Acessibilidade / Reportar erro

Medo e tráfico de pessoas

Fear and Human Trafficking

Resumo

Neste texto considero as conexões entre o medo e as políticas voltadas para o combate ao tráfico de pessoas, a partir de uma etnografia multi-situada realizada a partir de 2004 até 2015 na Espanha e até o momento atual no Brasil. Nos dois países o trabalho envolveu observação em diversos locais, situações e eventos e a interlocução com trabalhadoras sexuais, migrantes realizando serviços em diferentes setores de atividade, empreendedores da indústria do sexo e agentes vinculados a diferentes instâncias de governamentalidade. Baseando-me nessa etnografia mostro como nos regimes anti-tráfico as pessoas que deveriam ser protegidas sentem medo dos efeitos desses regimes que provocam situações percebidas como violência e considero como o medo é uma emoção central acionada na disseminação dos regimes de combate ao tráfico de pessoas. Finalmente, aponto como os objetos que provocam medo tem ido variando ao longo do tempo, explorando as relações entre essas alterações e os campos políticos dos quais esses regimes fazem parte.

Palavras-chave:
tráfico de pessoas; emoções; medo; políticas públicas; sexualidade.

Abstract

In this article I analyse the connections between fear and policies directed towards fighting human trafficking, considering the multi-sited ethnographic work carried since 2004, up to 2015 in Spain and up to the present moment in Brazil. In both countries the fieldwork involved observation in diverse places, situations and meetings and the interlocution with sex workers, migrants working in different labour sectors, sex industry entrepreneurs and agents connected with diverse governmentality domains. I analyse how people who should be protected by theses regimes feel fear of their effects because they provoke situations perceived as violence and consider how fear is a central emotion mobilized element in the dissemination of the anti-trafficking regimes. Finally, I show how the objects that incite fear have changed along the years, exploring the relations between these alterations and the political fields that these regimes integrate.

Keywords:
human trafficking; emotions; fear; public policies; sexuality

Resumen:

En este texto considero las conexiones entre el miedo y las políticas dirigidas a enfrentar la trata de personas, a partir de una etnografía multi-situada realizada entre 2004 y 2015 en España y hasta el momento actual en Brasil. En los dos países el trabajo involucró observación en diversos locales, situaciones y eventos y la interlocución con trabajadoras sexuales, migrantes realizando servicios en diferentes sectores, empresarios de la industria del sexo y agentes vinculados a diversas instancias de gobernamentalidad. A partir de esa etnografía muestro como en los regímenes anti-trata las personas que deberían ser protegidas sienten miedo de los efectos de esos regímenes que provocan situaciones percibidas como violencia y considero como el miedo es una emoción central accionada en la diseminación de los regímenes de combate a la trata de personas. Finalmente, muestro como los objetos que provocan miedo han ido variando a lo largo del tempo, explorando las entre esas alteraciones y los campos políticos de los que esos regímenes hacen parte.

Palabras-clave:
trata de personas; emociones; miedo; políticas públicas; sexualidad

Apresentação

Neste texto considero a relação entre emoções e a formulação de políticas, refletindo sobre as conexões entre o medo e as políticas voltadas para o combate ao tráfico de pessoas.1 1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Encontro da Associação Portuguesa de Antropologia, 2019. Agradeço os generosos comentários e sugestões das organizadoras deste dossiê, Maria Claudia Coelho e Iara Beleli e dos demais participantes. Analiso essa relação tomando como referencia o trabalho etnográfico sobre os regimes de combate ao tráfico de pessoas que realizei na Espanha e no Brasil. Refiro-me a esses regimes considerando a constelação de políticas, normas, discursos, conhecimentos e leis sobre essa questão, formuladas no entrelaçamento de planos supranacionais, internacionais, nacionais e locais.

Acompanhei a expansão desses regimes na Espanha entre 2004 e 2015, considerando a inserção de trabalhadoras do sexo brasileiras na indústria do sexo nesse país. Paralelamente, fui observando a conformação desses regimes no Brasil até o momento atual. Iniciei esse percurso neste país quando começava a ser organizada a arquitetura estatal para combater esse crime, concomitantemente com a ratificação do Protocolo de Palermo2 2 Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, repressão e Punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, elaborado em 2000 e ratificado pelo Brasil em 2004. a principal disposição legal supranacional voltada para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.

