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CÂNONE(S), GLOBALIZAÇÃO E HISTORIOGRAFIA DA ARTE

CANON(S), GLOBALIZATION AND ART HISTORIOGRAPHY

CANON (CÁNONES), GLOBALIZACIÓN Y HISTORIOGRAFÍA DEL ARTE

RESUMO

O texto volta-se para a noção de cânone, de modo a problematizar a narrativa historiográfica da arte e os impasses teórico-metodológicos frente à existência e à consolidação de outras histórias à margem ou incorporadas a essa narrativa. Ao aproximar-se da discussão em âmbito internacional, tendo o Ocidente como articulador de tal questionamento, seu objetivo é confrontar esses pontos com o estudo da historiografia da arte no Brasil. Em um primeiro momento, o termo “cânone” é submetido a uma revisão, para, em seguida, relacioná-lo à “história da arte global” e, por fim, levantar-se alguns pontos a serem considerados numa perspectiva Brasil .

Cânone; História da arte global; Historiografia da arte no Brasil

ABSTRACT

The text turns to the notion of canon, in order to problematize the historiographical narrative of art and the theoretical-methodological impasses in face of the existence and consolidation of other histories/stories on the margins or incorporated into this narrative. When approaching the discussion at an international level, with the West as the articulator of such questioning, its objective is to confront these points with the study of the historiography of Art in Brazil. At first, the term “canon” is submitted to a review, to then relate it to the “Global Art History” and, finally, to raise some points to be considered in a Brazil perspective.

Canon; Global Art History; Art Historiography in Brazil

RESUMEN

El texto se vuelve a la noción de canon, con los fines de problematizar la narrativa historiográfica del arte y los impasses teórico-metodológicos delante de la existencia y la consolidación de otras historias a la margen o incorporadas a esa narrativa. Al acercarse de la discusión en ámbito internacional, con el Occidente como articulador de tal cuestionamiento, su objetivo es confrontar eses puntos con el estudio de la historiografía del arte en Brasil. En un primer momento, el termo “canon” es sometido a una revisión, para después relacionarlo a la “historia del arte global” y, finalmente, levantarse algunos puntos que serán analizados en una perspectiva Brasil .

Canon; Historia del arte global; Historiografía del arte en Brasil

Este texto parte da pesquisa “Historiografia da Arte no Brasil: textos fundamentais para outra prática futura”, cujas linhas gerais foram apresentadas em artigo anterior1 1 . O projeto de pesquisa, iniciado no segundo semestre de 2020, está cadastrado na Escola de Belas Artes da UFRJ e conta, no momento, com a participação de um bolsista de iniciação científica – PIBIC. No 40º Colóquio do CBHA, realizado em 2020, a investigação em andamento foi apresentada e o texto estará disponível nos Anais do evento. Durante a comunicação, Roberto Conduru, a quem agradeço, me fez algumas importantes observações e provocações, que serviram como disparadores para a continuidade das reflexões. . Não se pretende aqui centrar a análise apenas no contexto brasileiro, mas voltar-se para a problemática do cânone, termo muitas vezes empregado em abordagens da “nova história da arte”2 2 . O termo “nova história da arte” (e seu contexto) foi analisado por Rafael Cardoso. Cf.: CARDOSO (2009). e da “história da arte global”, de modo a evidenciar aspectos discursivos da narrativa historiográfica produzida no âmbito da disciplina e os impasses teórico-metodológicos frente à existência e à consolidação de outras histórias à margem ou incorporadas a essa narrativa. Ao aproximar-se da discussão em âmbito internacional, tendo o Ocidente como articulador de tal questionamento, na sequência, busca-se confrontar esses pontos com o estudo da historiografia da arte no país, a partir de uma perspectiva Brasil 3 3 . Em referência ao texto “Brasil/Brasis”, de Paulo Herkenhoff, no qual o autor evidencia que “Um ‘Brasil’ acaba sendo um ponto de vista, do qual se olha o mundo” (HERKENHOFF, 2001, p. 359). .

“Cânone” é uma palavra comum nos estudos da história da arte e no ensino artístico, articulado ao contexto das representações. O termo, que também possui acepções jurídica e religiosa, tem sua origem na palavra grega kánon , que designava uma haste de junco utilizada como régua para medição. Por extensão, na variação em latim canon , passou a se referir a um paradigma, um princípio geral, por meio do qual inferem-se regras específicas. Norma, padrão, preceito são seus sinônimos, definindo referências modelares. Por sua vez, canonização é o processo sistêmico em que aspectos específicos se inserem no conjunto dos modelos a serem seguidos, e por meio do qual instituem-se artistas e obras compreendidas como exemplares em determinado campo (no caso da arte, abrange escolas, museus, colecionismo, mercado, produção discursiva, memória social etc.). É pertinente, então, pensar a própria narrativa da história da arte, sua historiografia, como cânone constituído.

A história da arte enquanto disciplina enraizada na história cultural ocidental – e sua influência sobre territórios colonizados – opera por meio da distinção, interpretação e legitimação da arte predominantemente localizada no Ocidente, tendendo a ignorar aquilo que é produzido no restante do mundo ou está fora de suas instituições, uma vez que procura selecionar apenas o que pode ser incluído em sua estrutura narrativa, sem que a primazia do regime estético ocidental seja verdadeiramente comprometida4 4 . Arthur C. Danto analisa como o conceito “arte” se modificou no decorrer do tempo, incorporando aquilo que estava fora de sua abrangência, sem excluir o que já estava dentro. Cf.: DANTO (2006). . Mesmo que processos de inclusão sejam cada vez mais recorrentes nas últimas décadas, objetivando assinalar e reverter as práticas de exclusão identificadas na disciplina, em geral, trata-se de uma estratégia insuficiente, que não deveria ser pensada ou realizada sem levar-se em conta aquilo que discursivamente a sustenta.

Gregor Langfeld, docente da Faculdade de Humanidades da Universidade de Amsterdam, tem se dedicado ao estudo dos cânones e dos processos de canonização na história da arte, reforçando que aquilo que se torna canônico pretende-se permanente, independentemente de sua validade em um contexto regional, espacial ou temporal. Segundo o autor,

A hierarquia institucionalizada de artistas e estilos, “repetida” e aceita como algo evidente, alimenta continuamente a sociedade. Por essa razão, é importante estarmos conscientes dos processos de canonização que levaram e ainda levam alguns artistas a serem incluídos no cânone, e assim a entrarem para a história, e outros a serem excluídos. As referências frequentes aqui a “cânone” no singular não devem, é claro, eliminar a possibilidade de que também possa haver cânones, por exemplo, de formas específicas de arte, períodos, regiões, nações ou grupos sociais particulares. Não se deve, entretanto, perder de vista o fato de que o cânone da era moderna, expresso nas coleções de grandes e influentes museus de arte, nos livros didáticos, nos preços de mercado da arte e assim por diante, é relativamente homogêneo. Nesse sentido, há um amplo consenso sobre quais obras de arte, artistas e movimentos devem ser considerados canônicos em um determinado momento. ( LANGFELD, 2018LANGFELD, Gregor. The Canon in Art History: Concepts and Approaches. Journal of Art Historiography , n. 19, dec. 2018, pp. 1-18. Disponível em: https://arthistoriography.files.wordpress.com/2018/11/langfeld.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.
https://arthistoriography.files.wordpres...
, p. 1)5 5 . Tradução livre do original: “The institutionalised hierarchy of artists and styles is continually fed to society; it is ‘parroted’ out and accepted as something self-evident. For that reason alone, it is important to remain conscious of the canonisation processes that led and still lead to some artists being included in the canon and entering history and others being excluded. The frequent references here to ‘canon’ in the singular should not, of course, rule out the possibility that there can also be canons, for example, of specific forms of art, periods, regions, nations or particular social groups. One should not, however, lose sight of the fact that the canon of the modern era, as expressed in the collections of large, influential art museums, in textbooks, in market prices for art and so on, is relatively homogenous. In this sense, there is largely agreement about which works of art, artists and movements should be regarded as canonical at a given point in time.”

