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Ser adolescente apesar das restrições e da discriminação impostas pela doença falciforme

Ser adolescente pese a las restricciones y a la discriminación impuestas por la enfermedad de células falciformes

Resumo

Objetivo

Compreender as experiências de ser adolescente com a doença falciforme.

Métodos

Estudo qualitativo, realizado em unidade de referência no estado da Bahia entre março e junho de 2018. Participaram dez adolescentes com doença falciforme, os dados foram obtidos mediante desenhos-estória com tema e entrevistas semiestruturadas e submetidos à análise embasada na Teoria Fundamentada nos Dados.

Resultados

A experiência do adolescente com doença falciforme é representada pela categoria central “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela doença falciforme” e mais cinco categorias: “Sentindo-se diferente dos outros adolescentes”, ao perceberem seu crescimento alterado, vivenciarem problemas clínicos e se compararem aos demais adolescentes; “Vivendo com restrições em sua rotina diária”, de ordem física e alimentar demandadas no autocuidado e manejo da doença para o alcance de qualidade de vida; “Vivenciando situações ruins”, na experiência de dor, constantes hospitalizações, medo da morte e incerteza quanto ao futuro; “Sentindo-se um adolescente normal”, quando podiam manter suas atividades sociais com escola, amigos e família; e “Percebendo o estigma”, ao temerem a discriminação e adotarem modos de ocultar que possuíam a doença.

Conclusão

Ao buscar ser um adolescente normal os participantes aspiraram assumir o controle sobre a própria vida, evitar rupturas na rotina e atender às expectativas sociais, protegendo sua identidade de rótulos e discriminação.

Doença crônica; Anemia falciforme; Autocuidado; Discriminação social; Estigma social; Comportamento do adolescente; Adolescente

Resumen

Objetivo

Entender las experiencias de ser adolescente con la enfermedad de células falciformes.

Métodos

Estudio cualitativo, realizado en una unidad de referencia en el estado de Bahia entre marzo y junio de 2018. Participaron diez adolescentes con la enfermedad de células falciformes, se obtuvieron los datos por medio de dibujos-historia con tema y entrevistas semiestructuradas y sometidos a análisis con base a la Teoría Fundamentada en Datos.

Resultados

La experiencia del adolescente con enfermedad de células falciformes está representada por la categoría central “Busca ser un adolescente normal, pese a las restricciones y a la discriminación impuestas por la enfermedad de células falciformes” y otras cinco categorías: “Se sienten diferentes de los demás adolescentes”, cuando se dan cuenta de su crecimiento alterado, vivencian problemas clínicos y se comparan a los demás adolescentes; “Viven con restricciones en su rutina diaria”, de orden físico y alimentario que se demandan en el autocuidado y en la gestión de la enfermedad para lograr la calidad de vida; “Vivenciando malas situaciones”, en la experiencia del dolor, constantes ingresos a hospitales, miedo a la muerte e incertidumbre con relación al futuro; “Sentirse un adolescente normal”, cuando podían mantener sus actividades sociales en la escuela, amigos y familia; y “Percatándose del estigma”, al sentir temor de la discriminación y adoptar formas de ocultar que padecen la enfermedad.

Conclusión

Al intentar ser un adolescente normal, los participantes aspiraron a asumir el control sobre sus propias vidas, evitar rupturas en la rutina y atender a las expectaciones sociales, protegiendo su identidad de clasificaciones y de discriminación.

Enfermedad crónica; Anemia de células falciformes; Autocuidado; Discriminación social; Estigma social; Conducta del adolescente; Adolescente

Abstract

Objective

Understand the experiences of being an adolescent with sickle cell disease.

Methods

Qualitative study, conducted at a reference service in the state of Bahia, Brazil between March and June 2018. Ten adolescents with sickle cell disease participated. The data were obtained through drawings-and-stories with a theme and semi-structured interviews and analyzed based on Grounded Theory.

Results

The experience of adolescents with sickle cell disease is represented by the core category of “trying to be a normal adolescent, despite the restrictions and discrimination the sickle cell disease imposes”, and five other categories: “Feeling different from other adolescents”, when they see that their growth has altered, that they experience medical problems and compare themselves to other adolescents, “Living with restrictions in their daily routine”, of physical and food-related restrictions, required in self-care and disease management to achieve quality of life, “Living in bad situations”, in the experience of pain, constant hospital visits, fear of death and uncertainty about the future, “Feeling like a normal adolescent”, when they were able to maintain their social activities, including school, friends, and family, and “Realizing the stigma”, when they fear the discrimination and adopt ways to hide that they have the disease.

