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UM CALCIDÓIDEO (HYMENOPTERA, EURYTOMIDAE) QUE ATACA OS FRUTOS DA GOIABEIRA PSIDIUM GUAJAVA L. (MYRTACEAE)

A PHYTOPHAGOUS CHALCIDOID (HYMENOPTERA: EURYTOMIDAE) ON FRUITS OF GUAVA, PSIDIUM GUAJAVA (MYRTACEAE)

RESUMO

Este estudo relata a ocorrência de danos em frutos de goiabeira provocados por uma vespa calcidóidea do gênero Eurytoma Illiger, 1807 (Hymenoptera, Eurytomidae) em um pomar comercial em Vista Alegre do Alto e nos Municípios de Guaraçaí e Mirandópolis, na região norte do Estado de São Paulo, Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
Brasil; Chalcidoidea; Eurytoma ; fitofagia; goiaba

ABSTRACT

This study reports the occurrence of guava fruits damaged by a chalcidoid wasp belonging to the genus Eurytoma Illiger, 1807 (Hymenoptera: Eurytomidae) in commercial orchards of São Paulo State, Brazil.

KEY WORDS
Brazil; Chalcidoidea; Eurytoma ; phytophagy; guava

São poucas as informações disponíveis a respeito das áreas com cultivo de goiabeira no mundo; ao que se sabe, Índia, Paquistão, Brasil, Egito, Venezuela, EUA, África do Sul, México, Austrália e Quênia são os principais países produtores (GONZAGA NETO, 2001GONZAGA NETO, L. Introdução. In: GONZAGA NETO, L. (Ed.). Goiaba: produção. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2001. p.9-12. (Frutas do Brasil, 17).).

No Brasil, cultivos comerciais desta fruta ocorrem do Maranhão ao Rio Grande do Sul onde, em muitas localidades, a cultura da goiaba tem importância social por empregar principalmente mão-de-obra familiar, o que ajuda a fixar o homem no campo. Dados do AGRIANUAL (2003)AGRIANUAL. Anuário da Agricultura Brasileira: 2003. São Paulo: FNP, 2003. Goiaba, p.365-369. indicam que, no Brasil, 14.024 ha eram cultivados com goiabeiras que produziram 352.840 t de frutos; no Estado de São Paulo, maior produtor nacional, foram cultivados 5.545 ha, responsáveis pela produção de 209.790 t de frutos, valores que representam 39,5% da área total de cultivo e 59,5% da produção nacional. Naquele estado a produção de goiabas para mesa é concentrada nas regiões próximas à capital (Valinhos, Vinhedo, Campinas, Atibaia e Mogi das Cruzes) e nas regiões de Mirandópolis, Pacaembu e Monte Alto. Goiabas para a indústria e/ou mesa são cultivadas principalmente nas regiões de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e São Carlos, com destaque para os Municípios de Monte Alto, Taquaritinga, Itápolis, Urupês, Vista Alegre do Alto e São Carlos.

A família Myrtaceae, à qual pertence a goiabeira Psidium guajava L., é composta por mais de 70 gêneros e 2.800 espécies, distribuídas pelas regiões tropicais e sub-tropicais do globo, principalmente, na América e na Austrália (PEREIRA, 1995PEREIRA, F.M. Cultura da goiabeira. Jaboticabal: FUNEP, 1995. 47p.). A goiabeira, nativa da região Neotropical, é uma árvore de 3-6 m de altura, de tronco tortuoso que atinge de 20-30 cm de diâmetro, com casca lisa e descamante; apresenta folhas simples e flores hermafroditas que florescem a partir do final de setembro; seus frutos, que em condições naturais, amadurecem de dezembro a março, são bagas globosas, com mesocarpo de textura firme, com 4 a 5 lóculos, cheios de uma massa de consistência pastosa, onde estão numerosas sementes (LORENZI, 1992LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Plantarum, 1992. 368p.).

Em agosto de 2004, no Município de Vista Alegre do Alto (21o10'18"S/; 48o37'43"O; 619 m altitude), na região norte do Estado de São Paulo, observou-se em um pomar comercial de goiabas da variedade Paluma o ataque por vespas calcidóideas que ocasionou perdas de mais de 50% dos frutos para consumo in natura. Os danos atingiram também os frutos destinados à industrialização, pois a vespa ataca sua polpa e provoca o endurecimento dos tecidos, os quais não se dissolvem durante o cozimento, originando matéria-prima de qualidade inferior. A ocorrência desta vespa também foi observada nos anos de 2001 e 2002 nos Municípios de Guaraçaí e Mirandópolis (BELINTANI, C.A. 1 1 Carlos Alberto Belintani, Escritório de Desenvolvimento Rural de Andradina, SP/CATI. , comunicação pessoal), com danos de até 50% na produção de goiaba da variedade Sassaoka (cascuda).

Em um pomar comercial em Vista Alegre do Alto, onde ocorreu o ataque destas vespas, foram coletados frutos verdes, de vários tamanhos, e frutos maduros com sintomas aparentes de seu ataque, ou seja, com orifícios de saída do inseto adulto (Fig. 1). Em laboratório os frutos verdes foram separados dos maduros e mantidos em gaiolas plásticas hermeticamen te fechadas até a emergência dos adultos. Alguns frutos foram dissecados com o objetivo de avaliar a extensão dos danos e para a obtenção de estágios imaturos do inseto.

