos naturais baseada na comunidade, e; (4) investimentos sustentáveis públicos e privados baseados na terra que respeitem os direitos e interesses da comunidade e promovam o desenvolvimento rural sustentável.

Apesar deste quadro político e jurídico, contudo, os projetos de investimento fundiário, tanto nacionais como estrangeiros, públicos ou privados, têm estado cada vez mais envolvidos em conflitos e tensões com cidadãos e comunidades locais, tanto em zonas rurais como urbanas (MOSCA; SELEMANE, 2012MOSCA, J; SELEMANE, T. Mega-Projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza: O Caso de Tete. In. Desafios Para Moçambique 2012. Maputo: IESE, 2012.; CTV, 2018; MOSCA et al., 2014; OMR, 2015; CABRAL; NORFOLK, 2016CABRAL, L.; NORFOLK, S. Inclusive Land Governance in Mozambique: Good Law, Bad Politics? Institute of Development Studies (IDS) Working Paper 478, 2016.). Em investimentos tanto públicos quanto privados, os investidores geralmente não consultaram as comunidades locais e não respeitaram os seus direitos fundiários (CABRAL; NORFOLK, 2016). Verificou-se também que estes desencadearam muitas vezes deslocamentos e reassentamentos involuntários injustificados, não partilhando equitativamente quaisquer benefícios económicos tangíveis com as populações locais e não dando contribuições visíveis para o desenvolvimento local (IESE, 2012, 2015). Por estas razões, os investimentos baseados na terra neste país são vistos mais como manobras de usurpação da terra do que como oportunidades de desenvolvimento (OMR, 2014; IESE, 2012, 2013, 2015; ASCUT, 2017). Moçambique é assim frequentemente mencionado em debates sobre apropriação de terras e colocado no topo da lista de países onde empresas estrangeiras e elites nacionais estão a adquirir grandes extensões de terra em áreas rurais, colocando em situações de risco os cidadãos nacionais e comunidades locais (HANLON, 2010HANLON, J. Mozambique’s Elite: Finding its Way In a Globalised World and Returning to Old Development Models, 2010. Retrieved from: www.lse.org/Internationaldevelopment/research/crisisStates
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; MILGROOM, 2013MILGROOM, J. Policy Processes of Land Grab: Enactment, Context and Misalignment in Massingir, Moçambique. LDPI Working Paper 34, 2013.; ILC 2010; COTULA et al., 2009COTULA, L.; VERMEULEN, S.; LEONARD, R.; KEELEY, J. Land Grab or Development Opportunity? Agricultural Investment and International Land Deals in Africa. London/Rome: IIED/FAO/IFAD, 2009.; NHANTUMBO; SALOMÃO, 2010NHANTUMBO, I.; SALOMÃO, A. Biofuels, Land Access and Rural Livelihoods in Mozambique. London, IIED Working Papers, 2010.).

Os analistas do setor fundiário de Moçambique, da academia, da sociedade civil, e mesmo do governo, concordam com estas reivindicações e afirmam que, apesar do quadro legal favorável e das políticas centradas nas pessoas, os direitos das comunidades locais ao acesso, ocupação e utilização da terra e outros recursos naturais têm sido cada vez mais ameaçados, com as comunidades marginalizadas dos processos decisórios relevantes relacionados com a terra e também deixadas para trás em oportunidades econômicas e de partilha de benefícios (NEGRÃO, 2002; TANNER, 2010TANNER, C. Land Rights and Enclosures: Implementing the Mozambican Land Law in Practice. In Struggle Over Land in Africa. Pretoria: HSRC and University of Pretoria, 2010.; TANNER; BICCHERI, 2014; TRINDADE; SALOMÃO, 2016TRINDADE, J.; SALOMÃO, A. Arranjos e Políticas Institucionais. In. TRINDADE, J. SALOMÃO, A. (Eds.). Avaliação da Governação de Terras em Moçambique. LGAF-Moçambique/2015-2016. Maputo: MITADER, 2016.; CABRAL; NORFOLK, 2016CABRAL, L.; NORFOLK, S. Inclusive Land Governance in Mozambique: Good Law, Bad Politics? Institute of Development Studies (IDS) Working Paper 478, 2016.; CIP, 2016).