Conclusion

By seeking to be a normal adolescent, the participants aspired to take control over their own lives, avoid breaks from the routine and meet social expectations, protecting their identity from labels and discrimination.

Chronic disease; Anemia, sickle cell; Self Care; Social discrimination; Social stigma; Adolescente

Introdução

Estima-se que, no Brasil, a cada ano, nasçam cerca de 3.500 crianças com a doença falciforme (DF) e 200.000 portadores do traço falciforme. Embora esteja distribuída em todo o território, as maiores prevalências são registradas nos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Maranhão.(11. Soares LF, Lima EM, Silva JA, Fernandes SS, Silva KM, Lins SP, et al. Prevalência de hemoglobinas variantes em comunidades quilombolas no estado do Piauí, Brasil. Cien Saude Colet. 2017;22(11):3773-80.)

Trata-se de um conjunto de hemoglobinopatias causadas por uma mutação nos genes da cadeia beta-globina e identificada pela presença da hemoglobina S. Essa mutação induz a polimerização da hemoglobina, causando deformação dos glóbulos vermelhos e, consequentemente, isquemia por repetidos episódios vaso-oclusivos, inflamação crônica e da hemólise que levam a múltiplos danos nos órgãos e a uma infinidade de complicações.(22. Piccin A, Murphy C, Eakins E, Rondinelli MB, Daves M, Vecchiato C, et al. Insight into the complex pathophysiology of sickle cell anaemia and possible treatment. Eur J Haematol. 2019;102(4):319-30.)

Os primeiros sinais e sintomas da DF incluem: inchaço das mãos e dos pés; sintomas de anemia, incluindo fadiga ou cansaço extremo; e icterícia. Com o tempo, a DF pode levar a complicações, como infecções, atraso no crescimento e episódios de dor aguda.(33. Mastandréa EB, Lucchesi F, Kitayama MM, Figueiredo MS, Citero VA. The relationship between genotype, psychiatric symptoms and quality of life in adult patients with sickle cell disease in São Paulo, Brazil: a cross-sectional study. São Paulo Med J. 2015;133(5):421-7.)

Doenças crônicas, como a DF, na adolescência, fase da vida marcada pelas intensas transformações físicas, emocionais, hormonais, sociais e psíquicas, potencializarão alterações corporais que repercutirão no estado emocional, na autoimagem e no desenvolvimento social do adolescente.(44. Reisinho MC, Gomes B. O adolescente com fibrose cística: crescer na diferença. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2016;(Esp 3):85-94.,55. Santos GS, Tavares CM, Aguiar RC, Queiroz AB, Ferreira RE, Pereira CS. Pursuing online health information: coping strategies of adolescents with chronic diseases. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2016;(Spe 4):33-8.)

A grande variedade de complicações requer constante atenção primária e acompanhamento de muitas especialidades, incluindo hematologia, pneumologia, nefrologia, ortopedia, controle da dor e psiquiatria.(66. Smith SK, Johnston J, Rutherford C, Hollowell R, Tanabe P. Identifying social-behavioral health needs of adults with sickle cell disease in the emergency department. J Emerg Nurs. 2017;43(5):444-50.) Para reduzir sintomas e complicações, ampliar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida, um regime rigoroso de cuidados necessita ser assimilado pelos genitores desde o nascimento e mantidos ao longo da vida pelo próprio adoecido, por meio de medidas de autocuidado. A adolescência é considerada momento de transição da condição de ser cuidado para ser autônomo para cuidar de si.(77. Freitas SL, Ivo ML, Figueiredo MS, Gerk MA, Nunes CB, Monteiro FF. Quality of life in adults with sickle cell disease: an integrative review of the literature. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):195-205.)

Assim, a vida dos adolescentes e de seus familiares, após o diagnóstico de uma doença crônica, passa a ser guiada pelas alterações provocadas pela doença e por seu tratamento. Esse percurso é longo, doloroso e, muitas vezes, permeado por dificuldades e sentimentos representados por angústia e incertezas.(88. Abreu IS, Nascimento LC, Lima RA, Santos CB. Crianças e adolescentes com insuficiência renal em hemodiálise: percepção dos profissionais. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1020-6.) As demandas de cuidados de um adolescente com doença crônica são diversas, destacando-se a higiene, aparência física, uso de medicamentos, nutrição e hábitos modificados, exigindo a capacidade constante de se rearranjar, renovar e reconstruir seu modo de vida.(99. Silveira A, Neves ET. Daily care of adolescents with special health care needs. Acta Paul Enferm. 2019;32(3):327-33.,1010. Paris de Souza I, Bellato R, Santos de Araújo LF, Barros de Almeida KB. Adolescer e adoecer na perspectiva de jovem e família. Cien Enferm. 2016;22(3):61-75.)

