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REDESCOBERTA DE TETRASTICHUS GIFFARDIANUS (HYMENOPTERA: EULOPHIDAE) APÓS 60 ANOS DA SUA INTRODUÇÃO NO BRASIL

REDISCOVERING TETRASTICHUS GIFFARDIANUS (HYMENOPTERA: EULOPHIDAE) 60 YEARS AFTER ITS INTRODUCTION IN BRAZIL

RESUMO

Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae) foi introduzido em 1937 no Estado de São Paulo, Brasil, para o controle biológico da mosca do mediterrâneo, Ceratitis capitata (Diptera: Tephritidae). Apesar de na época este parasitóide ter sido criado em grandes quantidades e liberado em várias fazendas, nunca mais foi relatado no país, levantando controvérsias sobre seu estabelecimento. Este trabalho relata a redescoberta desta espécie no Brasil, mas em locais distantes de onde fora originalmente liberado. Estas novas ocorrências estão na Região Nordeste, onde T. giffardianus parece ter se adaptado melhor do que no território paulista.

PALAVRAS-CHAVE
Tephritidae; Ceratitis capitata ; parasitóide; controle biológico

ABSTRACT

Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae) was introduced in 1937 in São Paulo state, southeast Brazil, to control the medfly, Ceratitis capitata (Diptera: Tephritidae). In spite of its being mass reared and released in several farms at that time, there were no further reports about its occurrence in the country, giving rise to controversies about its establishment. This paper deals with the rediscovering of T. giffardianus, but in a region far from where it was released. The new findings are in northeast Brazil, where this species seems to be better adapted to the local conditions.

KEY WORDS
Tephritidae; Ceratitis capitata ; parasitoid; biological control

As moscas-das-frutas, Anastrepha spp. e Ceratitis capitata (Wiedeman), estão entre as principais pragas da fruticultura no Brasil e no mundo, com milhões de dólares gastos anualmente em monitoramento e controle. O controle biológico destas pragas por meio do uso de himenópteros parasitóides, como componente do manejo integrado, pode ser uma importante ferramenta para reduzir a população desses insetos.

A mosca-do-mediterrâneo (C. capitata) é uma espécie de origem africana, continente de onde vários braconídeos (Opiinae) e eulofídeos (Tetrastichinae) foram coletados e levados ao Havaí no início do século XX, para programas de controle biológico (PEMBERTON & WILLARD, 1918PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.). Com o sucesso desta introdução, estes inimigos naturais foram posteriormente redistribuídos para diversos países.

Uma dessas espécies, Tetrastichus giffardianus Silvestri (Hymenoptera: Eulophidae), foi liberada no Estado de São Paulo, Brasil, através do Instituto Biológico em 1937 (AUTUORI, 1938AUTUORI, M. Notas sobre a introdução e multiplicação do parasita Tetrastichus giffardianus Silv. No Brasil. O Biológico, São Paulo, v.4, n.4, p.128-129, 1938.; FONSECA, 1938FONSECA, J.P da. O combate biológico ás moscas das frutas. O Biológico, São Paulo, v.4, n.7, p.221-225, 1938.; FONSECA & AUTUORI, 1940FONSECA, J.P. da; AUTUORI, M. Processos de criação da "Vespinha Africana" parasita da "Mosca do Mediterrâneo". O Biológico, São Paulo, v.6, n.12, p.345-351, 1940.; AUTUORI, 1942AUTUORI, M. Dados a respeito de Tetrastichus giffardianus Silv., parasita de Ceratitis capitata Wied. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.13, p.149-162, 1942.), visando combater C. capitata. FONSECA (1947)FONSECA, J. P. da. Criação da vespinha africana no Instituto Biológico. O Biológico, São Paulo, v.13, n.9, p.147-156, 1947. relatou que, do Brasil, T. giffardianus foi levado para a Argentina, Uruguai e Colômbia. Depois deste trabalho, no entanto, não houve na literatura outros relatos sobre a ocorrência de T. giffardianus na América Latina.

