Influência do ambiente virtual de aprendizagem no desempenho acadêmico de estudantes de enfermagem

Influencia del ambiente virtual de aprendizaje en el desempeño académico de estudiantes de enfermería

Resumo

Objetivo

Analisar a influência do ambiente virtual de aprendizagem no desempenho acadêmico de estudantes de enfermagem.

Métodos

Estudo quantitativo, retrospectivo, com dados secundários provenientes de 108 estudantes do primeiro ano da graduação em enfermagem, obtidos por meio de um ambiente virtual de aprendizado (e-Disciplinas). Os indicadores foram: número de acessos ao ambiente virtual, número de materiais acessados, número de tarefas obrigatórias realizadas, número de tentativas e de acertos no quiz e nota final na disciplina. Foram empreendidos o teste de Mann-Whitney e o teste de correlação de Spearman, utilizando software para análise estatística.

Resultados

Identificaram-se 92% de adesão ao quiz e correlação positiva entre o número de acertos e a nota final. Além disso, houve correlação positiva entre o número de acessos ao ambiente virtual, o número de acertos no quiz e a nota final da disciplina. A nota final também foi correlacionada com o número de materiais acessados e o número de tarefas obrigatórias realizadas.

Conclusão

A utilização do ambiente virtual como estratégia de apoio na disciplina apresentou impacto positivo no desempenho acadêmico dos alunos, sugerindo ser um facilitador para o fortalecimento da autonomia e do protagonismo do discente em seu desenvolvimento e em seu processo de ensino-aprendizagem.

Tecnologia educacional; Avaliação educacional; Materiais de ensino; Educação à distância; Estudantes de enfermagem

Resumen

Objetivo

Analizar la influencia del ambiente virtual de aprendizaje en el desempeño académico de estudiantes de enfermería.

Métodos

Estudio cuantitativo, retrospectivo, con datos secundarios originarios de 108 estudiantes del primer año del grado en enfermería, logrados por medio de un ambiente virtual de aprendizaje (e-Disciplinas). Los indicadores fueron: número de accesos al ambiente virtual, número de materiales a los que se accedió, número de tareas obligatorias realizadas, número de intentos y de aciertos en el quiz y en la calificación final en la asignatura. Se realizaron las pruebas de Mann-Whitney y la prueba de correlación de Spearman, utilizando software para el análisis estadístico.

Resultados

Se identificó el 92 % de adherencia al quiz y correlación positiva entre el número de aciertos y la calificación final. Además, hubo una correlación positiva entre el número de accesos al ambiente virtual, el número de aciertos en el quiz y la calificación final de la asignatura. La calificación final también se correlacionó con el número de materiales a los que se accedió y el número de tareas obligatorias realizadas.

Conclusión

La utilización del ambiente virtual como estrategia de apoyo en la asignatura mostró un impacto positivo en el desempeño académico de los alumnos, lo que sugiere que sea un facilitador para el fortalecimiento de la autonomía y del protagonismo del discente en su desarrollo y en su proceso de enseñanza-aprendizaje.

Tecnología educacional; Evaluación educacional; Materiales de enseñanza; Educación a distancia; Estudantes de enfermería

Abstract

Objective

To analyze the influence of the virtual learning environment on the academic performance of nursing students.

Methods

Quantitative, retrospective study, with secondary data from 108 first-year undergraduate nursing students, obtained through a virtual learning environment (e-Disciplinas). The indicators were: number of accesses to the virtual environment, number of materials accessed, number of mandatory tasks performed, number of attempts and correct answers in the quiz, and final grade in the course. The Mann-Whitney test and the Spearman correlation test were performed using software for statistical analysis.

Results

92% adherence to the quiz and a positive correlation between the number of correct answers and the final grade were identified. Furthermore, there was a positive correlation between the number of accesses to the virtual environment, the number of correct answers in the quiz, and the final grade in the course. The final grade was also correlated with the number of materials accessed and the number of mandatory tasks performed.

Conclusion

The use of the virtual environment as a support strategy in the course had a positive impact on students’ academic performance, suggesting that it facilitates the strengthening of the students’ autonomy and protagonism in their development and their teaching-learning process.