Em busca realizada, em março de 2018, nas bases de dados SciELO, PubMed e Cochrane, por meio dos descritores “adolescente and doença falciforme”, foram encontrados estudos com enfoque na prevalência de complicações da DF e seu manejo clínico, terapias psicológicas para o controle da dor, e nas experiências dos cuidadores familiares. Esses achados indicaram a lacuna de estudos qualitativos que considerassem a experiência da doença nas narrativas dos próprios adolescentes.

Sabendo-se que os processos de adoecimento crônico envolvem significados, percepções e autogestão das adversidades que a doença promove, para dirigir planos terapêuticos que alcancem os modos de ser e estar de adolescentes com DF, este artigo foi conduzido pela seguinte questão: “Como os adolescentes experienciam essa fase do desenvolvimento, tendo a DF?”. O objetivo do presente estudo é compreender as experiências de ser adolescente com a DF.

Métodos

Estudo qualitativo, exploratório e descritivo, que utilizou o interacionismo simbólico como referencial teórico, por ser uma perspectiva de análise das experiências humanas, tendo como foco de atenção a interação entre as pessoas que, após interpretarem e definirem as situações vivenciadas, agem no contexto social onde estão inseridas.(1111. Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. New Jersey (US): Prentice-Hall; 2010.p.22-33.) Como referencial metodológico, foi utilizada a Teoria Fundamentada nos Dados.(1212. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.65-209.)

Foi realizado no espaço de convivência do Centro Municipal de Referência às Pessoas com Doença Falciforme (CMRPDF) situado em Feira de Santana, Bahia, Brasil. Para o relato desta pesquisa, seguiram-se as recomendações do guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Participaram do estudo dez adolescentes, incluídos no estudo por terem diagnóstico confirmado de DF. Os critérios de exclusão foram: apresentar sintomas, mal-estar ou complicações no momento do encontro. A faixa etária de adolescente foi definida conforme Estatuto da Criança.(1313. Brasil. Ministério da Justiça. Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília (DF): Ministério da Justiça; 1990 [citado 2021 Maio 22]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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) Os dados foram produzidos no espaço de convivência do centro de referência, onde pesquisadores e participantes já vivenciavam atividades conjuntas no projeto matriz “Representações Sobre o Corpo e a Doença Falciforme: Repercussões sobre a Vida Cotidiana, o Cuidado e a Sexualidade”.

Os dados foram coletados por meio da aplicação da técnica projetiva do desenho-estória(1414. Coutinho MP, Serafim RC, Araújo LS. A aplicabilidade de desenho-estória com tema no campo da pesquisa. In: Coutinho MP, Saraiva ER. Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa (PB): Editora Universitária; 2011. p. 205-50.)seguida de entrevistas semiestruturadas, conduzidas por dois pesquisadores. O roteiro de entrevista continha dados relativos à caracterização demográfica dos adolescentes (idade, sexo, raça/cor) e sobre a DF (tipo de hemoglobinopatia e período do diagnóstico), além de questões abertas sobre como é conviver com a DF e as experiências de um adolescente com esta condição. As conversas foram realizadas em um ambiente fechado e privativo no serviço de saúde e em domicílio, onde os participantes se sentissem confortáveis para expor suas opiniões, com o apoio do psicólogo, que se encontrava em uma sala ao lado. As entrevistas tiveram duração média de 15 minutos.

Os adolescentes tinham idades entre 12 e 15 anos. Seis eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Cinco autodeclararam-se pretos e cinco pardos. Quanto ao tipo de hemoglobinopatia, seis possuíam a HbSC e quatro a HbSS. A maioria teve a DF descoberta na Triagem Neonatal. As complicações mais citadas foram crises álgicas, infecções e anemia.

Os depoimentos e conteúdos de estórias foram gravados e posteriormente transcritos integralmente. Foram analisados de acordo com o método de análise da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD).(1212. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.65-209.) Seguindo as etapas da TFD, a produção e análise dos dados ocorreram de forma simultânea. Durante a codificação aberta, o material foi analisado linha a linha, apreendido, comparado por similaridades e diferenças, contrastado e categorizado, visando identificar os códigos substantivos.

Na codificação axial, os códigos substantivos foram reagrupados, a fim de formar explicações sobre os fenômenos em investigação e possibilitar a emergência de categorias.(1212. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.65-209.) Com o intuito de estabelecer relações entre as categorias elaboradas e identificar a categoria substantiva, utilizou-se o modelo paradigmático, com base nos seguintes componentes: fenômeno, contexto, condições causais e intervenientes, estratégias e consequências.(1212. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.65-209.)