Segundo Langfeld, o estudo desse processo costuma evidenciar uma oposição: de um lado, a ênfase sobre a problemática da qualidade estética como princípio, constituindo-se como paradigma universal (cânone) nas análises da produção artística e de sua recepção; por outro, o entendimento de que critérios variam conforme o contexto social (temporal, geográfico, cultural), não havendo abrangência que sustente a determinação de um único cânone, uma vez que quanto mais um critério pretensamente universal se expande, abarcando diferentes produções artísticas, mais ele se altera sob influência de aspectos políticos e ideológicos. Recorrente nas duas abordagens, no entanto, é a consciência de que processos de canonização envolvem decisões específicas de indivíduos que tendem a se autolegitimar quando legitimam suas escolhas, dimensão inerente e muitas vezes escamoteada no próprio caráter sacralizante das narrativas. Sendo assim, examinando-se a canonização como processo histórico e social, é possível afirmar que: 1. o cânone, no singular, nunca foi ou é um consenso e sua maior ou menor visibilidade e persistência depende de sua capacidade para apagar ou minimizar as divergências nos contextos em que atua; 2. historiadores e historiadoras da arte contribuíram e continuam a contribuir para a legitimação em arte e na história da arte.

Desde os anos 1970, teóricas feministas têm enfrentado e contribuído para este debate, que posteriormente se ampliou com as teorias queer , pós-coloniais e os estudos culturais. O esforço mais recente, do ponto de vista disciplinar, encontra-se na constituição de uma “história da arte global”, ou “transnacional”, em consonância com as grandes exposições internacionais, sobretudo Bienais e Documentas, nas quais há a presença cada vez maior de artistas provenientes de diferentes locais, em torno de um paradigma globalizante. Essa amplitude no campo contemporâneo de arte “não deve, no entanto, obscurecer o fato de que as histórias da arte global e as perspectivas transnacionais também são construções totalmente ocidentais, compreensíveis e persuasivas somente para aqueles que já estão incluídos nessa linha da história da arte do Atlântico Norte” ( LANGFELD, 2018LANGFELD, Gregor. The Canon in Art History: Concepts and Approaches. Journal of Art Historiography , n. 19, dec. 2018, pp. 1-18. Disponível em: https://arthistoriography.files.wordpress.com/2018/11/langfeld.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.
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, p. 10)6 6 . Tradução livre do original: “An increase in geographical inclusion should not, however, obscure the fact that global art histories and transnational perspectives, too, are thoroughly Western constructs that are only comprehensible and persuasive to those who are already well within this vein of North Atlantic art history.” . Ou seja, trata-se de uma abordagem ainda orientada por uma perspectiva Ocidental , pois é a partir dela que essa expansão se dá e, portanto, é legitimada.

O FEMINISMO E O PROBLEMA DO CÂNONE NARRATIVO

Devido a seu papel precursor na abordagem do cânone, assim como à (auto)avaliação contínua de suas premissas, cabe destacar as contribuições realizadas por historiadoras da arte feministas, sobretudo norte-americanas, que se empenharam, principalmente, na revisão do cânone masculino predominante na história da arte7 7 . Pode-se citar as contribuições realizadas por Linda Nochlin, Griselda Pollock, Rozsika Parker, Abigail Solomon-Godeau, Amelia Jones, Nanette Salomon, entre outras autoras. . Ao questionarem o critério da qualidade da obra de arte, essas autoras se afastaram conscientemente de uma abordagem estética, optando pela análise social, uma vez que a canonização de certos artistas homens está relacionada aos meios pelos quais o próprio sistema altamente seletivo da arte e da história da arte se constituiu. Assim, o emprego do termo “cânone” reforça os modos pelos quais a narrativa histórica alimenta o discurso das mídias, das instituições e de seus agentes e se complementa sistemicamente com eles, contribuindo para a reprodução das hierarquias artísticas e suas assimetrias. Em muitos casos, essas historiadoras optaram por termos como “cânones múltiplos” e “contracânones”, pois, sob uma lente social, diferentes cânones coexistem na disputa pelo poder de legitimação. A estratégia, então, passou a ser a ênfase sobre as hierarquias existentes no campo da arte, problematizando os modos como certas narrativas mestras surgem, se estabelecem e se perpetuam, frente a outras, em um processo não estático.

No texto “The Art Historical Canon: Sins of Omission”, a historiadora Nanette Salomon, docente da City University de Nova York, avalia as contribuições das análises feministas (até o início dos anos 1990) para a história da arte, afirmando:

No que diz respeito aos cânones das disciplinas acadêmicas, o cânone da história da arte está entre os mais virulentos, os mais viril -entos e, em última análise, os mais vulneráveis. A mais simples análise da seleção de obras incluídas na história da arte da Europa Ocidental, “no seu melhor”, revela de uma só vez a constituição com motivação ideológica dessa seleção. A omissão de categorias inteiras de arte e artistas resultou em uma noção não representativa e distorcida de quem contribuiu para as ideias “universais” expressas por meio da criatividade e do esforço estético. (SALOMON in PREZIOZI, 1998, p. 344)8 8 . Tradução livre do original: “As canons within academic disciplines go, the art historical canon is among the most virulent, the most virilent, and ultimately the most vulnerable. The simplest analysis of the selection of works included in the history of western European art ‘at its best’ at once reveals that selection’s ideologically motivated constitution. The omission of whole categories of art and artists has resulted in an unrepresentative and distorting notion of who has contributed to ‘universal’ ideas expressed through creativity and aesthetic effort.”

O cânone narrativo da história da arte, para a autora, tem sua estruturação em Giorgio Vasari (1511-1574), a partir de seu empreendimento conhecido como Vida dos Artistas (1ª ed., Florença, 1550), no qual apresenta a compilação das biografias dos mais “excelentes artistas”, dos séculos XIV ao XVI, organizando-as numa sequência que caracteriza uma estrutura evolutiva, tendo o naturalismo como critério qualitativo. Essa institucionalização hierárquica produzida em contexto cultural específico (Florença e Roma, principalmente) desdobrou-se para além do espaço-tempo sobre o qual Vasari se dedicou e, mesmo nos dias de hoje, reverbera de diversos modos em diferentes geografias, temporalidades e contextos culturais.

Salomon reforça que publicações referenciais da História da Arte, como as de H. W. Janson, tendem a reafirmar o cânone histórico da arte derivado de Vasari, uma vez que o florentino estabeleceu a estrutura discursiva modelar da disciplina, centrada na predominância de um gênero particular, de uma classe social e de uma raça. A premissa principal de Vasari era a de que a grande arte é a expressão do gênio individual e que ela poderia ser explicada por meio das biografias, sobretudo daqueles homens ilustres que faziam parte de um mesmo meio social e político, embora essa dinâmica ideológica fosse obliterada pela narrativa que ele elaborou. Nesse processo, funda-se também a figura do historiador: aquele que identifica (e legitima) as grandes obras de arte, tratadas como produtos da vida de um gênio, vida esta que pode ser recuperada e se torna acessível por meio da documentação analisada e da interpretação narrativa que se institui para ela. Em consequência, “o” historiador da arte tem a licença e a autoridade para proclamar o que tem qualidade e se identifica com o valor arte. Enquanto Vasari, como artista, escrevia para sua própria audiência, a emergência de não artistas contribuindo para a escrita dessa narrativa fez com que estes também assumissem a posição de julgamento das obras. Esse modelo se institucionalizou, a partir do desenvolvimento dos métodos de reprodução e da criação das Academias, expandindo-se para outros núcleos culturais na Europa e para as regiões colonizadas por esses grupos. Diagnosticado o processo de formação do cânone histórico masculino, Salomon reforça:

Feministas abriram espaços no discurso canônico para permitir a inclusão de mulheres como artistas e mulheres como críticas. Mas, nessa conjuntura, a inclusão por si só não é suficiente. A prática feminista produziu diversas estratégias para lidar com o campo acadêmico da história da arte e seu cânone. A principal delas é a escavação arqueológica das mulheres como criadoras. A segunda é o aparecimento de mulheres como críticas e intérpretes, recebendo e flexionando obras de arte de maneiras significativas para elas. (SALOMON in PREZIOZI, 1998, pp. 349-350)9 9 . Tradução livre do original: “Feminists have opened places within canonical discourse to allow for the inclusion of women as artists and women as critics. But at this juncture, inclusion alone is not enough. Feminist practice has produced several strategies for dealing with the academic field of art history and its canon. Primary among these is the archeological excavation of women as creators. The second is the appearance of women as critics and interpreters, receiving and inflecting works of art in ways meaningful for them.”