Educational technology; Educacional mesurement; Teaching materials; Education, distance; Students nursing

Introdução

O potencial dos ambientes virtuais de aprendizagem em incrementar o processo de ensino e estimular a autonomia dos estudantes tem sido destacado na literatura sobre o tema.(¹-⁹)Estudos realizados especificamente no âmbito da enfermagem têm focado no desenvolvimento e na validação de estratégias de ensino à distância, como games, quizzes e chats;(⁴-⁶) no relato de experiência sobre o uso de tais estratégias, como complementares ao ensino tradicional,(³,⁷) e na avaliação dos estudantes sobre elas.(⁸,⁹)

Os temas das estratégias descritas são majoritariamente voltados para os aspectos procedimentais da prática de enfermagem, como tratamento de feridas, Suporte Básico de Vida, cuidados com o recém-nascido, administração de medicamentos e cateterismo vesical de demora;(⁴,¹⁰,¹¹) aspectos preventivos relacionados a eventos adversos, lesão por pressão, acidentes de trabalho e tabagismo,(⁵,⁶,¹²) e também sobre desenvolvimento das habilidades de comunicação.(¹³)

Pesquisas recentes sobre ambiente virtual de aprendizagem no âmbito do ensino da enfermagem versam principalmente sobre aspectos objetivos da prática clínica, e não necessariamente sobre temáticas de caráter mais reflexivo e transversal, como é o caso do construto da integralidade do cuidado em saúde.

O conceito de integralidade está atrelado à noção de interdisciplinaridade e tem influência das propostas humanísticas de abordagem na saúde. Advém de questionamentos sobre a medicalização da sociedade, da necessidade de ampliação do campo de atuação em saúde e dos limites da racionalidade e do saber médico.(¹⁴)Parte também de uma crítica à fragmentação do cuidado em especialidades, à redução da visão dos aspectos biológicos, à prática curativa e aos limites da dicotomização entre saúde individual e coletiva.(¹⁵)

Desse modo, a integralidade, em sua complexidade, diz respeito a uma abordagem não fragmentada, pautada na percepção do humano, que considera a subjetividade e a complexidade dos sujeitos e proporciona abertura ao diálogo entre profissionais e usuários e entre as diferentes disciplinas.(¹⁴)

Outros sentidos atribuídos à integralidade consistem em ações de promoção, tratamento, reabilitação e prevenção, que devem ocorrer de forma articulada em todos os níveis de complexidade do sistema; no acesso dos usuários de modo resolutivo a todas as ações de saúde de que necessitam e na existência de políticas públicas que promovam a horizontalização de práticas e programas.(¹⁶)

No âmbito do ensino, essas concepções assumiram maior vulto no contexto brasileiro a partir da década de 1990, quando as diretrizes curriculares destacaram a necessidade de profissionais mais flexíveis, com conhecimentos mais abrangentes, interdisciplinares e focados também nas necessidades e nas demandas sociais dos usuários.(¹⁵) Também ganhou relevo a importância da diversificação dos cenários para o ensino, na perspectiva da integralidade da saúde.(¹⁵)

Identifica-se, assim, uma lacuna do conhecimento, no sentido de ampliar os estudos que avaliem o potencial do uso do ambiente virtual de aprendizagem na abordagem de conteúdos transversais e complementares à formação de competências clínicas, como é o caso da integralidade do cuidado em saúde. Ademais, estudos sobre o efeito do uso do ambiente virtual de aprendizagem no âmbito nacional têm sido desenvolvidos com enfermeiros já formados.(³,¹⁰-¹²) A análise de tal efeito no desempenho acadêmico de estudantes de enfermagem é empreendida majoritariamente no âmbito internacional.(⁷-¹⁸) O presente estudo deve contribuir para evidenciar possibilidades didáticas para o ensino de graduação e que facilitem também a assimilação de conteúdos mais subjetivos, norteadores do sistema de saúde brasileiro, os quais permeiam a prática do enfermeiro nos diferentes settings de cuidado.

O objetivo deste estudo foi analisar a influência do ambiente virtual de aprendizagem no desempenho acadêmico de estudantes de enfermagem.

Métodos

Trata-se pesquisa quantitativa realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (SP). O cenário do estudo foi a disciplina de Integralidade do Cuidado em Saúde I oferecida no primeiro ano do curso de bacharelado em enfermagem. A disciplina é anual e tem como objetivo oportunizar ao estudante a interlocução teoria-prática utilizando recursos do território e dos serviços de Atenção Primária à Saúde. Entende-se que isso pode auxiliar os alunos a identificarem as demandas reais desses espaços e a traçarem reflexões que incorporem os conhecimentos teóricos problematizados em sala de aula e no ambiente virtual de aprendizagem, para uma prática mais abrangente, que considere os diferentes aspectos da vida dos sujeitos e estimule o raciocínio clínico-social, abarcando aspectos tanto individuais quanto coletivos.

