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Aspectos neurológicos da cisticercose

Resumos

1 - A cisticercose é relativamente freqüente em nosso meio, tendo sido observada em 45 pacientes dos 12.361 registrados no Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2 - As localizações encefálica e subeutânea parecem ser as mais freqüentes. Dos 45 casos registrados, em 39 havia localização cerebral provável, comprovada em 15 pelos exames subsidiários; a localização subeutânea foi observada em 6 casos, em 5 dos quais havia sinais de acometimento encefálico; a localização ocular foi encontrada apenas em um caso. 3 - Das formas clínicas de cisticercose encefálica, as mais comuns são a forma convulsiva e a tumoral. Dos 45 casos registrados, 23 casos (51,1%) eram de forma convulsiva e 22 casos (48,8%) correspondiam à forma tumoral. 4 - A presença de uma síndrome convulsiva, tumoral ou psíquica, em pacientes com nódulos subcutâneos e hábito de ingerir carne de porco mal assada, permitem orientar o diagnóstico para cisticercose encefálica. 5 - Dos exames paraclínicos destacam-se, pela freqüência com que demonstram resultados elucidativos, os exames do líquido cefalorraqueano e sangue; a reação do desvio de complemento para cisticercose, no liquor ou sangue, é elemento decisivo para o diagnóstico; a eosinofilia sangüínea e eosinofilorraquia são elementos de grande valor. O exame radiográfico nem sempre fornece resultados positivos. 6 - A síndrome epileptiforme, manifestando-se em indivíduo adulto, desacompanhada de perda da consciência e revestindo especialmente o tipo bravais-jacksoniano, reconhece, muitas vezes, a origem cisti-cercótica. 7 - O tratamento pelo extrato etéreo de feto macho e a radioterapia profunda parecem dar bom resultado em alguns casos. O emprego do Albucid sódico, embora tenha fornecido alguns resultados satisfatórios, está ainda em fase experimental. Alguns casos de cistos parasitários isolados e localizados em regiões acessíveis são passíveis de tratamento cirúrgico.


1 - Cysticercosis is relatively frequent among us and was noticed in 45 of the 12,361 patients of the Neurologic Clinic of the University of São Paulo Medical School. 2 - The encephalic and subcutaneous lodgings seem to be the most frequent. Among the 45 recorded case?, there were 39 probable cerebral localizations, 15 of them being confirmed by subsidiary examinations; 6 cases were lodged in the subcutaneous tissues, 5 of which had signs of encephalic injury. Eye (orbit) localizations was seen only once. 3 - The most common clinic pictures of encephalic lodging were the convulsive and tumoral syndromes. From the 45 recorded cases, 23 (51,1%) were of the convulsive type and 22 (48,8%) of the tumoral type. 4 - The presence of a convulsive, tumoral or psychic syndrome in patients with subcutaneous nodules and the habit of eating poorly cooked pork, are strongly in favor of probable encephalic cysticercosis. 5 - The laboratory tests which oftener prove helpful in bringing conclusive evidence for the diagnosis, are the deviation of complement for cysticercosis bests in the cerebrospinal fluid and blood. The blood eosinophilia and eosinophilorhachia are complementary elements. X Ray films are not always contributory. 6 - The epileptiform syndrome in adults, without loss of conscience, being more of the Bravais-Jacksonian type, very often stems from cysticercosis. 7 - Oleoresin of Aspidium and deep radiotherapy seem to be good in the treatment of some cases. In spite of giving satisfactory results Sodium Albucid still is in the experimental stage. Some cases of isolated parasitic cysts, lodged in excisable regions, are liable of surgical treatment


Aspectos neurológicos da cisticercose

Wilson Brotto

Assistente de Neurologia na Fac. Med. Univ. São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

RESUMO E CONCLUSÕES

1 - A cisticercose é relativamente freqüente em nosso meio, tendo sido observada em 45 pacientes dos 12.361 registrados no Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

2 - As localizações encefálica e subeutânea parecem ser as mais freqüentes. Dos 45 casos registrados, em 39 havia localização cerebral provável, comprovada em 15 pelos exames subsidiários; a localização subeutânea foi observada em 6 casos, em 5 dos quais havia sinais de acometimento encefálico; a localização ocular foi encontrada apenas em um caso.

3 - Das formas clínicas de cisticercose encefálica, as mais comuns são a forma convulsiva e a tumoral. Dos 45 casos registrados, 23 casos (51,1%) eram de forma convulsiva e 22 casos (48,8%) correspondiam à forma tumoral.

4 - A presença de uma síndrome convulsiva, tumoral ou psíquica, em pacientes com nódulos subcutâneos e hábito de ingerir carne de porco mal assada, permitem orientar o diagnóstico para cisticercose encefálica.

5 - Dos exames paraclínicos destacam-se, pela freqüência com que demonstram resultados elucidativos, os exames do líquido cefalorraqueano e sangue; a reação do desvio de complemento para cisticercose, no liquor ou sangue, é elemento decisivo para o diagnóstico; a eosinofilia sangüínea e eosinofilorraquia são elementos de grande valor. O exame radiográfico nem sempre fornece resultados positivos.

6 - A síndrome epileptiforme, manifestando-se em indivíduo adulto, desacompanhada de perda da consciência e revestindo especialmente o tipo bravais-jacksoniano, reconhece, muitas vezes, a origem cisti-cercótica.

7 - O tratamento pelo extrato etéreo de feto macho e a radioterapia profunda parecem dar bom resultado em alguns casos. O emprego do Albucid sódico, embora tenha fornecido alguns resultados satisfatórios, está ainda em fase experimental. Alguns casos de cistos parasitários isolados e localizados em regiões acessíveis são passíveis de tratamento cirúrgico.

SUMMARY AND CONCLUSIONS

1 - Cysticercosis is relatively frequent among us and was noticed in 45 of the 12,361 patients of the Neurologic Clinic of the University of São Paulo Medical School.

2 - The encephalic and subcutaneous lodgings seem to be the most frequent. Among the 45 recorded case?, there were 39 probable cerebral localizations, 15 of them being confirmed by subsidiary examinations; 6 cases were lodged in the subcutaneous tissues, 5 of which had signs of encephalic injury. Eye (orbit) localizations was seen only once.

3 - The most common clinic pictures of encephalic lodging were the convulsive and tumoral syndromes. From the 45 recorded cases, 23 (51,1%) were of the convulsive type and 22 (48,8%) of the tumoral type.

4 - The presence of a convulsive, tumoral or psychic syndrome in patients with subcutaneous nodules and the habit of eating poorly cooked pork, are strongly in favor of probable encephalic cysticercosis.

5 - The laboratory tests which oftener prove helpful in bringing conclusive evidence for the diagnosis, are the deviation of complement for cysticercosis bests in the cerebrospinal fluid and blood. The blood eosinophilia and eosinophilorhachia are complementary elements. X Ray films are not always contributory.

6 - The epileptiform syndrome in adults, without loss of conscience, being more of the Bravais-Jacksonian type, very often stems from cysticercosis.

7 - Oleoresin of Aspidium and deep radiotherapy seem to be good in the treatment of some cases. In spite of giving satisfactory results Sodium Albucid still is in the experimental stage. Some cases of isolated parasitic cysts, lodged in excisable regions, are liable of surgical treatment.

HISTÓRICO

A ocorrência da cisticerccse (kustis, bexiga e kerkos, cauda) no sistema nervoso do homem é aparentemente conhecida desde 1588. quando Rümler1 19 1. Cit. por Guccione, pág. 6. encontrou esse parasita na dura-máter de um epiléptico. Panarolus1 19 1. Cit. por Guccione, pág. 6. , em 1650, observou cisticercos no corpo caloso de outro epiléptico. A natureza parasitária da afecção só foi compror vada mais tarde, graças aos trabalhos de Hartmann, R.di, Tyson e Malpighi2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. . Em 1760, Pallas2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. descreveu, no homem, a Taenia hydatigena, parasita que Fischer1 19 1. Cit. por Guccione, pág. 6. , em 1718, encontrou nos plexos corióideos de um indivíduo por ele necropsiado. Fischer demonstrou a perfeita identidade entre os cisticercos do homem e os do porco, mas a comprovação cabal foi dada por Redon1 19 1. Cit. por Guccione, pág. 6. que, tendo ingerido cisticercos colhidos de cadáver humano, emitiu, três meses depois, um estróbilo completo de Taenia solium. Em homenagem a Fischer, Laennec2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. propôs o nome de Cysticercus cellulosae, em razão da preferência do parasita para o tecido conjuntivo. Só em 1853, após os trabalhos de van Benedem2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , foi suspeitada a relação entre os vermes intestinais e as larvas parasitárias do homem e dos animais, o que foi confirmado pelas experiências dc Heubner e Küchenmeister2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , em 1855, e de Leuckart, em 1856, os quais estabeleceram definitivamente que a forma larvária da Taenia solium é a responsável pela ladraria no porco e cisticercos3 6 3. Cit. por Almeida. humana. Zenker2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , em 1882, descrevendo uma variedade observada por Virchow e Küchenmeister2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , geralmente localizada na base do encéfalo e caraterizada por prolongamentos e arborizações, propôs a denominação de Cysticercus racemosus. Tal variedade já tinha sido observada por Laennec e Louis2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , separadamente, que a denominaram Cysticercus dicystus. Seguem-se inúmeros trabalhos sobre essa afecção, principalmente na França, Itália, Rumania e Alemanha, onde Köhler3 6 3. Cit. por Almeida. apresentou, em meio de 1914, radiografias de cisticercos calcificados localizados nos músculos humanos.

No Brasil, a cisticercose humana parece ter sido observada pela primeira vez por Severiano de Magalhães3 6 3. Cit. por Almeida. , e a forma encefálica por Simões Correia4 6 4. Cit. por Monteiro Salles. que, por volta de 1900, apresentou à Academia Nacional de Medicina um cérebro humano crivado de cisticercos. Em 1905, no Rio de Janeiro, Miguel Pereira5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. publicou o primeiro caso da afecção, seguindo-se publicações esparsas, entre as quais se destacam as de Astor de Andrade3 6 3. Cit. por Almeida. , Ernani Lopes3 6 3. Cit. por Almeida. , Artur Moses3 6 3. Cit. por Almeida. - que foi o primeiro a pesquisar anticorpos, com resultados positivos no sangue e líquido cefa-lorraqueano de três pacientes - e Geraldo Paula Souza5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. , que encontrou cistos parasitários no cérebro de um epiléptico. Foi considerada afecção rara até 1915, quando Waldemar de Almeida6 4: 6. Almeida, W. - Contribuição ao estudo clínico da cisticercose cerebral. Arq. Brasil. Psychiat., Neurol, e Med. Legal (Rio de Janeiro), 229 (julho-agosto) 1915. publicou excelente monografia sobre 13 casos observados no Hospício Nacional do Rio de Janeiro, verificando que o número de casos publicados até aquela data no Brasil era de 25. Em 1916, Enjolras Vampré apresentou à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, dois casos de epilepsia em doentes portadores de nodulos subcutâneos. Posteriormente, outras publicações surgiram, destacando-se, em São Paulo, as de Pacheco e Silva e Tetriakoff, Monteiro Salles e Lange. Pacheco e Silva e Tetriakoff7 1: 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924. , em 250 necrópsias, encontraram 3,6% de cisticercose cerebral, assinalando a possibilidade de lesões tóxicas à distância determinadas pelos cisticercos. Lenge8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. tratou especialmente do reconhecimento e diagnóstico da enfermidade no vivo, baseando-se na síndrome liquórica. Em 1934, Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. observou 15 casos de cisticercose, nos quais pôde ser estabelecido o diagnóstico em vida; esse mesmo autor reuniu, em 1940, mais 30 casos de cisticercose. Lioba Sylva10 7: 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942. , apresentando 4 casos, relatou os resultados terapêuticos obtidos pelo emprego da sul-famidoterapia.

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E FREQÜÊNCIA

A cisticercose humana é freqüente nos países onde é grande o consumo de carne de porco com elevada percentagem de parasitismo pela Taenia solium. Nos países europeus, a freqüência da cisticercose humana é a seguinte, em ordem decrescente: Alemanha, Rússia, Polônia, Suécia, Itália e França; na Inglaterra, Espanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Rumania, a incidência é relativamente menor. Nos países asiáticos, a cisticercose é desigualmente distribuída, sendo sobretudo freqüente na Índia. Nos países africanos, em conseqüência da difusão do parasitismo intestinal, a incidência é elevada. Nas Américas, a do Norte parece ser a menos atingida. É interessante que, segundo Tanaka3 6 3. Cit. por Almeida. , no Japão há ausência absoluta de Teania solium.

No Brasil, ela é especialmente comum em São Paulo, onde Pacheco e Silva e Tetriakoff7 1: 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924. , dentre 250 necrópsias realizadas no Hospital de Juqueri, encontraram 9 casos de cisticercose (3,6%); Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. , em 4200 pacientes examinados na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina de São Paulo, encontrou a cisticercose cerebral em 13 (0,31%); considerando o número de doentes com hipertensão craniana (132) e os portadores de síndromes epilépticas (265) - síndromes neurológicas mais freqüentemente realizadas pela cisticercose encefálica - as percentages se elevam, respectivamente, a 9,8% e 4,9%. Toledo Galvão11 11. Toledo Galvão - Incidência e profilaxia da cisticercose e quisto hidático em São Paulo. Tese de doutoramento, São Paulo, 1928. refere que, em 997 necrópsias, foram encontrados 15 casos de cisticercose e, destes, 11 com localização cerebral. No Rio de Janeiro, Hélion Póvoa12 12 . Póvoa, Hélion - Cisticercose cerebral. Fôlha Médica (Rio de Janeiro), 12: 241 (julho) 1932. encontrou a percentagem de 0,97% em 1073 necrópsias feitas no Instituto de Neurobiologia. Pinheiro e Melo13 13 . Pinheiro, J. e Mello, A. R. - Considerações sôbre a cisticercose cerebral. ArqBrasil. Med. (Rio de Janeiro), 31: 192 (dezembro) 1941. , em 465 necróspsias realizadas posteriormente nesse mesmo Instituto, encontraram 2 casos de cisticercose cerebral.