Embora reconhecendo as imperfeições existentes na lei e que a lei pode ter de assumir uma parte da culpa (WILLY, 2011), estes analistas geralmente convergem na conclusão de que a governança da terra em Moçambique está a ser dificultada por fatores extralegais, tais como interferência das elites políticas e econômicas, corrupção e analfabetismo jurídico generalizado entre as comunidades locais, tanto nas zonas rurais como urbanas. De fato, o conteúdo atual da lei, incluindo as suas alegadas imperfeições, poderá mesmo ser um reflexo de tensões e compromissos impostos por tais fatores, daí o comentário de que esta é a lei que foi possível aprovar sob as circunstâncias sociais, políticas e económicas do país da época. Partindo do pressuposto de que a má governança dos recursos naturais decorre da forma como um “acordo político” tem sido organizado e a mobilização da renda controlada pelo partido no poder, Macuane et al. (2017) também argumentaram que:

Apesar dos crescentes investimentos em recursos naturais, o país ainda experimenta o que tem sido apelidado de “crescimento sem alterações”, com problemas de reinstalação, baixos níveis de contribuição para o PIB, e fracas ligações entre megaprojetos e outros sectores da economia. (...) Uma base fundamental do acordo político no pós-independência de Moçambique tem sido a ideologia da ‘unidade nacional’ fomentada pelo partido no poder Frelimo, que informa o apadrinhamento e o clientelismo. (p. 5-6).

III. Estratégia de investimento de Moçambique

A terra e outros recursos naturais são o maior bem sociocultural e econômico de Moçambique, tanto para os cidadãos e famílias nacionais como para o Estado. Para o Estado, os investimentos em terra têm sido vistos e tratados como catalisadores do desenvolvimento socioeconômico nacional, com potencial para dar importantes contribuições para a luta do país contra a pobreza, particularmente a pobreza rural.

Na sequência da diretiva constitucional para fazer da agricultura o principal sector econômico, o foco inicial do Estado após a independência foi organizar e impulsionar a produção agrícola tanto através de grandes explorações estatais herdadas de empresas coloniais, como através de pequenos agricultores organizados em associações de agricultores. Esta abordagem foi rapidamente abandonada como resultado das mudanças políticas ocorridas nos anos 1980 e da consequente passagem do socialismo para o capitalismo e o livre mercado. A estratégia de promoção ao investimento que se seguiu não proporcionou clareza em termos de setores prioritários, ou pelo menos em termos de ligações entre outros setores econômicos e a agricultura. Como resultado, os investimentos foram atraídos para todos os sectores econômicos e não necessariamente para o setor agrícola e muito menos para o setor da pequena agricultura familiar (MOSCA; SELEMANE, 2012MOSCA, J; SELEMANE, T. Mega-Projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza: O Caso de Tete. In. Desafios Para Moçambique 2012. Maputo: IESE, 2012.). Uma avaliação realizada pelo IESE em 2013 (IESE, 2013) mostra a tendência setorial dos investimentos aprovados no período de 1990 a 2011, conforme detalhado Tabela II.

Tabela II
Total de investimentos aprovados entre 1990 e 2011

A atração de investimento dirigida ao setor do agronegócio representou 25% neste período (IESE, 2013), mas incluiu principalmente grandes plantações florestais e reservas de caça que ocupam grandes quantidades de terra (MASSINGUE; MUIANGA, 2013MASSINGUE, N.; MUIANGA, C. Tendências e Padrões de Investimento Privado em Moçambique: Questões para Análise. In. Desafios Para Moçambique 2013. Maputo: IESE, 2013. p. 125-147.). Além disso, os investimentos na agricultura não foram direcionados para o apoio à produção alimentar de pequenas explorações agrícolas, mas sim para a agroindústria de grande escala, monoculturas de exportação como o algodão, tabaco, açúcar, caju e madeira (MOSCA; SELEMANE, 2012MOSCA, J; SELEMANE, T. Mega-Projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza: O Caso de Tete. In. Desafios Para Moçambique 2012. Maputo: IESE, 2012.; MASSINGUE; MUIANGA, 2013), e para culturas relacionadas com biocombustíveis como a cana-de-açúcar e a jatrofa (NHANTUMBO; SALOMÃO, 2010NHANTUMBO, I.; SALOMÃO, A. Biofuels, Land Access and Rural Livelihoods in Mozambique. London, IIED Working Papers, 2010.). Neste último caso, os esforços de campanha foram direcionados para mobilizar os pequenos agricultores rurais a ceder as suas terras a investidores (na sua maioria estrangeiros) interessados em plantar cana-de-açúcar e jatrofa e para convencê-los a utilizar as suas terras para plantar culturas para biocombustíveis. A campanha dos biocombustíveis resultou em um grande fracasso que fracassou em produzir os resultados esperados (NHANTUMBO; SALOMÃO, 2010), mas as terras retiradas das comunidades rurais nunca lhes foram devolvidas e as suas expectativas econômicas foram destruídas no processo. Entre 1990 e 2011, a maioria dos investimentos foi dirigida ao setor mineiro e energético, representando 29% do total dos investimentos aprovados (MASSINGUE; MUIANGA, 2013). Este setor ocupou firmemente a primeira posição ao longo da última década, durante a qual a mudança para as indústrias extrativas (mineração e hidrocarbonetos) e para os projetos de infraestruturas públicas foi substancial (CASTEL-BRANCO, 2015CASTEL-BRANCO, C. “Capitalizando” O Capitalismo Doméstico: Porosidade e Acumulação Primitiva de Capital em Moçambique. In. Desafios para Moçambique 2015. Maputo: IESE, 2015.).