Em relação ao acesso ao ambiente virtual de aprendizagem, o meio (tablets, smartphones, computadores, entre outros) e o local (qualquer local com acesso à internet) eram de livre escolha do estudante. Foram abordados, em média, 12 temas ao longo da disciplina (11 em 2017 e 15 em 2018). As categorias de materiais disponibilizados pelos docentes no ambiente virtual de aprendizagem durante os anos de 2017 e 2018 corresponderam a 34 textos para leitura complementar, três vídeos para reflexão dos conteúdos, um mapa conceitual e slides correspondentes a cada uma das nove aulas teóricas ministradas, além de 16 roteiros relacionados às habilidades práticas e seis exercícios opcionais de fixação, nos moldes de estudo de caso. Ainda, o referido ambiente contava com sete tarefas obrigatórias (leitura/ resenha de texto, reflexão crítica sobre um documentário e exercícios para assimilação das habilidades desenvolvidas em laboratórios de prática profissional – genograma e ecomapa, anotações de enfermagem, observação e entrevista).

Os docentes disponibilizavam também um quiz composto de dez questões de múltipla escolha com cinco alternativas cada, para revisão dos principais aspectos do conteúdo ministrado durante os dois semestres da disciplina. O quiz foi elaborado pelos docentes em conjunto com os alunos de pós-graduação e tem sido usado na disciplina desde 2015. A cada uso, é solicitado um feedback dos alunos em relação à pertinência e à clareza das questões, e, em 2017, ele foi testado por três alunos monitores, especificamente para avaliação e ajustes nas questões e opções de respostas. O estudante tinha a opção de realizá-lo quantas vezes julgasse necessário, e a pontuação dessa atividade não compunha a nota final na disciplina, uma vez que não era uma tarefa obrigatória.

A população do estudo foi constituída pelos graduandos que cursaram a disciplina de Integralidade do Cuidado em Saúde I nos anos de 2017 e 2018. A instituição em questão oferecia, anualmente, cerca de 80 vagas para o primeiro ano do curso de bacharelado em enfermagem. Em 2017, 81 estudantes foram matriculados na disciplina e, em 2018, 75 estudantes. Assim, a população do estudo foi formada por 156 alunos.

Os critérios de elegibilidade foram ter concluído a disciplina de Integralidade do Cuidado em Saúde I nos anos 2017 e 2018, não ter sido reprovado por frequência e ter 18 anos ou mais no momento da coleta de dados. Em 2017, dois alunos e, em 2018, quatro evadiram no primeiro semestre da disciplina. A coleta de dados foi realizada entre agosto de 2019 e janeiro de 2020. Neste período, todos os alunos que cursaram a disciplina tinham 18 anos ou mais, sendo, então, elegíveis 150 alunos. Todos foram convidados a participar do estudo.

O convite aos alunos foi realizado pela autora principal durante os intervalos das aulas, para não interferir nas atividades acadêmicas. Todos os elegíveis receberam o convite, e 108 (72%) estudantes aceitaram participar do estudo. Os motivos da recusa foram falta de tempo ou razões pessoais.

As variáveis consideradas no presente estudo foram: número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem (quantas vezes o estudante acessou a disciplina na plataforma on-line); número de materiais acessados no ambiente virtual de aprendizagem (número de textos que o estudante fez download via plataforma on-line); número de tarefas obrigatórias realizadas (quantas tarefas obrigatórias o estudante concluiu dentro do prazo proposto); nota final (nota obtida pelo estudante ao término da disciplina); número de tentativas no quiz (quantas vezes o estudante respondeu ao conjunto de questões do quiz) e acertos no quiz (pontuação final obtida pela última vez que o estudante respondeu ao conjunto de questões do quiz).

As informações sobre essas variáveis foram coletadas nos relatórios individuais disponibilizados no ambiente virtual de aprendizagem (e-Disciplinas) da universidade e naqueles emitidos pelos docentes, com as notas dos alunos no final de cada semestre. A coleta foi realizada separadamente por duas pesquisadoras, e, posteriormente, foi averiguada a similaridade das informações obtidas. Nos casos de divergências, ambas retornaram às fontes dos dados para checagem e correção. A coleta de dados foi guiada por um roteiro previamente definido, contendo as variáveis em questão.