As conexões que estabeleço neste artigo estão baseadas no diálogo entre perspectivas acadêmicas críticas sobre os regimes de combate ao tráfico de pessoas e material empírico. Essas perspectivas levam em conta os resultados de pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo a partir da década de 2000, comparando os efeitos das ações anti-tráfico em lugares do mundo com diferentes políticas migratórias, fluxos de população e modelos legais relativos à prostituição. Elas problematizam os regimes anti-tráfico mostrando que utilizam uma linguagem de proteção aos direitos humanos estimulando, paralelamente, ações que reprimem a migração e a prostituição, inclusive em países nos quais ela não é ilegal, oferecendo pouca proteção às pessoas consideradas vítimas deste crime (Kempadoo, 2005KEMPADOO, Kamala. 2005. “From Moral Panic to Global Justice: Changing Perspectives on Trafficking”. In: KEMPADOO, Kamala, SANGHERA Jyoti e PATTANAIK, Bandana : Trafficking and prostitution reconsidered, new perspectives on migration, sex work, and human rights. Boulder: Paradigm. 2005, 247 p. ; Piscitelli, 2013Piscitelli, Adriana. 2013. Trânsitos, brasileiras nos mercados transnacionais do sexo. Rio de Janeiro: Garamond/Eduerj. 279 p. ).

Um dos aspectos que chama a atenção nesses estudos é a continuidade, ao longo das décadas, dos efeitos adversos dessas ações em termos de liberdades individuais e dos direitos dos migrantes, que tem sido tratados como “dano colateral”. Refiro-me à restrição nas mobilidades; detenção de pessoas consideradas vítimas de tráfico em centros para imigrantes; julgamento das supostas vítimas como migrantes/trabalhadoras/es ilegais e inclusive sua repatriação forçada, chegando a colocá-las em risco de vida (Global Alliance Against Traffic in Women, 2007Global Alliance Against Traffic in Women (GAATW). 2007. Collateral Damage. The Impact of Anti-Trafficking Measures on Human Rights around the World,. Bangkok: Global Alliance against Traffic in Women. 277 p. Disponível em: Disponível em: https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/mainsite/microsites/IDM/workshops/ensuring_protection_070909/collateral_damage_gaatw_2007.pdf Consultado em janeiro de 2022.
https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/...
; Piscitelli e Lowenkron, 2015Piscitelli, Adriana e Lowenkron, Laura. 2015. “Categorias em movimento: a gestão de vítimas do tráfico de pessoas na Espanha e no Brasil”. Ciencia e Cultura. vol.67, n.2, pp 35-39. ; Sharapov, Hoff e Gerasimov, 2019Sharapov, K; Hoff, S e Gerasimov, B, 2019. ‘Editorial: Knowledge is Power, Ignorance is Bliss: Public perceptions and responses to human trafficking’, Anti-Trafficking Review. Issue 13, pp. 1-11. ; Anistía Internacional España, 2020Anistía Internacional España. 2020. Cadenas Invisibles. Identificación de víctimas de trata en España. 50 p. Available at Available at https://doc.es.amnesty.org/ms-opac/doc?q=*%3A*&start=0&rows=1&sort=fecha%20desc&fq=norm&fv=*&fo=and&fq=mssearch_fld13&fv=EUR41600020&fo=and&fq=mssearch_mlt98&fv=gseg01&fo=and , consultado em novembro de 2020.
https://doc.es.amnesty.org/ms-opac/doc?q...
).

O material empírico faz parte de um trabalho etnográfico multi-situado, de longa duração, registrado em dezenas de diários de campo. Ele abrangeu a observação numa diversidade de locais, situações e eventos nos dois países. Contei também com a interlocução de trabalhadoras sexuais, de migrantes que realizavam serviços em diferentes setores de atividade, de empreendedores da indústria do sexo e de agentes vinculados a diversas instâncias de governamentalidade. A etnografia foi acompanhada por outros estudos realizados sobre a problemática que ampliaram meus espaços de observação ao propiciar minha vinculação como pesquisadora com instâncias do Estado brasileiro e supranacionais vinculadas às Nações Unidas, o UNODC/ Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e a OIM/Organização Internacional para as Migrações. Parte do material foi colhido coordenando pesquisas para o Ministério da Justiça do Brasil, em parceria com esses organismos, e participando de eventos como integrante da Delegação Oficial do Brasil no exterior. No momento em que elaborei a primeira versão deste texto integrava o CONATRAP, a Comissão Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil, ocupando uma das cadeiras destinadas à sociedade civil como representante da Universidade.

Considerando as relações entre o medo e tráfico de pessoas levanto três pontos. O primeiro remete a um aspecto paradoxal dos regimes anti-tráfico. As pessoas que supostamente deveriam ser protegidas por esses regimes sentem medo, sobretudo, do perigo e as ameaças vinculadas aos efeitos dos regimes do combate ao tráfico de pessoas, que provocam situações por elas percebidas por elas como violência. O segundo ponto é que o medo é uma emoção central acionada na disseminação dos regimes de combate ao tráfico de pessoas. Finalmente, o último é que os objetos que provocam medo não tem sido estáveis ao longo do tempo.