Na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina de São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa), em 12.361 doentes registrados até 30 de setembro de 1946, foram fichados como portadores de cisticercose, 45 pacientes (0,36%) nos quais o diagnóstico clínico foi comprovado pelo menos por um dos exames complementares. Evidentemente, as cifras percentuais exatas que permitiriam avaliar a real difusão dessa enfermidade são difíceis de determinar, pois numerosos são os casos que, pelas manifestações frustas e incomuns, escapam à necrópsia ou aos exames complementares apropriados. Considerando a nacionalidade dos pacientes que passaram por esse Serviço, observamos a seguinte distribuição: brasileiros, 37; estrangeiros, 8. Quanto ao sexo, verificamos maior incidência no sexo masculino: homens, 26 (57,7%); mulheres, 19 (42,2%). Quanto à cor, a incidência em pretos foi observada bem mais raramente: brancos, 38 (84,4%); pretos, 3; pardos, 2. Em relação à idade, a maior freqüência processou-se entre os 20 e 40 anos: de 0 a 10 anos, 3; de 10 a 20 anos, 6; de 20 a 30 anos, 10; de 30 a 40 anas, 17; de 40 a 50, 4; de 50 a 60 anos, 2; de idade indeterminada, 2. Por conseguinte, a inicidência foi sensivelmente maior no sexo masculino, raça branca e indivíduos adultos, particularmente entre 30 a 40 anos.

Neste trabalho, para documentar alguns dos aspectos clínicos e humorais da cisticercose encefálica, apresentaremos, resumidamente, 26 casos, escolhidos entre os 45 acima referidos.

ETIOPATOGENIA

A cisticercose humana é geralmente determinada pela forma larvária da Taenia solium. Raros são os casos reconhecidamente comprovados como determinados pela forma larvária da Taenia saginata. O ciclo se inicia quando a tênia adulta, que parasita o intestino delgado do homem (hospedeiro definitivo), elimina os anéis repletos de ovos. Ingeridos pelo hospedeiro intermediário - geralmente o porco - os ovos têm suas últimas membranas dissolvidas pelo suco gástrico, o embrião é libertado e, com a ajuda de seus ganchos, atravessa ativamente as paredes do intestino, cai nos capilares sangüíneos e linfáticos, que o carreiam para a circulação geral, alcança o coração e é disseminado para qualquer região do organsmo. Uma vez localizado, o embrião perde seus acúleos e transforma-se numa vesícula hidrópica, de tamanho aproximado ao de uma ervilha, contendo o escólex. O homem se infesta pela ingestão da carne de animais contaminados. No estômago, os sucos digestivos destroem os envoltórios, e o escólex, postos em liberdade, fixa-se cem a ajuda dos ganchos e ventosas sobre a mucosa intestinal, e, ao fim de certo tempo, pela proliferação de suas células, transforma-se no parasito adulto, reiniciando-se, assim, o ciclo evolutivo. No homem, o parasito é geralmente único, devido às condições de imunidade que se estabelecem, impedindo o desenvovilmento de outros parasitas; raramente é múltiplo, como no caso citado por Laker2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , que encontrou mais de 50 tênias no mesmo indivíduo.

O homem pode, excepcionalmente, transformar-se em hospedeiro intermediário, ingerindo os ovos do parasita. Essa infestação pode dar-se de três maneiras: 1. Hetero-infestação, quando o indivíduo ingere alimentos contaminados com os ovos eliminados por portadores de Taenia solium; 2. Auto-infestação externa, quando o indivíduo, devido à falta de higiene, pode levar sob as unhas os ovos de tênia que ele próprio eliminou, e ingeri-los casualmente; 3. Auto-infestação interna, quando, em conseqüência de movimentos antiperistálticos, os proglotes do intestino, que deveriam ser eliminados, passam para o estômago.

A vesícula cisticercótica, lecalizando-se no encéfalo, determinará, por compressão mecânica direta do parênquima e conseqüente necrobiose, por perturbações da dinâmica do líquido cefalorraqueano, por alterações vasculares (panarterite que ocasiona muitas vezes amolecimentos) ou por ação tóxica, alterações mais ou menos pronunciadas do sistema nervoso. Produzem-se, assim, síndromes clínicas variadas.

Segundo Pacheco e Silva e Tetriakoff7 1: 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924. , a ação das toxinas pode ocasionar lesões graves do sistema nervoso: estes autores relataram o caso de um paciente que apresentava crises epilépticas, hemiplegia espástica à direita seguida de paresia do membro inferior esquerdo e flexão dos membros; o exame anátomo-patológico revelou meningite esclerosa, difusa cerebrospinal, cistos calcificados disseminados na medula e substânca cerebral (estando um na extremidade posterior da circunvolução frontal ascendente, adiante do lobo paracentral esquerdo), degeneração do feixe piramidal esquerdo, iniciando-se ao nível da região bulbapontina e prolongando-se para a medula, onde as secções microscópicas revelaram degeneração do feixe piramidal cruzado do lado direito; acima da protuberância, o feixe piramidal encontrava-se integro. Não sendo possível atribuir a degeneração do feixe piramidal ao cisto loca-Hzado na circunvelução froncal ascendente, adiante do lobo paracentral, os autores sugeriam que a degeneração do feixe piramidal fosse devida às lesões meningovasculares da região bulbopontina. Como as lesões vasculares não eram obliterantes e não houvesse na região citada traços de amolecimento ou isquemia pronunciada, os autores admitiram a possibilidade de ação direta das toxinas sobre o feixe piramidal ou, ao menos, que esta ação tóxica se tivesse juntado às perturbações circulatórias.

SINTOMATOLOGIA. FORMAS CLÍNICAS

A variabilidade da localização, do tamanho e número das vesículas e as diferenças do poder reacional do indivíduo parasitado são fatores que concorrem para que os quadros clínicos sejam variáveis, muitas vezes vagos e polimorfos, difíceis de distinguir de outras entidades neurológicas. Embora a sintomatologia seja mútlipla e variada, alguns fenômenos se destacam por sua freqüência e intensidade, permitindo uma orientação que, coadjuvada por exames paraclínicos adequados, pode levar ao diagnóstico exato. Procurando sistematizar, através do emaranhado de sintomas encontráveis na cisticercose cerebral, as diferentes formas clínicas, poderemos destacar, de acordo com a síndrome predominante: 1 - formas convulsivas; 2 - formas tumorais; 3 - formas psíquicas; 4 - outras formas (forma meníngea, hemiplégica, cerebelar, espinal, etc.); 5 - formas assintomáticas.

1. As formas convulsivas têm como caraterístico principal o fato de apresentar-se em indivíduos adultos, até então sadios e sem qualquer outra causa capaz de explicar a sua aparição, não havendo, por outro lado, referências a síndromes epilépticas nos antecedentes pessoais ou familiais. As convulsões podem ser generalizadas, porém, em geral, afetam o tipo bravais-jacksoniano. Estas convulsões podem ser ou não precedidas de aura, seguindo-se a fase tônica e, logo depois, a fase clônica, sendo que, em grande número de casos, não há perda de consciência. Lioba Sylva10 7: 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942. relatou o caso de uma paciente que sofria de crises convulsivas tipo bravais-jacksoniano à direita, sem perder a consciência e na qual a radiografia revelou pequenos focos de calcificação na região parietal esquerda. Justamente o fato de apresentar o indivíduo uma síndrome convulsiva sem perda de consciência ou com perda tardia de consciência constitui elemento de valor para o diagnóstico de suspeita da cisticercose. Embora possam conduzir à morte em estado de mal epiléptico, muitas vezes estas, crises convulsivas desaparecem espontaneamente, devido à calcificação ou morte do parasita.

Dos 45 casos que passaram pela Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, encontramos 23 casos correspondentes à forma convulsiva, o que dá a percentagem de 51,1%. Desses 23 casos, 10 apresentavam crises de epilepsia generalizada e 13, de epilepsia do tipo bravais-jacksoniano, sendo que, em um, as convulsões se processavam no membro superior direito e inferior esquerdo (caso 3). Desses 23 pacientes portadores da forma convulsiva, três tinham o ataque epiléptico sem perda da consciência (caso 4, 5 e 6), seis perdiam a consciência em fase adiantada do ataque (casos 2, 7, 8, 9, 10 e 11), sete apresentavam ataque com perda de consciência no início; em sete casos não foi possível obter informações sobre esse pormenor.

Caso 1 - E. I. D., brasileira, branca, 37 anos de idade, sexo feminino, internada em 21 de novembro de 1945 (H. C. 18164). Há ano e meio teve bruscamente um ataque: caiu ao solo, perdeu a consciência e teve convulsões generalizadas mas predominando no lado direito do corpo, espumou, mordeu a língua, porém não eliminou urina ou fezes. Esses ataques repetiram-se nos meses subseqüentes, sempre com as mesmas caraterísticas, notando a paciente, após as crises, enfraquecimento da mão e da perna direitas. Há um ano teve um ataque mais intenso, seguido de hemiparesia direita com distúrbios da palavra. Nega vômitos do tipo cerebral ou diminuição da visão. Cefaléia quase constante. Antecedentes: Moléstias peculiares à infância. Há três meses fez operação de Heller para o megaesôfago e, há um mês, ressecção extramueosa do esfíncter retal. Teve dois abortos espontâneos. Exame físico: Mucosas descoradas. Gânglios epitrocleanos palpáveis. Pequenas tumorações do tamanho de grãos de ervilha, móveis e indolores, elásticas, disseminadas pelo membro superior esquerdo, pescoço, fronte, abdome e face posterior do tronco. Nada digno de nota ao exame dos diferentes aparelhos. Exame neurológico: Hemiparesia direita com diminuição da força muscular e vivacidade dos reflexos tendinosos: síndrome piramidal deficitária e de libertação. Incoordenação do tipo cerebelar revelada pelas provas index-nariz, index-index e calcanhar-joelho e adiadococinesia à direita; prova de Stewart-Holmes positiva à direita. Discretos movimentos de tipo coreico nas extremidades dos membros superiores, preferencialmente da mão direita; à esquerda, esses movimentos só eram observados no indicador. Na mão direita, sinais de Mendel-Bechterew, Rossolimo e Hoffmann; reflexo cutaneoplantar invertido à direita. Discreta hipoestesia superficial na perna direita; sensibilidade profunda íntegra. A mão direita da paciente, às vezes, se crispava durante alguns segundos sobre a mão do observador ao se lhe dar a mão (grasping reflex?).

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 10; liquor límpido e incolor; 0,5 células por mm3; 0,10 grs. de proteínas, 7,10 grs. de cloretos e 0.65 grs. de glicose por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 12100.00000.00000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo parenquimatoso); r. Wassermann, Steinfeld, Meinicke e Weinberg negativas. Tentou-se, por duas vezes, a reativação do líquido cefalorraqueano, injetando 2 cm3 de água destilada na cisterna magna, porém os novos exames nada revelaram de especial. Sangue: r. Wassermann negativa; hemograma mostrando acentuada eosinofilia (40,6%); r. Weinberg de resultado duvidoso (atraso da hemólise). Fundos oculares normais. Biópsia de tumorações subcutâneas retiradas de músculos abdominais: cisticercose (Dra. M. L. Mercadante) (fig. 1). Radiografia do crânio: não existem sinais radiológicos de cisticercose cerebral; calcificação da pineal; não há sinais de hipertensão intracranirtna. Periencefalografia (via suboccipital): falta de enchimento dos espaços sub-aracnóideos. Paquimeningite? Edema cerebral? Hidroma?


A paciente apresentava, portanto, síndrome hemiplégica e cerebelar à direita. As condições do aparelho circulatório e a negatividade das reações sorológicas para a sífilis permitiram afastar a hipótese etiológica arterial ou luética. A presença de nódulos subcutâneos, a eosinofilia, bem como a reação duvidosa do desvio de complemento para cisticercose no sangue e o tipo de epilepsia levam a suspeitar que as alterações determinadas pela cisticercose cerebral sejam responsáveis pela sintomatologia em apreço, apesar da negatividade da reação do desvio de complemento no liquor.

A paciente foi submetida a tratamento por injeções intravenosas de 5 cm3 de Albucid sódico a 30%. Após 10 injeções, os nódulos subcutâneos regrediram sensivelmente, tornando-se difíceis de palpar nos braços, restando, entretanto, alguns facilmente palpáveis na região frontal e dorso. Após outras duas séries de 15 injeções de Albucid, seguidas durante 15 dias de 4 grs. de sulfamida per os, e separadas por um intervalo de 10 dias, observamos regressão completa dos nódulos dos braços. Durante a estadia na enfermaria, a paciente teve três ataques epilépticos do tipo bravais-jacksoniano e cefaléía diária. Por ocasião da alta, o estado geral era satisfatório; continuavam, porém, nítidos, o déficit muscular, a ataxia cerebelar, a adiadococinesia, a marcha ceifante, o sinal de Babinski e a hiperreflexia osteotendinosa à direita. Os movimentos involuntários espontâneos dos dedos haviam desaparecido.

Caso 2 - A. J. C., brasileiro, 26 anos de idade, branco, sexo masculino, lavrador, examinado em 10 de novembro de 1940 (S. N. 5843). Há três meses, teve repuxamento e tremores da boca para a esquerda, violentos, bruscos e rápidos, que passaram em 10 minutos. Esses tremores se repetiram várias vezes ao dia durante 20 dias, sobrevindo de preferência após o jantar. Um mês depois, leve novos repuxos com tonturas, seguindo-se convulsões generalizadas e perda dos sentidos. Não espumou, nem eliminou urina ou fezes. Há 10 anos sofre de cefaléias, às vezes acompanhadas de vômitos. Sempre, e principalmente em criança, ingeria muita carne de porco e até 6 meses atrás eliminava anéis de tenia. Exame neurológico normal.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção lombar em decúbito lateral; pressão inicial 13; liquor límpido e incolor; 24,8 células por mm3, sem eosinófilos; 0,20 grs. de proteínas por litro; r. Pandy opalescência; r. benjoim 00000.12210.00000.0; r. Takata-Ara, Wassermann e Weinberg negativas. Sangue; r. Wassermann e Kahn fortemente positivas; r. Weinberg fortemente positiva; acentuada eosinofilia (8,5%). Radiografias do crânio: projeção intracraniana de duas imagens típicas de cisticercose.