Segundo Salomon, a presença e atuação de mulheres na prática da história da arte é algo efetivo para essa transformação, explicitando como a marcação de gênero – neste contexto, mulheres brancas e, em geral, de uma mesma classe social – evidencia modos outros de escrita. Porém, em relação à estratégia centrada na recuperação histórica de mulheres artistas fora do cânone, por meio da desnaturalização da narrativa mestra e da politização da prática, ela defende a necessidade de uma reavaliação, uma vez que a história cultural da Europa Ocidental, sob este foco, torna-se uma história escrita também por homens brancos de classe alta, com profundo apoio aos interesses exclusivos de gênero, e cujo modelo continua sendo operante.

A insistência das feministas em expor exclusões revela as maneiras pelas quais as obras dentro do cânone são coerentes umas com as outras em termos bastante diferentes daqueles tradicionalmente avançados. Em vez de aparecerem como exemplos paradigmáticos de valor estético ou expressão significativa, ou mesmo como representativas de grandes movimentos e eventos históricos, as obras canônicas apoiam-se umas às outras como componentes de um sistema mais amplo de relações de poder. Significado e prazer são definidos como projetados exclusivamente por meio de experiências masculinas. O simples gesto corretivo de introduzir as mulheres no cânone para criar uma imagem mais precisa do que “realmente aconteceu” e dar a elas uma voz que proclama o que é significativo e prazeroso não corrige realmente a situação. Nossa compreensão das implicações políticas do que é incluído e excluído do repertório das obras canônicas e, mais ainda, nossa compreensão da própria escrita histórica como um ato político tornam isso, na melhor das hipóteses, uma tática com efeitos limitados. Os próprios termos da prática da história da arte, seja formalista ou contextualista, estão tão carregados de conotações ideológicas e julgamentos de valor quanto ao que vale ou não vale a pena – ou é, como foi expresso no passado, “enobrecedor” – que questões de gênero e classe são projetadas para serem irrelevantes para seu discurso. As questões cruciais não apenas parecem estar fora do alcance das questões históricas da arte tradicional; elas estão especificamente fora do assunto. (SALOMON in PREZIOZI, 1998, p. 350, grifo no original)10 10 . Tradução livre do original: “Feminists’ insistence on exposing exclusions reveals the ways in which works within the canon cohere with one another in terms quite different from those traditionally advanced. Rather than appearing as paradigmatic examples of aesthetic value or meaningful expression, or even as representative of major historical movements and events, canonical works support one another as component in a larger system of power relations. Significance and pleasure are defined as projected exclusively through male experiences. The simple corrective gesture of introducing women into the canon to create a more accurate picture of what ‘really happened’ and to give them a share of the voice that proclaims what is significant and pleasurable does not really rectify the situation. Our understanding of the political implications of what is included and excluded from the repertoire of canonical works and, even more, our understanding of historical writing itself as a political act render this, at best, a tactic with limited effects. The terms of art historical practice themselves, whether formalist or contextualist, are so laden with ideological overtones and value judgments as to what is or is not worthwhile – or, as it was expressed in the past, ‘ennobling’– that questions of gender and class are designed to be irrelevant to its discourse. The crucial questions not only seem to be beside the point of traditional art historical questions; they are specifically outside the point.”

Desse modo, na avaliação de Salomon, recuperar artistas e obras anteriormente fora do cânone, a partir das ferramentas e métodos do cânone, acaba reafirmando a onipresença do próprio cânone, caracterizado pelo olhar masculino como um sintoma dessa narrativa. Ou seja, o mesmo sistema e os mesmos dispositivos utilizados para sacralizar a arte de homens brancos são utilizados na expansão da história da arte, sem que marcadores sociais – gênero, raça, sexualidade, classe social etc. – produzam uma transformação mais profunda na estrutura metodológica da disciplina. A avaliação ressaltada pela autora, no início dos anos 1990, poderia então ser ampliada para as estratégias adotadas pela teoria queer , pelas teorias pós-coloniais, pelos estudos culturais e, na atualidade, pelas teorias decoloniais? Para enfrentar essa problemática, para além do interesse em apresentar uma cronologia dessas teorias, salta-se para outro momento, analisando-se uma das feições atuais da disciplina: “a história da arte global”.

HISTÓRIA DA ARTE GLOBAL: “VIVA A ROUPA NOVA DO REI”

Embora autores como Hans Belting tenham desenvolvido reflexões desde os anos 1990 sobre as feições da história da arte em uma conjuntura globalizada11 11 . Em 1995, Hans Belting publicou em alemão o livro O fim da história da arte . Uma seleção de alguns capítulos deste livro, com o título Art History after Modernism , foi publicada no Estados Unidos em 2003. Cf. BELTING (2006) . , a repercussão do termo “história da arte global” costuma ser creditada ao livro Is Art History Global? , organizado por James Elkins, professor da Escola do Art Institute de Chicago, e publicado em 2006. No texto introdutório, a partir de duas indagações – 1. os métodos, conceitos e propósitos da história da arte ocidental são suscetíveis à arte produzida fora da Europa e dos Estados Unidos?; 2. a adoção de um modelo global, com múltiplas feições, manteria a forma reconhecível da disciplina história da arte? –, o autor elabora um jogo narrativo, apresentando cinco razões para o reconhecimento da multiplicidade da história da arte e cinco razões para a compreensão da disciplina como um empreendimento mais ou menos único e coeso. No primeiro caso, a história da arte seria global porque a difusão de modelos ocidentais estaria se enfraquecendo, ao fundir-se a outras práticas locais, mesmo que ainda compartilhem o nome disciplinar. No segundo, a história da arte seria global porque há uma coerência incontestável na sua prática, independentemente dos lugares onde é produzida, uma vez que é possível reconhecer premissas metodológicas comuns, compatíveis entre si.

Para Elkins, os cinco argumentos que reforçam a história da arte global como um empreendimento múltiplo são: 1. o que conta como “história da arte” em muitos países é a crítica de arte, sem que haja uma separação nítida entre essas práticas; 2. a história da arte, como uma disciplina nomeada e um departamento específico nas universidades, é conhecida principalmente na América do Norte e na Europa Ocidental, possuindo diversas feições institucionais em outros contextos, marcados pela atuação de profissionais com diferentes formações acadêmicas; 3. a história da arte, desde suas origens, está intimamente ligada aos sentidos de identidade nacional e regional, o que é evidente tanto na Europa e nos Estados Unidos quanto em outros locais; 4. a história da arte parece estar se dissolvendo em estudos da imagem ou na área dos “estudos visuais”, caracterizada por uma sucessão de teorias; 5. existem diferentes tipos de publicações para diferentes historiadores e historiadoras da arte, o que reforça a fragmentação inerente à disciplina, mas também, em sua fase atual, a aparente perda de seu sentido como um campo homogêneo.