Os dados obtidos foram tabulados em planilha do Excel for Windows e duplamente digitados, para fins de validação e averiguação da fidedignidade. Subsequentemente os dados foram transportados para um banco de dados definitivo no software IBM® Statistical Package for Social Sciences, versão 23.0.

No presente estudo, o termo “desempenho acadêmico” foi concebido como indicador do aproveitamento do estudante diante de diversas estratégias de aprendizado utilizadas para abordar o conteúdo curricular proposto no curso. Ainda, para fins de análise, os indicadores de desempenho acadêmico considerados foram o número de acertos no quiz e a nota final obtida pelo estudante na disciplina. O número de acertos no quiz é computado pelo ambiente virtual de aprendizagem e varia de zero (quando o aluno não responde nenhuma questão corretamente) a dez (quando o aluno responde corretamente a todas as questões). A nota final da disciplina também variava de zero (nenhum aproveitamento) a dez (aproveitamento máximo). A composição de tal nota contemplava as avaliações cognitivas, a atuação no cenário de prática e a realização das tarefas obrigatórias no ambiente virtual de aprendizagem. A pontuação máxima para cada um desses itens era respectivamente dez, dez e um. Ao longo da disciplina, eram realizadas duas avaliações cognitivas semestrais, abordando os conteúdos ministrados no período. No cenário de prática, considerava-se o potencial do aluno em operacionalizar tais conteúdos no reconhecimento do território, na interação com os usuários e profissionais e na visita domiciliar.

Utilizou-se estatística descritiva para apresentação do percentual de participantes que aderiram ao quiz; número de tentativas para realização dele e mediana, mínimo e máximo do número de acertos do quiz e da nota final.

Para identificação da normalidade da distribuição das variáveis de desfecho (número de acertos no quiz e nota final na disciplina), empreendeu-se o teste da normalidade Kolmogorov-Smirnov, cujo resultado apontou que a distribuição delas não era normal (p=0,000 e p=0,016). Desse modo, foram empreendidos os testes não paramétricos descritos a seguir, considerando nível de significância ≤0,05. O teste de Mann-Whitney foi realizado listando como variáveis dependentes o número de acertos no quiz e a nota final na disciplina e, como variáveis independentes, a realização do quiz (sim/ não) e o número de tentativas na realização do mesmo (uma tentativa/duas ou mais tentativas). A correlação de Spearman foi empreendida em duas etapas. Primeiramente, analisaram-se a relação entre o número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem, o número de acertos no quiz e a nota final na disciplina, considerando a amostra total. Subsequentemente, o mesmo teste foi empregado para analisar as variáveis: número de materiais acessados, número de tarefas obrigatórias realizadas, número de acertos no quiz e nota final na disciplina, de acordo com o ano que a disciplina foi oferecida. Essa opção metodológica se deu pelo fato de o número de materiais disponibilizados pelos docentes ter sido diferente em cada ano.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Graduação e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com protocolo CAAE 68745217.7.0000.5393 de 28 de fevereiro de 2019. O desenvolvimento do estudo seguiu as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme estabelece a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Panorama geral das variáveis estudadas

Ao longo da disciplina, os estudantes acessaram várias vezes o ambiente virtual de aprendizagem (mediana de 194, mínimo de seis e máximo de 556 acessos), fizeram download de grande parte dos materiais disponibilizados (mediana de 21,2, mínimo de zero e máximo de 77,5 materiais) e realizaram a maioria das tarefas obrigatórias (mediana de quatro, mínimo de um e máximo de sete tarefas). Dentre os participantes, 92% (n=99) realizaram o quiz. Quanto ao número de tentativas para a realização dessa atividade, 66% dos estudantes (n=71) empreenderam uma única tentativa de respostas ao conjunto de questões e 25,9% deles (n=28) duas ou mais tentativas. A mediana do número de acertos no quiz do total de participantes foi 8,22 (mínimo de zero e máximo de dez) e da nota final na disciplina foi nove (mínimo de 5,9 e máximo de dez).

A influência do ambiente virtual de aprendizagem no desempenho acadêmico dos estudantes

Em relação ao número de acertos no quiz, primeiro indicador de desempenho acadêmico, o número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem foi positivamente correlacionado a ele (Figura 1). Os participantes que realizaram o quiz mais de uma vez apresentaram valor aumentado nesse indicador – a mediana dos que empreenderam uma única tentativa foi 8,2 e dos que empreenderam duas ou mais tentativas foi 8,4 (Figura 2).