Com a intensificação dos estudos sobre inimigos naturais de moscas-das-frutas no Brasil, esse parasitóide voltou a ser encontrado, mas distante de onde fora originalmente liberado. Estas novas ocorrências, agora na Região Nordeste, indicam uma migração da espécie. Em 1999, 2001 e 2005, T. giffardianus foi obtido de pupas de C. capitata em amêndoa (Terminalia catappa) em Vera Cruz, BA, acerola (Malpighia glabra) em Baraúna, RN, e serigüela (Spondias purpurea), em Fortaleza, CE. Nessas regiões, T. giffardianus foi observado em abundância, indicando o potencial deste parasitóide para uso em futuros programas de controle biológico de C. capitata na região Nordeste do Brasil. Os espécimes foram depositados na Coleção de Insetos Entomófagos “Oscar Monte” (IB-CBE), do Instituto Biológico, Campinas, SP, Brasil, e na Australian National Insect Collection (ANIC), em Canberra, Austrália.

T. giffardianus ataca tefritídeos dos gêneros Ceratitis, Dacus e Bactrocera. Trata-se de um endoparasitóide cenobionte gregário, sendo os ovos depositados em larvas maduras e a progênie emergindo dos pupários do hospedeiro. Para ovipositar nas larvas, as fêmeas penetram nos frutos por orifícios, fendas ou áreas em decomposição do fruto (PEMBERTON & WILLARD, 1918PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.). Segundo estes autores, a oviposição pode se iniciar tão logo se dê a emergência da fêmea, mas AUTUORI (1942)AUTUORI, M. Dados a respeito de Tetrastichus giffardianus Silv., parasita de Ceratitis capitata Wied. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.13, p.149-162, 1942. observou um período de pré-oviposição de 19 a 72h.

A reprodução é do tipo arrenótoca (PEMBERTON & WILLARD, 1918PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.). Há alguma discrepância entre os resultados sobre os parâmetros reprodutivos na literatura. Usando C. capitata como hospedeiro, AUTUORI (1942)AUTUORI, M. Dados a respeito de Tetrastichus giffardianus Silv., parasita de Ceratitis capitata Wied. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.13, p.149-162, 1942. relatou que as fêmeas de T. giffardianus parasitaram até 7 larvas cada, com um máximo de 32 ovos/fêmea. O número médio de parasitóides obtido por pupário foi de 10,5, sendo a proporção de fêmeas um pouco maior do que a de machos (58,4%). Porém, nos estudos de RAMADAN & WONG (1990)RAMADAN, M.M. & WONG, T.T.Y. Biological observations on Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae), a gregarious endoparasitoid of the Mediterranean fruit fly and the Oriental fruit fly (Diptera: Tephritidae). Proceedings of the Hawaiian Entomological Society, v.30, p.59-62, 1990. e PEMBERTON & WILLARD (1918)PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918., mais de 75% da progênie era de fêmeas, com média de 6,7 e 8,6 parasitóides obtidos por pupário, respectivamente. De acordo com RAMADAN & WONG (1990)RAMADAN, M.M. & WONG, T.T.Y. Biological observations on Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae), a gregarious endoparasitoid of the Mediterranean fruit fly and the Oriental fruit fly (Diptera: Tephritidae). Proceedings of the Hawaiian Entomological Society, v.30, p.59-62, 1990., a variação nos resultados entre diferentes trabalhos pode ser devido à fruta utilizada como substrato para a criação do hospedeiro ou diferença de populações, por exemplo.

O número de larvas atacadas por fêmea de T. giffardianus é baixo quando comparado com braconídeos opiíneos, mas isto é compensado pelo hábito gregário da espécie, ou seja, mais de um indivíduo se desenvolvendo em cada hospedeiro. Num programa de controle biológico, sua utilização em conjunto com os opiíneos seria vantajosa por poderem atacar as larvas que escaparam do parasitismo do primeiro grupo (PURCELL et al., 1996PURCELL, M.F.; VAN NIEUWENHOVEN, A.; BATCHELOR, M.A. Bionomics of Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae): an endoparasitóide of tephritid flies. Environmental Entomology, v.25, n.1, p.198-206, 1996.).

Não se sabe ao certo porque T. giffardianus não foi observado no país por um período de aproximadamente 60 anos. É possível que esta espécie não tenha se adaptado ao Estado de São Paulo, devido às baixas temperaturas observadas em determinadas épocas do ano, mas que tenha encontrado no Nordeste brasileiro, região de clima quente e semi-árido, condições semelhantes ao do local onde foi originalmente coletado (África Ocidental). De acordo com PURCELL et al. (1994)PURCELL, M.F.; JACKSON, C.G.; LONG, J.P.; BATCHELOR, M.A. Influence of guava ripening on parasitism levels by Diachasmimorpha longicaudata (Ashmead) and other parasitoids of Bactrocera dorsalis (Hendel) (Diptera: Tephritidae). Biological Control, v.4. p.396-403, 1994., outro motivo pela não coleta desta espécie seria a metodologia de coleta; como T. giffardianus parasita larvas maduras e penetra nos frutos através de orifícios de saída das larvas e de outras aberturas, é necessário que as frutas infestadas sejam coletadas o mais tardiamente possível, para que as larvas sejam expostas ao parasitismo, o que inclui a coleta de frutos caídos ao solo. Além disso, T. giffardianus é bem menor do que os braconídeos normalmente encontrados em tefritídeos e, por este motivo, pode passar despercebido pelo coletor desavisado ou mesmo escapar dos recipientes telados onde os pupários estão acondicionados.