Foram obtidos 167 exemplares adultos de uma espécie não identificada de Eurytoma Illiger, 1807 (Hymenoptera, Eurytomidae), que foram pre servados em ETOH a 70% e, posteriormente, fixados em montagem dupla em alfinetes entomológicos. Para a identificação genérica do euritomídeo foi utilizada a chave de identificação proposta por BURKS (1971)BURKS, B. A synopsis of the genera of the family Eurytomidae (Hym., Chalcidoidea). Trans. Am. Entomol. Soc., v.97, n.1, p.1-89, 1971.. Os euritomídeos foram depositados nas coleções do Centro Experimental Central do Instituto Biológico (CEIB), do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZSP) e do Laboratório de Bioecologia e Taxonomia

de Predadores e Parasitóides da APTA Regional Centro-Leste (IBRP).

A família Eurytomidae, de distribuição cosmopolita, é composta por 79 gêneros e 1.200 espécies, aproximadamente. O gênero Eurytoma, também cosmopolita, inclui ao redor de 680 espécies, o que corresponde a cerca de 57% do total de espécies daquela família. Segundo NOYES (2003)NOYES, J.S. Universal Chalcidoidea Database. 2003. Disponível em <http://www.nhm.ac.uk/entomology/chalcidoids/index.html>. Acesso em: 11. mar. 2005.
http://www.nhm.ac.uk/entomology/chalcido...
, para a região Neotropical é citada a ocorrência de 87 espécies, das quais apenas E. euclus Walker, 1839, E. menon Walker, 1839, E. minasensis De Santis & Fernandes, 1989 e E. orchidearum (Westwood, 1869) são registradas para o Brasil. Neste gênero há várias espécies fitófagas cujas larvas se alimentam de sementes ou brocam caules de, pelo menos, 4 famílias de plantas (DIGIULIO, 1997DIGIULIO, J.A. Eurytomidae. In: GIBSON, G.A.P.; HUBER, J.T.; WOOLLEY, J.B. Annotated keys to the genera of Nearctic Chalcidoidea (Hymenoptera). Ottawa: NRC Research Press, 1997. p.477-497.).

Nos frutos dissecados observou-se que as larvas do euritomídeo se desenvolvem no interior de uma câmara na polpa do fruto (Fig. 2) (um inseto/câmara), onde empupam (Figs. 3 e 4). Para alcançar o ambiente externo, os adultos (Fig. 5) cavam com as mandíbulas um túnel que termina em um orifício de saída na casca do fruto. Em 12 dos frutos maduros coletados foram contabilizados de 10 a 56 de orifícios de saída/fruto. Observou-se que a saída dos adultos para o ambiente externo se inicia em frutos verdes com tamanho em torno de 4,5 cm de comprimento por 3,5 cm de diâmetro e com peso a partir de 36 g.

Figs. 1 a 5
1) fruto atacado por Eurytoma sp.; 2-5) Eurytoma sp.: 2) larva, 3 e 4) pupa, 5) fêmea adulta.

A infestação de frutos de goiabeira por esta espécie de Eurytoma pode ser atribuída às seguintes hipóteses: a. Eurytoma sp. é uma espécie autóctone, que se alimenta de mirtáceas nativas; tais plantas, devido a perturbações ambientais sofridas por pressão antrópica, tiveram sua população reduzida o que pode ter forçado a migração dos euritomídeos para as áreas de cultivo comercial, em expansão nos últimos anos e, b. Eurytoma sp. seria naturalmente associada à goiabeira e explosões populacionais como a ora relatada estariam relacionadas ao estresse ambiental sofrido pelo agroecossistema (aplicação de agrotóxicos, degradação e poluição do ambiente etc). A última hipótese é mais difícil de ser aceita dado que a goiabeira é uma planta que sempre despertou interesse humano, mesmo antes de sua industrialização, o que teria tornado perceptível a presença e a conseqüente divulgação de ataques de vespas como ora observado. De toda forma, é importante salientar que é plausível a possibilidade desta vespa se tornar uma praga importante na cultura da goiaba.

  • 1
    Carlos Alberto Belintani, Escritório de Desenvolvimento Rural de Andradina, SP/CATI.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AGRIANUAL. Anuário da Agricultura Brasileira: 2003. São Paulo: FNP, 2003. Goiaba, p.365-369.
  • BURKS, B. A synopsis of the genera of the family Eurytomidae (Hym., Chalcidoidea). Trans. Am. Entomol. Soc, v.97, n.1, p.1-89, 1971.
  • DIGIULIO, J.A. Eurytomidae. In: GIBSON, G.A.P.; HUBER, J.T.; WOOLLEY, J.B. Annotated keys to the genera of Nearctic Chalcidoidea (Hymenoptera) Ottawa: NRC Research Press, 1997. p.477-497.
  • GONZAGA NETO, L. Introdução. In: GONZAGA NETO, L. (Ed.). Goiaba: produção. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2001. p.9-12. (Frutas do Brasil, 17).
  • LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Plantarum, 1992. 368p.
  • NOYES, J.S. Universal Chalcidoidea Database. 2003. Disponível em <http://www.nhm.ac.uk/entomology/chalcidoids/index.html>. Acesso em: 11. mar. 2005.
    » http://www.nhm.ac.uk/entomology/chalcidoids/index.html
  • PEREIRA, F.M. Cultura da goiabeira Jaboticabal: FUNEP, 1995. 47p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2005

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2005
  • Aceito
    24 Mar 2005
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