Na codificação seletiva, as categorias foram integradas e refinadas em um modelo analítico, que consiste na definição da categoria central para, em seguida, descrever os conceitos relativamente às propriedades e às dimensões.(1212. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.65-209.) A categoria central foi denominada “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela doença falciforme”.

Aos participantes foram disponibilizadas as transcrições das entrevistas, os desenhos e as categorias empíricas para validação. Em todas as etapas, foram respeitadas as normas éticas de pesquisa com seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Parecer nº 1.440.239 e CAAE nº 49493315.3.1001.0053. Os adolescentes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e seus responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

A experiência de ser adolescente com a DF pode ser compreendida com base na categoria central, representada na figura 1, e no quadro síntese das falas dos adolescentes nos quadros 1 e 2.

Figura 1
Categoria central “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela doença falciforme”

Quadro 1
Síntese de falas dos adolescentes (parte 1)
Quadro 2
Síntese de falas dos adolescentes (parte 2)

Na categoria “Sentindo-se diferente dos outros adolescentes”, a percepção da diferença daqueles que não tinham a sua condição expressava-se no recordatório de situações, como episódios de vômitos, problemas pulmonares e lesões de difícil cicatrização, que demandavam longos períodos para a recuperação, além da ida frequente a serviços de saúde de referência.

O adolescente com a DF não conseguia exercer atividades de lazer ou outras atividades básicas, por demandar esforço maior e poder deflagrar crises dolorosas, fadiga e cansaço. O adolescente, então, percebia que sua vida era limitada e restrita. Sentia-se separado do seu contexto social, no qual tinha que abandonar práticas prazerosas, o que o levava a afirmar-se como “diferente”, na medida em que se distanciava das atividades do seu grupo de pertença, principalmente durante as práticas de esportes e educação física. Essa percepção situava-o como desigual, porque via-se separado e impossibilitado de alcançar esse “outro” adolescente, devido às restrições muitas vezes impostas pelos familiares. Isso o fazia querer ultrapassar suas próprias limitações, mesmo sabendo das consequências que acarretaria à sua saúde.

A categoria “Vivendo com restrições em sua rotina diária” evidenciou as restrições físicas e alimentares demandadas no autocuidado e manejo da doença para alcance de qualidade de vida. Nesta, o adolescente destacou o cansaço durante a realização de suas atividades de lazer e exercícios físicos, devido aos sinais e sintomas da própria DF, que o deixavam ocioso a maior parte do tempo e dentro de casa.

Devido aos ajustes na alimentação, o adolescente percebia essas limitações com tristeza, por não poder comer aquilo que gostava e ter que seguir uma dieta moderada. Sua adesão às restrições alimentares era motivada pelo medo de precipitar evento de dor ou de crises por conta de determinados alimentos.

A exigência dos pais ou familiares foi citada pelos adolescentes tanto como uma forma de cuidado e proteção, para que eles não sofressem com complicações, quanto de obrigação, por serem proibidos de comer tudo o que queriam ou seus alimentos preferidos. Esse cuidado, muitas vezes, era declarado pelo adolescente como excessivo e afetava a sua liberdade, no que dizia respeito à sua alimentação.

A categoria “Vivenciando situações ruins” estava ancorada nas experiências das barreiras para a vida do adoecido. Expressava sentimentos e questionamentos, ao comparar-se com seus pares sem a doença, anseios e temores relacionados à experiência dolorosa, sua duração e recorrência. A experiência da dor levava-o a sentir-se afligido e desconfortável, além de diferente daqueles outros hospitalizados, que pareciam não padecer de tanta dor quanto ele.

Submeter-se às consultas e aos procedimentos de rotina era visto como um processo cansativo, repetitivo e prolongado. As consultas diárias e, muitas vezes, os procedimentos cirúrgicos levavam esse adolescente a vivenciar o estresse físico e emocional, gerando tristeza e desconforto por estar frequentemente em avaliação e controle da doença.

A possibilidade da ocorrência de complicações e hospitalização era temida pelo adolescente com a DF, pois implicava interromper seus interesses, para permanecer um tempo imprevisível no hospital, desestruturar sua rotina diária, além de gerar ansiedade pela possibilidade de descoberta de novas complicações.

A categoria “Sentindo-se um adolescente normal” apresentou as estratégias adotadas pelos adolescentes com DF para o enfrentamento da categoria substantiva. Revelou os recursos utilizados por eles para se afirmarem como os outros adolescentes sem esta condição, mas, ao mesmo tempo, destacava o quanto eles reconheciam-se com necessidades de cuidados adicionais para sustentar a vida. A restrição da liberdade e as limitações reforçavam a vontade de ter uma vida mais próxima do que consideravam normal. Assim, buscavam realizar atividades iguais às de seu grupo de pertença, para afirmar tal normalidade e demonstrar que eram iguais a um adolescente que não possuía a doença.

