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A persuasividade dos Asseríveis e dos Argumentos no Estoicismo Antigo

The Persuasiveness of Assertives and Arguments in Ancient Stoicism

Resumo:

Na primeira parte, fazemos um levantamento das ocorrências de pithanon (‘persuasivo’) e termos afins em textos e fragmentos do estoicismo antigo referentes à persuasão de asseríveis e argumentos e em textos e fragmentos em que a lógica estoica se apresenta como ferramenta para evitar a persuasão dos sofismas e o sábio estoico como aquele que capaz de vencer essa persuasão por sua perícia em dialética. Feito isso, consideramos criticamente as teses de Chiaradona, Sedley e Tieleman, para quem Crisipo está interessado em formas extralógicas de discurso. Avaliaremos também a tese de Tieleman segundo a qual Crisipo usa premissas persuasivas para fins construtivos. Em nossas conclusões, descartamos a tese sobre o reconhecimento de verdades extralógicas por Crisipo com base no ideal do sábio estoico. Concluímos que, no estoicismo, (1) pithanon refere-se principalmente a falsas afirmações, argumentos e representações e (2) que o sábio estoico não pode ser persuadido, mas pode persuadir seus ouvintes a fim de preparar suas almas para receber as doutrinas estoicas.

Palavras-chave:
Persuasão; Estoicismo; Lógica antiga; Helenismo

Abstract:

In the first part, we survey the occurrences of pithanon (‘persuasive’) and related terms in texts and fragments of Ancient Stoicism referring to the persuasiveness of assertibles and arguments, and fragments in which the Stoic logic is presented as the tool to avoid the persuasiveness of sophisms and the Stoic sage as the one who can efface this persuasiveness by his expertise in dialectics. Once it is done, we consider critically the assessments of Chiaradona, Sedley and Tieleman, for whom Chrysippus is interested in extra-logical forms of discourse, and also another thesis from Tieleman, according to which Chrysippus uses persuasive premises for constructive purposes. In our conclusions, we discard the thesis concerning Chrysippus' recognition of extra-logical truths, on the basis of the Stoic ideal of the sage. We conclude that, in Stoicism, (1) pithanon refers primarily to false assertibles, arguments and presentations and (2) the Stoic sage cannot be persuaded, but he can persuade his students in order to prepare their souls to receive the Stoic doctrines.

Keywords:
Persuasiveness; Stoicism; Ancient logic; Hellenism

Introdução

Nesta pesquisa, mostramos que a palavra grega pithanon (‘persuasivo’) e termos relacionados ocorrem, nos fragmentos estoicos, no sentido de algo persuasivo, mas enganoso, aplicado a asseríveis, premissas, argumentos e apresentações. Também avaliamos as avaliações de estudiosos que investigaram essa questão, como Chiaradona (2014, p. 74-75), Sedley (1982SEDLEY, D. (1982). On signs. In: BARNES, J. et al. (eds.), Science and Speculation: Studies in Hellenistic Theory and Practice. Cambridge, Cambridge University press , p. 239-72., p. 252) e Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p. 283), que afirmam que Crisipo tem algum tipo de interesse em formas extra-lógicas de discurso, e também a tese de Tieleman (1996, p. 265) segundo a qual Crisipo usa premissas persuasivas para fins construtivos. Discordamos da tese de que Crisipo reconheça a existência de verdades extra-lógicas baseando-nos no ideal do sábio estoico (como apresentado em PHerc. 1020 e alhures), o que impede seu consentimento a tais entidades epistêmicas. Chegamos à conclusão de que, no estoicismo, pithanon se refere principalmente a asserções, argumentos e representações (phantasiai)1 1 A noção de phantasia é de fundamental importância para a compreensão da filosofia estoica em questões lógicas, epistemológicas e éticas. Embora Cleantes e Crisipo considerem a phantasia uma modificação da capacidade racional, eles diferem na explicação dessa mudança. Para Lesses (1998, p. 6) Crisipo parece criticar Cleantes por aceitar uma concepção ingênua de phantasia mental, segundo a qual phantasiai perceptivas são cópias de qualidades de objetos representados (ver D.L. 7.50.4). Além disso, Annas (1991, pp. 74-5) entende que se supõe, nas observações de Crisipo, que as phantasiai são articuladas em forma proposicional ou linguística. Assim, a concepção de phantasia de Crisipo tem dois lados: por um lado, uma corpórea, pois é uma modificação da capacidade racional (ver D.L. 7.49 e Sexto, M. 8.56), por outro lado, uma incorpórea, pois essa modificação está associada a um axioma que descreve e avalia o que afeta a capacidade racional (ver Lesses, 1998, p. 6; D.L., 7.50.4; 7.65). Essa dualidade é expressa por Crisipo através de sua analogia entre phantasia e luz: assim como a luz se mostra e as coisas iluminadas, também a phantasia mostra a si mesma e a coisa que a produziu (ver Aécio, 4.12.1-5). Sobre o axioma, o equivalente estoico da proposição da lógica contemporânea, e também premissas e argumentos em estoicismo, ver abaixo. falsas, e é papel do sábio estoico ajudar seus ouvintes a dissolver a persuasão de falsas suposições por meio de explicações persuasivas, que não são argumentos verdadeiros. O sábio estoico não pode ser persuadido, mas pode persuadir seus ouvintes a fim de capacitá-los a reter o consentimento dado a opiniões falsas, preparando suas almas para receber as doutrinas estoicas relativas ao mundo e à alma humana. Em suma, ser persuadido é, para os estoicos, sinal de fraqueza, um efeito colateral da ausência de um conhecimento sistemático e estável sobre a realidade, um conhecimento próprio da alma do sábio. Mas, para preparar a alma de seus ouvintes para receber os princípios da filosofia, o sábio pode, às vezes, usar argumentos persuasivos, que não são válidos ou verdadeiros. O sábio, neste caso, conta uma falsidade a seus ouvintes, apresentando-lhes um argumento que sabe ser falso, mas o faz visando o bem deles.

As ocorrências de pithanon no antigo estoicismo

Voltando nossa atenção para as ocorrências da palavra pithanon ('persuasivo') e relacionadas nos fragmentos que nos chegaram de obras perdidas do antigo estoicismo, descobrimos que ocorrem, segundo o SVF, em Diógenes Laércio (D.L. 7.75 (= SVF fr. 2.201); 7.189 (= SVF fr. 2.13); 7.200 (= SFV fr. 2.16); 7.89 (= SVF fr. 3.228)), Plutarco (De stoic. rep. 1036 a ((= SVF fr. 2.270); 1055 ((= SVF fr. 2.993)), Sexto Empiricus (M. 7.242 (= SVF fr. 2.65)), Estobeu (Ecl. 2.108.5 (= SVF fr. 3.630)) e Galeno (SVF 3.229 a.). Além desses fragmentos, há passagens relevantes em Pherc. 1020, um papiro de Herculano que possivelmente contém um tratado de lógica de Crisipo.2 2 Ver mais informações à frente.

Todas essas passagens podem ser classificadas em três grupos básicos. O primeiro grupo coleta passagens referentes à persuasão de assertivas e argumentos, como em D.L. 7.75 (= SVF 2.201) e D.L. 7.78. O segundo grupo reúne fragmentos nos quais a lógica estoica é apresentada como a ferramenta para combater a persuasão dos sofismas e o sábio estoico como aquele que pode vencer essa persuasão por sua perícia em lógica, como em D.L. 7.47-8 (= SVF 2.130) e em PHerc. 1020. Por fim, o terceiro grupo reúne trechos referentes à persuasão das apresentações como uma das duas fontes de corrupção humana, como em D.L. 7.89 (= SVF 2.201). Nas páginas seguintes, fazemos um levantamento do primeiro e do segundo grupos desses fragmentos, deixando o último para outra oportunidade.

Primeiro Grupo: A noção de pithanon aplicada a asseríveis e argumentos no estoicismo

Diógenes Laércio menciona, em D.L. 7.189 (= SVF 2.13) ​​e em D.L. 7.200 (= SVF 2.16), os títulos de algumas obras perdidas de Crisipo contendo a palavra pithanon e termos relacionados. Entre as obras de lógica, há o título de um tratado intitulado Sobre as condicionais persuasivas, de Dioscórides, em quatro livros.3 3 D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ. Na primeira série de trabalhos relativos à taxonomia dos conceitos éticos, encontramos o título Premissas persuasivas para definições éticas, para Filomates, em três livros.4 4 D.L. 7.200: Πιθανὰ λήμματα εἰς τὰ δόγματα πρὸς Φιλομαθῆ γʹ. Na terceira série, referente à classificação dos conceitos éticos, encontramos os seguintes títulos: <Premissas> persuasivas em apoio às definições, dirigido a Dioscórides, dois livros5 5 D.L. 7.200 Πιθανὰ εἰς τοὺς ὅρους πρὸς Διοσκουρίδην βʹ. Esta ocorrência de pithanon não foi percebida Adler (que escreveu o index of SVF). e <Argumentos> persuasivos relacionados às taxonomias, gêneros e espécies, e o tratamento dos contrários, em um livro.6 6 D.L. 7.200: Πιθανὰ πρὸς τὰς διαιρέσεις καὶ τὰ γένη καὶ τὰ εἴδη καὶ <τὰ> περὶ τῶν ἐναντίων αʹ. O primeiro título nos informa que uma condicional pode ser persuasiva (pithane). Os próximos títulos mencionam premissas e argumentos persuasivos. Nada se sabe sobre o conteúdo dessas obras perdidas, mas de seus títulos podemos inferir que, para os estoicos, (a) asseríveis (axiomata)7 7 Já que condicionais e premissas são asseríveis. Axioma é definido como ‘um dizível (lekton) completo em si mesmo que pode ser asserido no que se refere a si mesmo’. Diógenes Laércio observa que a palavra axioma é derivada do verbo axioo, que significa primariamente o ‘ato de aceitar ou rejeitar’ (D.L. 7.65). Axiomata são as únicas entidades primariamente verdadeiras ou falsas (ver Sexto, M. 8.74, 8.12, D.L. 7.65-66), sendo verdadeiras quando são o caso e falsas quando não (ver Sexto, M. 8.10, 85; 88). Quanto aos dizíveis (lekta), ver Sexto, P. 2.104, D.L. 7.65.4-5. A palavra grega lekton é um adjetivo verbal do verbo lego (‘dizer’) e significa literalmente ‘o que pode ser dito’ e pode ser entendido como a significação das palavras. O lekton é o efeito do processo de pensar o que causou uma percepção. Como efeito, é chamado, pelos estoicos (sobre a causalidade estoica, ver LS (volume 1), p. 164-5, 169, 199, 271-2, 333-43, 387-8, 393). É também a marca distintiva de uma representação racional (phantasia, ver definição abaixo), pela qual pode ser linguisticamente articulada. Em outras palavras, um lekton (e consequentemente um axioma) não é algo por si, não existe por si mesmo, mas subsiste de acordo com uma representação racional (ver Sexto, M. 8.70 (= SVF, 2.187)). O lekton é objetivo desde que se refira a um determinado atributo de um corpo. Mas, como propriedade de uma phantasia, que é uma modificação da capacidade racional e algo corpóreo, ele subsiste apenas subjetivamente (LS 27D). Existem muitos tipos de lekta, mas, para os propósitos da presente investigação, concentraremos nossa atenção no axioma. e argumentos (logoi)8 8 D.L. 7.45.5: Um argumento silogístico (logos syllogismos) é definido como um sistema de premissas (lemmata) com uma conclusão (epiphora) (Εἶναι δὲ τὸν λόγον αὐτὸν σύστημα ἐκ λημμάτων καὶ ἐπιφορᾶς). ver also Sexto, A.L. 2.302: λόγος δέ ἐστιν [...] τὸ συνεστηκὸς ἐκ λημμάτων καὶ ἐπιφορᾶς ; P. 2.135; M. 8.302. A palavra symperasma é usada como sinônimo de epiphora tanto por Diógenes Laércio quanto por Sexto, o que parece sugerir que esses termos eram usados nos manuais estoicos de lógica. Ver também Galeno, Inst. Log. 3-4. podem ser persuasivos. Isso é confirmado por Diógenes Laércio, que cita, entre as espécies de asseríveis, os persuasivos:

[T1]

πιθανὸν δέ ἐστιν ἀξίωμα τὸ ἄγον εἰς συγκατάθεσιν, οἷον "εἴ τίς τι ἔτεκεν, ἐκείνη ἐκείνου μήτηρ ἐστί." ψεῦδος δὲ τοῦτο· οὐ γὰρ ἡ ὄρνις ᾠοῦ ἐστι μήτηρ.

