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"Eliminar os indesejáveis": uma lógica de ação para o policiamento dos argelinos em Paris (1944-1962)

Resumos

O artigo trata da relação estabelecida entre imigrantes argelinos na França com o Estado e, sobretudo, com a polícia. Durante os primeiros anos da década de 1940 houve igualdade de direitos entre os "muçulmanos" (argelinos) e os "europeus" (franceses). Cidadãos de pleno direito a partir do momento em que entravam na França, argelinos gozavam de liberdade de circulação entre as duas margens do Mediterrâneo e podiam se instalar livremente na metrópole. Contudo, a partir da guerra de libertação da Argélia houve um aumento da imigração para a França, o que gerou protestos entre os franceses. Do fim da Segunda Guerra Mundial até o término da guerra de independência argelina, a hierarquia policial resistiu ao "mito da igualdade dos direitos". Impotente diante do fluxo imigratório, a polícia executava uma política de confronto aos "indesejáveis", qualificativo utilizado para designar as popula- ções argelinas estigmatizadas, cuja presença no espaço público era percebida como um problema.

polícia; imigração; relações coloniais; Argélia; França.


The article deals with the relationship between Algerian immigrants, the French State, and particularly the Police. In the first years of the 1940's, there was equality of rights between "Muslims" (Algerians) and "Europeans" (the French). Acquiring full citizenship at the moment they entered France, Algerians enjoyed travelling freedom between the two edges of the Mediterranean. However, the liberation war in Algeria triggered an increase in immigration to France, generating protests among the French. From the end of II World War to the end of the independence war in Algeria, Police hierarchy resisted to the "myth of rights' equality". Impotent to deal with the immigration flow, Police implemented a confrontation policy with the "undesirable," i.e., the stigmatized Algerian population in France, whose presence in the public space was perceived as a problem.

police; immigration; colonial relationships; Algeria; France.