Apesar das adversidades, os adolescentes com DF, numa perspectiva positiva, recordavam-se daquilo que eram capazes de realizar como os demais adolescentes sem a doença. Quando a doença não implicava ou interferia na sua vida ou em sua rotina e nas atividades, eles afirmaram sentir-se igual aos outros adolescentes e destacaram que, sem essa autoafirmação, eles seriam excluídos, marginalizados e discriminados por terem a doença.

Afirmar positivamente as diferenças era uma estratégia de proteção face ao estigma, pois, para os adolescentes entrevistados, a experiência da doença tornava-os diferentes e com limitações. Contudo, consideravam que isso era parte da existência humana e reconheciam-se como um adolescente singular e normal como qualquer outro.

A categoria “Percebendo o estigma” mostrou que os adolescentes com DF sentiam vergonha, por se sentirem diferentes das outras pessoas, por conviverem com uma doença crônica, que os condicionava a verem-se como pessoas incapacitadas, e temiam ser julgados de forma depreciativa.

O fato de a doença ser pouco conhecida, não ter cura e provocar exclusão motivava-os a esconderem sua condição, por temerem a discriminação. Para eles, doenças, de uma forma geral, não eram assuntos de interesse, comentados ou discutidos entre os adolescentes. Por isso, eles usavam a estratégia de “esconder” sua condição de saúde, buscando uma forma de proteção da integridade de sua identidade, preservando-se e adotando o silenciamento. Contudo, quando se percebiam apoiados pela família e pelos amigos e havia aceitação de sua condição de saúde em seu círculo social, a estratégia de enfrentamento deixava de ser o ocultamento e passava a ser a divulgação, levando-os a falar mais sobre a sua condição e a doença, visando serem compreendidos pelos demais.

As repetidas crises de dor generalizada que os incapacitavam faziam com que temessem a morte e refletissem sobre a vida. Surgiam a preocupação com o futuro e o sentimento de tristeza, por acreditarem que a DF comprometia seus planos e aspirações. Assim, a experiência dos adolescentes, marcada por dúvidas e incertezas, levava-os a se perceberem impotentes diante da sua condição de saúde.

Discussão

Configuraram-se como limitações deste estudo a pouca participação de meninas, que impossibilitou inferências quanto às experiências marcadas pelo gênero, aliada ao fato de haver sido aplicado em ambiente da unidade de saúde, com anuência prévia dos genitores, aspecto que pode ter inibido as participantes de abordar questões relacionadas à dimensão afetiva sexual, por temerem que os responsáveis tivessem acesso aos dados.

Este estudo contribui para ampliação do conhecimento sobre o comportamento de grupos frente ao adoecimento crônico e fornece subsídios para implementação de medidas de redução da vulnerabilidade de adolescentes com DF. Assim, investimentos na divulgação da doença, nos contextos transitados pelos adolescentes, poderão fomentar estratégias positivas para viver com a doença.

A categoria “Sentindo-se diferente dos outros adolescentes”, considerada a causa da categoria central, foi também observada em outra pesquisa nacional com adolescentes diagnosticados com doença renal crônica.(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.) Esta categoria foi sustentada por “Percebendo o crescimento e o desenvolvimento alterados”, “Passando por problemas clínicos”, “Comparando-se a outros adolescentes” e “Sendo diferente devido às restrições”.

A DF afeta o crescimento e o desenvolvimento dos adolescentes. Estes, ao identificarem que seus colegas e amigos são mais altos e mais robustos, percebem que esses marcos em sua vida são diferentes dos demais adolescentes. Além disso, o adoecimento crônico causa mudanças físicas, explícita ou implicitamente,(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.) como as úlceras de pernas e icterícia, que afetam diretamente a imagem corporal, causando preocupações, tristeza, isolamento e depressão.(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.,1616. Kelly AD, Egan AM, Reiter-Purtill J, Gerhardt CA, Vannatta K, Noll RB. A controlled study of internalizing symptoms in older adolescents with sickle cell disease. Pediatr Blood Cancer. 2015;62(4):637-42.) Este confronto com a doença crônica é iniciado quando o adolescente percebe haver diferenças entre a sua rotina diária e a de seus amigos e familiares, tais como não poder brincar.(44. Reisinho MC, Gomes B. O adolescente com fibrose cística: crescer na diferença. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2016;(Esp 3):85-94.)