Um asserível persuasivo é aquele que induz ao assentimento, por exemplo. “Se alguém pariu alguma coisa, é a mãe dessa coisa.” Isso, no entanto, não é necessariamente verdade, pois a galinha não é mãe de ovo. (D. L., 7.75 (= SVF fr. 2.201))9 9 Versão em português da tradução de Hicks com modificações.

Esta passagem, que define as assertivas persuasivas e a ilustra com uma condicional, relaciona-se com a obra perdida de Crisipo acima mencionada intitulada Sobre as condicionais persuasivas (pithana synemmena), a Dioscórides, em quatro livros.10 10 D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ. Sedley argumenta que a expressão pithanon synemmenon é um nome dado por Crisipo a uma conjunção negada na forma 'não é o caso que P e aquele não-Q.'11 11 Ver Sedley, 1977, p. 91, n.96, 97; 1982, p. 239-72, 253-55; 1984, p. 311-16. Ele apóia esta tese argumentando que, de acordo com D.L. 7.194, Crisipo escreveu um livro intitulado Logika synemmena, que contrasta com pitana synemmena. Barnes (2013BARNES, J. (2013). Pithana synnemena. In: BARNES, J (ed.). Logical Matters: Essays in Ancient Philosophy II. Oxford, Oxford University Press, p. 499-511., p.501-502) critica a posição de Sedley, apontando que, se isso for verdade, (i) “nenhum synemmenon que é pithanon é um pithanon synemmenon, pois nenhum synemmenon tem a forma 'não é o caso de P e não-Q' e (ii) 'nem todas as pithana synemmena são pithana. Pois é claro que nem todas as proposições da forma 'não é o caso de P e não-Q' sejam plausíveis.”12 12 Quanto a Cícero Fat. 15, em que Crisipo recomenda uma conjunção negada em vez de um condicional, Barnes (2012, p. 458) considera que Crisipo o faz porque essa condicional é falsa de acordo com o critério de Crisipo. Tieleman (1996, p. 259) conclui que ‘o valor epistêmico das inferências negativas feitas por Crisipo em PHP 3.7.4 e 2.5.15-6 é consistente com a interpretação de Sedley’. Barnes acrescenta que “em geral, a plausibilidade de uma proposição não é determinada por sua forma lógica: qualquer forma lógica (a menos que seja tautológica ou autocontraditória) terá instâncias plausíveis e não plausíveis”. De fato, o critério de uma boa condicional para os estoicos não é sua forma. Citando a Dialética de Crisipo e a Arte da dialética de Diógenes da Babilônia,13 13 Ambos os livros estão perdidos. Diógenes Laércio apresenta a definição de Crisipo de um condicional: um assertivo não simples “que está vinculado pela conjunção hipotética ‘se’” (D.L. 7.71).14 14 τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ "εἰ" συναπτικοῦ συνδέσμου. Synemmenon: particípio perfeito do verbo συνάπτω (‘unir’). Os gregos também usam a palavra semeion (ver Sexto, P. 2.110). Os romanos, por sua vez, usam ora adiunctum ora conexum (ver Gell. 16.8.9.10). Sexto também oferece o seguinte relato sobre o conceito de condicional de Crisipo:

[T2]

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον, ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ· καθ' οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά, ἐκεῖνο δὲ ἀληθές ‘εἰ ἡμέρα ἔστιν, ἡμέρα ἔστιν’

E aqueles que introduzem ‘conflito’ (mache) afirmam que uma condicional é verdadeira sempre que a contraditória da consequente estiver em conflito com a antecedente, de modo que, segundo eles […] a condicional 'Se é dia, é dia' é verdadeira. (Sexto, P. 2.111.5-112.1)15 15 Versão em português da tradução de Bury com modificações. Quanto à identificação da posição acima com a de Crisipo e dos estoicos, isso é feito cruzando outras citações sobre a concepção de condicional de Crisipo. As duas citações mais importantes que identificam essa concepção como sendo a de Crisipo são Cícero, Fat., 12-15 e D.L. 7.73.

O significado da noção de conflito (mache) envolvida na visão estoica sobre condicionais ainda é uma questão em aberto.16 16 Para diferentes pontos de vista sobre este assunto, ver Bobzien (2003, p. 95) e Long & Sedley (1987b, p. 35). No entanto, podemos afirmar com certeza que a incompatibilidade formal é um de seus fundamentos, pois se consideram verdadeiras condicionais como “Se há luz, há luz” (ver Cícero, Acad., 2.98).17 17 Mas casos de incompatibilidade empírica também são mencionados por fontes antigas - por exemplo: ‘Se o coração de Teognis for ferido, Teognis morrerá’ (Sexto, M. 8.254-5), assim como casos de incompatibilidade analítica - por exemplo: ‘Se Platão caminha, Platão se move’ (Gell. 16.8.9.1).

O conceito de condicional de Crisipo exige uma conexão conceitual entre a antecedente e a consequente, porque, para ele, uma condicional é verdadeira se e somente se a contraditória da consequente conflitar com a antecedente, ou, em notação moderna:

(p → q) IFF (p & ~q) |- conflito.

Efetivamente, no exemplo de T1 de uma condicional persuasiva, ‘Se alguém pariu alguma coisa, é a mãe dessa coisa’, a contraditória da consequente não está em conflito com a antecedente. No entanto, a referida condicional parece ser verdadeira, pelo que é persuasiva, induzindo ao assentimento. A aparência de verdade dessa condicional em T1 é desmascarada por essa explicação, que, por sua vez, se fundamenta no critério estoico de uma condicional verdadeira. Isso parece ser confirmado por outra passagem de D.L.:

[T3]

ἀσυλλόγιστοι δ' εἰσὶν οἱ παρακείμενοι μὲν πιθανῶς τοῖς συλλογιστικοῖς, οὐ συνάγοντες δέ, οἷον "εἰ ἵππος ἐστὶ Δίων, ζῷόν ἐστι Δίων· ἀλλὰ μὴν ἵππος οὐκ ἔστι Δίων· οὐκ ἄρα ζῷόν ἐστι Δίων.

Os argumentos não silogísticos são aqueles que se assemelham persuasivamente aos argumentos silogísticos, mas não são provas válidas; por exemplo. ‘Se Dion é um cavalo, ele é um animal; mas Dion não é um cavalo, portanto ele não é um animal’. (D. L., 7.78)

Esta passagem relaciona-se com a teoria estoica dos argumentos (logoi), que os estoicos dividem em conclusivos ou válidos (synaktikoi ou perantikoi) e inconclusivos ou inválidos (asynaktoi ou aperantoi). Eles são conclusivos quando a condicional correspondente formada pela conjunção das premissas como antecedente e a conclusão como consequente é verdadeira de acordo com o critério crisipiano de condicional, e inconclusiva no caso contrário.18 18 Sexto P.. 2.137 1-5: τῶν δὲ λόγων οἱ μέν εἰσι συνακτικοὶ οἱ δὲ ἀσύνακτοι, συνακτικοὶ μέν, ὅταν τὸ συνημμένον τὸ ἀρχόμενον μὲν ἀπὸ τοῦ διὰ τῶν τοῦ λόγου λημμάτων συμπεπλεγμένου, λῆγον δὲ εἰς τὴν ἐπιφορὰν αὐτοῦ, ὑγιὲς ᾖ, οἷον ὁ προειρημένος λόγος συνακτικός ἐστιν, ἐπεὶ τῇ διὰ τῶν λημμάτων αὐτοῦ συμπλοκῇ ταύτῃ ‘ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν’ ἀκολουθεῖ τὸ ‘φῶς ἔστιν’ ἐν τούτῳ τῷ συνημμένῳ ‘[εἰ] ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν.’ ἀσύνακτοι δὲ οἱ μὴ οὕτως ἔχοντες.

T3 diz que “argumentos não silogísticos são aqueles que persuasivamente (pithanon) se assemelham a argumentos silogísticos, mas não são provas válidas, como quando, a partir de uma condicional mais a negação de seu antecedente se afirma a negação do consequente”. O exemplo dado é uma instância do sofisma da negação do antecedente ou falácia Inversa, que ocorre quando, a partir de uma condicional mais a negação de seu antecedente, se afirma a negação do consequente. Mas não é óbvio que isto seja uma falácia.19 19 Os estoicos, como os lógicos modernos, reconhecem apenas dois tipos básicos de argumentos válidos com condicionais: o modus ponens (Se A, então B; A; logo B - ver D.L. 7.80; Sexto, M. 8.157; Galeno, Inst. Log., 15 etc.) e modus tollens (Se A, então B; ~B; logo ~A - ver D.L. 7.80; Sexto, M. 8.225; Galeno, Inst. Log., 15 etc.). De fato, para a maioria da humanidade sem conhecimento em lógica formal, parece um modo válido de raciocínio. Somente o conhecimento lógico pode fazer desvanecer essa aparência de verdade.

Resumindo o que vimos nesta seção, podemos afirmar com certeza que a noção de asserível persuasivo já está presente em Crisipo, pois aparece nos títulos de duas de suas obras perdidas sobre lógica. Por outro lado, a definição de asserível persuasivo (axioma pithanon) está presente entre os fragmentos de Crisipo. De fato, uma das obras perdidas de Crisipo sobre lógica discute condicionais persuasivas (Sobre condicionais persuasivas, a Dioscórides, em quatro livros),20 20 D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ. e a definição de axioma pithanon em T3 é seguida pelo exemplo de uma condicional ('Se alguém deu à luz alguma coisa, é a mãe daquela coisa'). Além disso, em T1 e T3, o conceito de persuasivo (pithanon) está ligado a algo que é enganoso: ambas as condicionais dadas como exemplos em T1 e T3 são instâncias de argumentos inválidos.