No segundo caso, Elkins apresenta cinco argumentos a favor da ideia de que a história da arte global é um empreendimento coeso em todo o mundo: 1. alguns dos melhores estudos no campo são feitos por escritores que tomam diferentes teorias como base, mas neles a coerência metodológica da disciplina se mantém; 2. a distinção entre história da arte e crítica de arte ainda é válida, e a adoção de critérios institucionais, contextuais e comerciais permite que se verifique a diferença entre elas; 3. a história da arte continua focada em um cânone específico de artistas, cuja importância não se alterou com a inclusão de mulheres, africanos, asiáticos, latino-americanos, indígenas, etc. em seu repertório; 4. a história da arte é guiada por uma série estável de narrativas, e ainda que as teorias feministas, queer , pós-coloniais etc. tenham questionado o cânone, a inclusão de artistas e suas obras depende de sua coerência frente à narrativa já constituída e reconhecida; 5. a história da arte resulta dos esquemas conceituais ocidentais, e mesmo que as práticas recentes da disciplina possam ser variadas no que tange aos assuntos e aos locais de produção, no final das contas, historiadores e historiadoras partem de um mesmo repertório de teorias (iconografia, semiótica, psicanálise, estruturalismo, antropologia, sociologia etc.) e seus propósitos, conceitos, metodologias e formas narrativas permanecem comuns.

Para o autor, os dois casos não deixam de reforçar a existência de uma feição global para a história da arte, embora entenda que os últimos cinco argumentos sejam mais consistentes. Em geral, termos como “transnacionalidade”, “multiculturalismo” e “pós-colonialidade” podem dar a entender que existe maior liberdade e trânsito nas abordagens, mas as produções da história da arte continuam respondendo a questões ocidentais compartilhadas. Por isso, Elkins enfatiza:

Acho que se pode argumentar que não existe tradição não ocidental de história da arte, se isso significar uma tradição com suas próprias estratégias interpretativas e formas de argumentação. Os historiadores da arte em diferentes países variam no que estudam, e há uma ampla latitude nos tipos de métodos interpretativos que são empregados. (A maioria dos estudos, eu acho, ainda usa a iconografia como seu modelo principal ou padrão.) Mas não existe uma narrativa independente ou abordagem acadêmica para a escrita da história da arte que possa ser entendida como uma história da arte. [...] Nenhum dos especialistas chineses que conheço e que ensinam em universidades ocidentais foi contratado por causa de sua capacidade de implantar métodos historiográficos indígenas; mas normalmente parte de suas qualificações estaria na capacidade de negociar com os principais métodos ocidentais, como análise formal e iconografia. ( ELKINS, 2006ELKINS, James. Art History as a Global Discipline. In ELKINS, James. Is Art History Global? Nova York: Routledge, 2006, pp. 3-23. , pp. 19-20, grifo no original)12 12 . Tradução livre do original: “I think it can be argued that there is no non-Western tradition of art history, if by that is meant a tradition with its own interpretive strategies and forms of argument. Art historians in different countries vary in what they study, and there is a wide latitude in the kinds of interpretive methods that are employed. (Most scholarship, I think, still takes iconography as its principal or default model.) But there is no such thing as an independent narrative or scholarly approach to the writing of the history of art that can be understood as a history of art. […] None of the Chinese specialists I know who teach in Western universities were hired because of their ability to deploy indigenous historiographic methods; but part of their qualifications would normally be the ability to negotiate the principal Western methods such as formal analysis and iconography.”

O que a conclusão de Elkins justifica, por exemplo, é a manutenção do termo “arte não ocidental” (tanto para a produção artística quanto para a produção historiográfica), em que o critério comparativo (cânone) para todas as produções artísticas fora da narrativa é o que estrutura a própria narrativa: o Ocidente. Mas o que o autor pouco considera nessa análise é a relação ambígua desta “virada global” da disciplina – vista por ele de modo afirmativo – com o processo histórico da globalização, em curso desde a década de 1980, promovendo a interligação econômica, política, social e cultural para além das fronteiras nacionais, o que implica – numa perspectiva negativa – considerar os impactos do expansionismo econômico ocidental no mundo e seu viés colonialista. Segundo Jonathan Harris, docente da Birmingham City University, a expressão “história da arte global”

[...] meramente identifica uma quantidade real de pesquisa e aponta apenas em direção às ideias muito mais significativas de “integração” e “totalidade”. Nesse sentido, “história da arte global” está em continuidade com “estudos da arte mundial” do século passado: é um subgênero reconhecível na disciplina, é ensinado e pesquisado em muitas universidades ao redor do mundo, mas não ameaça em nada o edifício da estrutura estabelecida, as prioridades e interesses da disciplina, com suas origens na kultureschrift da Europa Central do início do século XX. ( HARRIS, 2017HARRIS, Jonathan. Art History and the Global Challenge: A Critical Perspective. Artl@s Bulletin , vol. 6, n. 1, 2017, pp. 26-31. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/artlas/vol6/iss1/5/. Acesso em: 14 abr. 2021.
https://docs.lib.purdue.edu/artlas/vol6/...
, p. 27)13 13 . Tradução livre do original: “It ['global field' in Art History] merely identifies an actual quantity of research and only gestures toward the much more significant ideas of ‘integration’ and ‘totality.’ In this sense ‘global art history’ is in continuity with ‘world art studies’ of the last century: it is a recognizable subgenre in the discipline, it is taught and researched in many universities around the world, but threatens nothing in the edifice of the discipline’s established structure, priorities and interests, with its origins in middle-European kultureschrift of the early twentieth century.”

A história da arte, mesmo sob a rubrica “global”, continua sendo enunciada a partir do Ocidente, e, mesmo que vista sob uma perspectiva em rede, suas metodologias permanecem enraizadas no desenvolvimento histórico da disciplina. Ela seria então uma nova feição da história da arte e não necessariamente uma nova abordagem, pois, para que isto ocorra, é necessária a diversificação de paradigmas epistêmicos. A história da arte mundial no século XX, por exemplo, já apresentava certa abertura para artefatos provenientes de outras culturas, realizando análises comparativas entre diferentes geografias e desenvolvendo estudos transdisciplinares (antropologia, linguística, história das religiões etc.), embora essa tendência tenha perdido força no decorrer do tempo14 14 . Um exemplo dessa abordagem é a publicação Le Musée imaginaire de la sculpture mondiale (1952-1954), de André Malraux. . Harris continua:

A história da arte cresceu como um discurso centrado nos estilos e formas nacionais e internacionais, na era da ascensão do estado-nação e da glorificação das culturas e estilos nacionais. “Globalização” é um processo que incorpora aspectos do domínio contínuo dos interesses e forças nacionais, mas viu interesses e forças transnacionais e extranacionais cada vez mais em jogo na forma como a ordem mundial foi remodelada (por exemplo, nos mercados financeiros, nas tecnologias de mídia global, no poder de certas corporações que operam em todo o mundo, no surgimento de ideologias fundamentalistas que desafiam a legitimidade dos Estados existentes etc.). Um verdadeiro “campo global da história da arte” compreenderia uma intervenção intelectual baseada em uma crítica do poder ocidental no mundo tal como existe e é reproduzido (e desafiado) em termos culturais e artísticos, e que cria um conjunto sui generis de conceitos, hipóteses e métodos analíticos capazes de reconhecer, analisar e avaliar os novos fenômenos da cultura e da arte globais vistos desde 2000. ( HARRIS, 2017HARRIS, Jonathan. Art History and the Global Challenge: A Critical Perspective. Artl@s Bulletin , vol. 6, n. 1, 2017, pp. 26-31. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/artlas/vol6/iss1/5/. Acesso em: 14 abr. 2021.
https://docs.lib.purdue.edu/artlas/vol6/...
, pp. 27-28)15 15 . Tradução livre do original: “Art history grew up as a discourse focused on national and international styles and forms, in the era of the rise of the nation-state and the glorification of national cultures and styles. ‘Globalization’ is a process which incorporates aspects of the continuing dominance of national interests and forces, yet has seen transnational and extra-national interests and forces increasingly at play in the way the world order has been reshaped (e.g. in the financial markets, in global media technologies, in the power of certain corporations operating across the globe, in the rise of fundamentalist ideologies challenging the legitimacy of existing states, etc.). A truly ‘global field of art history’ would comprise an intellectual intervention premised on a critique of western power in the world as it exists and is reproduced (and challenged) in cultural and artistic terms, and which creates a sui generis set of concepts, hypotheses and analytic methods able to recognize, analyze and evaluate the new phenomena of global culture and art seen since 2000.”