O contexto no qual se desenvolveu a categoria central “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela DF”, foi representado pela categoria “Vivendo com restrições em suas rotinas diárias”, constituída pelas subcategorias “Restringindo suas atividades diárias”, na qual os adolescentes percebiam-se vivendo com restrições quanto à prática de atividades físicas, em decorrência dos desconfortos associados à DF, e “Restringindo sua alimentação”. Esta última foi também observada em estudo com adolescentes diagnosticados com doença renal que demandavam alguma modalidade de terapia dialítica.(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.)

Sendo assim, a vivência dos adolescentes com DF era permeada por privações, que se manifestavam pela realização inadequada e/ou não realização de papéis ocupacionais esperados para essa fase da vida. Essas privações podiam levá-los à qualidade de vida insatisfatória e ter repercussões negativas no futuro, afetando sua adesão ao tratamento e gerando déficits na saúde e bem-estar. Esses fatores poderiam conduzir a complicações e agravos maiores decorrentes da doença.(1717. Marques T, Vidal SA, Braz AF, Teixeira ML. Clinical and care profiles of children and adolescents with Sickle Cell Disease in the Brazilian Northeast region. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;9(4):881-8.)

A categoria “Vivenciando situações ruins”, constituída pelas subcategorias “Vivenciando a dor intensa”, “Submetendo-se a consultas e exames laboratoriais” e “Sendo hospitalizado frequentemente”, foi demarcada como a condição interveniente, na qual a diferença entre adolescente com DF e outros sem esta condição crônica de saúde teve como destaque as crises dolorosas.

Além disso, os entrevistados revelaram as modificações em seu estilo de vida, evidenciadas pelas alterações nas atividades diárias decorrentes do tratamento, dado presente na literatura.(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.)Citaram, como exemplo, afastar-se das atividades escolares, do convívio com amigos e colegas.(1818. Cecilio SG, Pereira SA, Pinto VS, Torres HC. Barriers experienced in self-care practice by young people with sickle cell disease. Hematol Transfus Cell Ther. 2018;40(3):207-12.)Estudos relatam que os adolescentes com DF necessitam frequentar regulamente os serviços de saúde,(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.,1919. Alveno RA, Miranda CV, Passone CG, Waetge AR, Hojo ES, Farhat SC, et al. Pediatric chronic patients at outpatient clinics: a study in a Latin American University Hospital. J Pediatr. 2018;94(5):539-45.) são submetidos a internações hospitalares, uso contínuo de medicamentos, além da realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos à medida que a doença progride.(1717. Marques T, Vidal SA, Braz AF, Teixeira ML. Clinical and care profiles of children and adolescents with Sickle Cell Disease in the Brazilian Northeast region. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;9(4):881-8.)

As hospitalizações frequentes, em decorrência das doenças crônicas, interferem nos laços afetivos e, por vezes, causam rupturas nos relacionamentos, devido aos longos períodos de afastamento. Esse tipo de evento também pode aumentar a vulnerabilidade do adolescente com doença crônica, dar início a um processo de depressão e evidenciar enfrentamento ineficaz, alterações do autoconceito e diminuição da autoestima.(2020. Graves JK, Hodge C, Jacob E. Depression, anxiety, and quality of life in children and adolescents with sickle cell disease. Pediatr Nurs 2016;42(3):113-9,144. Review.

21. Lukoo RN, Ngiyulu RM, Mananga GL, Gini-Ehungu JL, Ekulu PM, Tshibassu PM, et al. Depression in children suffering from sickle cell anemia. J Pediatr Hematol Oncol. 2015;37(1):20-4.
-2222. Ola BA, Yates SJ, Dyson SM. Living with sickle cell disease and depression in Lagos, Nigeria: a mixed methods study. Soc Sci Med. 2016;161:27-36.)

Além disso, as hospitalizações frequentes intensificam os temores por descobrir novas complicações, devido à imprevisibilidade das crises e do curso da doença, pois cada crise pode ser diferente, revelar danos em diferentes órgãos e trazer novos desafios a serem enfrentados. Por se tratar de uma doença crônica, esses temores acompanharão os adolescentes até a vida adulta.(2323. Coleman B, Ellis-Caird H, McGowan J, Benjamin MJ. How sickle cell disease patients experience, understand and explain their pain: an interpretative phenomenological analysis study. Br J Health Psychol. 2016;21(1):190-203.)