Segundo grupo: a lógica estoica (dialektike) como ferramenta para evitar a persuasão dos sofismas e o sábio estoico como persuasivo:

Os fragmentos a seguir são evidências de que, para os estoicos, a lógica tem como uma de suas funções desvendar a persuasão enganosa dos sofismas. Além disso, o sábio estoico, como personificação da filosofia, apresenta-se como aquele que tem a capacidade de desmascarar sofismas e falsos raciocínios em geral:

[T4]

τὸν γοῦν κατὰ φιλοσοφίαν λόγον τρίδυμον ὄντα τοὺς παλαιοὺς ἀγρῷ φασιν ἀπεικάσαι, τὸ μὲν φυσικὸν αὐτοῦ δένδροις καὶ φυτοῖς παραβάλλοντας, τὸ δ' ἠθικὸν καρποῖς, ὧν ἕνεκα καὶ τὰ φυτά, τὸ δ' αὖ λογικὸν φραγμῷ καὶ περιβόλῳ· καθάπερ γὰρ τὸ περικείμενον τεῖχος ὀπώρας καὶ φυτῶν τῶν κατὰ τὸν ἀγρόν ἐστι φυλακτήριον τοὺς ἐπὶ τῷ σίνεσθαι παρεισφθείρεσθαι βουλομένους ἀνεῖργον, τὸν αὐτὸν τρόπον τὸ λογικὸν μέρος φιλοσοφίας φρουρά τίς ἐστιν ὀχυρωτάτη τῶν δυεῖν ἐκείνων, ἠθικοῦ τε καὶ φυσικοῦ· τὰς γὰρ διπλᾶς καὶ ἀμφιβόλους ὅταν ἐξαπλοῖ λέξεις καὶ τὰς διὰ τῶν σοφισμάτων πιθανότητας ἐπιλύῃ καὶ τὴν εὐπαράγωγον ἀπάτην, μέγιστον ψυχῆς δέλεαρ καὶ ἐπιζήμιον, ἀναιρῇ διὰ λόγων ἐμφαντικωτάτων καὶ ἀποδείξεων ἀνενδοιάστων, ὥσπερ κηρὸν λελειασμένον τὸν νοῦν ἀπεργάζεται ἕτοιμον δέχεσθαι τούς τε φυσιολογίας καὶ τοὺς ἠθοποιίας ἀσινεῖς καὶ πάνυ δοκίμους χαρακτῆρας.

Os antigos comparam os princípios da filosofia, sendo tríplices, a um campo: comparando a filosofia natural a árvores e plantas; a filosofia moral a frutos, por causa dos quais as plantas são plantadas; e a lógica à sebe ou a uma cerca: pois assim como o muro que se ergue ao redor, sendo o guardião das plantas e dos frutos que estão no campo, afastando todos aqueles que desejam prejudicá-los e destruí-los, da mesma maneira, a parte lógica da filosofia é o tipo de proteção mais forte possível para as outras duas partes, a filosofia moral e a filosofia natural; pois quando simplifica expressões duplas e ambíguas, e quando resolve a especiosa persuasão emaranhada em sofismas e destrói totalmente os enganos sedutores, o maior encantamento e ruína da alma, por meio de sua própria linguagem expressiva e clara e suas demonstrações inequívocas, torna toda a alma lisa como a cera e pronta para receber todas as impressões inocentes e muito louváveis ​​da sã filosofia natural e moral. (Crisipo, fragmento 39 [Philo, De agricultura (On husbandry), III, par. 14) 21 21 Versão em português da tradução de Yonge (1993).

Nesta passagem, a filosofia e seus princípios são comparados a um pomar: três e plantas correspondem à física; frutos, à ética; e lógica, à cerca de uma cerca protetora, cuja função é guardar a física e a ética da persuasão dos sofismas, preparando a alma para receber os princípios da filosofia. A lógica é apresentada como um conhecimento útil tanto para a defesa, protegendo as partes éticas e físicas da filosofia, quanto para a preparação, literalmente limpando a alma dos falsos raciocínios. Como o sábio estoico domina a lógica e é o verdadeiro dialético,22 22 Ver também Ar. Did., Epítome de ética estoica, 5b12 (= SVF 3.604). ele é, ao mesmo tempo, o mais apto a cumprir essa dupla tarefa de defender os princípios da filosofia estoica e preparar a alma de seus ouvintes para receber tais princípios. Sexto parece estar falando sobre essa mesma concepção de lógica como ferramenta protetora e preparatória na seguinte passagem sobre lógica e a solução de sofismas persuasivos:

[T5]

Οὐκ ἄτοπον δὲ ἴσως καὶ τῷ περὶ τῶν σοφισμάτων ἐπιστῆσαι λόγῳ διὰ βραχέων, ἐπεὶ καὶ εἰς τὴν τούτων διάλυσιν ἀναγκαίαν εἶναι λέγουσι τὴν διαλεκτικὴν οἱ σεμνύνοντες αὐτήν. εἰ γὰρ τῶν τε ἀληθῶν καὶ ψευδῶν λόγων, φασίν, ἐστὶν αὕτη διαγνωστική, ψευδεῖς δὲ λόγοι καὶ τὰ σοφίσματα, καὶ τούτων ἂν εἴη διακριτικὴ λυμαινομένων τὴν ἀλήθειαν φαινομέναις πιθανότησιν. ὅθεν ὡς βοηθοῦντες οἱ διαλεκτικοὶ σαλεύοντι τῷ βίῳ καὶ τὴν ἔννοιαν καὶ τὰς διαφορὰς καὶ τὰς ἐπιλύσεις δὴ τῶν σοφισμάτων μετὰ σπουδῆς ἡμᾶς πειρῶνται διδάσκειν, λέγοντες σόφισμα εἶναι λόγον πιθανὸν καὶ δεδολιευμένον ὥστε προσδέξασθαι τὴν ἐπιφορὰν ἤτοι ψευδῆ ἢ ὡμοιωμένην ψευδεῖ ἢ ἄδηλον ἢ ἄλλως ἀπρόςδεκτον.

Sem dúvida, é inoportuno dedicar algum tempo também à questão dos sofismas, já que aqueles que enaltecem a dialética dizem que ela é indispensável para a sua solução. Pois, dizem eles, se a dialética é a ciência que distingue entre argumentos verdadeiros e falsos, então a dialética será capaz de discriminar essas coisas que mancham a verdade com aparente persuasão. É por isso que os dialéticos, como que socorrendo o vacilante senso comum, procuram seriamente nos ensinar o conceito e as variedades e as resoluções dos sofismas. Eles dizem que um sofisma é um argumento persuasivo e traiçoeiro que leva a aceitar a consequência que é falsa ou semelhante a algo falso ou obscuro ou de alguma outra forma inaceitável. (Sexto, P. 2.229 ss.) 23 23 Versão em português da tradução de Annas e Barnes (2000) com pequenas modificações.

Segundo Sexto, a dialética é vista por aqueles que a exaltam, grupo que deve incluir tanto os estoicos quanto os peripatéticos, como o único conhecimento disponível que, pela distinção que opera entre argumentos verdadeiros e falsos, permite resolver as muitas variedades de sofismas, que são definidos como argumentos persuasivos e enganosos que levam a aceitar (prodexasthai) uma consequência logicamente inaceitável. De fato, Crisipo considera dissolver a persuasão das concepções dos Acadêmicos como um passo necessário para o domínio da filosofia, pois dialetizar (dialegesthai) para dissolver a persuasão (dialuontas pithanon) dos argumentos das escolas filosóficas oponentes é tanto preparatório quanto pedagógico:

[T6

Τὸ πρὸς τὰ ἐναντία διαλέγεσθαι καθόλου μὲν οὔ φησιν ἀποδοκιμάζειν, χρῆσθαι δὲ οὕτω παραινεῖ, μετ' εὐλαβείας ὥσπερ ἐν τοῖς δικαστηρίοις, μὴ μετὰ συνηγορίας ἀλλὰ διαλύοντας αὐτῶν τὸ πιθανόν· ‘τοῖς μὲν γὰρ ἐποχὴν ἄγουσι περὶ πάντων ἐπιβάλλει’ φησί ‘τοῦτο ποιεῖν καὶ συνεργόν ἐστι πρὸς ὃ βούλονται· τοῖς δ' ἐπιστήμην ἐνεργαζομένοις καθ' ἣν ὁμολογουμένως βιωσόμεθα, τὰ ἐναντία, στοιχειοῦν καὶ καταστοιχίζειν τοὺς εἰσαγομένους ἀπ' ἀρχῆς μέχρι τέλους· ἐφ' ὧν καιρός ἐστι μνησθῆναι καὶ τῶν ἐναντίων λόγων, διαλύοντας αὐτῶν τὸ πιθανόν, καθάπερ καὶ ἐν τοῖς δικαστηρίοις·’

Quanto ao uso de argumentos contrários, ele diz que não a rejeita universalmente, mas nos exorta a usá-los com cautela, como é feito nas petições, não com o objetivo de refutar realmente, mas dissolver sua persuasão. ‘Para aqueles’, diz ele, ‘que procuram uma suspensão do consentimento em relação a todas as coisas, é conveniente fazer isso e coopera com o que desejam; mas quanto àqueles que querem trabalhar e estabelecer em nós uma certa ciência segundo a qual professamos viver, eles devem, ao contrário, enunciar os primeiros princípios e orientar seus noviços que são iniciados do começo ao fim; e quando houver ocasião para fazer menção a discursos contrários, dissolver sua persuasividade, como é feito nas petições.' (Crisipo, fragmento 127 [Plutarco, De rep. stoic. 1035F ss.]) 24 24 Versão em português da tradução de Goodwin (1874), com pequenas modificações.

Crisipo propõe o uso de argumentos contrários (dialegesthai)25 25 A própria filosofia é definida em PHerc. 1020, 108.12. como a prática ou ciência da correção da razão, e a lógica é a ciência do dialegesthai correto. Benjamin Morison (2019) explica que, para os céticos, “considerar se P requer ou não que se considere ambos os lados da questão se P, ou seja, que se considere argumentos a favor de P e argumentos a favor de não-P (ou , mais geralmente, de algo incompatível com P; ver PH I 10). Não seria suficiente, por exemplo, olhar para um argumento a favor de P e então rejeitar esse argumento como inválido; embora fazê-lo de fato não deixaria ninguém acreditando em P nem em não-P (assumindo que não houvesse mais evidências de qualquer maneira), não se consideraria os dois lados da questão, uma vez que ainda não se consideraria nenhum argumento a favor de não-P. P... O cético tem... uma obstinação que resulta no intenso escrutínio de todos os lados de uma questão. Isso, por sua vez, explicará como é que alguém acabaria com a habilidade cética: esse escrutínio intenso levará o escrutinador a desenvolver a habilidade de apresentar considerações falando aos dois lados de uma questão e avaliá-las para o convencimento.” como um exercício a ser usado com cautela para dissolver a persuasão (dialuontas pithanon) dos argumentos, como se faz nos tribunais (en tois dikasteriois), mas não para refutá-los (apodokimazein). A passagem implica que, para Crisipo, o uso de argumentos contrários tem valor retórico, mas não valor lógico estrito, e que a persuasão pode ser dissolvida por meio de artifícios retóricos.26 26 Como observa corretamente Chiaradona (2014, p. 75), os estoicos distinguem entre persuasividade, certeza e cogência lógica.