Caso 3 - B. F. S., brasileiro, 43 anos de idade, branco, sexo masculino, internado na 3.a Enfermaria de Cirurgia da Santa Casa de S. Paulo (S. N. 1938). Há três anos, sofreu traumatismo craniano bilateral na região parietal. Dois meses depois começou a apresentar epilepsia tipo bra vais-jacksoniano nos membros superior direito e inferior esquerdo, vertigens e cefaléia. Exame neurológico normal.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano normal. Fundos oculares: ligeiro edema das papilas. Radiografia do crânio normal. Encéfalo-ventriculografia: aderências aracnóideas em correspondência à região frontoparietal esquerda.

Praticada a craniotomia frontoparietal esquerda, o paciente faleceu algum tempo depois. Pela necrópsia foram encontradas vesículas cisticercóticas, uma na parte posterior do lobo frontal e outra na região dos núcleos da base, ambas à esquerda.

Caso 4 - A. L. N., brasileira, 20 anos de idade, branca, sexo feminino, examinada em 9 novembro 1946 (H. C. 47512). Há 7 meses, teve um ataque epiléptico com convulsões generalizadas precedido de escotomas cintilantes. Esses ataques se repetiram por mais três ou quatro vezes, com menor intensidade, porém sempre com aura visual: escurecimento da vista e escotomas cintilantes. Uma só vez perdeu a consciência. Após o ataque, e quase diariamente, tem cefaléia intensa, geralmente na região frontal. Há sete meses, o olho direito começou a tremer, a visão diminuiu progressivamente, até a amaurose completa. Antecedentes: Moléstias peculiares à infância. Sempre ingeriu grande quantidade de carne de porco mal assada e já expeliu grande quantidade de anéis de tênia. Exame físico: Mucosas coradas, não há nódulos subcutâneos. Nada de anormal nos diversos aparelhos. Exame neurológico; discretas alterações do psiquismo, caraterizadas por ideais tristes e grande nervosismo. Nada mais foi encontrado de anormal.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano normal, com reação de Weiberg negativa. Exames de sangue: reação de Weinberg negativa; eosinofilia (11%). Radiografia do crânio normal. Exame neurocular: leve estrabismo externo à direita; cisticerco sub-retiniano e descolamento da retina à direita.

A paciente foi submetida a uma série de 15 injeções intravenosas diárias de 5 cm3 de Albucid sódico a 30%, e 1 gr. de Sulfamida cada 6 horas, per os.

Caso 5 - R. F., brasileiro, 26 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em 13 de novembro de 1939. Há nove anos teve ataques convulsivos, dos quais melhorou com medicação sintomática. Há um ano vem tendo ataques convulsivos no hemicorpo esquerdo, sem perda de consciência, que duram 2 a 3 minutos e surgem duas ou três vezes por semana. Queixa-se de cefaléia frontal. Exame neurológico: apenas vivacidade dos reflexos osteotendinosos.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 13; r. Pandy positiva; r. benjoim 01221.12210.00000.0; r. Takata-Ara fortemente positiva (tipo floculante); r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann negativa; r. Weinberg fortemente positiva; eosinofilia. Radiografia do crânio normal. Exame neurocular normal.

Submetida ao tratamento pelo extrato etéreo de feto macho, o paciente passou 4 anos sem ataques, mas ura novo exame do líquido cefalorraqueano revelou: 3,2 células por mm3; r. Pandy levemente positiva; r. benjoim 00011.12210.00000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo floculante), r. Weinberg fortemente positiva; novo exame de sangue revelou: reação de Weinberg fortemente positiva.

Caso 6 - I. P., brasileira, 10 anos de idade, branca, sexo feminino, examinada em 28 de novembro de 1943 (S. N. 4323). Há 3 meses, sofreu queda violenta "batendo a cabeça no solo, ficando desacordada por algum tempo. Há 20 dias, vem tendo violenta cefaléia frontal, acompanhada, às vezes, de vômitos que aumentam com a movimentação da cabeça, tonturas e freqüentes repuxamentos do membro inferior direito, sem perda da consciência. Exame neurológico: obnubilação mental, marcha ceifante à direita, hiperreflexia nos membros inferiores e clono à direita, sinais de Babinski e Oppenheim à direita.

Frames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 25; 52,4 células por mm3; eosinófilos 2%; 0,20 grs. de proteínas por litro; r. Pandy levemente positiva; r. benjoim 00000.12210.00000.0; r. Takata-Ara negativa; r. Wassermann negativa; r. Weinberg positiva. Exame neurocular: paralisia do reto superior e pupilas rígidas em ambos os olhos (síndrome de Parinaud?).

Embora a sintomatologia apresentada pudesse ser atribuída a um processo intracraniano resultante do traumatismo, a hipótese etiológica de cisticercose cerebral deve também ser considerada, em virtude da positividade da reação de Weinberg no líquor.

Caso 7 - J. C., russo, 31 anos de idade, branco, sexo masculino, examinado em 11 de setembro de 1946 (H. C. 47656). Há cinco dias, acordou de madrugada com convulsões epileptiformes dos membros, repuxamento da boca, seguindo-se algum tempo depois perda da consciência; durante o ataque babou e mordeu a língua, tendo tido depois intensa cefaléia frontal. Esses ataques se repetiram várias vezes com os mesmos caraterísticos. Antecedentes: Moléstias caraterísticas da infância. Etilista moderado. Nega moléstia idêntica na família. Exame neurológico normal.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; líquor límpido e incolor; pressão inicial 11 (Claude); 76,8 células por mm3, com eosinofilia de 6%; 0,15 grs. de proteínas e 7,00 grs. de cloretos por litro; r. Pandy e Nonne levemente positivas; r. benjoim 01210.01210.00000.0; T. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Wassermann, Steinfeld e Meinicke negativas; r. Weinberg fortemente positiva com 1 cm3. Sangue: r. Wassermann c Kahn negativas. Radiografia do crânio normal.

Caso 8 - S. N., brasileiro, 45 anos de idade, preto, sexo masculino, internado em 3 de setembro de 1946 (H. C. 28486). Há dois anos, teve ataques epilépticos do tipo brayais-jacksoniano, com início caraterizado por forte cefaléia, sensação de formigamento no pé e mão direitos, seguindo-se convulsões do braço direito, que depois se estendiam para o lado oposto e, depois, perda da consciência. Nessa época, surgiram nódulos subeutâneos do tamanho de grãos de ervilha nos braços e pernas. Esses ataques têm-se repetido várias vezes com os mesmos caraterísticos, mordendo, às vezes, a língua. Cefaléias constantes e intensas. 'Raros vômitos. Antecedentes: Trabalhou há vários anos na criação de porcos e consumia grande quantidade de carne de porco mal assada; relata passado venéreo-sifilítico. Admite ter sido mordido por "barbeiro", e diz ter tido xenodiagnóstico positivo. Exame físico: Numerosos nódulos subeutâneos indolores e móveis no pescoço, tronco e membros. Exame neurológico: diminuição dos reflexos patelares e abolição do reflexo aquiliano à direita.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 13; líquor límpido e incolor; 0,20 grs. de proteínas, 6,20 grs. de cloretos e 0,62 grs. de glicose por litro; r. benjoim 12210.12100. 0000Q.0; r. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Pandy e Nonne positivas; r. Wassermann, Steinfeld e Weinberg negativas. Sangue: eosinofilia (10%); r. Wassermann e Kahn positivas; r. Weinberg negativa. Radiografia do crânio: ausência de sinais de hipertensão intracraniana, calei ficação parcial da glândula pineal. Pequenos pontos calcifiçados e uma imagem cística calcifiçada na região frontal. Radiografia do tórax: aumento da área cardíaca; no campo pulmonar direito notam-se vários nódulos arredondados e um nódulo calei ficado na região pós-hilar esquerda. Biópsia de um nódulo subeutâneo: cisticerco de músculo estriado.

O caso comporta neurologicamente o diagnóstico diferencial entre a cisticercose cerebral e a tripanosomíase americana com localização cerebral e, em segundo plano, com uma goma sifilítica, visto que a reação de Wassermann no sangue resultou positiva. Em favor da cisticercose, temos a anamnese, os nódulos sub-cutâneos, a imagem intracraniana mais ou menos caraterística na região frontal; todavia, a reação do desvio de complemento para cisticercose foi negativa no sangue e no liquor.

Caso 9 - D. S., brasileiro, 18 anos de idade, masculino, pardo, examinado em 20 de setembro de 1939 (S. N. 4280). Há 3 anos, teve ataque que começou na mão esquerda cem repuxamento dos dedos médio e anular, seguindo-se adormecimento de todo o hemicorpo esquerdo e, depois, convulsões generalizadas. esses ataques repetiram-se várias vezes, predominando sempre do lado esquerdo; só algum tempo após o início dos ataques é que perde a consciência. Exame neurológico normal.

Exames complementares; Líqüido cefalorraqueano normal. Sangue: eosinofilia (14%); r. Weinberg negativa. Radiografia do crânio: imagens de cistos calcificados intracranianos.

Caso 10 - J. T., húngaro, com 40 anos de idade, branco, masculino, examinado em 22 de setembro de 1933 (S. N. 1730). Há 2 anos, tem tido ataques convulsivos que começam no braço direito e se generalizam ao hemicorpo direito, seguindo-se perda da consciência. Antecedentes: sempre ingeriu grande quantidade de carne de porco apenas defumada. Exame físico: pequenos nódulos subcutâneos na região mastóidea, no bordo do maxilar inferior, e outros disseminados pelo corpo. Exame neurológico: apenas vivacidade dos reflexos profundos.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano normal. Sangue: r. Wassermann, Kahn e Weinberg negativas. Radiografia do crânio normal. Biópsia de um nódulo subcutâneo: cisticercose.

Caso 11 - L. J., brasileira, 13 anos de idade, sexo feminino, examinada em 15 de outubro de 1942 (S. N. 7146). Há 3 meses, teve cefaléia frontal violenta, vômitos em jacto, seguindo-se ataque convulsivo do tipo bravais-jacksoniano o direita, com perda da consciência. Esses ataques têm surgido duas a três vezes por mês. Queixa-se também de diminuição da visão e desvio interno do olho esquerdo. Exame neurológico normal.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 55; pressão final 5 após a retirada de 15 cm3; 6,4 células por mm3; 0,40 grs. de proteínas por litro; r. *Pandy e Nonne levemente positivas; r. benjoim 00011.10000.00000.0; r. Takala-Ara e Wassermann negativas. Radiografia do crânio: discretos sinais de hipertensão intracraniana. Ventriculografia: decapitação do corno anterior do ventrículo lateral esquerdo. Exame neurocular; estase papilar e paralisia do 3.° par craniano à esquerda.

Realizada a intervenção cirúrgica, foi observada cisticercose encefálica difusa, tendo sido retirados três cistos da região frontal esquerda. O exame anátomo-patológico confirmou a cisticercose. Após duas séries de radioterapia, foi feito novo exame de líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; 2,4 células por mm3; 0,40 grs. de proteínas por litro; r. Pandy positiva; r. benjoim 12222.22222.10000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Wassermann e Sjeinfeld negativas; r. Weinberg fortemente positiva.

2. As formas tumorais caraterizam-se por apresentar os sintomas e sinais clássicos da hipertensão intracraniana: cefaléia intensa e constante, vômitos do tipo cerebral, perturbações da visão com diminuição progressiva podendo conduzir à amaurose, congestão e edema papilar seguindo-se atrofia da papila, bradicardia, perturbações do equilíbrio, sonolência, vertigens, sinal da panela rachada, alterações liquóricas. Por vezes, surgem convulsões epileptiformes. Em certos casos, observa-se a síndrome de Bruns: os pacientes mantêm a cabeça em atitude rígida, procurando evitar movimentos bruscos que podem determinar crises de ce/faléia, vertigens e vômitos. Muitas vezes, só por ocasião da necrópsia ou da intervenção cirúrgica, é que se descobre a etiologia cisticercótica da hipertensão. Daí a importância da realização da reação de Weinberg vo liquor em todos os casos de hipertensão intracraniana suspeitos de processo tumoral e igualmente nos casos de epilepsia, mormente nos de tipo bravais-jricksoniano, pois a reação do desvio de complemento é o único elemento de certeza da síndrome liquórica na cisticercose encefalomeníngea, como assinalou Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. .

Algumas vezes, o cisticerco, pela irregularidade e inconstância de sua situação, pede determinar crises periódicas de hipertensão craniana, nos intervales das quais o paciente nada acusa, como no caso relatado por Rothfe'd2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , em que o paciente apresentava crises violentas de cefaléia, acompanhadas de nauseas, vômitos, perturbações discretas da visão e mau estar geral, e cujo exame revelou hiperreflexia osteotendinosa, diminuição dos reflexos cutaneo-abdenrrais, discretas perturbações vestibulares do lado direito e eosinofilia de 5%; a necrópsia revelou uma vesícula de cisticerco em via;? de desintegração, situada no plexo corióideo do ventrículo lateral direito, que periodicamente produzia obstrução do orifício de Monro, desencadeando a crise de hidrocefaiia responsável por essa sintomatologia.

Caso típico da forma hipertensiva intracraniana de origem cisticercótica foi recentemente apresentado à Associação Paulista de Medicina por Freitas Julião e Tenuto. Tratava-se de menino com 6 anos de idade, cuja moléstia se iniciara 3 meses antes, com cefaléia intensa, prostração, anorexia, hipertermia vespertina, e, às vezes, náuseas e vômitos. Havia afastamento das suturas cranianas, com sinal do pote rachado. Exame neurológico: apatia e indiferença; marcha difícil, necessitando apoio e mudando vagarosamente os passos; motricidade voluntária, coordenação e força muscular íntegras; hipotonia muscular generalizada; reflexos patelares diminuídos; r. cutâneo-plantar em flexão, mas as manobras de Oppenheim, Gordon, Austregésilo-Esposel, determinavam extensão rápida do grande dedo à direita e, às vezes, à esquerda (Babinski ou pseudo-Babinski?). Sensibilidade normal.