Figura 1
Fatores correlacionados aos indicadores de desempenho acadêmico propostos

Figura 2
Número de tentativas no quiz correlacionado com o número de acertos e a nota final da disciplina

O número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem, de materiais acessados e de tarefas obrigatórias realizadas foi positivamente correlacionado à nota final na disciplina. Esse indicador foi diferente entre os alunos que realizaram ou não o quiz (mediana dos que aderiram ao quiz de 9,1 e dos que não aderiram de 8,2; p=0,000).

Considerações sobre indicadores e variáveis adotados

O número de acertos no quiz (indicador de desempenho 1) não compunha a nota final (indicador de desempenho 2), e os dois indicadores de desempenho se correlacionaram positivamente. Ainda, o número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem foi positivamente correlacionado às variáveis número de materiais acessados, número de tentativas no quiz e número de tarefas obrigatórias realizadas (Figura 3).

Figura 3
Correlação entre o número de acessos ao ambiente virtual de aprendizagem e demais variáveis consideradas no estudo

Discussão

Em relação às limitações do estudo, destaca-se o possível viés relacionado às tarefas obrigatórias que compunham o corpus de critérios para a nota final do estudante, fato que, certamente, culminou no resultado de correlação positiva entre a realização de tarefas obrigatórias e a nota final. Outra limitação diz respeito à reflexividade dos pesquisadores, que, embora sendo um estudo quantitativo, o fato de todos estarem envolvidos, direta ou indiretamente, no desenvolvimento da disciplina pode ter suscitado vieses relacionados ao rumo das discussões realizadas. Nesse sentido, cabe destacar que um membro externo foi convidado para realizar a apreciação dos resultados da versão final do presente artigo, visando diminuir possíveis vieses.

No tocante à adoção da nota final na disciplina como principal indicador de desempenho acadêmico para analisar a possível influência do uso do ambiente virtual de aprendizagem no ensino da integralidade do cuidado, configura-se também, de certo modo, um limite a ser considerado, pois não permite avaliar se realmente houve mudança no desenvolvimento da formação crítica e na competência da integralidade propriamente dita. Os resultados aqui apresentados estão centrados no potencial do uso do ambiente virtual de aprendizagem para a viabilização de diferentes estratégias de ensino, com vistas ao melhor aproveitamento dos estudantes em relação aos saberes e às práticas que permeiam a integralidade do cuidado.

Os resultados apontaram que o acesso ao ambiente virtual de aprendizagem refletiu tanto a quantidade de materiais acessados quanto de tarefas obrigatórias realizadas e de tentativas no quiz. A correlação positiva entre tais variáveis reforça a pertinência do acesso ao ambiente virtual de aprendizagem como principal elemento de análise em relação aos diferentes recursos acessados pelo estudante, na modalidade remota. Em segundo lugar, o fato de os dois indicadores de desempenho acadêmico também se correlacionarem positivamente sugere a retroalimentação de ambos, e que as variáveis de desfecho foram legítimas em relação ao objeto de estudo proposto.

A hipótese de que os estudantes que utilizaram mais o ambiente virtual de aprendizagem (e-Disciplinas) apresentaram melhor desempenho acadêmico em uma disciplina sobre integralidade do cuidado em saúde do primeiro ano da graduação foi confirmada no presente estudo. De acordo com os desfechos considerados, os estudantes que obtiveram maior nota final na disciplina foram os acessaram mais o ambiente virtual. Esse resultado corrobora o de estudos prévios sobre o uso de tecnologias digitais no ensino de enfermagem, que têm apontado a influência positiva de tais recursos no desempenho e no aprendizado dos estudantes dessa área, em relação à diferentes temáticas.(⁷,¹³-¹⁸)

Por outro lado, tais resultados trazem a reflexão sobre os possíveis fatores relacionados ao uso do ambiente virtual de aprendizagem, que, de fato, têm potencial de influenciar no desempenho acadêmico dos estudantes. Nesse sentido, destacam-se três principais aspectos. O primeiro diz respeito à diversificação dos materiais disponibilizados, a qual possibilita o atendimento das demandas dos diferentes estilos de aprendizagem pelos quais os estudantes tenham predileção.(¹⁹) Para alguns estudantes, os recursos visuais e esquemáticos podem favorecer mais a assimilação dos conteúdos. Para outros, fontes mais tradicionais, como textos e exercícios exercem esse mesmo papel. Além disso, independente da preferência do estudante, a possibilidade de transitar entre um recurso didático e outro pode tornar o aprendizado mais flexível e fluído.(⁸,¹³)