Há vantagens e desvantagens do uso de T. giffardianus em controle biológico. As vantagens seriam o hábito gregário, a maior proporção de fêmeas entre os descendentes, o fato de as fêmeas penetrarem nos frutos para ovipositar diretamente nas larvas e assim atacar larvas que escaparam do parasitismo por opiíneos, onde então o tamanho dos frutos não seria um impedimento. Ainda, o grande intervalo de tempo entre a emergência de moscas e a dos parasitóides elimina o problema de liberação destes dípteros no ambiente juntamente com estes inimigos naturais. Por outro lado, as desvantagens seriam a sua taxa de parasitismo relativamente baixa e curta longevidade. A baixa taxa de parasitismo seria compensada pela alta taxa reprodutiva bruta, uma vez que mais de um parasitóide é produzido por hospedeiro (PEMBERTON & WILLARD, 1918PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.; PURCELL et al., 1996PURCELL, M.F.; VAN NIEUWENHOVEN, A.; BATCHELOR, M.A. Bionomics of Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae): an endoparasitóide of tephritid flies. Environmental Entomology, v.25, n.1, p.198-206, 1996.). Já a curta longevidade seria compensada por liberações de parasitóides criados em laboratórios. Além disso, fêmeas privadas de hospedeiros para oviposição vivem por períodos mais longos, desde que se alimentem de carboidratos (PEMBERTON & WILLARD, 1918PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.). Por estas razões, é essencial fazer testes no campo em cada situação, para conhecer o valor real de T. giffardianus como agente de controle biológico de tefritídeos.

REFERÊNCIAS

  • AUTUORI, M. Dados a respeito de Tetrastichus giffardianus Silv., parasita de Ceratitis capitata Wied. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.13, p.149-162, 1942.
  • AUTUORI, M. Notas sobre a introdução e multiplicação do parasita Tetrastichus giffardianus Silv. No Brasil. O Biológico, São Paulo, v.4, n.4, p.128-129, 1938.
  • FONSECA, J. P. da. Criação da vespinha africana no Instituto Biológico. O Biológico, São Paulo, v.13, n.9, p.147-156, 1947.
  • FONSECA, J.P da. O combate biológico ás moscas das frutas. O Biológico, São Paulo, v.4, n.7, p.221-225, 1938.
  • FONSECA, J.P. da; AUTUORI, M. Processos de criação da "Vespinha Africana" parasita da "Mosca do Mediterrâneo". O Biológico, São Paulo, v.6, n.12, p.345-351, 1940.
  • PEMBERTON, C.E. & WILLARD, H.F. A contribution to the biology of fruit-fly parasites in Hawaii. Journal of Agricultural Research, v.15, n.8, 419-465, 1918.
  • PURCELL, M.F.; JACKSON, C.G.; LONG, J.P.; BATCHELOR, M.A. Influence of guava ripening on parasitism levels by Diachasmimorpha longicaudata (Ashmead) and other parasitoids of Bactrocera dorsalis (Hendel) (Diptera: Tephritidae). Biological Control, v.4. p.396-403, 1994.
  • PURCELL, M.F.; VAN NIEUWENHOVEN, A.; BATCHELOR, M.A. Bionomics of Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae): an endoparasitóide of tephritid flies. Environmental Entomology, v.25, n.1, p.198-206, 1996.
  • RAMADAN, M.M. & WONG, T.T.Y. Biological observations on Tetrastichus giffardianus (Hymenoptera: Eulophidae), a gregarious endoparasitoid of the Mediterranean fruit fly and the Oriental fruit fly (Diptera: Tephritidae). Proceedings of the Hawaiian Entomological Society, v.30, p.59-62, 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2005

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2005
  • Aceito
    29 Dez 2005
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