A tendência dos investimentos baseados na terra no país, resumida em 2015 por Muianga (2015MUIANGA, C. Dinâmicas Actuais de Acquisição de Terra para Investimento em Moçambique: Tendências, Escala, Factores, Actores, e Questões para Análise. In. Desafios Para Moçambique 2015. Maputo: IESE, 2015.), foi baseada em dados da Land Matrix. Embora, como outros investigadores (COTULA et al., 2009COTULA, L.; VERMEULEN, S.; LEONARD, R.; KEELEY, J. Land Grab or Development Opportunity? Agricultural Investment and International Land Deals in Africa. London/Rome: IIED/FAO/IFAD, 2009.), Muianga (2015) também levante reservas sobre a confiabilidade dos dados, ele afirma que estes dados fornecem uma boa indicação da pressão sobre as terras rurais imposta pelos investidores fundiários, particularmente no que diz respeito à escala da terra, setores e atores. A Tabela III. sistematiza os dados de Muianga sobre alguns destes aspectos.

Tabela III
Principais investidores por país de origem, dimensão da terra e setor de investimento, 2004-2013

Nas três primeiras décadas após a independência do país, os investidores privados nacionais eram praticamente inexistentes. Este setor foi essencialmente ocupado por elites políticas e económicas que emergiram na fase de transição do socialismo para o capitalismo e que usaram a sua influência e ligações com o Estado apenas para garantir terras e outros recursos, posicionando-se assim estrategicamente para a próxima liberalização econômica (CASTEL-BRANCO, 2013CASTEL-BRANCO, C. Reflectindo Sobre a Acumulação, Porosidade e Industrialização em Contexto de Economia Extractiva. In. Desafios para Moçambique 2013. Maputo: IESE, 2013.).

Portanto, embora haja uma tendência para concentrar a atenção nos investidores estrangeiros, inclusive no que diz respeito aos conflitos de terra com as comunidades locais, como assinalado por Muianga (2015MUIANGA, C. Dinâmicas Actuais de Acquisição de Terra para Investimento em Moçambique: Tendências, Escala, Factores, Actores, e Questões para Análise. In. Desafios Para Moçambique 2015. Maputo: IESE, 2015.), o papel das elites e investidores nacionais, incluindo o governo, na atração e facilitação de aquisições de terra em larga escala não deve ser subestimado. Neste contexto, um relatório emitido pelo Banco Mundial (WORLD BANK, 2010) destaca o papel dos atores nacionais, indicando que 53% dos 2.670.000ha transacionados entre 2004 e 2009 em Moçambique foram atribuídos a investidores nacionais. De acordo com Muianga (2015), em muitos dos projetos listados acima na Tabela III., os investidores moçambicanos estão associados a investidores através de joint ventures.

I. Da teoria à prática: projetos de investimento e os desafios de implementação de políticas e leis de terra progressistas

Os projetos descritos abaixo foram selecionados para permitir a discussão de vários aspectos da questão da “boa governança fundiária” identificada na introdução deste artigo. Em primeiro lugar, com exceção de projetos comunitários, todos os projetos, incluindo projetos públicos, envolveram pedidos de investidores para direitos de uso da terra que se sobrepuseram e entraram em conflito com direitos pré-existentes de uso da terra comunitários. Estes projetos também envolvem expropriações, em curso ou planeadas, de direitos de uso da terra comunitários com reassentamentos involuntários econômicos e/ou físicos.