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  • 1
    BLEVIS, Laure. Les avatars de la citoyenneté en Algérie coloniale ou les paradoxes d'une catégorisation. Droit et société, n. 48, p. 557-580, 2001.
  • 2
    WEIL, Patrick. La France et ses étrangers. L'aventure d'une politique de l'immigration, 1938-1991. Paris: Calmann-Lévy, 1991. p. 54-59.
  • 3
    Georges Mauco formulou essa distinção entre "imigração desejada" e "imigração imposta", às vésperas da Segunda Guerra Mundial, para distinguir os "trabalhadores dos refugiados". WEIL, Patrick. Georges Mauco, expert en immigration: ethnoracisme et antisémitisme fielleux. In: TAGUIEFF, Pierre-André (Dir.). L'antisémitisme de plume, 1940-1944. Études et documents. Paris: Berg International Éditeurs, 1999. p. 267-276.
  • 4
    Agendas de Roger Léonard, prefeito de polícia (1947-1951), 24 de novembro de 1948. Archives de Sciences Po, assento RL 1.
  • 5
    TILLION, Germaine. Algérie 1957. Paris: Minuit, 1957. p. 40-41.
  • 6
    Eram particularmente os comunistas que denunciavam os jornais "racistas". L'Algérie en France, jornal do Partido Comunista Francês (PCF), esteve à frente dessas denúncias.
  • 7
    BLANCHARD, Emmanuel. L'encadrement des algériens de Paris (1944-1954), entre contraintes juridiques et arbitraire policier. Crime, histoire & sociétés, v. 11, n. 1, p. 5-25, 2007.
  • 8
    A expressão "cidadãos diminuídos" era utilizada com frequência por representantes do PCF para qualificar os argelinos da metrópole. Ver, sobretudo, as intervenções dos deputados do PCF nos conselhos de Paris e do Sena: Bulletin Municipal Officiel-Conseil Municipal, p. 342, 18 jul. 1947; Bulletin Municipal Officiel-Conseil Général, p. 170, 20 mar. 1953.
  • 9
    ROBERT, Philippe. Le citoyen, le crime, l'État. Genebra: Droz, 1999. p. 23-35.
  • 10
    BOGART, Léo. Les algériens en France, adaptation réussie et non réussie. In: INED. Français et immigrés. Paris: PUFIned, 1954. p. 48.
  • 11
    De 1937 a 1962, os únicos manifestantes mortos em Paris pelas forças da ordem foram argelinos (28 de maio de 1952, 14 de julho de 1953). A essas sete vítimas parisienses devem ser somadas aquelas (ao menos três) que foram mortas na província, particularmente em maio de 1952. TARTAKOWSKY, Danielle. Les manifestations de rue en France. Paris: Fayard, 1997. p. 633-635.
  • 12
    Tomamos esse conceito emprestado do criminologista canadense Jean-Paul Broder, que o utiliza para situações nas quais os poderes públicos permitem que a polícia exerça livremente suas modalidades de repressão, mesmo extralegais, desde que não surjam controvérsias políticas.
  • 13
    BLANCHARD, Emmanuel. Police judiciaire et pratiques d'exception pendant la guerre d'Algérie. Vingtième Siècle. Revue d'histoire, n. 90, p. 9-41, avr./juin 2006.
  • 14
    A partir dessa data a livre circulação é suprimida e torna-se necessário obter uma autorização de viagem, emitida nas delegacias de polícia, para ir à Argélia.
  • 15
    Sobre os serviços de assistência técnica aos FMA (SAT-FMA), cujos funcionários e métodos foram importados da Argélia: HOUSE, Jim; MACMASTER, Neil. Paris 1961: algerians, state terror and post-colonial memories. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 66-77.
  • 16
    THENAULT, Sylvie. Les couvre-feux en région parisienne pendant la guerre d'Algérie. Politix, n. 84, p. 67-85, 2008. *No original, Centres de Assignation à Résidence Surveillés. (N.T.).
  • 17
    THENAULT, Sylvie. Personnel et internés dans les camps d'internement de la guerre d'Algérie. Entre stéréotypes coloniaux et combat pour l'indépendance. Politix, n. 69, p. 63-81, mar. 2005.
  • 18
    Carta do primeiro-ministro, Michel Debré, a Edmond Michelet, ministro da Justiça, 4 dez. 1959, D DE 22, arquivos de Sciences Po.
  • **
    RG é a abreviatura de Renseignements Généraux (Informações Gerais), serviço de informação francês cujo nome oficial era Direction Centrale des Renseignements Généraux. (N.T.)
  • 19
    Os "centros de triagem" eram lugares de detenção e às vezes de interrogatório dos indivíduos confinados pelos prefeitos por um período de quinze dias. Denominados também de "centros de trânsito" ou "centros de identificação", na maioria das vezes caracterizados por um simples endereço, de modo a ocultar sua verdadeira utilidade, eles eram geralmente localizados no interior das delegacias ou de outros prédios da polícia.