Assim, o emprego do termo “global” na disciplina precisa considerar como a história da arte se relaciona com as práticas globalizantes do Ocidente, a partir de uma posição crítica “de dentro”. Por outro lado, as perspectivas transnacionais não são suficientes se permitirem apenas a diversidade temática e geográfica, sendo necessária também a multiplicidade de narrativas, de narradores e narradoras e de epistemologias. Mas como isso tem sido e pode ser pensado a partir da perspectiva Brasil ?

O GLOBAL E O CANÔNICO NO DEBATE DA HISTORIOGRAFIA DA ARTE NO BRASIL

Em 2013, a revista Perspective , publicação do Institut national d'histoire de l'art – INHA, na França, organizou uma edição especial sobre a história da arte no Brasil16 16 . Até o momento, os países que contaram com edições especiais da revista foram: Suíça (2006), Grã-Bretanha (2007), Canadá (2008), Espanha (2009), Holanda (2011), Brasil (2013), Estados Unidos (2015), Marrocos, Argélia e Tunísia (2017), Países Nórdicos (2019) e Japão (2020). . No editorial, Marion Boudon-Machuel, docente da Université de Tours, parte da indagação “Por que ‘a história da arte no Brasil’?” para justificar o interesse da comunidade francesa “pelo desenvolvimento original e pelas especificidades da história da arte no Brasil”, pois “o exemplo brasileiro poderia mesmo nos levar a novas reflexões sobre a disciplina em nosso país”, alertando para o fato de que “ainda não é possível estabelecer balanços historiográficos onde a produção científica é ainda embrionária ou mesmo inexistente” (BOUDON-MACHUEL, 2014, n. p.). Numa amplitude global, é sob uma direção ocidental que as histórias locais continuam a ser analisadas.

Nessa edição, cabe o destaque para o debate “Existe uma arte brasileira?”, com textos de Luiz Marques (docente da Unicamp), Claudia Mattos (docente da Unicamp), Mônica Zielinsky (docente da UFRGS) e Roberto Conduru (docente licenciado da Uerj, atualmente vinculado à Southern Methodist University, nos Estados Unidos). Em linhas gerais, os autores apresentam um diagnóstico do campo da história da arte no Brasil: a juventude institucional da disciplina; sua conjuntura fragmentada, sem uma feição definida, e muitas vezes amalgamada com outros gêneros, como a crítica de arte, os escritos de artistas, as crônicas etc.; a interdisciplinaridade característica da diversidade de formações universitárias de seus praticantes e de teorias adotadas; a internacionalidade decorrente tanto do fluxo cultural formativo do país quanto da atuação de historiadores e historiadoras da arte dentro e fora de suas fronteiras. Nesse diagnóstico, a palavra “cânone” aparece uma única vez, no texto de Luiz Marques, quando este se refere aos cânones clássicos da representação na avaliação da arte figurativa produzida no Brasil.

O interesse no debate não recai sobre o diagnóstico do campo, mas sobre seus sintomas, aqueles identificados e aqueles subjacentes. “Debilidade e aporias da historiografia artística brasileira”, título do texto de Luiz Marques, conduz a discussão, uma vez que os três textos subsequentes dialogam com as ideias contidas no primeiro ensaio, sobretudo em relação ao emprego do termo “debilidade”. Marques procura apresentar um panorama, relacionando as artes figurativas no Brasil – sem considerar a produção artística no geral – e o que define como “esforços de reflexão histórica” suscitados pelas mesmas, concluindo: “Não houve no Brasil historiadores da arte que estruturaram o cenário intelectual e definiram as suas linhas de força”. A explicação não se deve apenas aos frágeis aspectos sistêmicos do campo, mas, para o autor, também

porque as artes figurativas produzidas no Brasil não mereceram, e em minha opinião com razão, a mesma atenção que outras artes, como a literatura e a música, cuja densidade atraiu a atenção mais metódica dos historiadores. [...] é provável que a maioria dos colegas brasileiros provavelmente não compartilhe esse ponto de vista. É compreensível que quem quer que se dedique à história das artes figurativas no Brasil tenda a valorizar seu objeto de estudo e a lhe atribuir uma importância histórica e estética maior. Com exceção de casos específicos (Aleijadinho, algumas obras de Amoedo, Di desenhista nos anos 20, Portinari retratista, Goeldi...), a história da arte figurativa no Brasil, e especialmente a pintura, não parece, em meu entender, exibir uma relevância segura fora do âmbito da história local. (MARQUES, 2014, n. p.)

Dos sintomas, pelo menos dois podem ser analisados aqui: 1. o enunciado de que a colonização portuguesa, e seu preconceito em relação às artes manuais, é a responsável pela pouca importância dada às artes plásticas no Brasil, em detrimento do que ocorre com a música e a literatura, entendidas como artes liberais, o que indica uma enunciação persistente na historiografia da arte; 2. a avaliação da arte produzida no Brasil, mesmo que circunscrita à figuração, é realizada a partir do princípio narrativo europeu, tomando-se como critério comparativo o cânone da representação clássica. Em decorrência, se há debilidade constitutiva nas artes figurativas produzidas no país, também não pode haver historiografia artística consistente, uma vez que não há “uma classe média letrada e uma classe dominante visualmente educada, que reconheça no colecionismo uma estratégia de emulação e de afirmação cultural” (MARQUES, 2014, n. p.). O que esses sintomas reforçam, no caso brasileiro, é que avaliações artísticas se sustentam por enunciações de caráter sociológico, mesmo em abordagens que analisam essa produção por seus valores especificamente estéticos. Em algum momento, o veredito de “debilidade” – e pode-se considerar o emprego de tantos outros termos depreciativos na historiografia – só pode ser justificado discursivamente, considerando-se o contexto social decorrente da colonização.

Outro ponto desenvolvido por Marques, como diagnóstico e sintoma, é o problema da “identidade nacional”, que no país impregna-se pela configuração, expansão e institucionalização de um modernismo de caráter nacionalista, herdeiro do romantismo no século XIX, e cuja persistência reverbera na historiografia da arte, uma vez que em muitos momentos há a predominância de estudos concentrados na produção artística nacional e na tradição historiográfica local, com objetivo de estruturar uma “história da arte essencialmente brasileira”. Em relação a isso, Marques afirma que:

[...] a busca da “identidade” como programa é uma tautologia, pois não se pode desejar ser o que, inevitavelmente, já se é. De onde duas aporias: (1) reivindicar uma “identidade” é ipso facto a confissão de sua impossibilidade, já que tal reivindicação remete a um circuito fechado, um efeito de espelhos contrapostos, de strange loops autoreferenciais [sic]; (2) reivindicá-la é também uma contradição nos termos, já que supõe mimetizar o modelo europeu (já dotado de identidade). (MARQUES, 2014, n. p.)