Em segundo lugar, para assegurar a diversidade e uma melhor representação dos projetos para todo o país, e para avaliar se problemas semelhantes ocorreram tanto entre setores como em regiões, foram selecionados casos de diferentes setores e que estão localizados em diferentes regiões do país. A diversidade geográfica foi também utilizada para avaliar como as normas habituais e as especificidades culturais de cada região influenciaram o formato e os resultados dos processos de envolvimento comunitário organizados pelo governo e pelos investidores, incluindo consultas comunitárias e outros mecanismos de participação comunitária. Além disso, foi também utilizada para avaliar se as estratégias e preocupações de envolvimento comunitário diferem de acordo com a sua localização geográfica e especificidades culturais, particularmente o envolvimento das mulheres. Por fim, foram selecionados projetos de diferentes sectores econômicos com o objetivo de compreender se existem diferenças e especificidades setoriais e se o peso econômico e financeiro relativo de cada setor e investidor, tais como o setor do petróleo e gás, fazem diferença tanto em termos processuais como distributivos.

Em terceiro lugar, são analisados tanto os investimentos privados e públicos, como os projetos de investimento comunitário, para avaliar se a categoria de atores que lideram os projetos se traduz em diferenças na forma como as modalidades de participação são utilizadas, na forma como as consultas comunitárias, as reuniões públicas e outros procedimentos participativos são conduzidos, e na forma como os cidadãos afetados são economicamente incluídos e partilham os benefícios. Para os propósitos do presente artigo, os projetos públicos são aqueles liderados pelo Estado e financiados por fundos públicos, mesmo que de origem estrangeira; os projetos privados referem-se a projetos liderados por empresas privadas que detêm a maioria das ações nos empreendimentos e que também cobrem a maioria dos custos financeiros, incluindo projetos que envolvem o Estado como acionista minoritário; os projetos comunitários são projetos concebidos por, com, ou para comunidades locais, mesmo quando os recursos técnicos e financeiros são fornecidos por parceiros externos tais como o governo, empresas privadas, ou organizações não governamentais. Os círculos mostrados no mapa abaixo indicam a localização geográfica do projeto.

Figure I
Localização geográfica dos projetos de investimento analisados (em círculos)

1. O Parque Nacional do Limpopo no distrito de Massingir, Província de Gaza

A riqueza do distrito de Massingir em fauna selvagem e as suas fronteiras com a África do Sul levaram ao estabelecimento do Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo em 2001, ligando o Parque Nacional Kruger e o Parque Nacional Gonarezhou do Zimbabué ao que era então uma reserva de caça oficial (Coutada 16)2 2 - O Parque foi criado em 27 de novembro de 2001, alterando a categoria e dimensões de uma antiga concessão de caça (Coutada 19) através de uma parceria entre o governo de Moçambique e os Parques da Paz (GoM, 2001). . No lado moçambicano, a reserva de caça original foi alargada para formar o Parque Nacional do Limpopo (PNL) numa área de 1.123.316ha, expandindo-se por três distritos, nomeadamente Massingir, Mabalane e Chicualacuala, na província de Gaza (GoM/MITUR, 2003). Em Massingir, o PNL cobre 40% da área do distrito, numa área que abriga cerca de 27.000 pessoas (Ibid.). A criação do LNP impôs o deslocamento forçado dos ocupantes originais das terras. Desde que a decisão foi tomada em 2003, este processo de reassentamento involuntário, ainda não foi finalizado, vem enfrentando inúmeros obstáculos sociais, técnicos e financeiros. Das oito comunidades alvo dos reassentamentos, até agora apenas três foram deslocadas em processos marcados por protestos comunitários e conflitos entre humanos e animais selvagens. Nunca foi conduzido qualquer processo de expropriação.

2. O Projeto de Game Park na Comunidade de Cubo, distrito de Massingir, Província de Gaza

A criação do Parque Nacional do Limpopo (PNL) foi promovida como uma oportunidade para as comunidades beneficiarem das receitas esperadas pelo parque e também para serem incluídas em empreendimentos econômicos através da promoção de projetos de investimento de base comunitária. Como indicado no seu Plano de Gestão (LNP, 2003), estes incluem projetos de ecoturismo comunitário. A zona tampão do PNL foi classificada como adequada tanto para projetos de ecoturismo privados como comunitários (Ibid.) e, desde o seu estabelecimento, foram aprovadas a implementação de cerca de cinco projetos de ecoturismo privados e dois projetos de ecoturismo comunitário (GoM-MAE, 2012). Um dos projetos comunitários desenvolvidos na zona tampão do PNL foi criado pela Comunidade de Cubo. Este projeto incluiu o estabelecimento de uma reserva de caça numa área de 10.000ha, o “Cubo Game Park”, bem como a construção de um alojamento comunitário. Para assegurar assistência na angariação de fundos e na gestão do projeto, a comunidade de Cubo assinou acordos de parceria com investidores privados nacionais e estrangeiros (o Projeto Moçambicano Ngeneya e as Cidades Gêmeas da África do Sul, respectivamente). Devido à forte insistência dos investidores em adquirir mais terras comunitárias, a relação entre a comunidade de Cubo e os seus parceiros foi marcada por conflitos que só terminaram após um longo e turbulento processo de mediação que durou de 2014 a 2018, desenvolvida pela ONG nacional Centro Terra Viva (CTV) a pedido das partes.