  • 20
    Sobre essas comissões, ver: BRANCHE, Raphaëlle. La commission de sauvegarde pendant la guerre d'Algérie: chronique d'un échec annoncé. Vingtième Siècle. Revue d'histoire, n. 61, p. 14-29, 1999. E da mesma autora: La seconde commission de sauvegarde des droits et libertés individuels. In: AFHJ. La justice en Algérie 1830-1962. La Documentation Française, 2005, p. 237-246.
  • 21
    THENAULT, Sylvie (Dir.). Vadenay, Saint-Maurice l'Ardoise, Thol, le Larzac. L'internement en France pendant la guerre d'indépendance algérienne [dossier]. Matériaux pour l'Histoire de Notre Temps, n. 92, p. 1-72, oct./déc. 2008.
  • 22
    A gendarmaria era encarregada das transferências dos confinados dos centros de triagem para os CARS. * Français de souche nord-africaine. (N.T.)
  • 23
    Circular no 577 do Ministério do Interior referente à aplicação da portaria de 7 de outubro de 1958. Circular enviada a todos os prefeitos em 15 de outubro de 1958.
  • 24
    Arquivos Nacionais (NA) F1A 5134.
  • 25
    DUBOIS, André-Louis; SERGENT, Pierre. Le malentendu algérien. 12 ans après. Paris: Fayard, 1972. p. 106-107.
  • 26
    Circular de 15 de outubro de 1958, op. cit.
  • 27
    Telegramas secretos do ministro do Interior, 7 de janeiro e 28 de abril de 1959, Arquivos da Prefeitura de Polícia (APP), HA 8.
  • 28
    Essa parte do texto é baseada no exame dos arquivos da repressão aos nacionalistas argelinos em Seine-et-Oise, conservados nos Arquivos departamentais de Yvelines. AD 78 1W 511 a 1W 547.
  • 29
    BOITTIAUX, Stéphane. La Procédure de répression des infractions terroristes depuis le 30 octobre 1954. Thèse (droit) - Université de Paris, Paris, 1962.
  • 30
    Portaria 60-520 de 3 de junho de 1960. Sobre esse tema, ver: BERLIERE, Jean-Marc. Policiers et pouvoir politique en période de crise: la guerre d'Algérie (1958-1962). In: BERLIERE, J.-M. et al. (Dir.). Être policier: les métiers de police(s) XVIIIe.-XXe. siècle. Rennes: PUR, 2008. p. 523-541.
  • 31
    Relatório do gabinete do Ministério do Interior aos diretores da Prefeitura de Polícia e da Segurança Nacional, 18 de maio de 1960, APP HA 65.
  • 32
    Entrevista com Henri Leclerc (advogado, colaborador de Yves Dechezelle e Pierre Stiebe, entre 1956 e 1959), Paris, 19 de maio de 2005. Ele menciona aqui o TPFA do Cherche-Midi, em Paris.
  • 33
    Para exemplos de divisões e disputas de competência entre jurisdições civis e militares, ver: DEPERCHIN, Annie; LECOMPTE, Arnaud. Les crimes commis par les algériens en métropole devant la cour d'assises du Nord, 1954-1962. In: AFHJ. La justice en Algérie 1830-1962, op. cit. p. 257-270.
  • 34
    Dados disponíveis nas atas das reuniões dos CTAM (1958-1962), NA F1A 5014. Esses cômputos misturam presos comuns e presos políticos. No final de 1962, um pouco mais de 3 mil argelinos permaneciam presos na metrópole.
  • 35
    Nas atas dos CTAM essa rubrica só apareceu no final de 1959, quando o número de internados atingiu seu pico (5.700) para se estabilizar, em seguida, em um pouco menos de 5 mil, declinando depois rapidamente no quarto trimestre de 1961.
  • 36
    Os registros policiais dos internados no quartel Noailles em Versailles (centro de triagem para o Seine-et-Oise) mostram que alguns entre eles ali permaneciam além da duração legal, mas raramente mais do que alguns dias, devido à superpopulação. A partir de 1959, com a abertura do Centro de identificação de Vincennes (CIV), a Prefeitura de Polícia passou a dispor de melhores recursos e alguns internados permaneceram detidos por vários meses. Entrevista com Saad Abssi (Gennevilliers, 3 de outubro de 2007), que permaneceu por dois meses no CIV, no início de 1960.
  • 37
    Nesse dia, várias dezenas de argelinos que se manifestavam pacificamente contra a instauração de um toque de recolher aplicado exclusivamente à população proveniente da Argélia foram mortos sob os golpes e balas da polícia parisiense. Essa repressão foi objeto de uma verdadeira "mentira de Estado". HOUSE, Jim; MACMASTER, Neil. Paris 1961, op. cit.
  • 38
    AMIRI, Linda. La bataille de la France: la guerre d'Algérie en métropole. Paris: Robert Laffont, 2004. p. 167-170.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2012
  • Aceito
    19 Out 2012
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