Exames complementares: Neurocular: hiperemia e edema das papilas. líquido cefalorraqueano: punção lombar com o doente sentado; liquor límpido e incolor; 13,1 células por mm3 (linfomononucleose exclusiva); 0,30 grs. de proteínas, 7,20 grs. de cloretos e 0,52 grs. de glicose por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 01222.22221.00000.0; r. Takata-Ara fortemente positiva (tipo floculante): r. Wassermann e Steinfeld negativas. Sangue: leucocitose (14.000 por mm3)., eosinofilia (21,5%), neutrófilos com granulações tóxicas, hemácias hipocrômicas. Hemocultura negativa. Pesquisa de hematozoários e reação de Widal negativas. Radiografias do crânio: sinais de hipertensão intracraniana. lodoventrículografias: bloqueio do sistema ventricular, com amputação do IIIo ventrículo. O exame anátomo-patológico do material retirado na intervenção cirúrgica revelou tratar-se de cisticercose; novos exames de líquido cefalorraqueano e sangue, mostraram estar fortemente positiva a reação de Weinberg. Nesse caso o diagnóstico de cisticercose só foi estabelecido após intervenção cirúrgica, pois a reação de Weinberg no sangue e no liquor não havia sido feita antes da operação.

Caso 12 - J. P., brasileiro, 9 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em 12 de julho de 1946 (H. C. 39580). Há um mês, começou a apresentar cefaléias intermitentes, sem localização precisa. Já teve algumas crises convulsivas localizadas nos membros e face à direita. Ultimamente, estas crises tornaram-se mais freqüentes. Antecedentes: Sempre gozou boa saúde. Eliminava com relativa freqüência anéis de tênia. Exame físico: mucosas visíveis descoradas; criptorquidia. Exame neurológico; Psiquismo íntegro, porém a colaboração é deficiente. Reflexos osteotendinosos vivos.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 60; liquor límpido e incolor; 12,3 células por mm3 com 4% de eosinófilos; 0,40 grs. de proteínas, 7,20 grs. de cloretos e 0,84 grs. de glicose por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Wassermann, Steinfeld e Meinicke negativas; r. Weinberg fortemente positiva com 1 cm3. Sangue: eosinofilia (7,5%); r. Kahn negativa. Radiografia do crânio: impressões digitais com afastamento das suturas e discretos sinais de hipertensão intracraniana.

Durante sua estadia na enfermaria, o paciente apresentou crises de cefaléia intensa com intervalos variáveis, que só se atenuavam com clisteres de sulfato de magnésio a 30%. Foi tentada, sem resultado, a ventriculografia por punção no ventrículo direito; numa das tentativas, o paciente entrou em opistótono, com midríase e sudorese; após 10 minutos, o quadro normalizou-se, queixando-se o paciente de cefaléia intensa. Idêntica tentativa no ventrículo esquerdo também não deu resultado. O paciente foi submetido a tratamento pelo Albucid sódico a 30%, injeções intravenosas de 2 cm3 durante 3 dias e depois 1 gr. de Albucid cada 3 horas, per os.

Ao lado da síndrome hipertensiva, observa-se freqüentemente a associação de sinais focais. Assim, podemos ter:

a) Localização posterior. Atingindo o cerebelo, o tronco do encéfalo e o lobo occipital, as vesículas cisticercóticas podem originar a sintomatologia dos tumores da fossa craniana posterior: transtornos cerebelosos e paralisia dos últimos nervos cranianos (Casos 13 e 14); b) Localização anterior (frontal), que se exterioriza por paralisia ou paresia dos membros e face, crises de epilepsia bravais-jacksoniana, desordens da esfera psíquica e muitas vezes o reflexo de preensão forçada. De nossas observações, mostram sinais de localização frontal os casos 1 e 3. O único caso que encontramos na literatura médica sobre a presença do "grasping reflex" é o de Snadjarmn14 14 . Snadjarmn, I. - Grosse hidrocéphale probablement par cysticercose méningée. Syndrome de prehension. Rev. Neurol., 2:128 (julho) 1930. : tratava-se de um paciente que, bruscamente, apresentou alterações do psiquismo, tornou-se sonolento e começou a apresentar, em intervalos variáveis, perda do conhecimento, cefaléias, náuseas e vômitos; raramente, crises de epilepsia. Ao exame, foi encontrada atitude parkinsoniana, reflexos de postura aumentados nos membros superiores, hiperestesia cutânea e síndrome de preensão ceraterística: os dedos da mão direita estavam sempre crispados, o paciente fechava rapidamente a mão direita, quando se tocava ou se percutia a face palmar da mão; presença do reflexo de sucção, quando se excitava a boca. O exame do liquor revelava: hipertensão, 73 células por mm3, hiperalbuminorraquia, Wassermann negativo. O exame de sangue revelou eosinofilia de 6%, e pela encefalografia foi observada acentuada hidrocefalia. O diagnóstico de cisticercose cerebral foi estabelecido em vida e o autor conclui que o reflexo de preensão era devido à compressão, por hidrocefalia, dos núcleos da base e lobos frontais. Às vezes, o acúmulo de vesículas císticercóticas no lobo frontal, constituindo massa única, pode dar imagens ventriculográficas de neoplasia e conduzir a diagnósticos errôneos. A propósito, citamos uma observação relatada por Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. , referente a um paciente que apresentava sinais de hipertensão intracraniana e no qual a ventriculogram ia demonstrou tratar-se de um grande tumor no lobo frontal direito; não havia eosinofilia e a reação de Weinberg era negativa. Entretanto, £ intervenção cirúrgica permitiu extrair oito vesículas císticercóticas, umas profundas e outras superficiais, localizadas no polo frental direito.

c) Localização ventricular, determinando dilatação dos ventrículos e conseqüente cortejo sintomático da hipertensão intracraniana. Por vezes, a disposição caprichosa da vesícula cistieercótica, obstrumdo transitoriamente o IV ventrículo, pode determinar síndromes periódicas de hipertensão intracraniana (Caso 12). O III ventrículo, distendido, pode determinar distúrbios quiasmáticos e alterações selares, que permitem confusão com as neoplasias desta região. No caso 15, o caráter intermitente da cefaléia, aliado à passagem Lenta do Hpiodol do III para IV ventrículo, fêz suspeitar a existência de uma localização ventricular do cisticerco.

Dos 45 casos observados na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, destacamos 22 casos como forma tumoral, o que dá a percentagem de 48,8%; em 14, tratava-se de forma tumoral pura e, em 8, de forma tumoral associada à forma convulsiva.

Caso 13 - B. B., brasileira, com 34 anos de idade, branca, sexo feminino examinada no Ambulatório de Neurologia da Santa Casa de S. Paulo em dezembro de 1932. Há um ano, vem tendo cefaléia contínua, tonturas, vômitos e diminuição progressiva dâ visão. Exame neurológico: marcha cambaleante, sinal de Romberg, diminuição da força muscular, dismetria nos membros superiores e inferiores, adiadococinesia, midríase.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção lombar em posição sentada; liquor límpido e incolor; 37.6 células por mm3 com 6% de eosinófilos; 0,30 grs. de proteínas por litro; r. Pandy e Nonne fortemente positivas; r. benjoim 12222.22221.00000.0; r. Wassermann negativa; r. Weinberg fortemente positiva.

Caso 14 - F. M., brasileiro, com 30 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em 27 de abril de 1939 (S. N. 3986). Há 2 meses, vem tendo ataques convulsivos seguidos de dores na nuca, tonturas e vômitos; diminuição progressiva da visão. Exame físico: estrabismo interno. Exame neurológico: marcha talonante com alargamento da base; ataxia dos membros inferiores; as provas gráficas revelam dismetria; ligeira adiadococinesia; r. patelar pendular.

Exames complementares: Líqüido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 30; 36,9 células por mm3 (eosinófilos 15%); 0.30 grs. de proteínas por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 12210. 12210.00000.0; r. Takata-Ara fortemente posi'iva (tipo floculante); r. Wassermann negativa; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann e Kahn negativas; eosinofilia (13%); r. Weinberg negativa. Radiografia do crânio: sinais radiológicos de hipertencão intracraniana. Iodoventriculografia: bloqueio do IV ventrículo. Exame neurocular: impossível a elevação dos globos oculares e, quando tenta elevá-los, há convergência maior no olho esquerdo, que já está em estrabismo interno (sinal de Pannaud); abalos nistagmiformes; reflexos à luz, consensual e à acomodação abolidos; estase panilar.

O paciente foi submetido ao tratamento pelo extrato etéreo de feto macho e radioterapia profunda, piorando sensivelmente; a cefaléia e os vômitos aumentaram e os sinais cerebelares se acentuaram.

Caso 15 - A. M., brasileiro, com 32 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em 1 de dezembro de 1940 (S. N. 5325). Há 12 dias, teve cefaléia intensa, difusa, que tem se repetido várias vezes ao dia; quando a cefaléia é muito forte, o paciente vomita. Melhorou com punções raquidianas. Antecedentes: trabalhou como criador de suínos até 4 anos atrás, ingerindo pequena quantidade de carne de porco. Há 3 anos, teve forte cefaléia, da qual melhorou sem medicação. Exame neurológico normal.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; pressão inicial 45 e pressão final 5 após a retirada de 10 cm3 de liquor; 76.0 células por mm3 (eosinófilos 0%); 0,20 grs. de proteínas por litro; r. Pandy positiva; r. benjoim 01210.12210.00000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Wassermann e Ste:nfeld negativas; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann negativa; r. Weinberg positiva. lodoventriculo grafia: hidrocefalia jdos ventrículos laterais e retardamento na passagem do lipiodol do III ventrículo para o aqueduto de Sylvius. Exame neurocular normal. Após a punção, o paciente melhorou sensivelmente, tendo alta; quatro anos depois, foi reinternado em virtude do recrudescimento da cefaléia, vômitos e diminuição rápida da visão. O exame neurocular mostrou papiledema bilateral. O exame de liquor revelou eosinofilia e reação de Weinberg positiva. Feita craniotomia descompressiva, melhorou das dores e recuperou a visão. Foram feitas, depois, aplicações de radioterapia profunda, que não determinaram melhoras.

3. Formas psíquicas - A compressão direta do tecido nervoso vizinho aos sistos parasitários, com a conseqüente necrobiose, a hipertensão intracraniana e a ação tóxica à distância, são fatores ponderáveis para a eclosão de pisicapatias na cisticercose cerebral. A síndrome psíquica é de comum ocorrência, caraterizando-se por desorientação auto e alopsíquica, idéias delirantes de grandeza ou perseguição, diminuição da afetividade, euforia, amnésia, embotamento e confusão mental, mória, agitação psicomctora, alucinações visuais, esquizofrenia, etc. Galtié3 6 3. Cit. por Almeida. cita o caso de um paciente que sofria de agitação, delírio, incoerência e alucinações visuais; a autópsia revelou 42 cistos parasitários, meninges espessadas e congestão das camadas superficiais do cérebro. Num dos casos 'observados por Vampré4 6 4. Cit. por Monteiro Salles. , a paciente, após a intervenção cirúrgica pela qual foram encontrados 10 cistos no lobo frontal, passou a ter alucinações visuais. Um dos pacientes observados na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (caso 17) também referia zoopsias e, à intervenção cirúrgica, foram encontrados cistiGercos nos lobos frontais, com inflamação das meninges.

Muitas vezes, o quadro psíquico da cisticercose cerebral pode simular o da paralisia geral progressiva, o diagnóstico diferencial só podiendo fer feito pelos exames paraclínicos. Assim, Tetriakoff e Pacheco e Silva7 1: 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924. citam o caso de uma paciente que apresentava distúrbios mentais com idéias delirantes de grandeza, desorientação auto e alopsíquica, excitação, euforia, disartria, exaltação dos reflexos patelares, e na qual foi feito o diagnóstico de demência paralitica. À necropsia, foi encontrada meningcencefalite crônica difusa com atrofia acentuada do cérebro, meningite medular posterior, numerosos cistos cisticercóticos no córtex e núcleos cptostriados. Em resumo: tratava-se de um quadro mórbido, anatômica e clinicamente, de paralisia geral, exceção feita aos cistos parasitários; só a negatividade da pesquisa minuciosa dos treponemas no tecido nervoso, tentanto a impregnação dos espiroquetas pele método de Jahnel, permitiu afastar a hipótes de tratár-se de um caso de associação das duas enfermidades. Também Lioba Sylva10 7: 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942. apresentou o caso de um paciente com profundos distúrbios mnésticos, desorientação alopsíquica, associação desconexa das idéias, reações emotivas desproporcionadas, instabilidade psicomotora, crises de agitação, no qual a radiografia revelou cisticercos calcificados nos dois hemisférios. O diagnóstico de cisticercose cerebral foi estabelecido com certa reserva devido à negatividade dos exames de líquido cefalorraqueano sangue e fezes.

É interessante acentuar a grande freqüência de perturbações psíquicas como manifestação da cisticercose cerebral; assim, dos 12 casos observados por Waldemar de Almeida6 4: 6. Almeida, W. - Contribuição ao estudo clínico da cisticercose cerebral. Arq. Brasil. Psychiat., Neurol, e Med. Legal (Rio de Janeiro), 229 (julho-agosto) 1915. na Hospício Nacional dos Alienados, 9 apresentavam perturbações psíquicas intensas. Pacheco e Silva e Tetriakoff7 1: 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924. , dos 7 casos observados no Hospital de Juqueri, destacam 5 com perturbações mentais. Deve-se, entretanto, assinalar que a elevada incidência de perturbações psíquicas ocorreu em estabelecimentos especializados para o tratamento das doenças mentais. Na maioria das vezes, apenas o resultado dos exames laboratoriais permite suspeitar a etiologia cisticercótica de síndrome psíquica. Dos casos por nós estudados, apenas um apresentava síndrome psíquica (caso 16), enquanto outro queixava-se de alucinações visuais (caso 17).