O termo “lógica” (ta logika) é usado pelos estoicos em um sentido mais amplo do que o que usamos hoje. Para eles, os estudos lógicos incluem retórica, epistemologia (teoria da representação), teoria da linguagem e dialética (dialektike).27 27 Ver D.L. 7.43.5 - 7.44.1. Esta última é semelhante ao que hoje chamamos de “cálculo proposicional”, embora não coincidente. Crisipo nos adverte que o professor estoico, ao contrário de seu colega cético, não deve aplicar universalmente o exercício da disputa em ambos os lados, porque o estoicismo, diferentemente do ceticismo, tem princípios que os alunos devem aprender e concordar. Na passagem acima, pithanon tem novamente o sentido negativo de algo enganosamente falso, uma vez que, para Crisipo e outros estoicos, as opiniões das escolas oponentes que conflitam com os princípios estoicos são falsas. Sua falsidade, no entanto, não pode ser demonstrada para iniciantes no estoicismo, pois carecem de conhecimento lógico para entender demonstrações lógicas e distingui-las das falsas. Por esta razão, seu professor tem apenas uma ferramenta disponível: dissolver retoricamente sua capacidade de persuasão28 28 Tieleman (1996, p. 259) observa que “Crisipo prescreveu minar a persuasão das visões opostas como um princípio padrão metodológico, acomodando assim as técnicas dialéticas dos Acadêmicos”. por meio de algum dispositivo retórico e persuasivo. De fato, o sábio estoico é retratado como alguém que é persuasivo e encantador, ou seja, capaz de usar a retórica para bons propósitos:

[T7]

τὸν δὲ σπουδαιον, ὁμιλητικὸν διὰ τῆς ὁμιλίας εἰς εὔνοιαν καὶ φιλίαν, ὡς δυνατὸν εὐάρμοστον εἴναι πρός πλῆθος ἀνθρώπον, παρ' ὃ καὶ ἐπαφρόδιτον εἴναι καὶ ἐπικάριν καὶ πιθανόν.

O humano valoroso, sendo afável, inteligente, encorajador e capaz de caçar a boa vontade e a amizade por meio de associação, é tão complacente quanto possível com a massa de humanos, em relação à qual ele também é encantador, gracioso e persuasivo. (Estobeu, Ecl. 2.108.5 (= SVF fr. 3.630)) 29 29 Versão em português da tradução de Pomeroy (1999) com pequenas modificações. Ver Plutarco, Ant. 80, Prae. ger. reip.. 814d, Apophth. 207 a-b; Dio 51.16.3-4. De acordo com Alessandrelli e Ranocchia (2017, p. 8 -9), o autor de PHerc. 1020 é ou Crisipo ou Diógenes da Babilônia ou Antípatro de Tarso, mas as evidências apontam sobretudo para Crisipo. Ver também PHerc. 109, 4-15.

PHerc. 1020 representa o sábio estoico também como formidável (deinos) em perguntas e respostas.30 30 PHerc. 109,4-15. Diógenes Laércio, 7.47-8 (= SVF, 2.130) relata o mesmo sobre o sábio estoico, seu domínio da lógica e sua competência em perguntas e respostas: “Sem o estudo da dialética, dizem eles, o homem sábio não pode se defender no argumento de modo a nunca tropeçar; pois tal estudo permite-lhe distinguir entre verdade e falsidade, e discriminar o que é persuasivo e o que é expresso de forma ambígua, e sem isso ele não pode fazer perguntas metodicamente e dar respostas.' (οὐκ ἄνευ δὲ τῆς διαλεκτικῆς θεωρίας τὸν σοφὸν ἄπτωτον ἔσεσθαι ἐν λόγῳ· τό τε γὰρ ἀληθὲς καὶ τὸ ψεῦδος διαγινώσκεσθαι ὑπ' αὐτῆς καὶ τὸ πιθανὸν τό τ' ἀμφιβόλως λεγόμενον διευκρινεῖσθαι· χωρίς τ' αὐτῆς οὐκ εἶναι ὁδῷ ἐρωτᾶν καὶ ἀποκρίνεσθαι). Além disso, o sábio tem uma vida feliz, e faz tudo corretamente, porque não comete erros e não pode ser enganado (PHerc. 108 1-5). Essa excelência do sábio em perguntas e respostas está associada a uma das definições de dialética relatadas por D.L. (7.42), como 'a ciência de discursar corretamente em perguntas e respostas.'31 31 τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων. (Versão em português da tradução de Hicks, 1972) Diógenes Laércio (D.L. 7.62) nos informa outras duas definições estoicas de dialética: ‘A ciência do que é verdadeiro, falso e nem verdadeiro nem falso’ (Possidônio) e ‘sobre significados e significações’ (Crisipo) (Διαλεκτικὴ δέ ἐστιν, ὥς φησι Ποσειδώνιος, ἐπιστήμη ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐθετέρων· τυγχάνει δ' αὕτη, ὡς ὁ Χρύσιππός φησι, περὶ σημαίνοντα καὶ σημαινόμενα). Long a compreende como 'argumentos em forma de perguntas e respostas'.32 32 Long, 1978, p. 86. Long observa (idem, p. 88) que ‘argumentos por perguntas e respostas eram a mais característica conotação filosófica de dialética, derivada do sentido ordinário da palavra ‘conversar’ (dialegesthai) e dos métodos socrático e sofístico de argumentação’. Para ele, esta é a definição estoica mais antiga da dialética, mas não é distintamente estoica, descrevendo a 'dialética de uma maneira que se ajusta à concepção geral do termo no início do período helenístico'.33 33 Long, 1978, p. 87-88.

PHerc. 1020, fragmento de tratado cujo autor pode ser o próprio Crisipo,34 34 Alessandrelli; Ranochia, 2017. informa-nos também que, para os estoicos, o sábio ideal não tem opiniões (me doxazein ton sophon) nem suposições (dokein), porque ambas não são cognitivas (akataleptos).35 35 PHerc. 104, 9-20. Além disso, ele não pode ser refutado ou estar em conflito consigo mesmo, nem pode ser persuadido,36 36 PHerc. 105 1-4. porque ele nunca dá seu assentimento a UMA falsa representação (phantasia) ou suposição (hypolepsis)37 37 PHerc. 105 7-9. e nada ignora (meden agnoein).38 38 PHerc.107 1-5. O mesmo é dito por Ário: “Dizem que o sábio nunca assume o que é falso, nem concorda com o que não pode ser apreendido, pois não forma opinião nem é ignorante em qualquer assunto. Pois a ignorância é um assentimento mutável e débil. Porém, o sábio não assente a nada de maneira débil, mas sim com segurança e firmeza. Por isso, o sábio também não forma opinião”.(Ari. Did., Epítome de ética estoica 11m = Estobeu, Ecl. II 111,18 W = SVF 3. 548). Versão em português da tradução de Pomeroy (1999). Ver também Cícero, Acad. 1.41-2 (= SVF 1.60).

Em suma, o sábio estoico convence, revelando através do diálogo a falsidade de raciocínios que corrompem a alma de seus ouvintes, preparando-os para acolher os princípios da filosofia estoica. Mas ele não pode ser persuadido, porque ele tem um conhecimento verdadeiro que não pode ser mudado, enquanto seus ouvintes, desde que não sejam eles mesmos sábios estoicos, necessariamente carecem de conhecimento em muitos pontos sobre as três partes da filosofia e erroneamente assentiram a falsos argumentos e sofismas que devem ser esclarecidos através da persuasão e das habilidades lógicas do sábio.

Discussão

Resumindo as evidências que obtivemos em nosso levantamento na seção anterior, podemos afirmar que o termo pithanon ocorre, nos fragmentos estoicos, no sentido de algo persuasivo, mas enganoso, aplicado a asseríveis, premissas e argumentos. As avaliações dos estudiosos sobre o pithanon no estoicismo chegaram a duas conclusões principais sobre ele, que são: (a) as premissas e argumentos do pithanon podem ser usados para fins construtivos; (b) o sábio estoico ocasionalmente confia em premissas (e argumentos) persuasivos e verdadeiros. Examinemos agora essas teorias.

Chiaradona,39 39 Chiaradona, 2014, p. 74-5. depois de reconhecer que 'não há consenso quanto à atitude de Crisipo em relação ao pithanon', já que 'Crisipo nunca fez uso extensivo da noção... e considerou principalmente o que é persuasivo como fonte ou erro', sugere que, em PHP 2.5.17-20,40 40 Nessa passagem, Galeno nos informa uma passagem na qual Crisipo apresenta uma certa premissa como persuasiva e verdadeira. 'Crisipo se refere às observações persuasivas como argumentos suplementares em apoio à ideia de que o coração é a sede do pensamento', o que o leva à conclusão de que 'de acordo com Crisipo, argumentos persuasivos podem ser usados como suporte para concepções verdadeiras (PHP 2.5.17-20) e falsas' (PHP 3.8.4).41 41 Nessa passagem, Galeno nos informa um fragmento de Crisipo no qual uma premissa é apresentada como persuasiva e falsa.

Sedley, embora concorde que Crisipo confine “o pithanon no estoicismo a um papel meramente suplementar” (1982, p.273) e “que o procedimento de Crisipo' corresponde ao terceiro dos três níveis de 'convencimento' (pithanon) de Carnéades,”42 42 Ou ‘representação convincente’ (pithane phantasia), como exposto por Sexto (Math. 8.176-189). argumenta que “esta metodologia... primitiva é estoica na origem e presumivelmente crisipiana.” (1982, p.275) 43 43 Mas ele não oferece nenhuma evidência para apoiar sua afirmação.

Comentando Plut. SR 1036E (= SVF III 271),44 44 Citado acima. Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., 265) argumenta cautelosamente “que Crisipo parece implicar que, no embate dialético, o pithanon também pode ser usado para fins construtivos, ou seja, pode servir para induzir ou fortalecer a compreensão de uma apresentação verdadeira. De qualquer forma, o fato de um argumento ser 'meramente' convincente não o torna totalmente impróprio para discussão filosófica.” Tieleman afirma que Crisipo pensa que premissas persuasivas e verdadeiras podem ser preparatórias para demonstrações reais, sugerindo que "o convincente e o logicamente convincente estão muito mais próximos um do outro do que o primeiro termo sugere".

Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p.249) também afirma que o desenvolvimento do conceito de pithanon no estoicismo tem como pano de fundo as discussões filosóficas helenísticas ou, mais especificamente, o debate entre estoicos e acadêmicos. (1996, p. 256) Segundo sua visão, o pithanon teria como oposto o conceito de atopos ou apithanon (termos que significam 'implausível', 'paradoxal'), conceitos que foram importantes na “dialética peripatética, mas muito menos familiares como ferramenta da técnica argumentativa de Crisipo.” (1996, 255-6) Tieleman conta como evidências que sustentam seu ponto de vista os títulos das obras perdidas de Crisipo já mencionadas acima, o quais, como vimos, por si sós não sugerem nada sobre o caráter das premissas e definições persuasivas envolvidas, que podem ser verdadeiras ou falsas. (1996, 257) 45 45 7.199.5 - 200 Πιθανὰ λήμματα εἰς τὰ δόγματα πρὸς Φιλομαθῆ γʹ, Πιθανὰ εἰς τοὺς ὅρους πρὸς Διοσκουρίδην βʹ, Πιθανὰ πρὸς τὰς διαιρέσεις καὶ τὰ γένη καὶ τὰ εἴδη καὶ <τὰ> περὶ τῶν ἐναντίων αʹ. Ele admite que não há evidência explícita de que Crisipo relacionou “apithanon e atopia do modo que seus oponentes acadêmicos o fizeram.” Entretanto, ele crê que podemos deduzir isso de Sexto, P. II, 251: “O argumento proposto nos leva ou a algo inaceitável ou a algo que deveríamos aceitar. Se for a segunda opção, concordaremos com ela sem absurdo. Se nos leva a algo inaceitável, não precisamos concordar precipitadamente com o absurdo por causa de sua capacidade de persuasão…” (ὁ ἐρωτώμενος λόγος ἤτοι ἐπί τι ἀπρόσδεκτον ἡμᾶς ἄγειἢ ἐπί τι τοιοῦτον ὡς χρῆναι αὐτὸ προσδέχεσθαι. ἀλλ' εἰ μὲν τὸ δεύτερον, οὐκ ἀτόπως αὐτῷ συγκαταθησόμεθα· εἰ δὲ ἐπί τι ἀπρόσδεκτον, οὐχ ἡμᾶς τῇ ἀτοπίᾳ δεήσει συγκατατίθεσθαι προπετῶς διὰ τὴν πιθανότητα… (Versão em portguês da tradução de Annas e Barnes com pequenas modificações’). Tieleman sugere ainda que há um argumento estoico ou crisipiano nesta passagem e “que o argumento estoico original precisa ser desembaraçado dos comentários críticos de Sexto”, mas ele reconhece também que as evidências são escassas (Tieleman, 1996, p. 257). Ver também SVF 2.275.

Sedley (1982SEDLEY, D. (1982). On signs. In: BARNES, J. et al. (eds.), Science and Speculation: Studies in Hellenistic Theory and Practice. Cambridge, Cambridge University press , p. 239-72., p.252) afirma que Crisipo tem interesse em formas extralógicas de discurso, uma vez que o filósofo estoico "reconhecia que existem verdades que não são logicamente demonstráveis, e... ele deve às vezes se satisfazer com o equilíbrio de plausibilidades", argumentando que Crisipo “reconhecia que existem verdades que não são logicamente demonstráveis.” (Chiaradonna, 2014, p.75-6) Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p.283) também concorda com essa tese, argumentando que “na vida cotidiana a apresentação 'convincente' será suficiente na maioria dos casos”.

Conclusões

Como vimos acima, PHerc.1020 descreve o sábio como não tendo opiniões (me doxazein ton sophon), nem suposições (dokein), porque ambas não são cognitivas (akataleptos) e o sábio não pode ser refutado, nem estar em conflito com si mesmo, nem se deixar persuadir (PHerc. 105 1-4), uma vez que ele necessariamente não dá assentimento a qualquer falsa representação ou suposição; (PHerc.105 7-9) pois ele nada ignora (meden agnoein).

Para os estoicos, os asseríveis são as únicas entidades que são primariamente verdadeiras ou falsas, sendo verdadeiras quando são o caso e falsas no caso contrário.46 46 Sexto, M.. 8:10: “O asserível verdadeiro é aquele que é o caso (to hyparchei) e é contraditório a algo, isto é, a outro asserível, e o asserível falso é aquele que não é o caso (ouk to hyparchei) e é contraditório a algo' (minha tradução do grego). ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ' αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι, καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι (ver also Sexto, M. 8:85; 88; D.L. 7.65). Em outras palavras, um asserível expresso por uma sentença é verdadeiro quando corresponde a um estado de coisas ou à realidade, e é falsa no caso contrário.47 47 Como observado por Shields (1993, p.325), a ortodoxia estoica proclama três visões fundamentais sobre phantasiai e axiomata: (1) phantasiai podem ser ditas verdadeiras e falsas (ver Sexto, M.. 7.242-46); (2) apenas axiomata são estritamente verdadeiros e falsos, (ver Sexto, M. 8.74); (3) nenhuma phantasia é um axioma, já que phantasiai são impressões ou modificações da alma, enquanto axiomata são lekta e, por esta razão, incorpóreos (ver Sexto, M. 7.74, 7.151-57). Podemos deduzir dessas premissas que uma phantasia pode ser chamada verdadeira ou falsa na medida em que se relacione a um axioma verdadeiro ou falso. As representações são ditas verdadeiras ou falsas apenas indiretamente, ou seja, uma representação é compreensiva se estiver relacionada a um asserível verdadeiro, e não compreensiva no caso contrário. Se apenas os asseríveis são, estritamente falando, verdadeiros e falsos, eles são as únicas entidades às quais os humanos podem dar assentimento.

Os argumentos são divididos em conclusivos ou válidos (synaktikoi ou perantikoi) e inconclusivos ou inválidos (asynaktoi ou aperantoi).48 48 Ver Sexto Pyr. 2.137 1-5: τῶν δὲ λόγων οἱ μέν εἰσι συνακτικοὶ οἱ δὲ ἀσύνακτοι, συνακτικοὶ μέν, ὅταν τὸ συνημμένον τὸ ἀρχόμενον μὲν ἀπὸ τοῦ διὰ τῶν τοῦ λόγου λημμάτων συμπεπλεγμένου, λῆγον δὲ εἰς τὴν ἐπιφορὰν αὐτοῦ, ὑγιὲς ᾖ, οἷον ὁ προειρημένος λόγος συνακτικός ἐστιν, ἐπεὶ τῇ διὰ τῶν λημμάτων αὐτοῦ συμπλοκῇ ταύτῃ ‘ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν’ ἀκολουθεῖ τὸ ‘φῶς ἔστιν’ ἐν τούτῳ τῷ συνημμένῳ ‘[εἰ] ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν.’ ἀσύνακτοι δὲ οἱ μὴ οὕτως ἔχοντες. Ver também Sexto Math. 8.415; Pyr. 2.249; 2.137 1-5). Diferentemente da lógica moderna, os estoicos classificam os argumentos em verdadeiros e falsos, sendo verdadeiros quando chegam às conclusão por meio de premissas verdadeiras e falsos quando são inconclusivos ou possuem premissas falsas. (D.L. 7.79.) Isso implica que, enquanto tanto o sábio estoico quanto o resto dos humanos podem dar assentimento apenas a entidades como asseríveis e argumentos, e indiretamente a representações, o sábio estoico só pode dar seu assentimento a asseríveis e argumentos verdadeiros, sendo estes últimos ao mesmo tempo verdadeiros e válidos e, de forma derivada, a representações compreensivas (ou verdadeiras). Além disso, o sábio estoico possui conhecimento científico, que é um sistema de representações compreensivas racionais intrinsecamente estável e imutável (Estobeu Ecl. 2.73, 16 - 74, 3 (= SVF 3.112, part.)). Isso, aparentemente, não deixa espaço para a possibilidade de o sábio concordar com verdades extralógicas, sejam elas quais forem.

Tieleman afirma que a tese do sábio estoico concordando com verdades extralógicas pode ser apoiada pela anedota de Esfero citada em D.L. 7.177 (= SVF I 625), argumentando que tal é prova de que às vezes o sábio se satisfaz com o mero provável:

[T8]:

Τούτου… ἤκουσε μετὰ Ζήνωνα καὶ Σφαῖρος ὁ Βοσποριανός, ὃς προκοπὴν ἱκανὴν περιποιησάμενος λόγων εἰς Ἀλεξάνδρειαν ἀπῄει πρὸς Πτολεμαῖον τὸν Φιλοπάτορα. λόγου δέ ποτε γενομένου περὶ τοῦ δοξάσειν τὸν σοφὸν καὶ τοῦ Σφαίρου εἰπόντος ὡς οὐ δοξάσει, βουλόμενος ὁ βασιλεὺς ἐλέγξαι αὐτόν, κηρίνας ῥόας ἐκέλευσε παρατεθῆναι· τοῦ δὲ Σφαίρου ἀπατηθέντος ἀνεβόησεν ὁ βασιλεὺς ψευδεῖ συγκατατεθεῖσθαι αὐτὸν φαντασίᾳ. πρὸς ὃν ὁ Σφαῖρος εὐστόχως ἀπεκρίνατο, εἰπὼν οὕτως συγκατατεθεῖσθαι, οὐχ ὅτι ῥόαι εἰσίν, ἀλλ' ὅτι εὔλογόν ἐστι ῥόας αὐτὰς εἶναι· διαφέρειν δὲ τὴν καταληπτικὴν φαντασίαν τοῦ εὐλόγου.”

Entre aqueles que, após a morte de Zenão, se tornaram alunos de Cleantes estava Esfero de Borístenes... Depois de fazer progressos consideráveis ​​em seus estudos, ele foi para Alexandria para a corte do rei Ptolomeu Filopator. Um dia, quando surgiu uma discussão sobre a questão de saber se o sábio poderia se rebaixar para ter opinião, e Esfero havia afirmado que isso era impossível, o rei, querendo refutá-lo, ordenou que algumas romãs de cera fossem colocadas na mesa. Esfero foi enganado e o rei gritou: "Deste teu assentimento a uma falsa representação." Mas Esfero prontamente lhe deu uma resposta elegante. "Não concordei com a proposição de que são romãs, mas com outra, de que há boas razões para pensar que são romãs. Há uma diferença entre uma representação compreensiva e uma razoável." (D.L. 7.177) 49 49 Versão em português da tradução de Hicks (1972) com modificações.

A passagem estabelece uma diferença entre assentir a uma representação compreensiva e a uma que é meramente razoável (eulogon). Mas vimos que o sábio não daria seu assentimento senão a uma representação compreensiva. No entanto, Esfero em nenhum momento diz ser ele mesmo um sábio estoico e certamente ele não o faria, dado o bem conhecido status ideal do sábio estoico. O que ele diz é que era razoável para ele pensar que as romãs que ele viu eram reais. Como não é um sábio, não tem um conhecimento sistemático da realidade e, por isso, necessariamente dá seu assentimento a representações meramente razoáveis.

Mas vamos supor por um momento que Esfero é um sábio estoico ideal: o que ele faria em tal situação? O conceito estoico de cláusula de reserva pode oferecer uma resposta para isso:

[T9]

Non mutat sapiens consilium omnibus his manentibus, quae erant, cum sumeret; ideo numquam illum paenitentia subit, quia nihil melius illo tempore fieri potuit, quam quod factum est, nihil melius constitui, quam constitutum est; ceterum ad omnia cum exceptione venit: 'si nihil inciderit, quod inpediat'. Ideo omnia illi succedere dicimus et nihil contra opinionem accidere, quia praesumit animo posse aliquid intervenire, quod destinata prohibeat. Inprudentium ista fiducia est fortunam sibi spondere; sapiens utramque partem eius cogitat; scit, quantum liceat errori, quam incerta sint humana, quam multa consiliis obstent; ancipitem rerum ac lubricam sortem suspensus sequitur, consiliis certis incertos eventus expendit. Exceptio autem, sine qua nihil destinat, nihil ingreditur, et hic illum tuetur.