3. O Parque Nacional de Mágoè no Distrito de Mágoé, Província de Tete

Em 2013, treze anos após a criação do Parque Nacional do Limpopo (PNL), o governo moçambicano criou o Parque Nacional de Mágoè (PNM), no distrito de Mágoè localizado na província central de Tete. À semelhança do PNL, o Parque Nacional de Mágoè foi criado como parte de uma zona transfronteiriça de conservação da natureza (ZIMOZA), juntamente com o Zimbabué e a Zâmbia, com os quais partilha fronteiras. A maior área do PNM está localizada no distrito de Mágoè e as 5 localidades do distrito de Mágoè abrangidas pela extensão do Parque têm um total de 30.452 habitantes. Embora não tenha sido tomada qualquer decisão para reassentar as comunidades residentes dentro da área do parque, nunca foram conduzidos nem as consultas comunitárias e nem o processo de expropriação exigido.

4. O projeto Comunitário Tchuma Tchato no Distrito de Mágoè, Província de Tete

O Programa Comunitário Tchuma Tchato (PTT) de 1995 foi o primeiro projeto de gestão de recursos naturais baseado na comunidade (CBNRM) estabelecido em Moçambique (GOM, 1995). Este projeto foi promovido pelo governo, na mesma área que foi agora ocupada pelo Parque Nacional de Mágoè. Este projeto começou numa área de aproximadamente 200.000 hectares, e o seu surgimento aconteceu fundamentalmente devido à necessidade de resolver conflitos entre as comunidades locais e os operadores privados de safari. As comunidades locais reivindicavam não estarem a beneficiar dessas operações. Sendo assim, o projeto visava reduzir tais conflitos através da promoção da conservação dos recursos naturais com o envolvimento dessas comunidades, assegurando também que os benefícios derivados da exploração privada dos recursos naturais seriam acumulados pelas comunidades locais de uma forma substancial. De 1995 a 2010, o projeto foi tecnicamente apoiado pelo governo e financeiramente pela Fundação Ford e foi aprovado um esquema de distribuição de receitas entre comunidades locais, governos distritais, provinciais e centrais. Devido a desacordos sobre a equidade na partilha de receitas entre as comunidades locais, por um lado, e os governos provincial e central, por outro, o projeto Tchuma Tchato foi unilateralmente cancelado pelo governo central através da criação do Parque Nacional de Mágoè. O argumento avançado pelo governo foi que as comunidades estavam a receber grandes quantidades de fundos que não sabiam como gerir e que eram substancialmente mais elevados do que aqueles recebidos pelo governo.

5. Projeto de Gás Natural Liquefeito da TOTAL (ex-Anadarko) no distrito de Palma, Província de Cabo Delgado

Em 2010, a empresa privada americana Anadarko confirmou a existência de reservas substanciais de gás natural na bacia do rio Rovuma, localizada na parte norte de Moçambique. A Península de Afungi, no distrito de Palma, foi escolhida para abrigar as infraestruturas necessárias ao processamento e exportação de gás natural liquefeito, alegadamente devido à sua baixa densidade populacional e riscos ambientais. No entanto, vivem na Península de Afungi 12 comunidades locais. O projecto da Anardarko tem um impacto direto nas terras ocupadas por 4 comunidades, nomeadamente Quitupo, Maganja, Senga, e Patacua. A maior destas comunidades, Quitupo, com cerca de 2750 habitantes em 2012, foi alvo de reassentamentos tanto físicos como econômicos. Em 2012, o governo concedeu direitos de uso da terra ao projeto da Anadarko, que correspondia a mais de 7000ha da terra de Quitupo, através de um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) emitido em nome de uma subsidiária da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), a Rovuma Basin LNG Land (RBLL). Isso aconteceu, sem que o governo consultasse as comunidades afetadas, nem delimitasse a área da comunidade e sequer conduzisse o processo de expropriação de direitos de terra legalmente obrigatório. Depois disto, a Anadarko assinou um contrato de arrendamento de terra com a RBLL, adquirindo assim direitos exclusivos de acesso e utilização sobre as terras acima mencionadas. Espera-se que a comunidade Quitupo seja transferida para uma comunidade de reassentamento a ser construída em uma terra (Quitunda) pertencente à comunidade vizinha de Senga. O Plano de Reassentamento de Afungi (PRA) foi aprovado em dezembro de 2016 e a construção da comunidade de reassentamento foi iniciada em 2018. Previa-se que as primeiras famílias fossem deslocadas no início de 2019. Devido à ilegalidade do processo de DUAT, a pedido do CTV, em 2016 a Ordem dos Advogados de Moçambique apresentou um processo judicial contra o Estado moçambicano em nome das comunidades de Afungi, contestando a legalidade do DUAT do projeto. Em 2019, o tribunal administrativo decidiu manter a ilegalidade alegando que as comunidades estavam contentes com o dinheiro da indenização paga pela empresa.