Caso 16 - M. G., brasileira, 14 anos de idade, branca, sexo feminino, internada em 29 de janeiro de 1946 (H. C. 28174). Há dois meses, teve um ataque com perda de sentidos, seguindo-se convulsões nos membros do lado esquerdo e repuxamento da boca e desvio dos olhos para esse lado; não eliminou urina ou fezes. Passado o ataque, notou escurecimento da vista e fraqueza dos membros-à esquerda. Esses ataques se repetiram por várias vezes, sempre com perda da consciência. Queixava-se, ainda, de diminuição progressiva da visão, estando atualmente completamente cega. Antecedentes: Há quatro anos, teve paralisia dos membros inferiores, curando-se espontaneamente. Uma irmã sofre de ataques epilépticos. Exame neurológico: Psiquismo alterado, fácies inexpressiva, olhar fixo, desorientação auto e alopsíquica, mutismo (só respondia por monossílabos e após forte insistência, sendo suas respostas, algumas vezes, absurdas); executa ordens elementares, mas não consegue executar ordens mais complexas; não quer se alimentar, evacua e urina na cama. Marcha ligeiramente ceifante à esquerda; diminuição da força muscular e reflexos osteotendinosos vivos à esquerda, onde se nota também o sinal de Babinski; reflexos cutâneo-abdominais normais; a sensibilidade não parecia estar alterada, embora a deficiente colaboração da paciente prejudicasse o exame.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano normal. Sangue: eosinofilia acentuada (17%); r. Weinberg fortemente positiva; r. Wassermann negativa. Radiografia do crânio: na região parietal direita, duas pequenas calcificações não caraterísticas. Pneumencefalografia: amputação do corno frontal do ventrículo direito, com ligeira elevação do corno frontal direito. Exame neurocular: amaurose, midríase, reflexos fotomotores presentes e normais. Fundos oculares normais.

Durante a sua estadia na enfermaria, a paciente manteve-se em estado de negativismo, só respondendo raramente às perguntas que lhe eram feitas. Submetida à convulsoterapia, houve melhoras quanto à parte psíquica, mas, após a última aplicação, apresentou grande agitação psicomotora e locução obcena, tendo sido necessário removê-la para o Hospital de Juqueri. Tratava-se, evidentemente, de uma síndrome psico-orgânica, em que, além da agitação psicomotora, observava-se hemiparesia esquerda, associada a uma síndrome convulsiva predominante à esquerda. A eosinofilia sangüínea, a positividade da reação de Weinberg no sangue e a radiografia do crânio, permitem considerar a cisticercose como causa dessa síndrome.

Caso 17 - A. B., brasileira, 32 anos de idade, branca, sexo feminino, examinada em 24 de abril de 1931 (S. N. 1107). Há um ano, após aborto, começou a ter náuseas, vômitos, cefaléias freqüentes e ataques convulsivos com perda da consciência. Relata, ainda, escurecimento na vista e diminuição progressiva da audição, que se iniciou no ouvido esquerdo passando, depois, para o direito. No início da moléstia, tinha a impressão de ver bichos. Exame neurológico: hiperreflexia tendinosa, clono das rótulas, midríase, exoftalmo.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; 17,2 células por mm3; 0,20 grs. de proteínas e 6,7 grs. de cloretos por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 22211.22211.0000.0. Sangue: r. Wassermann fortemente positiva. Radiografia do crânio: soalho da sela turcica abaixado e erosado, dorso parcialmente destruído, sinais de hipertensão intracraniana. Exame neurocular: edema e atrofia de ambas as papilas. Evolução: pensou-se em processo de natureza luética, porém, com o tratamento anti-sifilítico, a paciente piorou. Realizada a intervenção cirúrgica, a sela turcica foi encontrada normal. Pela necropsia, foi encontrado um cisticerco em cada lobo frontal, com inflamação das meninges.

4. Outras formas mais raras e, pela sintomatologia nem sempre tipica, muitas vezes incaraterística, merecem descrição à parte.

a) Forma meníngea: A localização meníngea dá-se principalmente na base do crânio, sendo comum a variedade racemosa; as meninges reagem com intensa proliferação mesenquimal, originando nódulos fibrlnosos qu dificultam a circulação liquórica, determinando hipertensão intracraniana progressiva, e exercem forte compressão sobre as formações mesencefálicas e nervos cranianos, originando hemiparesias associadas ou não à paralisia dos pares cranianos. Os pares cranianos mais freqüentemente atingidos são: VI, III (caso 11), V, VII (caso 19) e XI, na ordem decrescente de freqüência. O compromentimento do VIII par parece ser mais freqüentemente conseqüência da hipertensão avançada, podendo haver surdez progressiva (caso 17).

Tais meningites basilares cisticercóticas podem simular a meningite luética basilar. Assim, Alajouanine, Thurel e Hornet15 15 . Alajouanine, T. H., Thurel, R. e Hornet, T. H. - Cysticercose meningée. (Considérations sur les arachnoïdites). Presse Médicale, 45: 918, 1937. relatam o caso de uma paciente que apresentava cefaléia episódica, cada vez mais freqüente e acompanhada de vômitos e perturbações visuais; a punção lombar confirmou a existência de hipertensão intracraniana e, como o líquido cefalorraqueano mostrava reação de Wassermann ligeiramente positiva, foi instituído tratamento antiluético. Houve melhoras, mas alguns meses depois os sintomas reapareceram com maior intensidade e o exame ocular revelou estase papilar, hemorragias difusas e início de atrofia papilar; a doente apresentou crises tônicas da musculatura da nuca e membros, os distúrbios visuais evoluíram rapidamente para a amaurose quase completa, surgiram transtornos cerebelares, estáticos e cinéticos, predominantes nos membros do lado esquerdo, acompanhados de hiperreflexia tendinosa. A ventriculografia revelou grande dilatação dos ventrículos. A intervenção cirúrgica permitiu retirar uma vesícula parasitária do IV ventrículo, porém os transtornos referidos continuaram a manifestar-se e a paciente veio a falecer poucos dias depois. À necropsia, foi verificado intenso processo de leptomeningite basilar esclerosa, particularmente acentuada ao nível da protuberância, onde se encontraram vesículas de cisticercos destruídos. Segundo Guillain4 6 4. Cit. por Monteiro Salles. , a paquimeningite cervical hipertrófica em muitos casos é pura e simplesmente cisticercótica, donde a necessidade de pesquisar, nos preparados histológicos, os elementos parasitários.

Em nossa paciente do caso 1 a periventriculografia por via suboccipital deitada, revelou falta de enchimento de ar na corticalidade cerebral, o que permite suspeitar a existência de uma reação meníngea difusa, causadora da constante cefaléia referida pela paciente: entre as hipóteses levantadas pelo neurocirurgião que realizou a ventriculografia, inclinamo-nos para a de paquimeningite.

b) Forma hemiplégica: Outras vezes, a cisticercose cerebal pode assumir uma forma hemiplégica, verificando-se, então, todos os sinais da síndrome piramidal de libertação e da síndrome deficitária (casos 1 e 16). O exame clínico e os exames complementares permitirão, geralmente, estabelecer o diagnóstico diferencial com as outras afeções determinantes também da síndrome hemiplégica. É, por outro lado. também possível a coexistência de uma hemiplegia de origem luética com cisticercose cerebral.

c) Forma espinal: Ainda que muito rara, pode também haver uma forma espinal da cisticercoce. Assim, Buse16 17 16. Cit. por Brinck. relata um caso em que a sintomatologia foi de compressão medular, com dissociação albumino-citológica, xantocromia do líquido cefarrcqueano e eosinofilorra-quia. A mielografia revelou bloqueio em T6. Pela operação encontraram-se inúmeros cistos de T4 a T11. Também Pietro Verga e Dazzi16 17 16. Cit. por Brinck. relatam o caso de um paciente com taboparalisia; alterações dos reflexos pupilares, transtornos mentais, semelhantes aos da paralisia geral progressiva; pela necrópsia, verificaram que os cisticercos se locacalizavam unicamente nas meninges, que estavam engrossadas; as raízes e cordões posteriores estavam degenerados em grande parte, o cérebro apresentava alterações, apesar de não conter parasites. A interpretação desse caso é difícil, pois havia uma reação de Wassermmn positiva, o que Brinck17 17. Brinck, G. - La cysticercosis cerebral. Estudio anatomo-patologico y clínico. Santiago, Chile, 1940, págs. 69 e seguintes. supõe relacionado à cisticercose; a investigação dos espiroquetas foi negativa. Também Hirt

d) Forma cerebelar: Poderíamos, ainda, considerar uma forma cerebelar, encontrada quatro vezes por Guccione19 19. Guccione, A. - La cisticercose dei sistema nervoso central umano. Soc. Edit. Libraria, Milano, 1919, págs. 33 e 198. . Um dos seus casos apresentava síndrome cerebelar especialmente à direita, com tremor intencional, leve incoordenação e dismetria nos membros superiores, prova de Stewart-Holmes positiva, adiadococinesia; nos membros in- feriores, leve dismetria à direita, a prova de Babinski positiva; sinal de Romberg positivo; a prova do nistagmo calórico demonstrava paresia vestibular à direita. Foi diagnosticado tumor de evolução lenta no cerebelo direito; pela necrópsia, foram encontrados cistos caleificados no lobo cerebelar direito.

Nossa paciente do Caso 1 apresentava síndrome cerebelar à direita; os pacientes dos Casos 13 e 14 apresentavam sinais cerebelares discretos, sendo que o do Caso 14 apresentava sinais radiológicos de bloqueio do quarto ventrículo.

Entre as formas vda cistecercose cerebral, existem formas frustas, em que as manifestações clínicas não permitem orientar corretamente o diagnóstico. Os pacientes queixam-se vagamente de cefaléias, náuseas, sonolência, vertigens, fobias, diminuição da memória, cansaço fácil, sendo muitas vezes rotulados como psicastênicos. Em tais casos, só os exames paraclínicos permitirão o diagnóstico etiológico.

Caso 18 - F. N., sírio, 54 anos de idade, branco, sexo masculino, examinado em 31 de julho de 1930 (S. N. 737). Há 8 meses, vem tendo cefaléia, tonturas, turvação da vista, tendo uma vez ficado hemiplégico à direita e anártrico. Submetido a tratamento antiluético, a hemiplegia desapareceu, permanecendo, todavia, certa disartria e dores esternais. Exame físico: Esternalgia e tibialgia; aorta palpável na fúrcula esternal; coração aumentado; sopro sistólico nos focos da base. Exame neurológico: hiperreflexia osteotendinosa à direita; reflexos cutâneo-abdominais e cremastéricos diminuídos bilateralmente; disartria; hiperestesia facial à esquerda.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; 32 células por mm3 com eosinofilia (22%); 0,50 grs. de proteínas e 6,7 grs. de cloretos por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 22222.22221.00000.0; r. Wassermann fortemente positiva; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann fortemente positiva. Radiografia do crânio normal.

Caso 19 - A. M., brasileiro, 21 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em 7 de outubro de 1938 (S. N. 3592). Há três meses, vem sofrendo de cefaléias continuadas, de regular intensidade, e tonturas que dificultam a marcha. No início, tinha vômitos fáceis. Diminuição progressiva da visão. Nega ataques ou convulsões. Exame neurológico: paresia facial à esquerda; reflexo oro-orbicular mais nítido à direita; reflexo cutaneoplantar com esboço de leque à esquerda.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; 145,6 células por mm3 (eosinófilos 42%); 0,20 grs. de proteínas por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 01100.12100.00000.0; r. Takata-Ara negatvia; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann negativa. Radiografia do crânio normal. Exame neuroeular: estase pupilar pouco acentuada. Evolução: apesar de submetido a terapêutica pelo extrato etéreo de feto macho associado à radioterapia profunda, o paciente piorou progressivamente, vindo a falecer.

5. Formas assintomáticas são aquelas nas quais o indivíduo, nenhuma sintomatologia apresenta, sendo o diagnóstico feito acidentalmente, por ocasião da realização de um exame complementar.

Caso 20 - P. R. P., espanhola, 50 anos de idade, branca, sexo feminino, examinada em 11 de abril de 1946 (H. C. 4O350). Há um mês, vem sentindo dor na fossa ilíaca direita, onde surgiu pequena tumoração do tamanho de uma noz, dura e indolor. Queixava-se, também, de prisão de ventre crônica alternada com períodos de diarréia. Há 25 anos, após o nascimento de um filho, teve um ataque, durante o qual falava muito e sem nexo; ataques idênticos se repetiram até 3 anos atrás, nunca tendo convulsões ou vômitos. Após o ataque, tinha sensação de formigamento nas mãos. Exame físico: enoftalmo à direita; pequena tumoração na fossa ilíaca direita. Exame neurológico: discreta vivacidade dos reflexos tendinosos dos membros inferiores.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano normal. Sangue: r. Kahn e Hinton negativas; eosinofilopenia (0,8%); r. Weinberg negativa. Radiografia do tronco e membros: notam-se numerosas caleificações disseminadas irregularmente pelas massas musculares do tronco e membros (figs. 2 e 3). Biópsia de fragmento muscular retirado de uma das coxas: o exame anátomo-patológico revelou a existência de cisticerco calcificado.



São relativamente freqüentes, por outro lado, os casos em que o paciente apresenta nódulos subeutâneos facilmente palpáveis, cuja natureza cisticercótica pode ser revelada pela biópsia, sem que haja quaisquer manifestações cerebrais atribuíveis à cisticercose.

Caso 21 - A. A. M., brasileiro, 30 anos de idade, branco, sexo masculino, examinado em 19 de fevereiro de 1946 (H. C. 29212). Há 4 meses, surgiram pequenos nódulos subcutâneos no antebraço e hemitórax esquerdo que, com o tempo, se estenderam progressivamente para o tronco, pescoço, cabeça e membros superiores. Exame físico: numerosos nódulos subeutâneos do tamanho de grãos de ervilha, elásticos e indolores, disseminados pelo corpo. Exame neurológico: abolição dos reflexos osteotendinosos dos membros superiores e exaltação dos reflexos cutâneo-abdominais.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano normal. Sangue: r. Hinton fortemente positiva; eosinofilia (8,5%); r. Weinberg negativa. Biópsia de um nódulo subeutâneo: cisticercose. Radiografia do crânio normal. Exame ocular normal.