Se o discurso da identidade é uma herança ideológica, é com entusiasmo que Marques vê na geração da “história da arte global” a superação deste impasse, uma vez que historiadores e historiadoras da arte no Brasil apresentam maior liberdade para estudar a arte internacional, sem deter-se em fronteiras que isolam o país nas práticas locais. Ressalta ainda que o adjetivo “brasileiro” “não é uma categoria crítica” a ser considerada nas análises da arte produzida no Brasil, uma vez que “não aporta nada à sua inteligibilidade”, pois esta emana “da rede de relações e condicionantes internacionais de que o Brasil e a arte que aqui se fez são o resultado” (MARQUES, 2014, n. p.).

O argumento acima objetiva combater uma noção essencialista de identidade. No entanto, se o adjetivo “brasileiro” não é uma categoria crítica, poderia pelo mesmo ser pensado como uma categoria histórica. O uso do sufixo “-eiro” para formar o gentílico “brasileiro” – e não “brasiliano” ou “brasiliense” – constitui um caso singular na gramática portuguesa, uma vez que costuma ser empregado para se referir a quem se dedica a uma ocupação, ofício, atividades relacionadas ao trabalho laboral (por exemplo, marceneiro, pedreiro, mineiro, ferreiro, padeiro etc.). Sua gênese histórica mostra que “brasileiros” eram aqueles que, no período colonial, trabalhavam com a extração e o comércio do pau-brasil, vistos de modo pejorativo pelos portugueses, pois este era um trabalho realizado por criminosos extraditados para a colônia e por pessoas escravizadas. Entre os séculos XVII e XVIII, o termo ganhou o significado atual, referindo-se a quem nasce no Brasil, e na primeira Constituição, em 1824, foi legalizado como gentílico oficial17 17 . Esta observação me foi feita por Anderson Pinto Arêas, a quem agradeço. Embora no período colonial os adjetivos “brasiliano”, “brasiliense” e “brasílico” também tenham sido utilizados, há pelo menos duas vertentes para a gênese do uso do termo “brasileiro” como gentílico: segundo o filólogo Silveira Bueno, em Crônica da Custódia do Brasil (1617), de Frei Vicente do Salvador, e, de acordo com o Dicionário Houaiss, pelo português José Soares da Silva, em 1706. Estas vertentes ainda precisam ser verificadas. . Não é incomum, mesmo hoje, encontrar opiniões de que essa origem pejorativa do termo, relacionada ao trabalho manual, exigiria uma mudança de termos. Ou seja, volta-se ao problema social como origem de todos os males (históricos e atuais) – “um circuito fechado, um efeito de espelhos contrapostos, de strange loops autoreferenciais [sic]” –, como sintoma persistente da colonialidade18 18 . Colonialidade é um conceito desenvolvido pelo peruano Anibal Quijano, no final dos anos 1980, chave para a teorias decoloniais e recorrente nos ensaios do argentino Walter Mignolo. Cf. MIGNOLO (2007, pp. 1-18). .

Debilidade (artística e historiográfica), por um lado, e nacionalismo (artístico e historiográfico), por outro, podem ser vistos como faces de uma mesma moeda e, de fato, suscitam discussões. Para Claudia Mattos, a “aparente debilidade da arte e da história da arte no Brasil depende diretamente da lente que usamos para avaliá-la”, uma vez que “renovados os óculos, a realidade adquire complexidade e riqueza” (MATTOS, 2014, n. p.). Se o cânone da representação clássica ocidental tende a ser o paradigma na avaliação da arte figurativa produzida no Brasil, os novos rumos internacionais da história da arte, a incorporação de novos objetos, a renovação dos princípios teóricos-metodológicos, todos esses aspectos contribuem para uma mudança de “lentes”. Roberto Conduru reforça que é recorrente no país o sentimento de inferioridade na comparação das artes plásticas com a música e a literatura, assim como de suas respectivas historiografias. Porém, a fragmentação, dispersão e pouca quantidade de estudos históricos, “em suma, a ausência de uma tradição”, é mais “um travo para quem se dedica a refletir sobre arte no Brasil e que precisa enfrentar o peso do silêncio e dos mitos gerados pela descontinuidade crítica em um ambiente profissional rarefeito” (CONDURU, 2014, n. p.). Mais do que avaliar a historiografia da arte no Brasil a partir de valores europeus como paradigmas estáticos de julgamento – “concepções de arte e de história geográfica e historicamente fixadas” –, pode-se optar por parâmetros espaciais e temporais móveis, muitas vezes encontrados nas estratégias discursivas locais, adotadas por teóricos e artistas. Ainda, para Conduru, é fundamental que uma avaliação crítica dos processos de mundialização cultural não se fixe nem no problema do nacionalismo nem no do eurocentrismo, mas ao mesmo tempo não perca de vista esses marcos situacionais.

Mônica Zielinsky assume uma posição mais combativa, reforçando que o ensaio de Marques falha em seus pressupostos, uma vez que não é possível identificar nele uma predisposição para compreender mais profundamente a arte (figurativa) produzida no Brasil e sua historiografia:

Não há menção a dados documentais nem a metodologias de análise condizentes com os processos de construção das histórias locais e que contemplem suas implicações mais amplas e comparativas com outras culturas. O ensaio também não considera os nexos sociais e políticos, nem o papel das migrações e as diferenças presentes na anatomia dessa arte. Na verdade, ele não aposta efetivamente no fenômeno artístico citado. Diante de uma produção historiográfica apresentada como débil e praticamente inexistente, é preciso questionar o tipo de historiografia que, de uma maneira diferente, poderia um dia vir a se constituir. (ZIELINSKY, 2014, n. p.)

Para a autora, ainda são lacunares as pesquisas centradas nas articulações da arte no Brasil com a pluralidade de outros campos (sociais, históricos, políticos, econômicos, antropológicos etc.), fundamentais no contexto de uma história da arte global, para que esta abordagem não omita as conjunturas locais que dão corpo aos fenômenos artísticos analisados. Uma história da arte global não deveria ser apenas um passaporte diplomático para o livre trânsito entre fronteiras, mas uma abordagem que explicite as tensões e estratégias decorrentes das relações entre diferentes culturas, os modos como esses processos se constituíram historicamente e continuam a se reconfigurar com a globalização. A aparência dispersa, fragmentada e mais ou menos recente da historiografia local, mais do que debilidade, abre seu campo para um porvir. Assim,

Cabe a essa historiografia da arte brasileira gerar as necessárias transformações epistemológicas e suscitar novos desafios disciplinares acadêmicos por meio de modelos relacionais de diversidade adaptados à história dessa cultura e dessa arte. Ela poderia, assim, permitir o florescimento de um pensamento construído a partir de seus limites, um pensamento de borda e que provém do “habitar a borda”. [...] Para que a arte brasileira seja reconhecida no contexto geopolítico mundial, é preciso que ela circule de forma efetiva na rede global da arte contemporânea – mas isso não é suficiente. A constituição de uma historiografia crítica e atualizada que acompanhe, discuta e amplie essa produção e os seus processos de inserção é imprescindível à própria natureza da chamada arte “brasileira”. Como uma “identidade em ação”, essa historiografia, em seu modo específico de fazer a contemporaneidade, exige que os marcos locais sejam ultrapassados e que uma nova cartografia da arte no país seja criada. Em uma perspectiva jamais monolítica, mas por meio dos referidos modelos de alteridade, essa historiografia deve articular as confluências e as influências dessa arte em meio às culturas que a constituem e que com ela se associam. Longe de ser marcada pela fragilidade, a arte desenvolvida no Brasil deve se identificar com uma historiografia em processo, a que marcará suas diferenças e será sem dúvida politicamente inovadora, ao reconhecer assim o seu devido lugar na cultura mundial. (ZIELINSKY, 2014, n. p.).