6. O Projeto da ponte e autoestrada Maputo-Katembe na cidade de Maputo

Em 2010, o Governo de Moçambique (GoM) aprovou um projeto de infraestrutura, financiado pelo governo da China, que compreende a construção de uma estrada circular de mais de 200 quilômetros em torno de Maputo, da ponte Maputo-Katembe que liga a capital de Moçambique (Maputo) à cidade de Katembe através da baía de Maputo, e de uma estrada que tem início no extremo sul da ponte e vai até à África do Sul através do distrito costeiro de Matutuine, onde se situa a Reserva Marinha da Ponta do Ouro. Tanto a ponte, como a autoestrada impuseram o reassentamento involuntário de numerosas famílias que residiam em bairros formais e informais da cidade de Maputo. A ponte Maputo-Katembe, em particular, exigiu o reassentamento de aproximadamente 1200 famílias de três bairros periféricos, nomeadamente Malanga, Luis Cabral, e Gwachene. A ponte foi inaugurada em dezembro de 2018. Enquanto algumas famílias estão satisfeitas com as novas condições que têm nos locais de realojamento, outras famílias queixam-se da forma como os pacotes de compensação foram concebidos e a sua remoção foi realizada, queixando-se também da falta de infraestruturas sociais e de oportunidades de subsistência nos novos locais.

IV. Discussão

As seções anteriores mostram que o interesse legítimo de Moçambique em atrair investimentos se materializou de uma forma que não honrou a reputação conquistada pela sua política e enquadramento legal, especialmente no que diz respeito à responsabilidade do governo em proteger os direitos das comunidades rurais e peri-urbanas. A realidade das comunidades rurais e cidadãos mal preparados é acentuada pelo fraco interesse e rigor do governo na proteção dos direitos das comunidades, pelo zoneamento e planeamento territorial deficientes, particularmente à nível distrital, uma vez que até agora nenhum PDUT (Plano Distrital de Uso da Terra) foi publicado no jornal oficial nacional (e, por conseguinte, são juridicamente inexistentes). A falta de empenho dos investidores privados na boa governança através do respeito tanto das normas processuais como da distribuição equitativa dos benefícios deve também ser acrescentada a estes fatores. Como resultado, apesar do quadro legal progressista de Moçambique, a procura de grandes áreas de terra para projetos econômicos, mas também para a expansão ou criação de áreas urbanas desencadeadas por tais projetos, criou espaço para conflitos entre comunidades locais e o governo; conflitos entre comunidades locais e investidores; e conflitos entre comunidades locais, governo e investidores em conjunto (NHANTUMBO; SALOMÃO, 2010NHANTUMBO, I.; SALOMÃO, A. Biofuels, Land Access and Rural Livelihoods in Mozambique. London, IIED Working Papers, 2010.; MOSCA; SELEMANE, 2012MOSCA, J; SELEMANE, T. Mega-Projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza: O Caso de Tete. In. Desafios Para Moçambique 2012. Maputo: IESE, 2012.; HRW, 2013). Os conflitos inter e intra-setoriais, dentro e entre instituições governamentais, também são notórios (NHANTUMBO; SALOMÃO, 2010).