Diversas hospitalizações levam a atrasos no cronograma escolar e podem suscitar sentimento de inferioridade.(1616. Kelly AD, Egan AM, Reiter-Purtill J, Gerhardt CA, Vannatta K, Noll RB. A controlled study of internalizing symptoms in older adolescents with sickle cell disease. Pediatr Blood Cancer. 2015;62(4):637-42.)As repercussões tanto psicológicas quanto físicas da DF afetam a frequência e o desempenho escolar, podendo frustrar as perspectivas de realização profissional, afetar a saúde mental e, consequentemente, aumentar a utilização dos serviços de saúde.(2424. Prussien KV, DeBaun MR, Yarboi J, Bemis H, McNally C, Williams E, et al. Cognitive function, coping, and depressive symptoms in children and adolescents with sickle cell disease. J Pediatr Psychol. 2018;43(5):543-51.,2525. Foster N, Ellis M. Sickle cell anaemia and the experiences of young people living with the condition. Nurs Child Young People. 2018;30(3):36-43.)

Desta forma, “Sentindo-se um adolescente normal” revelou-se como a estratégia utilizada pelos adolescentes no enfrentamento da categoria central “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela DF”. Adolescentes com doença renal crônica também relataram esta estratégia, ao observarem as diferenças em relação aos outros adolescentes, tentando dizer que sua condição era normal, como forma de afirmar para si mesmos que sua existência era comum.(1717. Marques T, Vidal SA, Braz AF, Teixeira ML. Clinical and care profiles of children and adolescents with Sickle Cell Disease in the Brazilian Northeast region. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;9(4):881-8.)Contudo, estudo jamaicano mostrou que adolescentes com DF sentiam-se normais quanto mais estivessem envolvidos em atividades sociais, como frequentar a escola, participar de esportes e de festas e quanto menos necessitassem de hospitalizações.(2626. Forrester AB, Barton-Gooden A, Pitter C, Lindo JL. The lived experiences of adolescents with sickle cell disease in Kingston, Jamaica. Int J Qual Stud Health Well-being. 2015;10:28104.)

Estudo evidenciou que adolescentes com DF valorizavam a manutenção de uma vida “normal” e empregavam estratégias para minimizar as diferenças entre seus pares, muitas vezes colocando-se em vulnerabilidade, buscando assumir o controle de suas vidas. Nesse mesmo estudo, os autores encontraram que os adolescentes também se compararam àqueles com outras doenças crônicas e incapacidades, entendidas como piores que sua condição, sustentando, assim, um senso de “normalidade” e resistindo ao rótulo de vítimas.(2626. Forrester AB, Barton-Gooden A, Pitter C, Lindo JL. The lived experiences of adolescents with sickle cell disease in Kingston, Jamaica. Int J Qual Stud Health Well-being. 2015;10:28104.)

Além disso, a aceitação da sua condição com DF revelava o enfrentamento positivo dos adolescentes sobre as adversidades desencadeadas pela doença e indicava um equilíbrio entre os mal-estares do adoecimento crônico e o bem-estar que surgia quando os sintomas estavam controlados. Nesse contexto, o adoecimento crônico configurava-se como um problema significativo na vida dos adolescentes. Para superá-lo diariamente, a estratégia encontrada por eles era a afirmação de sua normalidade, ora negando a doença, ora enfrentando-a, porém minimizando suas consequências, ocultando o que aparecia para si, de sua própria condição.(2626. Forrester AB, Barton-Gooden A, Pitter C, Lindo JL. The lived experiences of adolescents with sickle cell disease in Kingston, Jamaica. Int J Qual Stud Health Well-being. 2015;10:28104.)

Ao tentar ser um adolescente “normal”, eles submetiam-se aos processos terapêuticos exigidos no manejo da doença para alcance da qualidade de vida, adaptando-se às restrições e adotando mudanças na vida diária. Também transgrediam determinadas regras de autocuidado, como a de não praticar atividades extenuantes durante o lazer com os amigos.

Ainda sobre a busca da normalidade, adolescentes com DF tendiam a esconder a dor para poupar seus genitores do sofrimento,(2727. Atoui M, Badr LK, Brand TD, Khoury R, Shahine R, Abboud M. The daily experiences of adolescents in lebanon with sickle cell disease. J Pediatr Health Care. 2015;29(5):424-34.) o que ampliava sua vulnerabilidade ao retardo do atendimento das complicações. Além disso, na tentativa de inserir-se entre os colegas, os adolescentes podiam assumir alguns comportamentos de risco.(2828. Asnani MR, Bhatt K, Younger N, McFarlane S, Francis D, Gordon-Strachan G, et al. Risky behaviours of Jamaican adolescents with sickle cell disease. Hematology. 2014;19(7):373-9.)