O sábio nunca muda seus planos enquanto as condições sob as quais os formou permanecem as mesmas; portanto, ele nunca se arrepende, porque, então, nada melhor do que o que ele fez poderia ter sido feito, nem poderia ter sido tomada qualquer decisão melhor do que a que foi tomada; no entanto, ele começa tudo com a cláusula de reserva: "Se nada ocorrer em contrário". É por isso que dizemos que tudo vai bem com ele, e que nada acontece contrariamente à sua expectativa, pois ele tem em mente a possibilidade de algo acontecer que impeça a realização de seus projetos. É uma confiança imprudente confiar que a fortuna estará do nosso lado. O sábio considera os dois lados: sabe quão grande é o poder dos erros, quão incertos são os assuntos humanos, quantos obstáculos existem para o sucesso dos planos. Sem se comprometer, ele espera o resultado duvidoso e caprichoso dos acontecimentos, e pesa a certeza do propósito contra a incerteza do resultado. Aqui também, no entanto, ele é protegido por essa cláusula de reserva, sem a qual ele não decide nada e não começa nada. (Sêneca, Ben. 4.34.4)50 50 Versão da tradução de Stewart (1887). Ver também Sen. Ben. 4.39; Tranq. 13.2f; Epic. fr. 27 apud Marco 11.37.1. Ver também M. Aur. Med. 4.1; 5.20; 6.50; Estobeu 11 115.5 W (= SVF 3.6.564); Brennan, 2000; Inwood, 1985; Martha, 1994, esp. p. 399; Long & Sedley, 1987b, p. 417.

Refletindo sobre esta passagem, Inwood (1985INWOOD, B. (1985). Reason and Human Action in Early Stoicism. Oxford, Oxford University Press ., p. 120-22) comenta que “um impulso com reserva é aquele que é dirigido a um predicado que descreve uma ação, como todos os impulsos, mas com uma cláusula adicional que modifica consideravelmente sua natureza. Em vez de concordar com a proposição 'é apropriado que eu seja saudável', a pessoa concorda com 'é apropriado que eu seja saudável, a menos que algo interfira' ou 'a menos que vá contra o plano de Zeus'.”

Tendo isso em mente e usando a cláusula de reserva sugerida por Sêneca, o sábio estoico, vendo as romãs na mesa de Ptolomeu, diria, por exemplo: “Se Ptolomeu não está tentando me enganar, essas romãs são reais”. Esta é uma condicional verdadeira, porque, como vimos acima, de acordo com o critério crisipiano, uma condicional é o caso quando a contraditória da consequente conflita com a antecedente. Assim, aplicando a regra da contraposição,51 51 A contrapositiva de um enunciado tem seu antecedente e consequente invertidos. Por exemplo, a contraposição da proposição condicional "Se está chovendo, então eu visto meu casaco" é a proposição "Se eu não usar meu casaco, então não está chovendo." podemos dizer: “Se as romãs são falsas, então Ptolomeu está tentando enganar o sábio Sphaerus”. Fazendo isso, o sábio estoico não será impedido internamente, mas apenas externamente, mantendo-se de acordo com o que acontecer e também com a Natureza.52 52 Como diz Epicteto: ‘Não desejes que os acontecimentos ocorram como queres, mas deseja que ocorram como ocorrem, e tua vida terá um curso sereno.' (Ench. 8, minha tradução). A condicional é verdadeira e abrange as duas possibilidades disponíveis. Tanto o sábio quanto o ‘tolo inteligente’ podem formular a mesma condicional sobre as romãs de Ptolomeu, e alcançarão o mesmo conhecimento dela. A diferença, como apontam Long e Sedley, é que a cognição não é suficiente para constituir conhecimento, porque “para se tornar conhecimento científico, a cognição deve tornar-se inexpugnável a qualquer raciocínio que possa ser aduzido para persuadir uma mudança de mente.”53 53 Ver Cícero, Acad. 2.145 (= SVF 1.66); 1.41-2 (= SVF 1.60); Estobeu, 2.73, 16-74, 3 (= 3.112). Por essa razão, o sábio estoico conforma sua vontade totalmente com o que quer que aconteça e assim segue literalmente a Natureza: ele tem um conhecimento verdadeiro que lhe permite não apenas antecipar os obstáculos às suas ações, mas também aceitá-los de bom grado, enquanto o ignorante, devido à falta de conhecimento, não pode fazê-lo neste grau, tendo que se contentar com uma opinião razoável (ou persuasiva).

Mas se o sábio estoico não concorda com asseríveis e argumentos persuasivos, qual é a sua relação com o persuasivo? Vimos que Crisipo (fragmento 127 (= Plutarco, De rep. stoic. 1035F ss.)) recomenda que o professor estoico (que não é necessariamente o sábio estoico) deve dissolver a persuasão dos argumentos de outras escolas como um passo preparatório para transmitir aos seus alunos os princípios do estoicismo. Mas é preciso que esse exercício seja feito com cuidado, não para refutar os argumentos, mas apenas para dissolver sua capacidade de persuasão. Isso significa que o professor estoico não usa, nesta etapa, ferramentas lógicas (pelos quais os argumentos podem ser realmente refutados), mas apenas artifícios retóricos (como é feito nos tribunais). O sábio estoico, por sua vez, é apresentado como persuasivo (Estobeu, Ecl. 2.108.5 (= SVF 3.630)), mas, ao mesmo tempo, como incapaz de ser persuadido ou refutado ou de entrar em conflito consigo mesmo (PHerc. 105 1-4), porque necessariamente não dá assentimento a qualquer falsa apresentação ou suposição (PHerc.105 7-9) e não ignora coisa alguma (PHerc.107 1-5.). 54 54 O mesmo é dito por Ário: “Dizem que o sábio nunca assume o que é falso, nem concorda com o que não pode ser apreendido, pois não forma opinião nem é ignorante em qualquer assunto. Pois a ignorância é um consentimento mutável e débil. Mas ele não assume nada de maneira débil, mas sim com segurança e firmeza. Por isso, o sábio também não forma opinião”. (Versão portuguesa da tradução de Pomeroy (1999), Ário, Epítome de ética estoica 11m (= Estobeu ecl. II 111,18 W = SVF 3. 548). Ver também Cícero, Acad. 1.41-2 (= SVF 1.60). O sábio estoico pode ser visto como o professor ideal de filosofia, usando a persuasão para preparar a alma de seus alunos para receber os princípios da filosofia. O tolo e o que progride são vulneráveis ​​à persuasão, porque carecem de conhecimento sobre muitas questões. Ser capaz de ser persuadido é, portanto, um sinal de fraqueza, que é próprio do tolo, do estudante de filosofia e do que progride, mas não do sábio estoico.

Observem que, mesmo no caso em que o sábio estoico usa a persuasão como preparação para demonstrações reais e verdadeiras, como afirma Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p.265), premissas e argumentos persuasivos não são verdadeiros, porque não são nem asseríveis verdadeiros nem demonstrações verdadeiras. Podemos inferir disso a afirmação de que o sábio estoico às vezes faz uso de falsidades sem assentir para diferentes propósitos:

T[10]

Λέγεσθαι δέ, μὴ ψεύδεσθαι τὸν σοφόν, ἀλλ' ἐν πᾶσιν ἀληθεύειν· οὐ γὰρ ἐν τῷ λέγειν τι ψεῦδος τὸ ψεύδεσθαι ὑπάρχειν, ἀλλ' ἐν τῷ διαψευστῶς τὸ ψεῦδος λέγειν, καὶ ἐπὶ ἀπάτῃ τῶν πλησίον. Τῷ μέντοι ψεύδει ποτὲ συγχρήσασθαι νομίζουσιν αὐτὸν κατὰ πολλοὺς τρόπους ἄνευ συγκαταθέσεως· καὶ γὰρ κατὰ στρατηγίαν πρὸς τοὺς ἀντιπάλους, καὶ κατὰ τὴν τοῦ συμφέροντος προόρασιν, καὶ κατ' ἄλλας οἰκονομίας τοῦ βίου πολλάς. Ψεῦδος δὲ ὑπολαμβάνειν οὐδέποτέ φασι τὸν σοφόν, οὐδὲ τὸ παράπαν ἀκαταλήπτῳ τινὶ συγκατατίθεσθαι, διὰ τὸ μηδὲ δοξάζειν αὐτόν, μηδ' ἀγνοεῖν μηδέν.

Diz-se que o sábio não mente, mas diz a verdade em todos os casos. Pois o mentir não ocorre ao dizer uma falsidade, mas ao dizer a falsidade de maneira falsa e para enganar o próximo. No entanto, eles acreditam que ele às vezes se vale da falsidade de várias maneiras sem lhe dar assentimento: de acordo, em geral, com seus os oponentes, com sua visão do que é útil e com muitos outros tipos de gerenciamento da vida. Dizem que o sábio nunca assente ao que é falso, nem concorda com o que não pode ser apreendido, pois não forma opinião nem é ignorante em assunto algum. (Ário Dídimo, Epítome de ética estoica, 11m 27 ss. (= SVF 3.554)) 55 55 Versão portuguesa da tradução de Pomeroy (1999). Ver também Cícero, Fin. 3.107.

Nesta passagem, Ário afirma que, de acordo com os estoicos, (1) o sábio nunca mente, (2) porque a mentira ocorre não ao contar uma falsidade, mas ao contá-la com a intenção de enganar alguém. Portanto, podemos inferir que (3) o sábio pode contar uma falsidade se, por esse meio, for possível ajudar alguém a compreender a verdade. Nesse sentido, como Ário aponta, ele pode usar falsidades contra seus oponentes (por exemplo, para livrá-los de falsas concepções, visando, em última análise, o bem deles e não mentindo no sentido de ser prejudicial). Disto, podemos igualmente inferir que o sábio pode ser persuasivo com seus ouvintes dizendo-lhes falsidades, ou seja, coisas que não são de fato argumentos verdadeiros, mas que são persuasivas, ajudando-os a mudar algumas de suas falsas visões e preparando-os para apreender a verdade.