Embora não se refira explicitamente a “cânone” (narrativo e metodológico), Zielinsky fricciona certas visões cristalizadas e reforça a importância da perspectiva local em diálogo com outras perspectivas, a partir de um “habitar a borda”, em referência a Walter Mignolo e ao debate decolonial19 19 . Zielinsky faz referência ao livro Local Histories/Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges and Border Thinking , de Walter D. Mignolo, publicado em 2000. . Analisando-se a historiografia local – e sua relação com o cânone historiográfico ocidental –, quais seriam os paradigmas canônicos próprios dessa narrativa? Em suma, a partir dos pressupostos apresentados, também eles localizados – a mudança de “lentes”, a adoção de parâmetros dinâmicos e muitas vezes provenientes das estratégias locais, a adoção de um pensamento de borda –, é possível pensar e habitar uma historiografia da arte no Brasil que não seja apenas a renovação do cânone narrativo ocidental – e de seu poder de expansão –, problematizando-se também seus cânones próprios e mantendo a consciência das tensões inerentes a esse processo? Uma historiografia da arte que, ao reconhecer a dinâmica cultural global, não abdique de uma posição crítica frente a esta conjuntura, entendendo as redes de relações históricas e atuais que lhe constituem, a partir de um conjunto diverso de pontos de vista dos quais se olha o mundo. Ou seja: considerando-se que um Brasil é também uma estrutura narrativa canônica, ao produzir um senso de homogeneidade para um local múltiplo e carregado de tensões próprias20 20 . Para Paulo Herkenhoff, um Brasil é uma estrutura discursiva que produz o sentimento de unidade (nacional), apesar da multiplicidade constitutiva do país. À tensão dialética entre o Brasil homogêneo, no singular, e o Brasil heterogêneo, no plural, há ainda outra, dicotômica: “ Há dois Brasis . São separados por um abismo, opostos. Rural e industrial. [...] Miserável e rico, ou dividido entre o ‘bom selvagem’ e o ‘capitalismo selvagem’. Há um Brasil formado por um encontro de culturas e há um Brasil que ainda hoje projeta as consequências da escravidão. A rígida estrutura de classes e a imobilidade social no Brasil não se alteraram com a queda do muro de Berlim e o ocaso do império soviético... Há um Brasil sem pontos cardeais, que pouco sabe de diálogos Leste/Oeste ou Norte/Sul. [...] Há um Brasil que se lembra do mundo e outro Brasil que se esquece de si mesmo. [...] O Brasil é também um sistema de arte de equidistância: a mesma distância política que separa os grandes centros brasileiros de arte dos centros hegemônicos europeus e norte-americanos parece separar os centros regionais e periféricos brasileiros dos centros hegemônicos do país (São Paulo e Rio de Janeiro). Em outras palavras: o (neo/pós) colonialismo das relações internacionais se reproduz como um (neo/pós) colonialismo interno.” (HERKENHOFF in BASBAUM, 2001, pp. 362-363) . Desse modo, uma historiografia consciente de que estes pontos de vista não devem ser fixos em sua posição e em sua ocupação, mas dinâmicos nas suas práticas e também diversamente habitados, a partir de marcadores sociais plurais (gênero, raça, sexualidade, classe social etc.). Enquanto um pensamento de borda pode ser metodologicamente adotado, há também uma “prática de borda”, crescendo e ganhando maior visibilidade, debatendo essas e outras questões tanto nos ambientes acadêmicos e instituições de arte quanto fora desses espaços legitimados, em constante disputa discursiva. Aliás, não só recentemente, mas há muito tempo.

Por mais singulares e dinâmicas que sejam essas relações, a colonialidade precisa ser considerada mais profundamente por esta historiografia (em confronto com a globalização), podendo assumir diferentes prefixos (pós-, des-, de-, anti-, etc). Entre essas abordagens, as práticas decoloniais se referem ao “giro” epistêmico como importante fator para se recolocar o problema da(s) perspectiva(s). Ao girar, mesmo que a partir de um mesmo lugar , pode-se ampliar e variar os horizontes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
  • BOUDON-MACHUEL, Marion. Porque «a história da arte no Brasil»?. Perspective , l'Institut national d'histoire de l'art (INHA), Paris, vol. 2, 2013. Disponível em: http://perspective.revues.org/3930 Acesso em: 20 abr. 2021.
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  • CARDOSO, R. A história da arte e outras histórias. Cultura Visual , n. 12, Salvador, EDUFBA, out. 2009, pp. 105-113. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/rcvisual/article/viewFile/3393/2680 Acesso em: 10 mar. 2021.
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  • DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus: Edusp, 2006.
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  • HARRIS, Jonathan. Art History and the Global Challenge: A Critical Perspective. Artl@s Bulletin , vol. 6, n. 1, 2017, pp. 26-31. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/artlas/vol6/iss1/5/ Acesso em: 14 abr. 2021.
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  • HERKENHOFF, Paulo. Brasil/Brasis [1997]. In BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro. Rios Ambiciosos, 2001, pp. 359-370.
  • LANGFELD, Gregor. The Canon in Art History: Concepts and Approaches. Journal of Art Historiography , n. 19, dec. 2018, pp. 1-18. Disponível em: https://arthistoriography.files.wordpress.com/2018/11/langfeld.pdf Acesso em: 14 abr. 2021.
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  • MARQUES, Luiz; MATTOS, Claudia; ZIELINSKY, Mônica; CONDURU, Roberto. Existe uma arte brasileira?. Perspective , INHA, Paris, vol. 2, 2013. Disponível em: http://perspective.revues.org/5543 Acesso em: 20 abr. 2021.
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  • MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais , vol. 32, n. 94, jul. 2007, pp. 1-18. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 14 mai. 2021.
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  • SALOMON, Nanette. The Art Historical Canon: Sins of Omission [1991]. In PREZIOSI, Donald (ed.). The Art of Art History: A Critical Anthology. Oxford: Oxford University Press, 1998, pp. 344-355.