DIAGNÓSTICO

Para firmar o diagnóstico de cisticercose encefálica, torna-se imprescindível a realização de exames complementares, pois a sintomatologia neurológica por si só não permite estabelecer o diagnóstico com segurança. Todavia, a anamnese cuidadosa, revelando o hábito de digerir carne de porco mal assada ou o fato da eliminação de anéis de tênia nas fezes, em pacientes com distúrbios neurológicos, poderá auxiliar o diagnóstico (casos 2, 4, 8, 10 e 22). A presença dos nódulos subeutâneos caraterísticos é fator decisivo para o diagnóstico, embora os demais exames laboratoriais possam ser negativos (caso 10). Nem sempre, porém, há concomitância de cisticercose cutânea com cisticercose cerebral. Dos 45 casos em que baseamos este estudo, encontramos nódulos subeutâneos em 9, sendo que, nos 5 em que foi realizada a biópsia deu resultados positivos. Nos casos de epilepsia, e principalmente nos de tipo bravais-jacksoniano com início em idade adulta, e sem perda ou com perda tardia da consciência, assim como nas síndromes de hipertensão intracraniana, nas síndromes psíquicas associadas a crises convulsivas ou a processos de hipertensão intracraniana, nas síndromes vasculares de origem obscura, deve-se sempre suspeitar da cisticercose encefálica, impondo-se a realização dos exames paraclínicos. Assim, devem ser pedidos:

1. Exame do líquido cefalorraqueano: A pressão geralmente apresenta-se elevada, o liquor é límpido e incolor, a citologia pode apresentar-se aumentada, com eosinofilorraquia, por vezes bem acentuada; o exame químico revela: aumento das taxas de proteínas, com conseqüente positividade das reações das globulinas; reação de Takata-Ara positiva, geralmente de tipo parenquimatoso, às vezes do tipo meningítico; curva do benjoim do tipo parenquimatoso, com negatividade das reações especificas para a sífilis. Essa dissociação entre a negatividade da reação de Wassermann e a positividade do benjoim (tipo parenquimatoso), constituiria, para alguns autores, elemento dirgnóstico de valor. Tem-se observado, todavia, com certa freqüência, a positividade da reação de Wassermann na cisticercose, especialmente nas formas meningiticas, o que conduz ao diagnóstico de sífilis e à instituição do tratamento antíluético, geralmente ineficaz (caso 17). Brinck17 17. Brinck, G. - La cysticercosis cerebral. Estudio anatomo-patologico y clínico. Santiago, Chile, 1940, págs. 69 e seguintes. , repetindo os exames do liquor, observou certa inconstância no resultado do Wassermann, o que poderia fazer duvidar do diagnóstxo de sífilis. Pela sua importância devemos destacar, dos elementos fornecidos pelo exame do líquido cefalorraqueano, os seguintes:

a) Reação do desvio do complemento: Empregada pela primeira vez por Moses20 20 . Cit. por Lange 8. , no Brasil, a reação do desvio do complemento constitui a pesquisa de maior valor diagnóstico. Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. apresentou suas conclusões baseadas em 18 casos nos auais essa reação havia sido positiva; destes, em 13 a cisticercose encefálica foi confirmada por diferentes métodos; dos 5 restantes, três faleceram sem necrópsia e dois desapareceram do controle. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. em 12 casos praticou a reação do desvio do complemento no liquor; encontrou-a positiva em 7 e negativa em 5, sendo que, em quatro destes últimos, a reação do desvio do complemento no soro sangüíneo resultou positiva. No entanto, a reação do desvio de complemento não tem especificidade absoluta, pois, segundo alguns autores, é também positiva na equinococose e, eventualmente, em outras afecções parasitárias. O antígeno usado é o extrato aquoso de Cysticercus cellulosae, porém podem também ser usados outros antígenos, como o fiseram Pessoa, Fleury da Silveira e Correia21 21 . Pessoa, S. B., Fleury da Silveira, G. e Correa, c. - Ação do desvio do complemento na cisticercose a Cysticercus cellulosae, usando-se como antígeno o extrato aquoso de Cysticercus bovis. Brasil Médico, 25: 347 (dezembro) 1926. que, usando o extrato aquoso de Cysticércus bovis, observaram que havia um desvio de complemento tão nítido quanto o observado usando como antígeno o extrato total de Cysticércus cellulosae.

Em todos os casos de síndrome de hipertensão intracraniana com suspeita de processo tumoral, e também nos casos de epilepsia, mormente na forma bravais-jacksoiniana, esta reação deve ser praticada, pois sua positividade é decisiva para confirmação do diagnóstico. Todavia, a negatividcde da reação de Weinberg no líquido oefalorraqueano não permite afirmar categoricamente a ausência de cisticercose encefálica, pois os cisticercos podem estar localizados em pleno parênquima nervoso, sem compremeter as meninges, não havendo, portanto, derrame de anticorpos no líquor. Mesmo localizando-se superficialmente no cérebro, os cisticercos podem não determinar o aparecimento de uma síndrome liquórioa. Assim, Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. relata o caso de três pacientes portadores de cisticercose encefálica comprovada anátomo-patologicamente, com localização superficial dos parasitas no córtex cerebral, em con tacto com o sistema aracnóideo e com reação perifocal inflamatória, nos quais, todavia, as pesquisas liquóricas foram negativas quanto à etiologia do processo inflamatório que apresentavam.

Nas observações que estudamos, houve positividade dessa reação no líquido cefalorraqueano em 26 casos e negatividade em 15, nos quais a existência de cisticercose encefálica pôde ser demonstrada por outros processos. Portanto, em 41 casos em que essa reação foi praticada, ela deu resultados positivos em 26 (63,4%). Nos 26 casos em que a reação de Weinberg foi positiva no liquor, a cisticercose pôde ser comprovada por outros meios em 23 casos, enquanto que em dois não houve confirmação e em um a confirmação foi duvidosa.

A positividade exclusiva da reação de Weinberg no líquido cefalorraqueano, com negatividade de todos os demais exames complementares, poderá permitir, segundo alguns autores, o estabelecimento do diagnóstico de cisticercose enoefálica. No caso 23, observamos somente positividade dessa reação, sem qualquer outro elemento laboratorial positiva para cisticercose encefálica. Inversamente, a negatividade da reação do desvio do complemento do líquido cefalorraqueano, com as reações de Pandy e Nonne positivas, benjoim coloidal com floculação nos tubos da zona parenquianatosa e zona média, a reação de Takata-Ara positiva (tipo parenquimatoso), não exclui o diagnóstico de cisticercose (caso 8).

b) Eosinofilorraquia: Desde que seja espontânea e abundante, constitui elemento de real valor para o dignóstico da parasitose encefálica. Rizzo4 6 4. Cit. por Monteiro Salles. admite que o diagnóstico de cisticercose encefálica pode ser feito somente pela presença de células eosinófilas no líquido cefalorraqueano. Isto não pode, todavia, ser aceito incondicionalmente, pois outras parasitoses cerebrais podem certamente originar eosinofi- lorríiquia. A eosinofilia liquórica foi encontrada em 18 dos nossos casos, sendo que, em todos eles, a eosinofilorraquia estava associada a outros sinais de cisticercose. Em 18 outros pacientes não foi encontrada esta alteração.

2. Exames de sangue: Entre as pesquisas praticadas no sangue, que permitem o diagnóstico da cisticercose em geral e cooperam para o da cistkercose encefálica, temos:

a) Reação do desvio do complemento: Sua positividade, quando associada aos sinais clínicos de cisticercose cerebral, tem valor descisivo. Deve ser sempre praticada, porque casos há em que a reação de Weinberg é negativa no líquido cefalorraqueano e positiva no sangue (casos 2 e 16). Em 21 dos pacientei; nos quais a reação de Weinberg no sangue foi praticada, observamos sua posit'vidade em 13; em 6, ela resultou negativa e, em 2, deu resultado duvidoso. Dos 13 casos em que foi positiva, em sete foi acompanhada pela positividade da mesma reação do liquor e, em seis casos, o diagnóstico de cisticercose encefálica foi confirmado por outros processos.

b) Eosinofilia: O aumento da taxa de eosinófilos no sangue é de grande valor diagnóstico, particularmente nos caísos em que se acha associada aos sinais clínicos da cisticecose. Naturalmente, o fato da eosinofilia ser encontrada também em numerosas enfermidades parasitárias ou alérgicas, passíveis de coexistir com a cisticercose cerebral, reduz sensivelmente seu valor diagnóstico. Além disso, a elevação da taxa de eosinófilos no sangue é inconstante. Assim, Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. . fazendo o hemograma em sete de seus paciente, observou, em três. acentuada eosinofilia, enquanto que, em quatro, a taxa de eosinófilos se manteve entre 1,5 a 3%. Em 19 de nosos pacientes nos quais foi foi feito o hemograma, observamos eosinofilia em 15 casos e taxa eosinófila sangüínea normal em 14.

3. Exames radiológicos: a) Radiografia do crânio: O exame radiológico do crânio é valioso para confirmação diagnóstica quando existem cistos caleificados no encéfalo, pois as sombras dos cistos cranianos calcificados são caraterísticas e constituem dado de certeza absoluta. Nos casos em que a imagem é típica, nota-se uma formação circular ou ovalar de bordos nítidos com um prolongamento para o centro da extremidade romba; os bordos opacos representam a vesícula que envolve o cisto, e a formação central mais densa, o colo com o escólex. Na maioria dos casos, entretanto, a imagem não é tão nítida, observando-se pequenos nódulos opacos, alongados ou arredondados, de contornos nítidos e disseminados sem qualquer sistematização. São, entretanto, numerosos os casos em que, embora existam numerosos cistos calcificados em outras partes do corpo, nada se obtém pela radiografia do ciânio (caso 20). Trelles e Lazarte22 3: 22. Trelles, J. O. e Lazarte, J. - Cisticercosis cerebral. Estudio clínico, histopatológico y parasitológico. Rev. Neuro-Psiquiat. (Lima), 393 (setembro) 1940. , em dois de seus casos, apesar dos numerosos cistos calcificados disseminados pelo corpo e da intensidade da infestação, nada encontraram pela radiografia do crânio. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. , entre 15 casos, apenas em um encontrou numerosos pontos calcificados correspondentes a cistos opacos espalhados por todo o cérebro; em outro caso, observou uma calcificação oblonga na base, atípica, que, aliada aos sinais clínicos e outros exames laboratoriais, permitiu o diagnóstico da cisticercose cerebrrjl. Lioba Sylva10 7: 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942. , dentro de quatro casos, apenas em dois encontrou, pela radiografia, sombras calcificadas de cisticercos. Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. verificou, entre 18 casos com síndrome Iquórica positiva para cisticercose que, em nove, a radiografia do crânio foi negativa e apenas três mostravam calcificações intracranianas com os caraterísticos de cisticercose. Dos casos que apresentamos neste trabalho, em 21 foi feito o exame radiográfico do crânio, com resultados positivos apenas em sete.

É interessante observar que, às vezes, a radiografia do tronco ou membros, realizada por qualquer motivo, revela, nos planos musculares ou tecido subeutâneo, numerosos cistos calcificados, podendo mesmo os demais exames complementares serem negativos, como aconteceu no caso 20, que é idêntico ao relatado por Brinck17 17. Brinck, G. - La cysticercosis cerebral. Estudio anatomo-patologico y clínico. Santiago, Chile, 1940, págs. 69 e seguintes. .

b) Pneumencefaloventriculografia:

6. Biópsia: A presença de nódulos subeutâneos tm pacientes com quadros neurológicos suspeitos de cisticercose cerebral, exige, quando os demais exames paraclínicos tenham sido negativos ou insuficientes, a realização da biópsia para o exame anátomo-patológieo. Quando não há nódulos subeutâneos, faz-se a biópsia baseando-se na localização dos cistos calcifiçados revelados pela radiografia (caso 20). Quanto ao diagnóstico diferencial dos nódulos subeutâneos, devemos considerar: 1. a existência de um único nódulo subeutâneo cm paciente com síndrome neurológica de cisticercose e mesmo com exames complementares positivos pode ser casual e de origem estranha ao proce:sso; 2. se a lecalização dos nódulos subeutâneos é limitada a um único segmento corporal, em vez de haver disseminação irregular; se a distribuição é regular, acompanhando o trajeto de um vaso linfático da região; se os nódulos são dolorosos, tendo sido o seu aparecimento precedido de pequenos ferimentos, passíveis de se contaminarem em contacto com vegetais (principalmente palha ou capim seco), deve ser lembrada a possibilidade de tratar-se de um processo esporotricótico, cujos nódulos ainda não se transformaram em gomas esporotricóticas (caso 25); 3. certas lipomatoses generalizadas, apresentado pequenos nódulos subeutâneos, móveis e indolores, podem, à simples inspecção, ser confundidas com a cisticercose. Das 8 biópsias realizadas nos pacientes çm que baseamos nosso trabalho, 7 revelaram tratar-se de cisticercose; no caso 23, entretanto, tratava-se de um cisto dermóide, convindo assinalar que, nesse caso, existia apenas um nódulo situado no espaço inter-escapulovertebral esquerdo.

7. Intradermorreação de Robin e Fiessinger: Utilizando o líquido puro de vesículas cisticercóticas, verifica-se o aparecimento de um edema e eritema local que, aos trinta minutos, se transforma em papula urticariforme, endurecida e pálida, circundada por um rubor acentuado, que desaparece em duas horas. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. , realizando essa reação em 9 de seus casos, observou positividade em 5; dos 4 negativos, um estava em tratamento pelo feto macho há um ano; em outro caso, não houve possibilidade de verificação, por tratar-se de indivíduo melanodérmico. Dixon e Smitheres2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. , em 14 casos confirmados de cisticercose, observaram a positividade dessa reação apenas em três.