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  • 1
    A noção de phantasia é de fundamental importância para a compreensão da filosofia estoica em questões lógicas, epistemológicas e éticas. Embora Cleantes e Crisipo considerem a phantasia uma modificação da capacidade racional, eles diferem na explicação dessa mudança. Para Lesses (1998LESSES, G. (1998). Content, Cause and Stoic Impressions. Phronesis XLIII/1, p. 2-24. , p. 6) Crisipo parece criticar Cleantes por aceitar uma concepção ingênua de phantasia mental, segundo a qual phantasiai perceptivas são cópias de qualidades de objetos representados (ver D.L. 7.50.4). Além disso, Annas (1991ANNAS, J. (1991). Hellenistic Philosophy of Mind. Berkeley, University of California Press., pp. 74-5) entende que se supõe, nas observações de Crisipo, que as phantasiai são articuladas em forma proposicional ou linguística. Assim, a concepção de phantasia de Crisipo tem dois lados: por um lado, uma corpórea, pois é uma modificação da capacidade racional (ver D.L. 7.49 e Sexto, M. 8.56), por outro lado, uma incorpórea, pois essa modificação está associada a um axioma que descreve e avalia o que afeta a capacidade racional (ver Lesses, 1998, p. 6; D.L., 7.50.4; 7.65). Essa dualidade é expressa por Crisipo através de sua analogia entre phantasia e luz: assim como a luz se mostra e as coisas iluminadas, também a phantasia mostra a si mesma e a coisa que a produziu (ver Aécio, 4.12.1-5). Sobre o axioma, o equivalente estoico da proposição da lógica contemporânea, e também premissas e argumentos em estoicismo, ver abaixo.
  • 2
    Ver mais informações à frente.
  • 3
    D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ.
  • 4
    D.L. 7.200: Πιθανὰ λήμματα εἰς τὰ δόγματα πρὸς Φιλομαθῆ γʹ.
  • 5
    D.L. 7.200 Πιθανὰ εἰς τοὺς ὅρους πρὸς Διοσκουρίδην βʹ. Esta ocorrência de pithanon não foi percebida Adler (que escreveu o index of SVF).
  • 6
    D.L. 7.200: Πιθανὰ πρὸς τὰς διαιρέσεις καὶ τὰ γένη καὶ τὰ εἴδη καὶ <τὰ> περὶ τῶν ἐναντίων αʹ.
  • 7
    Já que condicionais e premissas são asseríveis. Axioma é definido como ‘um dizível (lekton) completo em si mesmo que pode ser asserido no que se refere a si mesmo’. Diógenes Laércio observa que a palavra axioma é derivada do verbo axioo, que significa primariamente o ‘ato de aceitar ou rejeitar’ (D.L. 7.65). Axiomata são as únicas entidades primariamente verdadeiras ou falsas (ver Sexto, M. 8.74, 8.12, D.L. 7.65-66), sendo verdadeiras quando são o caso e falsas quando não (ver Sexto, M. 8.10, 85; 88). Quanto aos dizíveis (lekta), ver Sexto, P. 2.104, D.L. 7.65.4-5. A palavra grega lekton é um adjetivo verbal do verbo lego (‘dizer’) e significa literalmente ‘o que pode ser dito’ e pode ser entendido como a significação das palavras. O lekton é o efeito do processo de pensar o que causou uma percepção. Como efeito, é chamado, pelos estoicos (sobre a causalidade estoica, ver LS (volume 1), p. 164-5, 169, 199, 271-2, 333-43, 387-8, 393). É também a marca distintiva de uma representação racional (phantasia, ver definição abaixo), pela qual pode ser linguisticamente articulada. Em outras palavras, um lekton (e consequentemente um axioma) não é algo por si, não existe por si mesmo, mas subsiste de acordo com uma representação racional (ver Sexto, M. 8.70 (= SVF, 2.187)). O lekton é objetivo desde que se refira a um determinado atributo de um corpo. Mas, como propriedade de uma phantasia, que é uma modificação da capacidade racional e algo corpóreo, ele subsiste apenas subjetivamente (LS 27D). Existem muitos tipos de lekta, mas, para os propósitos da presente investigação, concentraremos nossa atenção no axioma.
  • 8
    D.L. 7.45.5: Um argumento silogístico (logos syllogismos) é definido como um sistema de premissas (lemmata) com uma conclusão (epiphora) (Εἶναι δὲ τὸν λόγον αὐτὸν σύστημα ἐκ λημμάτων καὶ ἐπιφορᾶς). ver also Sexto, A.L. 2.302: λόγος δέ ἐστιν [...] τὸ συνεστηκὸς ἐκ λημμάτων καὶ ἐπιφορᾶς ; P. 2.135; M. 8.302. A palavra symperasma é usada como sinônimo de epiphora tanto por Diógenes Laércio quanto por Sexto, o que parece sugerir que esses termos eram usados nos manuais estoicos de lógica. Ver também Galeno, Inst. Log. 3-4.
  • 9
    Versão em português da tradução de Hicks com modificações.
  • 10
    D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ.
  • 11
    Ver Sedley, 1977SEDLEY, D. (1977). Diodorus Cronus and hellenistic philosophy. Proceedings of the Cambridge Philological Society 203, p. 74-120. , p. 91, n.96, 97; 1982, p. 239-72, 253-55; 1984, p. 311-16.
  • 12
    Quanto a Cícero Fat. 15, em que Crisipo recomenda uma conjunção negada em vez de um condicional, Barnes (2012, p. 458) considera que Crisipo o faz porque essa condicional é falsa de acordo com o critério de Crisipo. Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p. 259) conclui que ‘o valor epistêmico das inferências negativas feitas por Crisipo em PHP 3.7.4 e 2.5.15-6 é consistente com a interpretação de Sedley’.
  • 13
    Ambos os livros estão perdidos.
  • 14
    τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ "εἰ" συναπτικοῦ συνδέσμου. Synemmenon: particípio perfeito do verbo συνάπτω (‘unir’). Os gregos também usam a palavra semeion (ver Sexto, P. 2.110). Os romanos, por sua vez, usam ora adiunctum ora conexum (ver Gell. 16.8.9.10).
  • 15
    Versão em português da tradução de Bury com modificações. Quanto à identificação da posição acima com a de Crisipo e dos estoicos, isso é feito cruzando outras citações sobre a concepção de condicional de Crisipo. As duas citações mais importantes que identificam essa concepção como sendo a de Crisipo são Cícero, Fat., 12-15 e D.L. 7.73.
  • 16
    Para diferentes pontos de vista sobre este assunto, ver Bobzien (2003BOBZIEN, S. (2003) Stoic Syllogistic. In: INWOOD, B. (ed.) The Cambridge Companion to Stoics. Cambridge, Cambridge University press 2003., p. 95) e Long & Sedley (1987LONG, A.A.; SEDLEY. D. (1987b). Hellenistic Philosophers, vol I I. Cambridge, Cambridge University press . b, p. 35).
  • 17
    Mas casos de incompatibilidade empírica também são mencionados por fontes antigas - por exemplo: ‘Se o coração de Teognis for ferido, Teognis morrerá’ (Sexto, M. 8.254-5), assim como casos de incompatibilidade analítica - por exemplo: ‘Se Platão caminha, Platão se move’ (Gell. 16.8.9.1).
  • 18
    Sexto P.. 2.137 1-5: τῶν δὲ λόγων οἱ μέν εἰσι συνακτικοὶ οἱ δὲ ἀσύνακτοι, συνακτικοὶ μέν, ὅταν τὸ συνημμένον τὸ ἀρχόμενον μὲν ἀπὸ τοῦ διὰ τῶν τοῦ λόγου λημμάτων συμπεπλεγμένου, λῆγον δὲ εἰς τὴν ἐπιφορὰν αὐτοῦ, ὑγιὲς ᾖ, οἷον ὁ προειρημένος λόγος συνακτικός ἐστιν, ἐπεὶ τῇ διὰ τῶν λημμάτων αὐτοῦ συμπλοκῇ ταύτῃ ‘ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν’ ἀκολουθεῖ τὸ ‘φῶς ἔστιν’ ἐν τούτῳ τῷ συνημμένῳ ‘[εἰ] ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν.’ ἀσύνακτοι δὲ οἱ μὴ οὕτως ἔχοντες.
  • 19
    Os estoicos, como os lógicos modernos, reconhecem apenas dois tipos básicos de argumentos válidos com condicionais: o modus ponens (Se A, então B; A; logo B - ver D.L. 7.80; Sexto, M. 8.157; Galeno, Inst. Log., 15 etc.) e modus tollens (Se A, então B; ~B; logo ~A - ver D.L. 7.80; Sexto, M. 8.225; Galeno, Inst. Log., 15 etc.).
  • 20
    D.L. 7.189: Συνημμένων πιθανῶν πρὸς Διοσκουρίδην δʹ.
  • 21
    Versão em português da tradução de Yonge (1993YONGE, C. D. (1993). The works of Philo. Complete and Unabridged. Peabody, Hendrickson Publishers.).
  • 22
    Ver também Ar. Did., Epítome de ética estoica, 5b12 (= SVF 3.604).
  • 23
    Versão em português da tradução de Annas e Barnes (2000ANNAS, J; BARNES, J. (ed.). (2000). Sextus Empiricus. Outlines of scepticism. (ed.). Cambridge, Cambridge University press.) com pequenas modificações.
  • 24
    Versão em português da tradução de Goodwin (1874GOODWIN, W. (ed.) (1874). Plutarch's Morals. Translated from the Greek by several hands. Corrected and revised by., PH. D. Boston, Little, Brown, and Company.), com pequenas modificações.
  • 25
    A própria filosofia é definida em PHerc. 1020, 108.12. como a prática ou ciência da correção da razão, e a lógica é a ciência do dialegesthai correto. Benjamin Morison (2019MORISON, B. (2019). Sextus Empiricus. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring Edition). Edward N. Zalta (ed.). Available at URL = <https://plato.stanford.edu/archives/fall2019/entries/sextus-empiricus/>.
    https://plato.stanford.edu/archives/fall...
    ) explica que, para os céticos, “considerar se P requer ou não que se considere ambos os lados da questão se P, ou seja, que se considere argumentos a favor de P e argumentos a favor de não-P (ou , mais geralmente, de algo incompatível com P; ver PH I 10). Não seria suficiente, por exemplo, olhar para um argumento a favor de P e então rejeitar esse argumento como inválido; embora fazê-lo de fato não deixaria ninguém acreditando em P nem em não-P (assumindo que não houvesse mais evidências de qualquer maneira), não se consideraria os dois lados da questão, uma vez que ainda não se consideraria nenhum argumento a favor de não-P. P... O cético tem... uma obstinação que resulta no intenso escrutínio de todos os lados de uma questão. Isso, por sua vez, explicará como é que alguém acabaria com a habilidade cética: esse escrutínio intenso levará o escrutinador a desenvolver a habilidade de apresentar considerações falando aos dois lados de uma questão e avaliá-las para o convencimento.”
  • 26
    Como observa corretamente Chiaradona (2014, p. 75), os estoicos distinguem entre persuasividade, certeza e cogência lógica.
  • 27
    Ver D.L. 7.43.5 - 7.44.1.
  • 28
    Tieleman (1996TIELEMAN, T. (1996). Galen and Crisipo on the soul. Leiden, Brill., p. 259) observa que “Crisipo prescreveu minar a persuasão das visões opostas como um princípio padrão metodológico, acomodando assim as técnicas dialéticas dos Acadêmicos”.