O segundo aspecto diz respeito à segurança proporcionada pela disponibilização de materiais de fontes confiáveis. Os docentes asseguraram uma certa triagem do material a ser disponibilizado, favorecendo os estudantes, sobretudo do primeiro ano, em relação ao contato direto com informações cientificamente fundamentadas, relevantes e, de fato, focadas no conteúdo abordado.(²⁰)

A forma de disponibilização dos recursos no ambiente virtual de aprendizagem concomitante às atividades presenciais e em ordem cronológica também propicia uma sistematização dinâmica e coordenada de toda a disciplina, com ênfase nos conteúdos essenciais para a assunção das habilidades propostas.(¹⁹)

Outros sentidos têm sido atribuídos ao sucesso do uso dessa tecnologia no ensino de enfermagem. Especificamente no ensino clínico, destaca-se a potência dos recursos visuais proporcionados pelo ambiente virtual de aprendizagem, os quais podem reduzir o gap entre teoria e prática.(²,⁴,¹⁷,¹⁸) Contextualizando esse panorama à temática de integralidade do cuidado em saúde, questiona-se tal quesito, tendo em vista que a viabilização de recursos audiovisuais para essa temática não proporciona necessariamente o vislumbre de um procedimento de enfermagem em si, mas tem o potencial de ampliar a perspectiva do estudante sobre o tema, viabilizando um processo reflexivo mais profícuo, por meio de documentários, entrevistas e filmes. De todo modo, depreende-se a pertinência dos recursos visuais como importante elemento do ambiente virtual de aprendizagem.

Em relação à nota final como indicadora de desempenho acadêmico, os resultados sugerem que tanto os participantes que aderiram ao quiz, quanto os que tiveram maior número de acerto obtiveram maior nota na disciplina, mesmo se tratando de uma atividade com caráter eletivo. O quiz caracteriza-se como atividade de revisão, e, ao realizá-lo, os alunos revisitaram conteúdos posteriormente abordados nas provas e, certamente, conscientizaram-se de possíveis materiais que deveriam revisar com mais profundidade em seus estudos individuais.

A importância de atividades de revisão tem sido destacada por estudos prévios, que apontam que elas auxiliam na compreensão do conteúdo e sinalizam ao aluno os pontos que precisam de mais estudo, raciocínio alternativo e aperfeiçoamento.(¹⁰,¹³,²¹) Tais atividades contribuem para que o aluno possa assumir o controle do processo de ensino-aprendizagem, uma vez que viabilizam a ele a validação dos conhecimentos adquiridos e a reestruturação, caso seja necessária, de seu próprio processo de aprender.(¹⁰,¹³,²¹)

Outro ponto a ser destacado em relação ao quiz é seu caráter lúdico, tendo em vista sua proposta de pontuação baseada nos acertos e a possibilidade de novas tentativas de modo similar aos games. O resultado deste estudo corrobora o de trabalhos prévios, que destacam o potencial de estratégias com tais características no processo de ensino aprendizagem.(⁴,²²)O quiz agrega tanto um caráter lúdico quanto critérios bem objetivos, e isso pode ter sido decisivo em relação a uma temática mais reflexiva do que procedimental, como no caso da integralidade do cuidado em saúde.

Identificou-se também que os alunos que realizaram o quiz mais de uma vez obtiveram mais acertos, mas não necessariamente melhor nota final da disciplina. Uma possível explicação para esse resultado está no fato de que os alunos que realizaram o quiz mais de uma vez se familiarizaram mais com as questões e/ou tiveram mais tempo para refletir sobre as possíveis respostas e podem não ter necessariamente utilizado os “erros” das tentativas prévias como mote para estudo e acesso aos materiais e conteúdos ministrados. Tal resultado aponta os limites das questões de múltipla escolha tanto em relação ao possível viés de interpretação por parte de cada aluno, quanto aos parâmetros de fidedignidade e validade exigidos para sua elaboração.(⁹,²²)

O quiz se configura como estratégia muito importante, em grande parte por seu caráter lúdico e por contribuir para a diversificação de materiais disponibilizados aos estudantes. No caso da temática em questão, tal diversificação agrega complementariedade às múltiplas reflexões necessárias para abarcar sua complexidade.