Além disso, a ocorrência crescente nas últimas décadas de reassentamentos involuntários econômicos e físicos das comunidades locais para dar lugar a investimentos públicos e privados, deu origem a protestos sociais, exacerbando tensões e conflitos entre todos esses atores (HRW, 2013; ICM, 2016; MOSCA; SELEMANE, 2012MOSCA, J; SELEMANE, T. Mega-Projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza: O Caso de Tete. In. Desafios Para Moçambique 2012. Maputo: IESE, 2012.; UNAC, 2014; OMR, 2015). De fato, a promoção do investimento governamental em Moçambique colocou este país na rota da corrida global, com os agentes governamentais a assumirem frequentemente a liderança neste processo. Apesar da justificativa declarada para a manutenção do princípio da propriedade estatal sobre a terra - garantindo que os direitos dos moçambicanos são protegidos - as campanhas de investimento e a atribuição de terras aos investidores nem sempre tem sido conduzida de forma a dar prioridade à proteção dos direitos de terra locais ou à busca do interesse público definido em termos do que é melhor para “o público”: o povo de Moçambique.

LANDESA sublinhou os pontos acima num estudo de 2011 quando concluiu que “a maioria destas aquisições de terras agrícolas estão a ocorrer em países de baixo e médio rendimento, frequentemente em locais onde os direitos de propriedade da terra são fracos, pouco claros e mal governados - criando enormes riscos para as pessoas pobres, investidores e governos” (LANDESA, 2011). Referindo-se a Moçambique e Madagascar, LANDESA (2011) também afirmou que estes países tinham recebido pedidos de investidores para mais de metade da sua área total de terra cultivável.

Assim, embora tais pedidos possam não ter sido todos respondidos positivamente, a corrida pelas terras em Moçambique criou uma espécie de situação de “ocidente selvagem” em que os agentes governamentais e os que lhes são próximos podem manipular o princípio da propriedade estatal a seu favor, enquanto as fracas agências de administração de terras não conseguem implementar eficazmente mesmo as salvaguardas que existem na legislação de terras (MOSCA; SELEMANE, 201). Consequentemente, Moçambique é também conhecido por ser um dos principais alvos da apropriação global de terras (GRAIN, 2008; ILC, 2010; WORLD BANK, 2010; LANDESA, 2011; UNAC, 2014).

Neste contexto, em uma avaliação recente do quadro legal para investimentos em terra em Moçambique (CABRAL; NORFOLK, 2016CABRAL, L.; NORFOLK, S. Inclusive Land Governance in Mozambique: Good Law, Bad Politics? Institute of Development Studies (IDS) Working Paper 478, 2016.) concluíram que:

A capacidade de proteger os direitos de terra legalmente adquiridos das comunidades rurais tem sido ainda mais desafiada pelo aumento da demanda por terra que tem acompanhado o desenvolvimento econômico de Moçambique e, até recentemente, os grandes influxos de IED atraídos para o país por dotações de recursos naturais, incentivos de preços e o desenvolvimento de zonas econômicas especiais e corredores de crescimento. Num contexto de uma estrutura de governança frágil, isto resultou na ocupação ilegal da terra e no conflito generalizado com a população local. (p. 45)

Outra avaliação recente da governança da terra de Moçambique (TRINDADE; SALOMÃO, 2016TRINDADE, J.; SALOMÃO, A. Arranjos e Políticas Institucionais. In. TRINDADE, J. SALOMÃO, A. (Eds.). Avaliação da Governação de Terras em Moçambique. LGAF-Moçambique/2015-2016. Maputo: MITADER, 2016.) indica que os agentes governamentais optaram por subverter deliberadamente o princípio da propriedade estatal sobre a terra e contornar os procedimentos legais destinados a beneficiar os cidadãos nacionais e a servir os interesses nacionais. Esta avaliação mostra que o princípio da propriedade estatal, combinado com o argumento da necessidade de combater a pobreza, tem sido utilizado para justificar a atribuição de direitos de uso da terra a investidores sobre terras comunitárias, tanto em áreas rurais como urbanas, ignorando procedimentos obrigatórios impostos não só pela Constituição, mas também pela legislação sobre terras e planeamento territorial. No contexto dos investimentos baseados na terra, esta avaliação indicou que tanto o governo central como os governos distritais estão particularmente falhando em assegurar a observância dos seguintes procedimentos impostos por lei na ordem legalmente prescrita, como se segue:

  1. Delimitação prévia de terras comunitárias sobre as quais há interesse em investimentos econômicos públicos ou privados;

  2. Declaração formal de interesse público antes de qualquer procedimento de atribuição de terras;

  3. Consulta e negociação com as comunidades locais que ocupam as terras de interesse para projetos públicos e privados;

  4. Negociação prévia e pagamento de compensação justa aos cidadãos e comunidades afetadas antes de extinguir os direitos de utilização de terras pré-existentes;

  5. Declaração formal de extinção dos direitos de uso da terra individuais e coletivos pré-existentes;

  6. Zoneamento territorial e categorização dos terrenos previstos pelos projetos, e emissão de novos DUATs ou licenças especiais, dependendo da categoria do terreno em questão;

Este relatório (TRINDADE; SALOMÃO, 2016TRINDADE, J.; SALOMÃO, A. Arranjos e Políticas Institucionais. In. TRINDADE, J. SALOMÃO, A. (Eds.). Avaliação da Governação de Terras em Moçambique. LGAF-Moçambique/2015-2016. Maputo: MITADER, 2016.) salienta a importância da identificação, declaração e demarcação de áreas de domínio público, em consulta com as comunidades locais e com respeito pelos direitos dos cidadãos, tal como também é imposto pela Constituição.