Caso 22 - B. D. S., brasileiro, 32 anos de idade, branco, sexo masculino, examinado em 17 de julho de 1944 (H. C. 48132). Há cinco anos, vem tendo tonturas com escurecimento temporário da visão e raras cefaléias e vômitos. Há um ano, sentiu o pé direito pesado, caindo logo depois ao solo, sem perder a consciência. Após essa crise, ficou com paresia no hemicorpo direito. Restabeleceu-se logo, mas o acesso se repetiu várias vezes nesse dia, sempre começando no pé e se estendendo progressivamente para todo o hemicorpo. Nos intervalos, sentia-se perfeitamente bem. No dia seguinte, amanheceu hemiplégico à direita. Passou assim quatro meses, sem vômitos, cefaléia, ou diminuição da visão. Ultimamente, tem melhorado lentamente e consegue mexer o braço direito, embora com dificuldade. Antecedentes: Várias vezes ingeriu carne de porco mal assada e já expeliu anéis de tênia. Quando criança, teve um ataque convulsivo generalizado. Exame físico: mucosas descoradas, gânglio epitrocleano palpável à esquerda. Nota-se pequeno nódulo subeutâneo no espaço interescapulovertebral esquerdo. Exame neurológico: reflexos medioplantar c aquileu exaltados e cloni-formes à direita; reflexo rotuliano policinético à direita; reflexos estilo-radial, cubitopronador, bicipital, tricipital e olecraniano exaltados à direita.

Exames complementares; líquido cefalorraqueano normal. Sangue: hemograma normal; r. Weinberg negativa. Radiografia do crânio normal. Biópsla de nódulo subeutâneo localizado no espaço interescapulovertebral esquerdo: cisto epidermóide. Segundo informações que obtivemos. este paciente, em exames realizados noutro Hospital, teve positiva a reação de Weinberg no líquor. A pneumencefalografia revelou pequena assimetria ventricular com dilatação do ventrículo esquerdo.

Caso 23 - T. B. S., brasileiro, 33 anos de idade, branco, sexo masculino, condutor, examinado no Ambulatório de Neurologia do T. A. P. C, em outubro de 1946. Há dois anos, vem sofrendo de cefaléia que, ultimamente, tornou-se contínua, intensa, impedindo-o de conciliar o sono. Há um ano, notou discreto tremor, rítmico, do membro superior esquerdo, que desaparece espontaneamente; tais tremores se repetiram 10 ou 12 vezes, com intervalos variáveis. Queixava-se, ainda, de ruídos nos ouvidos, mas negava vômitos, distúrbios visuais ou da potência sexual. Antecedentes: cancro venéreo há dois anos. Sempre ingeriu carne de porco, muitas vezes mal assada. Já expeliu, em diversas ocasiões, anéis de tênia. Exame físico: gânglios epitracleanos palpáveis; não se observam nódulos subcutâneos. Exame neurológico normal.

Exames complementares; líquido cefalorraqueano: punção suboccipital em decúbito lateral; líquor límpido e incolor; pressão inicial 13; 108,4 células por ramo; 0,20 grs. de proteínas e 7,0 grs. de cloretos por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 01221.12100.00000.0; r. Takat-Ara fortemente positiva (tipo floculante); r. Wassermann positiva com 1,5 cm3; r. Meinicke positiva. Sangue: r. Wassermann, Kahn e Kline negativas. Comentários: com base no resultado do exame do líquido cefalorraqueano, foi feito o diagnóstico de neurolues e, como tratamento, foi feita a malarioterapia, seguida de tratamento antiluético. Novo exame de líquor, 10 meses depois, revelou o seguinte: punção suboccipital em decúbito lateral; líquor límpido e incolor; pressão inicial 17; 100 células por mm3; 0,38 grs. de proteínas e 0,64 grs. de glicose por litro; r.

Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 01220.22210.00000.0; r. Takata-Ara positiva, (tipo floculante); r. Wassermann negativa com 1 cm3; reação de Steinfeld negativa com 1 cm3; r. Weinberg positiva com 0,20 cm3; reação de Eagle negativa. Como vemos, o surpreendente' resultado fornecido pelo novo exame de liquor, isto é, a positividade da reação de Weinberg, veio demonstrar tratar-se de cisticercose encefálica. Radiografia do crânio normal. Hémograma: eosinófilos 3%.

Este caso demonstra, mais uma vez, a importância da realização sistemática da reação do desvio de complemento para cisticercose no líquido cefalorraqueano, pois, somente a realização da reação de Weinberg no segundo exame de liquor esclareceu o diagnóstico do caso. Neste caso, a possibilidade da coexistência dos dois processos, neurolues e cisticercose, pode, a nosso ver, ser afastada por faltar a sintomatologia correspondente ao quadro clínico da neurolues e porque todos os sintomas referidos pelo pac'ente podem ser explicados pela neurocisticercose. Por outro lado, o fato de tei sido positiva a reação de Wassermann no liquor não justifica, por si só, o diagnóstico de neurolues, especialmente porque só foi observada essa positividade com 1,5 cm3.

Caso 24 - J. C., brasileiro, com 32 anos de idade, branco, sexo masculino, internado na 3.a Enfermaria de Homens da Santa Casa de S. Paulo em 6 de janeiro de 1933. Há 19 anos, teve cefaléias e tonturas freqüentes. Há 6 anos, começou a ter ataques que se repetiram várias vezes, começando por câimbras dolorosas no pé esquerdo, que subiam até a coxa, seguidas de movimentos convulsivos da perna e perda de consciência; algumas vezes, conseguiu suster o ataque comprimindo fortemente o pé.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção lombar; pressão inicial 32,5; pressão final 12; 5,6 células por mm3 (eosinófilos 15%); 0,40 grs. de proteínas por litro; r. Pandy e Nonne levemente positivas; r. benjoim 00000. 02210.00000.0; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Weinberg fortemente positiva; r. Wassermann negativa.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

A evolução da cisticercose cerebral, em virtude da irregularidade das localizações das vesículas parasitárias, é variável e, muitas vezes, surpreendente. Assim, pode acontecer que a afecção permaneça latente durante toda a vida do paciente, constituindo um achado de necrópsia; outras vezes, pode evoluir rapidamente para o êxito letal, o que ocorre com freqüência nas formas racemosas. Em outros casos, após as manifestações iniciais, pode acontecer que a sintomatologia desapareça por vários anos, antes de manifestar-se novamente. Rizzo23 10 23. Cit. por Lioba Sylva. relatou o caso de paciente cujos primeiros sintomas teriam tido início 31 anos antes e Guillain23 10 23. Cit. por Lioba Sylva. teve dois casos com 26 e 35 anos de doença. Jakarbowsky2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. acentua que o desaparecimento das crises convulsivas por vários anos é um sinal caraberístico de cisticercose cerebral, não obstante Moniz haver observado igualmente tal fato nos tumores do lobo frontal. Num de nossos pacientes, a sintomatologia inicial parece-ter sido seguida de um período de treze anos sem manifestações clínicas (Caso 24) e, num outro, essa pausa foi de oito anos (Caso 5) No Caso 25, a moléstia parece ter-se iniciado há dezenove anos.

De qualquer forma, o prognóstico é sempre sombrio, pois a cura clínica espontânea por caleificação do parasita é eventualidade rara, excepcional mesmo. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. admite que o prognóstico é mau quanto à função, porém geralmente benigno quanto à vida, tendo observado cura, pelo menos clínica, em dois casos. Muitas vezes, a amaurose total é observada na etapa final (Caso 12), Os restantes progressos da neurocirugia tornaram menos sombrio o prognóstico dessa perigosa afecção, uma vez que as vesículas cisticercóticas, localizando-se superficialmente no córtex e sendo em número reduzido, podem ser enucleadas com êxito.

Caso 25 - D. M., brasileiro, 37 anos de idade, branco, sexo masculino, internado em agosto de 1939 (S. N. 4093). Há 19 anos, vem sofrendo de vertigens e tremores generalizados que têm surgido aproximadamente duas vezes por mês. Há três anos, vem sentindo cefaléia, com tipo de hemicrânia direita, com sensação de constricção. Há 10 meses, a cefaléia se tornou intensa e contínua, irradiando-se para a coluna vertebral. Diminuição progressiva da visão, achando-se atualmente completamente cego. Exame neurológico: amaurose.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção lombar; pressão inicial 43; 132,4 células por mm3 (eosinófilos 16%); 0.60 grs. de proteínas por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 01222.22221.0000.0; r. Takata-Ara c Wassermann negativas; r. Weinberg fortemente positiva. Sangue: r. Wassermann negativa. Radiografia do crânio: sinais radiológicos de hipertensão intracraniana. Exame neurocular: atrofia bilateral das papilas.

ANATOMIA PATOLÓGICA

Embora todos os órgãos possam ser atingidos pela cisticercose, é o encéfalo o mais comumente afetado. Stilles24 2: 24. Cit. por Broughton-Alcock, W., Stevenson, W. E. e Worster Drought, C. - Cysticercosis of the brain (with report of a case). Brit. M. J., 981, 1928. , em 155 casos de cisticercose, encontrou 117 vezes (75%) a localização cerebral, 32 a cardíaca, 9 a muscular, 5 a subeutânea e 2 a hepática; Müller24 2: 24. Cit. por Broughton-Alcock, W., Stevenson, W. E. e Worster Drought, C. - Cysticercosis of the brain (with report of a case). Brit. M. J., 981, 1928. encontrou, em 87 casos de cisticercose, o cérebro afetado 72 vezes, o que dá a alta percentagem de 83, 9%; Wosgien5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. , em 807 casos, assinala a seguinte distribuição: 372 no olho e anexos, 330 no sistema nervoso (40, 8%), 51 na pele, 28 nos músculos e 26 nos outros órgãos; Toledo Galvão11 11. Toledo Galvão - Incidência e profilaxia da cisticercose e quisto hidático em São Paulo. Tese de doutoramento, São Paulo, 1928. , de 15 casos, verificou 11 com localização cerebral (73,3%)

Dos 45 casos de cisticercose que passaram pelo Serviço de Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 39 apresentavam provável localização encefálica, localização esta comprovada, em 15, pela radiografia, necropsia ou intervenção cirúrgica. Em 1 caso, verificou-se a localização ocular e, em 6, a localização subcutânea, 5 dos quais manifestaram, ainda, sintomatologia caraterística de acometimento encefálico.

No encefálo, as diversas estruturas podem ser indistintamente atingidas, notando-se certa preferência para a localização meningoencefálica cortical, sendo também numerosos os casos de localização ventricular ou basal. Wosgien5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. , em 330 casos de cisticercose do sistema nervoso, observou 270 com localização cerebral, 41 com cisticercos nos ventrículos laterais e 5 com localização protuberancial. Guccione19 19. Guccione, A. - La cisticercose dei sistema nervoso central umano. Soc. Edit. Libraria, Milano, 1919, págs. 33 e 198. em 77 casos, observou a seguinte localização: 54 no córtex, 30 na base, 7 na fossa süviana, 32 nos ventrículos, 18 profundamente na substância cerebral, 4 no cerebelo e 10 nas meninges medulares. Sato5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. , em 128 casos, encontrou a seguinte proporção: 51% com localização meningocortical, 38% ventricular e 18% na base do cérebro e cerebelo-Griessinger e Küchenmeister5 7 5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff. , observando que a parte periférica do encéfalo é a sede preferida, atribuem tal predileção ao fato de serem, aí, os capilares mais estreitos, por serem terminais na pia-máter e no córtex e, finalmente, pelas melhores condições que o parasita encontra para se desenvolver no espaço subaracnóideo. Todavia, Trelles e Lazarte22 3: 22. Trelles, J. O. e Lazarte, J. - Cisticercosis cerebral. Estudio clínico, histopatológico y parasitológico. Rev. Neuro-Psiquiat. (Lima), 393 (setembro) 1940. consideram que a possibilidade de fixação não obedece exclusivamente a razões mecânicas, pois o embrião, que mede 20 micra de diâmetro, pode ter seu tamanho reduzido ao de uma hemácia e, por conseguinte, atravessar as ramificações mais finas do aparelho circulatório; estes autores fazem notar, ainda, a raridade da localização pulmonar, onde existe profunda rede de capilares e admitem que o tecido conjutivo, muscular e nervoso exercem atração especial sobre o embrião. Dos casos de cisticercose encefálica observados na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos quais foi realizada necrópsia ou intervenção cirúrgica, seis apresentavam localização cortical e um, localização profunda.

O número de vesículas encontradas é variável, de uma até várias dezenas, podendo apresentar-se disseminadas ou agrupadas, simulando, às vezes, nas imagens ventriculográficas, grandes tumorações intracranianas, conduzindo, assim, a diagnósticos errôneos, como sucedeu no caso relatado por Lange8 6: 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940. .

Ao exame macroscópico, as vesículas cisticercóticas se apresentam semitransparentes, de cor amarelo-acinzentada, comprimindo, às vezes, o parênquima subjacente; as meninges apresentam-se, em certas zonas, opacas, engrossadas, aderentes à abóbada craniana, não raramente observando-se zonas de meningite purulenta devida às infecções secundárias. Uma variedade interessante é o cisticerco racemoso, de localização basilar e ventricular, constituído por grandes vesículas ostentando arborizações e estrangulamentos, lembrando, por seu aspecto, um cacho de uvas. Existem, ainda, cistos que se desenvolvem no soalho dos ventrículos, fixos ou móveis.