A realização das tarefas obrigatórias foi correlacionada positivamente com a nota final, e, nesse quesito, vale apontar que essas atividades, quando realizadas em sua totalidade, somavam um ponto na nota final da disciplina, o que explicaria o fato de os alunos que realizaram tais atividades terem obtido maior nota comparados àqueles que não as realizaram.

De modo geral, os resultados do presente estudo corroboram a importância do uso de múltiplos recursos no ambiente virtual de aprendizagem como apoio no processo de ensino e aprendizagem, sobretudo em disciplinas que abordem temas complexos, como a integralidade do cuidado em saúde com alunos do primeiro ano do curso. Tais desfechos reforçam seu potencial de estimular que os alunos sejam mais ativos e tenham acesso a materiais didáticos e atividades diversificadas, ampliando as chances de compreensão dos conteúdos e de responsabilização pelo planejamento de tal processo.(²,³,⁸) Além disso, tais resultados corroboram a asserção de que diferentes fontes de conhecimento e estratégias de ensino auxiliam no despertar de um estado mais crítico, reflexivo e investigativo, bem como no desenvolvimento de habilidades mais contextualizadas à realidade da população(²,³,⁸) – aspectos estes essenciais para o ensino da temática em questão.

O uso exclusivo das tecnologias virtuais para o ensino da área de saúde é permeado de ressalvas, como a impossibilidade do treinamento de habilidades práticas e exercícios relacionados à destreza manual e às diferentes nuances da relação interpessoal; a limitada interação entre alunos, demais colegas e docente, essencial para o desenvolvimento de competências para o trabalho em equipe interdisciplinar; a possível falta de recursos materiais tecnológicos por parte de alguns alunos; a pouca consideração das especificidades de cada estudante e a viabilização de conteúdo teórico dissociado do contexto da prática e do mundo do trabalho.(¹,²,¹⁷) No entanto, o uso do ambiente virtual de aprendizagem, desde que pautado em um bom planejamento e viabilizado como um dos componentes do processo curricular, pode melhorar a difusão de conteúdos também de caráter mais reflexivos e transversais, como a integralidade, sobretudo em disciplinas do primeiro ano. A viabilização de recursos por meio do ambiente virtual de aprendizagem torna o conteúdo mais atraente, oportunizando ao aluno formas diversificadas de aprimorar seu processo de aprendizagem(⁸,²³)e depreende-se que tal possibilidade se opera para o ensino de diferentes temáticas.

Conclusão

O uso do ambiente virtual de aprendizagem como apoio em uma disciplina sobre integralidade do cuidado em saúde mostrou-se benéfico para a melhoria do desempenho acadêmico dos estudantes. Destaca-se a potência de tal ferramenta em detrimento de métodos exclusivamente tradicionais, pois, por meio de recursos diversificados, os alunos certamente ampliam seu repertório de proatividade e de acesso a informações que contribuam para a construção mais efetiva de seu conhecimento. Além disso, a possibilidade de mesclar entretenimento e estudo torna o processo de ensino-aprendizagem mais estimulante e eficaz, sendo um aliado para a formação em enfermagem, sobretudo em disciplinas do primeiro ano. A escolha de um método sempre implica em um recorte de dados e interpretações, com certo limite de espectro, em termos de conclusões possíveis. Nesse sentido, para estudos futuros, recomenda-se a utilização de outros desenhos, que incluam também a percepção dos alunos sobre o uso do ambiente virtual de aprendizagem no processo de ensino. Ainda, os parâmetros que o estudo sugere como decisivos em relação ao melhor desempenho dos alunos corroboram os de pesquisas prévias sobre o uso de ambiente virtual de aprendizagem para outros temas. Logo, estudos adicionais também são necessários para compreender possíveis fatores subjetivos, que possam ter alguma especificidade no tocante às estratégias mais passíveis de incrementar a assimilação do conteúdo de determinadas temáticas.

Agradecimentos

Ao Programa Unificado de Bolsas da Universidade de São Paulo (USP) pela concessão de bolsa na vertente de pesquisa para a aluna de graduação.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Juliana de Lima Lopes (https://orcid.org/0000-0001-6915-6781) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Jun 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  3 Set 2020
• Aceito
  19 Jul 2021