NOTAS

  • 1
    . O projeto de pesquisa, iniciado no segundo semestre de 2020, está cadastrado na Escola de Belas Artes da UFRJ e conta, no momento, com a participação de um bolsista de iniciação científica – PIBIC. No 40º Colóquio do CBHA, realizado em 2020, a investigação em andamento foi apresentada e o texto estará disponível nos Anais do evento. Durante a comunicação, Roberto Conduru, a quem agradeço, me fez algumas importantes observações e provocações, que serviram como disparadores para a continuidade das reflexões.
  • 2
    . O termo “nova história da arte” (e seu contexto) foi analisado por Rafael Cardoso. Cf.: CARDOSO (2009).
  • 3
    . Em referência ao texto “Brasil/Brasis”, de Paulo Herkenhoff, no qual o autor evidencia que “Um ‘Brasil’ acaba sendo um ponto de vista, do qual se olha o mundo” (HERKENHOFF, 2001, p. 359).
  • 4
    . Arthur C. Danto analisa como o conceito “arte” se modificou no decorrer do tempo, incorporando aquilo que estava fora de sua abrangência, sem excluir o que já estava dentro. Cf.: DANTO (2006).
  • 5
    . Tradução livre do original: “The institutionalised hierarchy of artists and styles is continually fed to society; it is ‘parroted’ out and accepted as something self-evident. For that reason alone, it is important to remain conscious of the canonisation processes that led and still lead to some artists being included in the canon and entering history and others being excluded. The frequent references here to ‘canon’ in the singular should not, of course, rule out the possibility that there can also be canons, for example, of specific forms of art, periods, regions, nations or particular social groups. One should not, however, lose sight of the fact that the canon of the modern era, as expressed in the collections of large, influential art museums, in textbooks, in market prices for art and so on, is relatively homogenous. In this sense, there is largely agreement about which works of art, artists and movements should be regarded as canonical at a given point in time.”
  • 6
    . Tradução livre do original: “An increase in geographical inclusion should not, however, obscure the fact that global art histories and transnational perspectives, too, are thoroughly Western constructs that are only comprehensible and persuasive to those who are already well within this vein of North Atlantic art history.”
  • 7
    . Pode-se citar as contribuições realizadas por Linda Nochlin, Griselda Pollock, Rozsika Parker, Abigail Solomon-Godeau, Amelia Jones, Nanette Salomon, entre outras autoras.
  • 8
    . Tradução livre do original: “As canons within academic disciplines go, the art historical canon is among the most virulent, the most virilent, and ultimately the most vulnerable. The simplest analysis of the selection of works included in the history of western European art ‘at its best’ at once reveals that selection’s ideologically motivated constitution. The omission of whole categories of art and artists has resulted in an unrepresentative and distorting notion of who has contributed to ‘universal’ ideas expressed through creativity and aesthetic effort.”
  • 9
    . Tradução livre do original: “Feminists have opened places within canonical discourse to allow for the inclusion of women as artists and women as critics. But at this juncture, inclusion alone is not enough. Feminist practice has produced several strategies for dealing with the academic field of art history and its canon. Primary among these is the archeological excavation of women as creators. The second is the appearance of women as critics and interpreters, receiving and inflecting works of art in ways meaningful for them.”
  • 10
    . Tradução livre do original: “Feminists’ insistence on exposing exclusions reveals the ways in which works within the canon cohere with one another in terms quite different from those traditionally advanced. Rather than appearing as paradigmatic examples of aesthetic value or meaningful expression, or even as representative of major historical movements and events, canonical works support one another as component in a larger system of power relations. Significance and pleasure are defined as projected exclusively through male experiences. The simple corrective gesture of introducing women into the canon to create a more accurate picture of what ‘really happened’ and to give them a share of the voice that proclaims what is significant and pleasurable does not really rectify the situation. Our understanding of the political implications of what is included and excluded from the repertoire of canonical works and, even more, our understanding of historical writing itself as a political act render this, at best, a tactic with limited effects. The terms of art historical practice themselves, whether formalist or contextualist, are so laden with ideological overtones and value judgments as to what is or is not worthwhile – or, as it was expressed in the past, ‘ennobling’– that questions of gender and class are designed to be irrelevant to its discourse. The crucial questions not only seem to be beside the point of traditional art historical questions; they are specifically outside the point.”
  • 11
    . Em 1995, Hans Belting publicou em alemão o livro O fim da história da arte . Uma seleção de alguns capítulos deste livro, com o título Art History after Modernism , foi publicada no Estados Unidos em 2003. Cf. BELTING (2006)BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006. .
  • 12
    . Tradução livre do original: “I think it can be argued that there is no non-Western tradition of art history, if by that is meant a tradition with its own interpretive strategies and forms of argument. Art historians in different countries vary in what they study, and there is a wide latitude in the kinds of interpretive methods that are employed. (Most scholarship, I think, still takes iconography as its principal or default model.) But there is no such thing as an independent narrative or scholarly approach to the writing of the history of art that can be understood as a history of art. […] None of the Chinese specialists I know who teach in Western universities were hired because of their ability to deploy indigenous historiographic methods; but part of their qualifications would normally be the ability to negotiate the principal Western methods such as formal analysis and iconography.”
  • 13
    . Tradução livre do original: “It ['global field' in Art History] merely identifies an actual quantity of research and only gestures toward the much more significant ideas of ‘integration’ and ‘totality.’ In this sense ‘global art history’ is in continuity with ‘world art studies’ of the last century: it is a recognizable subgenre in the discipline, it is taught and researched in many universities around the world, but threatens nothing in the edifice of the discipline’s established structure, priorities and interests, with its origins in middle-European kultureschrift of the early twentieth century.”
  • 14
    . Um exemplo dessa abordagem é a publicação Le Musée imaginaire de la sculpture mondiale (1952-1954), de André Malraux.
  • 15
    . Tradução livre do original: “Art history grew up as a discourse focused on national and international styles and forms, in the era of the rise of the nation-state and the glorification of national cultures and styles. ‘Globalization’ is a process which incorporates aspects of the continuing dominance of national interests and forces, yet has seen transnational and extra-national interests and forces increasingly at play in the way the world order has been reshaped (e.g. in the financial markets, in global media technologies, in the power of certain corporations operating across the globe, in the rise of fundamentalist ideologies challenging the legitimacy of existing states, etc.). A truly ‘global field of art history’ would comprise an intellectual intervention premised on a critique of western power in the world as it exists and is reproduced (and challenged) in cultural and artistic terms, and which creates a sui generis set of concepts, hypotheses and analytic methods able to recognize, analyze and evaluate the new phenomena of global culture and art seen since 2000.”
  • 16
    . Até o momento, os países que contaram com edições especiais da revista foram: Suíça (2006), Grã-Bretanha (2007), Canadá (2008), Espanha (2009), Holanda (2011), Brasil (2013), Estados Unidos (2015), Marrocos, Argélia e Tunísia (2017), Países Nórdicos (2019) e Japão (2020).
  • 17
    . Esta observação me foi feita por Anderson Pinto Arêas, a quem agradeço. Embora no período colonial os adjetivos “brasiliano”, “brasiliense” e “brasílico” também tenham sido utilizados, há pelo menos duas vertentes para a gênese do uso do termo “brasileiro” como gentílico: segundo o filólogo Silveira Bueno, em Crônica da Custódia do Brasil (1617), de Frei Vicente do Salvador, e, de acordo com o Dicionário Houaiss, pelo português José Soares da Silva, em 1706. Estas vertentes ainda precisam ser verificadas.
  • 18
    . Colonialidade é um conceito desenvolvido pelo peruano Anibal Quijano, no final dos anos 1980, chave para a teorias decoloniais e recorrente nos ensaios do argentino Walter Mignolo. Cf. MIGNOLO (2007, pp. 1-18).
  • 19
    . Zielinsky faz referência ao livro Local Histories/Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges and Border Thinking , de Walter D. Mignolo, publicado em 2000.
  • 20
    . Para Paulo Herkenhoff, um Brasil é uma estrutura discursiva que produz o sentimento de unidade (nacional), apesar da multiplicidade constitutiva do país. À tensão dialética entre o Brasil homogêneo, no singular, e o Brasil heterogêneo, no plural, há ainda outra, dicotômica: “ Há dois Brasis . São separados por um abismo, opostos. Rural e industrial. [...] Miserável e rico, ou dividido entre o ‘bom selvagem’ e o ‘capitalismo selvagem’. Há um Brasil formado por um encontro de culturas e há um Brasil que ainda hoje projeta as consequências da escravidão. A rígida estrutura de classes e a imobilidade social no Brasil não se alteraram com a queda do muro de Berlim e o ocaso do império soviético... Há um Brasil sem pontos cardeais, que pouco sabe de diálogos Leste/Oeste ou Norte/Sul. [...] Há um Brasil que se lembra do mundo e outro Brasil que se esquece de si mesmo. [...] O Brasil é também um sistema de arte de equidistância: a mesma distância política que separa os grandes centros brasileiros de arte dos centros hegemônicos europeus e norte-americanos parece separar os centros regionais e periféricos brasileiros dos centros hegemônicos do país (São Paulo e Rio de Janeiro). Em outras palavras: o (neo/pós) colonialismo das relações internacionais se reproduz como um (neo/pós) colonialismo interno.” (HERKENHOFF in BASBAUM, 2001, pp. 362-363)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    7 Jun 2021
  • Aceito
    14 Jun 2021
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