A proteção da individualidade e a busca por autonomia era percebida nesses pequenos modos de transgredir as normas do cuidado, pois o adolescente desejava reconhecer-se capaz de fazer por si mesmo, de tomar a direção da própria vida por meio de suas escolhas.(2929. Labore N, Mawn B, Dixon J, Andemariam B. Exploring transition to self-management within the culture of sickle cell disease. J Transcult Nurs. 2017;28(1):70-8.)Essas transgressões podiam também expressar o reconhecimento de algo que lhe provocava incômodo e do qual buscava fugir.(1515. Souza MA, Melo LL. Being adolescent with chronic renal failure: a view through existential phenomenology. Esc Anna Nery. 2018;22(2):e20170368.)

A categoria “Percebendo o estigma”, representou as consequências da categoria central através das subcategorias “Envergonhando-se de ter a doença falciforme”, “Temendo a discriminação por ser adoecido”, “Enfrentando o estigma da doença falciforme” e “Sentindo-se impotente diante da doença falciforme”. Evidenciou-se que parte dos adolescentes experimentava a vergonha de ter seu diagnóstico revelado e isso, consequentemente, provocaria um afastamento dos colegas. Com isso, poderiam sofrer discriminação e exclusão social, e sentirem-se impotentes por não poderem alterar sua condição de adoecidos. Contudo, alguns informaram que, ao divulgarem o diagnóstico da DF, sentiram-se mais apoiados pelos amigos.

Este era um aspecto que emergia da experiência do estigma e levava o indivíduo adoecido a prever, por meio do sentimento de vergonha, que uma característica sua poderia ser considerada motivo para o afastamento das pessoas. Este sentimento mobilizava-o a adotar como estratégia a ocultação das informações que podiam fazê-lo experimentar o distanciamento.(3030. Lacerda FK, Carvalho ES, Araújo EM, Miranda NB, Dias AL, Almeida TA. Women with sickle anemia living with leg ulcers and pain. J Nurs UFPE On Line. 2014;8(7):2054-60.)

Investigação conduzida com adultos diagnosticados com DF identificou que os entrevistados atribuíam o estigma experienciado não à existência da doença em si, mas ao fato de suas complicações impedirem o cumprimento de seus papéis e satisfazerem às expectativas sociais.(2222. Ola BA, Yates SJ, Dyson SM. Living with sickle cell disease and depression in Lagos, Nigeria: a mixed methods study. Soc Sci Med. 2016;161:27-36.) Considerando essa experiência, pode-se inferir que os adolescentes do presente estudo adotavam atitudes que permitiam que outros membros de seu contexto os julgassem e enquadrassem como “normais” e “capazes” de atender às normas e expectativas de seu grupo de pertença, tais como frequentar a escola, participar de esportes, ir a festas, namorar e sair com amigos.

Destaca-se que receber apoio familiar, da escola e dos amigos favorece o enfrentamento positivo da doença crônica e do estigma associado e pode reduzir a depressão e fortalecer os vínculos afetivos familiares.(3131. Harmelen AL, Gibson JL, Clair MC, Owens M, Brodbeck J, Dunn V, et al. Friendships and family support reduce subsequent depressive symptoms in at-risk adolescentes. PLoS One. 2016;11(5):e0153715.)

Conclusão

A experiência do adolescente com DF é representada na categoria central “Buscando ser um adolescente normal, apesar das restrições e da discriminação impostas pela doença falciforme”. Esta categoria tem como condição causal o sentimento de ser diferente dos outros adolescentes e ocorre no contexto de viver com restrições e ter vivências ruins, como a experiência de dor, constantes hospitalizações, medo da morte e incerteza quanto ao futuro. Assim, o adolescente é mobilizado a sentir-se normal. Ao perceber o estigma e temer a discriminação, adota modos de ocultar que possui a doença. Ao buscarem ser adolescentes normais, os participantes aspiravam assumir o controle sobre a própria vida, evitar rupturas na rotina e atender às expectativas sociais, protegendo sua identidade de rótulos e discriminação. As formas de enfrentar o estigma dependiam do conhecimento que familiares e demais pessoas possuíam sobre a doença, do apoio que recebia e de como desenvolvia estratégias para lidar com essas diferenças percebidas na interação com seus pares. A preocupação para atender expectativas sociais e encaixar-se em padrões de normalidade amplia a vulnerabilidade do adolescente com DF.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no desenvolvimento deste trabalho, através da concessão de bolsa de pesquisa, bem como também à Associação Feirense de Pessoas com Doença Falciforme, onde foi desenvolvido o estudo. O financiamento deste estudo foi fornecido através de bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob nº de processo PDE 203809/2018-1.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Ariane Ferreira Machado Avelar (https://orcid.org/0000-0001-7479-8121) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    2 Set 2020
  • Aceito
    16 Jun 2021
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