Uma revisão atualizada sobre o impacto da estratégia de investimento de Moçambique, particularmente nos direitos dos cidadãos, foi publicada por Wise (2016WISE, T. Land Grab Update: Mozambique, Africa Still in the Crosshairs. GDAE Globalization Commentaries, 2016.), revelando que o governo moçambicano continua empenhado em dar boas terras a investidores estrangeiros, apesar da persistente resistência das comunidades afetadas que, segundo ele, poderá ter levado ao nível considerável de fracasso de tais projetos. Com base em dados da Land Matrix, Wise (2016) afirma:

Em 2012, Moçambique foi o segundo alvo mais importante do mundo, com quase 8 milhões de hectares em negócios agrícolas reportados. Agora, a Land Matrix enumera apenas 500.000 hectares em 65 acordos agrícolas concluídos. Dos projetos atuais, nove, em quase 100.000 hectares, estão listados como “abandonados”, em sua maioria projetos de biocombustível. Os dados sobre a área atualmente em produção são mais escassos, mas a Land Matrix só pôde confirmar 21.000 hectares em produção. Os projetos de grande escala têm tido mais sucesso na silvicultura e no turismo, com quase dois milhões de hectares em negócios concluídos. E as concessões mineiras continuam a deslocar ou a ameaçar milhares de moçambicanos à medida que o boom mineral continua. (para. 16)

De fato, o boom da exploração mineral e dos hidrocarbonetos continua ainda hoje em Moçambique, com uma exibição contínua dos mesmos problemas sociais e de desordem setorial mencionados neste documento.

VI. Conclusão

Em princípio, o quadro político e jurídico discutido acima, e os vários princípios constitucionais em que se baseia, proporcionam uma boa plataforma para promover o tipo de modelo de desenvolvimento democrático e participativo que o Estado moçambicano tem vindo a abraçar desde os seus primeiros momentos. Fornece também mecanismos claros que devem assegurar um processo equitativo de novos investimentos, que salvaguarda os interesses da população local e gera benefícios reais que devem melhorar a sua subsistência e qualidade de vida. No entanto, como os projetos selecionados ajudam a explicar, Moçambique tornou-se um sinônimo internacional de usurpação de terras e de desconsideração de normas e princípios legais. O papel do Estado e, o que, e quem é o Estado são aqui fundamentais, e fornecem possíveis explicações sobre as razões pelas quais o governo (no seu papel de representante do Estado) não cumpriu a sua parte da tarefa.

Tanto a estrutura constitucional como os fundamentos filosóficos do governo da FRELIMO, enfatizam a noção de que a terra e os recursos naturais devem permanecer propriedade do Estado a fim de assegurar a proteção dos direitos dos cidadãos de acesso e utilização da terra, e que a terra e os recursos naturais devem ser utilizados para o ‘interesse público’ (ou seja, para o desenvolvimento nacional). No entanto, a discussão acima referida mostra como a rápida transição de uma abordagem de inspiração socialista para uma ‘governança democrática’ e um sistema de mercado livre, embora ainda sobrecarregado com a arquitetura institucional e ideologia do regime anterior, criou tensões entre a agenda centrada no povo, que está implícita no quadro político e jurídico progressista para a terra desenvolvido nos anos 1990, e a agenda neoliberal/capitalista que é agora fortemente abraçada pela FRELIMO e pelas elites nacionais.

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  • 1
    - O CTV é uma organização não governamental multidisciplinar dedicada à pesquisa e à advocacia ambiental, criada em 2002 (www.ctv.org.mz /Centro Terra Viva - Estudos e Advocacia Ambiental).
  • 2
    - O Parque foi criado em 27 de novembro de 2001, alterando a categoria e dimensões de uma antiga concessão de caça (Coutada 19) através de uma parceria entre o governo de Moçambique e os Parques da Paz (GoM, 2001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2021
  • Aceito
    06 Set 2021
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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