  • 29
    Versão em português da tradução de Pomeroy (1999POMEROY, A. J. (ed.) (1999). Arius Didymus, Epitome of Stoic ethics. Atlanta, Society of Biblical Literature. ) com pequenas modificações. Ver Plutarco, Ant. 80, Prae. ger. reip.. 814d, Apophth. 207 a-b; Dio 51.16.3-4. De acordo com Alessandrelli e Ranocchia (2017ALESSANDRELLI, Michelle; RANOCCHIA, Graziano. (2017). Scrittore Stoico anonimo opera incerta. PHerc. 1020, coll. 104-112. Roma, ILIESI-CNR., p. 8 -9), o autor de PHerc. 1020 é ou Crisipo ou Diógenes da Babilônia ou Antípatro de Tarso, mas as evidências apontam sobretudo para Crisipo. Ver também PHerc. 109, 4-15.
  • 30
    PHerc. 109,4-15. Diógenes Laércio, 7.47-8 (= SVF, 2.130) relata o mesmo sobre o sábio estoico, seu domínio da lógica e sua competência em perguntas e respostas: “Sem o estudo da dialética, dizem eles, o homem sábio não pode se defender no argumento de modo a nunca tropeçar; pois tal estudo permite-lhe distinguir entre verdade e falsidade, e discriminar o que é persuasivo e o que é expresso de forma ambígua, e sem isso ele não pode fazer perguntas metodicamente e dar respostas.' (οὐκ ἄνευ δὲ τῆς διαλεκτικῆς θεωρίας τὸν σοφὸν ἄπτωτον ἔσεσθαι ἐν λόγῳ· τό τε γὰρ ἀληθὲς καὶ τὸ ψεῦδος διαγινώσκεσθαι ὑπ' αὐτῆς καὶ τὸ πιθανὸν τό τ' ἀμφιβόλως λεγόμενον διευκρινεῖσθαι· χωρίς τ' αὐτῆς οὐκ εἶναι ὁδῷ ἐρωτᾶν καὶ ἀποκρίνεσθαι). Além disso, o sábio tem uma vida feliz, e faz tudo corretamente, porque não comete erros e não pode ser enganado (PHerc. 108 1-5).
  • 31
    τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων. (Versão em português da tradução de Hicks, 1972HICKS, R. D. (ed.) (1972). Diogenes Laertius, Lives of Eminent Philosophers. Cambridge, Harvard University Press . ) Diógenes Laércio (D.L. 7.62) nos informa outras duas definições estoicas de dialética: ‘A ciência do que é verdadeiro, falso e nem verdadeiro nem falso’ (Possidônio) e ‘sobre significados e significações’ (Crisipo) (Διαλεκτικὴ δέ ἐστιν, ὥς φησι Ποσειδώνιος, ἐπιστήμη ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐθετέρων· τυγχάνει δ' αὕτη, ὡς ὁ Χρύσιππός φησι, περὶ σημαίνοντα καὶ σημαινόμενα).
  • 32
    Long, 1978LONG, A.A. (1978) Dialectic and the Stoic sage. In: RIST, J. M. (ed.). The Stoics. Berkeley, University of California Press . , p. 86. Long observa (idem, p. 88) que ‘argumentos por perguntas e respostas eram a mais característica conotação filosófica de dialética, derivada do sentido ordinário da palavra ‘conversar’ (dialegesthai) e dos métodos socrático e sofístico de argumentação’.
  • 33
    Long, 1978LONG, A.A. (1978) Dialectic and the Stoic sage. In: RIST, J. M. (ed.). The Stoics. Berkeley, University of California Press . , p. 87-88.
  • 34
    Alessandrelli; Ranochia, 2017ALESSANDRELLI, Michelle; RANOCCHIA, Graziano. (2017). Scrittore Stoico anonimo opera incerta. PHerc. 1020, coll. 104-112. Roma, ILIESI-CNR..
  • 35
    PHerc. 104, 9-20.
  • 36
    PHerc. 105 1-4.
  • 37
    PHerc. 105 7-9.
  • 38
    PHerc.107 1-5. O mesmo é dito por Ário: “Dizem que o sábio nunca assume o que é falso, nem concorda com o que não pode ser apreendido, pois não forma opinião nem é ignorante em qualquer assunto. Pois a ignorância é um assentimento mutável e débil. Porém, o sábio não assente a nada de maneira débil, mas sim com segurança e firmeza. Por isso, o sábio também não forma opinião”.(Ari. Did., Epítome de ética estoica 11m = Estobeu, Ecl. II 111,18 W = SVF 3. 548). Versão em português da tradução de Pomeroy (1999POMEROY, A. J. (ed.) (1999). Arius Didymus, Epitome of Stoic ethics. Atlanta, Society of Biblical Literature. ). Ver também Cícero, Acad. 1.41-2 (= SVF 1.60).
  • 39
    Chiaradona, 2014, p. 74-5.
  • 40
    Nessa passagem, Galeno nos informa uma passagem na qual Crisipo apresenta uma certa premissa como persuasiva e verdadeira.
  • 41
    Nessa passagem, Galeno nos informa um fragmento de Crisipo no qual uma premissa é apresentada como persuasiva e falsa.
  • 42
    Ou ‘representação convincente’ (pithane phantasia), como exposto por Sexto (Math. 8.176-189).
  • 43
    Mas ele não oferece nenhuma evidência para apoiar sua afirmação.
  • 44
    Citado acima.
  • 45
    7.199.5 - 200 Πιθανὰ λήμματα εἰς τὰ δόγματα πρὸς Φιλομαθῆ γʹ, Πιθανὰ εἰς τοὺς ὅρους πρὸς Διοσκουρίδην βʹ, Πιθανὰ πρὸς τὰς διαιρέσεις καὶ τὰ γένη καὶ τὰ εἴδη καὶ <τὰ> περὶ τῶν ἐναντίων αʹ. Ele admite que não há evidência explícita de que Crisipo relacionou “apithanon e atopia do modo que seus oponentes acadêmicos o fizeram.” Entretanto, ele crê que podemos deduzir isso de Sexto, P. II, 251: “O argumento proposto nos leva ou a algo inaceitável ou a algo que deveríamos aceitar. Se for a segunda opção, concordaremos com ela sem absurdo. Se nos leva a algo inaceitável, não precisamos concordar precipitadamente com o absurdo por causa de sua capacidade de persuasão…” (ὁ ἐρωτώμενος λόγος ἤτοι ἐπί τι ἀπρόσδεκτον ἡμᾶς ἄγειἢ ἐπί τι τοιοῦτον ὡς χρῆναι αὐτὸ προσδέχεσθαι. ἀλλ' εἰ μὲν τὸ δεύτερον, οὐκ ἀτόπως αὐτῷ συγκαταθησόμεθα· εἰ δὲ ἐπί τι ἀπρόσδεκτον, οὐχ ἡμᾶς τῇ ἀτοπίᾳ δεήσει συγκατατίθεσθαι προπετῶς διὰ τὴν πιθανότητα… (Versão em portguês da tradução de Annas e Barnes com pequenas modificações’). Tieleman sugere ainda que há um argumento estoico ou crisipiano nesta passagem e “que o argumento estoico original precisa ser desembaraçado dos comentários críticos de Sexto”, mas ele reconhece também que as evidências são escassas (Tieleman, 1996, p. 257). Ver também SVF 2.275.
  • 46
    Sexto, M.. 8:10: “O asserível verdadeiro é aquele que é o caso (to hyparchei) e é contraditório a algo, isto é, a outro asserível, e o asserível falso é aquele que não é o caso (ouk to hyparchei) e é contraditório a algo' (minha tradução do grego). ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ' αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι, καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι (ver also Sexto, M. 8:85; 88; D.L. 7.65).
  • 47
    Como observado por Shields (1993SHIELDS, C. (1993). The truth evaluability of stoic phantasiai: Adversus Mathematicos VII. Journal of the History of Philosophy 31, n. 3 p. 242-46., p.325), a ortodoxia estoica proclama três visões fundamentais sobre phantasiai e axiomata: (1) phantasiai podem ser ditas verdadeiras e falsas (ver Sexto, M.. 7.242-46); (2) apenas axiomata são estritamente verdadeiros e falsos, (ver Sexto, M. 8.74); (3) nenhuma phantasia é um axioma, já que phantasiai são impressões ou modificações da alma, enquanto axiomata são lekta e, por esta razão, incorpóreos (ver Sexto, M. 7.74, 7.151-57). Podemos deduzir dessas premissas que uma phantasia pode ser chamada verdadeira ou falsa na medida em que se relacione a um axioma verdadeiro ou falso.
  • 48
    Ver Sexto Pyr. 2.137 1-5: τῶν δὲ λόγων οἱ μέν εἰσι συνακτικοὶ οἱ δὲ ἀσύνακτοι, συνακτικοὶ μέν, ὅταν τὸ συνημμένον τὸ ἀρχόμενον μὲν ἀπὸ τοῦ διὰ τῶν τοῦ λόγου λημμάτων συμπεπλεγμένου, λῆγον δὲ εἰς τὴν ἐπιφορὰν αὐτοῦ, ὑγιὲς ᾖ, οἷον ὁ προειρημένος λόγος συνακτικός ἐστιν, ἐπεὶ τῇ διὰ τῶν λημμάτων αὐτοῦ συμπλοκῇ ταύτῃ ‘ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν’ ἀκολουθεῖ τὸ ‘φῶς ἔστιν’ ἐν τούτῳ τῷ συνημμένῳ ‘[εἰ] ἡμέρα ἔστι, καὶ εἰ ἡμέρα ἔστι, φῶς ἔστιν.’ ἀσύνακτοι δὲ οἱ μὴ οὕτως ἔχοντες. Ver também Sexto Math. 8.415; Pyr. 2.249; 2.137 1-5).
  • 49
    Versão em português da tradução de Hicks (1972HICKS, R. D. (ed.) (1972). Diogenes Laertius, Lives of Eminent Philosophers. Cambridge, Harvard University Press . ) com modificações.
  • 50
    Versão da tradução de Stewart (1887STEWART, A. (ed.) (1887). Seneca, On benefits. London, George Bell.). Ver também Sen. Ben. 4.39; Tranq. 13.2f; Epic. fr. 27 apud Marco 11.37.1. Ver também M. Aur. Med. 4.1; 5.20; 6.50; Estobeu 11 115.5 W (= SVF 3.6.564); Brennan, 2000BRENNAN, T. (2000). Reservation in Stoic Ethics. Archiv f. Gesch. d. Philosophie 82, p. 149-177.; Inwood, 1985INWOOD, B. (1985). Reason and Human Action in Early Stoicism. Oxford, Oxford University Press .; Martha, 1994, esp. p. 399; Long & Sedley, 1987LONG, A.A.; SEDLEY. D. (1987b). Hellenistic Philosophers, vol I I. Cambridge, Cambridge University press . b, p. 417.
  • 51
    A contrapositiva de um enunciado tem seu antecedente e consequente invertidos. Por exemplo, a contraposição da proposição condicional "Se está chovendo, então eu visto meu casaco" é a proposição "Se eu não usar meu casaco, então não está chovendo."
  • 52
    Como diz Epicteto: ‘Não desejes que os acontecimentos ocorram como queres, mas deseja que ocorram como ocorrem, e tua vida terá um curso sereno.' (Ench. 8, minha tradução).
  • 53
    Ver Cícero, Acad. 2.145 (= SVF 1.66); 1.41-2 (= SVF 1.60); Estobeu, 2.73, 16-74, 3 (= 3.112).
  • 54
    O mesmo é dito por Ário: “Dizem que o sábio nunca assume o que é falso, nem concorda com o que não pode ser apreendido, pois não forma opinião nem é ignorante em qualquer assunto. Pois a ignorância é um consentimento mutável e débil. Mas ele não assume nada de maneira débil, mas sim com segurança e firmeza. Por isso, o sábio também não forma opinião”. (Versão portuguesa da tradução de Pomeroy (1999POMEROY, A. J. (ed.) (1999). Arius Didymus, Epitome of Stoic ethics. Atlanta, Society of Biblical Literature. ), Ário, Epítome de ética estoica 11m (= Estobeu ecl. II 111,18 W = SVF 3. 548). Ver também Cícero, Acad. 1.41-2 (= SVF 1.60).
  • 55
    Versão portuguesa da tradução de Pomeroy (1999POMEROY, A. J. (ed.) (1999). Arius Didymus, Epitome of Stoic ethics. Atlanta, Society of Biblical Literature. ). Ver também Cícero, Fin. 3.107.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2022
  • Aceito
    20 Mar 2022
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