Ao exame microscópico, observa-se, no interior dessas vesículas, o parasita, constituído pela cabeça, na qual se distingue o rostro (com dupla coroa de ganchos e ventosas) e o corpo, com franjas cutâneas, envolvido por massa de tecido conjuntivo frouxo, que enche a cavidade de invaginação. Em redor do parasito, nota-se uma membrana conjuntivo-celular, de natureza reacional, constituída por três camadas A mais interna, formada de células epitelióides, linfócitos, polinucleares neutrófilos, macrófagos carregados de gordura e plasmócitos multinucleados, está em contacto direto com o cetoderma parasitário e apresenta disposição fenestrada. A camada média é constituída de fibras conjuntivas colágenas em quantidade progressivamente crescente segundo a idade do cisto, raras células plasmátkas e escassos linfócitos. A camada mais externa constitui em conjunto, verdadeiro tecido de granulação, sendo formada por linfócitos, células plasmáticas, fibroblastos, eosinófilos e células gigantes do tipo de corpo estranho: os dois últimos tipos celulares são geralmente tão escassos que podem passar despercebidos. Grande quantidade de gordura é freqüentemente observada no protoplasma das células das diversas camadas, principalmente nas mais internas. Nas regiões próximas aos ostos parasitários, há alterações vasculares, cuja intensidade é tanto maior quanto mais próximos estão os vasos, e caraterizadas por proliferação da endartéria, espessamento da camada elástica, aumento e esclerose da mesartéria e infiltração da adventícia por plasmócitos e linfócitos, infiltração esta considerável nas proximidades do parasita; nos casos mais avançados, observa-se degeneração hialina e começo de necrose da parede vascular. A endarterite, que se apresenta, ora sob a forma de excrescências verrucous, ora com espessamento total da endartéria, pode causar a oclusão total, originando amolecimentos, por vezes de proporções consideráveis. Assim, Dolgopol e Neeustraedter2 22 2. Cit. por Trelles e Lazarte. encontraram, num saco de cisticerco racemoso, extenso amolecimento cortical no território da artéria cerebral média e outro menor na face ventral do lobo temporal esquerdo, enquanto as arteríolas vizinhas se encontravam obstruídas por linfócitos. O tecido nervoso, de sustentação reage intensamente e, por fora da cápsula conjuntiva, encontra-se uma capa de neuroglia concêntrica aos cistos parasitários. A oligodendróglia e a microglia, principalmente esta última, participam ativamente do processo fagocitário e cicatricial. As células nervosas sofrem graves modificações que, muitas vezes, conduzem à sua completa destruição. A estratificação do córtex cerebral desaparece ou se modifica consideravelmente; ao lado das células conservadas, observam-se outras tm estado avançado de desintegração, havendo, freqüentemente, desaparecimento de extensas áreas do córtex cerebral. As meninges são comumente sede de intensos processos reativos, principalmente na região da base, onde se formam grandes nódulos fibrosos com intensa reação esclerosa; os vasos meníngeos apresentam hiperplasia da íntima, proliferação da elástica e infiltração linfoplasmocitária da adventícia, com conseqüente obliteração, na maioria dos casos. Quando o processo é difuso, atingindo a totalidade do encéfalo, o quadro histopatológico reproduz com fidelidade o da paralisia geral progressiva e apenas a ausência de treponemas no tecido cerebral ou o achado de membranas parasitárias permitirá o diagnóstico diferencial entre a lues e a cisticercose.

PROFILAXIA

Conhecido o ciclo etiopatogênico da cisticercose encefálica, a sua profilaxia resume-se em: 1. Evitar a infestação do hospedeiro inter mediário, impedindo que os porcos venham a ingerir fezes, alimentes ou água contaminados pelos ovos de Taenia solium, realizando o controle sanitário da criação porcina; 2. Suprimir do consumo e inutilizar imediatamente as carnes reconhecidamente ou mesmo suspeitas de contaminação; 3. Tratar os portadores de tênia, evitando a disseminação dos ovos dos parasitas, os quais, através da auto-infestação externa ou interna, ou de hietero-infestação, podem ocasionar o estabelecimento sempre grave da cisticercose encefálica.

TRATAMENTO

O caráter essencialmente variável e o tempo relativamente longo da evolução da cisticercose cerebral tornam duvidosos os resultados observados pelos diferentes métodos terapêuticos. Consideraremos:

1. Tratamento medicamentoso: A medicação sempre indicada foi o extrato etéreo de feto macho, em doses grandes - 0,5 gr. diariamente - durante um a dois meses, com intervales de descanso de duas a três semanas e, depois, repetição da série; com esse tratamento, alguns autores referem haver obtido, algumas vezes, resultados satisfatórios. Assim, Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. , seguindo a evolução de seis pacientes nos quais empregara o feto macho, observou, em três, melhoras acentuadas, ficando um praticamente curado e com negatividade, das reações sorológicas; outro paciente melhorou pelo uso do feto macho associado à radioterapia profunda, e um terceiro beneíiciou-se pelo uso do feto macho após intervenção cirúrgica. Associado à radioterapia profunda, o feto macho tem, muitas vezes, sido empregado com sucesso total ou relativo (casos 5 e 9). Outras vezes, essa terapêutica parece ser contraproducente, podendo determinar, mesmo, pioras acentuadas da sintomatologia clínica (casos 14 e 18). Recentemente, Lioba Sylva10 7: 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942. tentou o emprego de injeções intravenosas de Albucid sódico a 30% (5 cm3) em dias alternados, observando, num de seus casos, atenuação da sintomatologia cerebral, melhoria do estado geral e grande redução dos nódulos subcutâneos. Tentamos este tratamento em alguns de nossos pacientes, notando-se num deles (Caso 1). após 3 séries de injeções intravenosas diárias de Albucid Sódico a 30% (5 cm3), seguidas de 4 grs diárias de Sulfamida, por via bucal, durante vários dias, acentuadas melhoras do estado geral, regressão quase completa dos nódulos subcutâneos, diminuição do número dos acessos convulsivos. Nos demais pacientes, o pequeno tempo de observação não permitiu, ainda, conclusões aproveitáveis.

2. Tratamento radioterápico: A radioterapia profunda tem produzido efeitos variáveis sobre a sintomatologia, ora determinando melhoras, ora pioras no quadro clínico (casos 14 e 17). Entretanto, é realmente útil após a intervenção cirúrgica, auxiliando grandemente a cura. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. relata o caso de um paciente que, submetido ao tratamento pelo feto macho e à radioterapia profunda, teve melhoras acentuadas, acompanhadas da regressão dos nódulos subcutâneos. Também um de nossos pacientes, submetido ao tratamento pelo feto macho e radioterapia profunda, teve acentuadas melhoras.

Caso 26 - H. C, brasileiro, 38 anos de idade, branco, sexo masculino, examinado em 21 de julho de 1945 (H. C. 15890). Há quatro meses, teve hipertermia, desorientação, agitação psicomotora, melhorando após uma semana. Após isto, tem tido cefaléia constante, tonturas e dificuldades na visão. Exame neurológico normal.

Exames complementares: líquido cefalorraqueano: punção lombar; pressão inicial 15; 0,8 células por mm3; 0,20 grs. de proteínas, 7,30 grs. de cloretos e 0,67 grs. de glicose por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim 00000.12210.00000.0 r. Takata-Ara positiva (tipo floculante); r. Steinfeld negativa; r. Weinberg fortemente positiva com 0,5 cm3. Sangue: r. Wassermann, Kahn e Eagle negativas; r. Weinberg duvidosa; eosinófilos 2%. Radiografia do crânio normal. Exame neurocular: edema inicial da papila, pouco mais acentuado em OE; hipermetropia. Evolução: o paciente foi submetido ao tratamento pelo feto macho associado à radioterapia profunda. Melhorou sensivelmente em seu estado geral. Novo exame de líquido cefalorraqueano, realizado seis meses depois, revelou-se normal.

3. Tratamento cirúrgico: As vesículas cisticercóticas podem ser facilmente extirpáveis, proporcionando cura definitiva, desde que não sejam em grande número, não estejam muito disseminadas e tenham localização favorável. Monteiro Salles9 1: 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940. acompanhou 4 pacientes operados; em dois, houve bons resultados quanto à sobrevivência e sintomas, um veio a falecer em conseqüência do estado precário em que se encontrava e, noutro, só foi feita a craniotomia descornpressiva. No caso de Freitas Julião e Tenuto, após a intervenção cirúrgica, regrediu a síndrome de hipertensão craniana, continuando a manifestar-se, entretanto, a síndrome convulsiva, motivo pelo qual foi encaminhado para o tratamento radioterápico.

Dos doentes que passaram pelo Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, dois beneficiaram-se pelo emprego do feto macho e radioterapia profunda; em três, essa terapêutica determinou agravamento da sintomatologia e, em um, não houve modificações. Pelo emprego do feto macho simples, um dos pacientes melhorou sensivelmente (caso 5). O Albucid sódico foi empregado com relativo sucesso em um caso (caso 1), e a intervenção cirúrgica foi satisfatoriamente realizada em dois.

Trabalho laureado pela Sociedade Professor Celestino Bourroul com o Prêmio "Adherbal Tolosr." de 1946.

R. Marconi, 48 - S. Paulo

  • 6. Almeida, W. - Contribuição ao estudo clínico da cisticercose cerebral. Arq. Brasil. Psychiat., Neurol, e Med. Legal (Rio de Janeiro), 4: 229 (julho-agosto) 1915.
  • 7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 1: 55, 1924.
  • 8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 6: 35, 1940.
  • 9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934;
  • b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 1: 183 (dezembro) 1934;
  • c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas), 6: 99 (dezembro) 1940.
  • 10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 7: 232, 1942.
  • 11. Toledo Galvão - Incidência e profilaxia da cisticercose e quisto hidático em São Paulo. Tese de doutoramento, São Paulo, 1928.
  • 12. Póvoa, Hélion - Cisticercose cerebral. Fôlha Médica (Rio de Janeiro), 12: 241 (julho) 1932.
  • 13. Pinheiro, J. e Mello, A. R. - Considerações sôbre a cisticercose cerebral. ArqBrasil. Med. (Rio de Janeiro), 31: 192 (dezembro) 1941.
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  • 17. Brinck, G. - La cysticercosis cerebral. Estudio anatomo-patologico y clínico. Santiago, Chile, 1940, págs. 69 e seguintes.
  • 19. Guccione, A. - La cisticercose dei sistema nervoso central umano. Soc. Edit. Libraria, Milano, 1919, págs. 33 e 198.
  • 21. Pessoa, S. B., Fleury da Silveira, G. e Correa, c. - Ação do desvio do complemento na cisticercose a Cysticercus cellulosae, usando-se como antígeno o extrato aquoso de Cysticercus bovis. Brasil Médico, 25: 347 (dezembro) 1926.
  • 22. Trelles, J. O. e Lazarte, J. - Cisticercosis cerebral. Estudio clínico, histopatológico y parasitológico. Rev. Neuro-Psiquiat. (Lima), 3: 393 (setembro) 1940.
  • 24. Cit. por Broughton-Alcock, W., Stevenson, W. E. e Worster Drought, C. - Cysticercosis of the brain (with report of a case). Brit. M. J., 2: 981, 1928.
  • 18
    18 18. Cit. por Guccione, pág. 105. relata o caso de um paciente de 68 anos com rigidez pupilar, ausência dos reflexos patelares, dores nas pernas, e no qual foi feito diagnóstico de tabes; surgiram depois vômitos cerebrais, sendo encontrado', à necrópsia, espressamento das meninges, ateromasia e cerca de 20 cisticercos no saco durai e um entre os cordões da cauda eqüina; não havia lesão medular.
  • 19
    1. Cit. por Guccione, pág. 6.
  • 22
    2. Cit. por Trelles e Lazarte.
  • 6
    3. Cit. por Almeida.
  • 6
    4. Cit. por Monteiro Salles.
  • 7
    5. Cit. por Pacheco e Silva e Tetriakoff.
  • 4:
    6. Almeida, W. - Contribuição ao estudo clínico da cisticercose cerebral. Arq. Brasil. Psychiat., Neurol, e Med. Legal (Rio de Janeiro), 229 (julho-agosto) 1915.
  • 1:
    7. Pacheco e Silva, A. C. e Tetriakoff, C. - Contribuição ao estudo da cisticercose cerebral e em particular das lesões tóxicas à distância nesta afecção. Mem. Hosp. Juqueri (São Paulo), 55, 1924.
  • 6:
    8. Lange, O. - Síndrome liquórico da cisticercose encéfalo-meníngea. Rev. Neurol, e Psiquiat. de S. Paulo, 35, 1940.
  • 1:
    9. Monteiro Salles, F. J. - a) Cisticercose cerebral. Tese de doutoramento, São Paulo, 1934; b) Sobre o diagnóstico da cisticercose humana. Arq. Tpst. Penido Burnier (Campinas), 183 (dezembro) 1934; c) Novas considerações sobre a neurocisticercose. Arq. Inst. Penulo Burnier (Campinas),
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  • 7:
    10. Sylva, I,. - Diagnóstico em vida da cisticercose cerebral. Arq. Assist. Psicopatas São Paulo, 232, 1942.
  • 11.
    Toledo Galvão - Incidência e profilaxia da cisticercose e quisto hidático em São Paulo. Tese de doutoramento, São Paulo, 1928.
  • 12
    . Póvoa, Hélion - Cisticercose cerebral. Fôlha Médica (Rio de Janeiro),
    12: 241 (julho) 1932.
  • 13
    . Pinheiro, J. e Mello, A. R. - Considerações sôbre a cisticercose cerebral. ArqBrasil. Med. (Rio de Janeiro),
    31: 192 (dezembro) 1941.
  • 14
    . Snadjarmn, I. - Grosse hidrocéphale probablement par cysticercose méningée. Syndrome de prehension. Rev. Neurol., 2:128 (julho) 1930.
  • 15
    . Alajouanine, T. H., Thurel, R. e Hornet, T. H. - Cysticercose meningée. (Considérations sur les arachnoïdites). Presse Médicale,
    45: 918, 1937.
  • 17
    16. Cit. por Brinck.
  • 17.
    Brinck, G. - La cysticercosis cerebral. Estudio anatomo-patologico y clínico. Santiago, Chile, 1940, págs. 69 e seguintes.
  • 18
    18. Cit. por Guccione, pág. 105.
  • 19.
    Guccione, A. - La cisticercose dei sistema nervoso central umano. Soc. Edit. Libraria, Milano, 1919, págs. 33 e 198.
  • 20
    . Cit. por Lange
    8.
  • 21
    . Pessoa, S. B., Fleury da Silveira, G. e Correa, c. - Ação do desvio do complemento na cisticercose a Cysticercus cellulosae, usando-se como antígeno o extrato aquoso de Cysticercus bovis. Brasil Médico,
    25: 347 (dezembro) 1926.
  • 3:
    22. Trelles, J. O. e Lazarte, J. - Cisticercosis cerebral. Estudio clínico, histopatológico y parasitológico. Rev. Neuro-Psiquiat. (Lima), 393 (setembro) 1940.
  • 10
    23. Cit. por Lioba Sylva.
  • 2:
    24. Cit. por Broughton-Alcock, W., Stevenson, W. E. e Worster Drought, C. - Cysticercosis of the brain (with report of a case). Brit. M. J., 981, 1928.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1947
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