No período considerado, a vítima da exploração sexual continua sendo o emblema imaginário do tráfico de pessoas, mas coexiste com alterações que mantém relações com modificações no campo político do qual esses regimes fazem parte. Nesse sentido, o caso do Brasil oferece elementos “bons para pensar”. Neste país, essas modificações estão vinculadas à alteração no foco das preocupações associadas à problemática, que coincide com a renovação do interesse pelas fronteiras nacionais, principalmente a fronteira norte e uma intensificação da securitização. Nesse processo, importantes instâncias governamentais tem combinado um discurso anti-imigrante combinando o parcial abandono do marco retórico dos direitos humanos com uma ressignificação dessa noção em relação ao combate ao tráfico de pessoas.

Paradoxos

Na produção crítica sobre o tráfico de pessoas, hoje, quase 20 anos após a formulação do Protocolo de Palermo, há uma convergência em considerar que essa noção foi formulada na articulação entre os campos de segurança e migração e que, embora utilize uma retórica de proteção aos direitos humanos, está sobretudo voltado para a criminalização e repressão. Guilherme Dias Mansur (2014MANSUR, Guilherme. 2014. Migração e crime : desconstrução das políticas de segurança e tráfico de pessoas. Tese de doutorado defendida no IFCH, Unicamp, 2014) observa que a escolha de uma estrutura criminal para o tratamento de questões relacionadas à mobilidade humana tem reflexos no delineamento do enfoque e na abordagem das políticas internacionais que tangenciam a questão migratória.

Concordo com isto, mas penso que no processo de expansão global dos regimes de combate ao tráfico de pessoas as articulações entre a criminalização das migrações e os regimes de combate ao tráfico de pessoas tem sido diferenciadas e foram alterando-se em diferentes momentos, em função da posição geopolítica dos países envolvidos e também do estatuto que neles foi sendo concedido aos diversos fluxos de migração internacional. Nesse sentido, uma leitura comparativa contribui para considerar as especificidades dessas alterações no Brasil.

Espanha é um dos países europeus nos quais os regimes de combate ao tráfico de pessoas se disseminaram na imbricação entre políticas migratórias restritivas e disposições legais voltadas para reprimir a prostituição. É um país considerado como moderado, em termos de crimigrações (Guia e Pedroso, 2015GUIA, Maria João e PEDROSO. João . 2015. A insustentável resposta da “crimigração” face à irregularidade dos migrantes. 2015. REMHU, Revista Interdisciplinar de Mobiidade Humana. Vol.23, n.45, pp.129-144. ), das políticas nas quais leis criminais convergem com leis de imigração, com o objetivo de punir e expulsar os imigrantes “construídos” como irregulares3 3 A ideia de crimigração remete à perda progressiva de direitos dos migrantes e à crescente criminalização dos mesmos, com a aplicação simultânea da lei penal a migrantes (que não cometeram crimes) e da lei de imigração a condenados por crimes (com afastamento permanente dos territórios onde estes condenados cometeram os crimes). . No entanto, o país está marcado por um processo de securitização4 4 Refiro-me aos processos em que temas que, politizados passam a serem percebidos como ameaças e questões de segurança (Viana e Silva, 2019), neste caso os fluxos de migrantes não desejados. Nesta acepção, os agentes securitizadores, atores que reivindicam a existência de uma ameaça, podem ser o Estado, organizações, indivíduos, grupos transnacionais. que não pode ser separado daquele que tem envolvido à União Europeia, produzindo a imigração de países pobres do mundo como uma das principais ameaças. Nesse marco, a maior parte das “infrações” relativas à permanência irregular no Estado Espanhol são consideradas graves; os migrantes irregulares estão sujeitos a multas e, além disso, podem ser internados nos temidos Centros de Internamiento de Extranjeros/CIES, na fase prévia à expulsão.

Nesse país, no período anterior à crise econômica que teve início em 2008/2009, quando o país concentrava um dos mais elevados contingentes migratórios extra-comunitários na Europa, havia caçadas aos imigrantes irregulares em estações de trem, rodoviárias, na saída do metro, até na porta de Igrejas. Nesse contexto, brasileiras irregulares circulavam com medo das detenções, com pavor dos internamentos nos CIES e das expulsões. Esse temor vinculado ao perigo e ao risco envolvido na circulação “sem papéis” era ainda mais intenso entre as brasileiras que ofereciam serviços na indústria do sexo, em ocupações estigmatizadas e expostas, por sua visibilidade, a maiores riscos. E observo que, nesse momento, as brasileiras eram muito visíveis na florescente indústria do sexo desse país.

Durante a década de 2000, minhas entrevistadas percebiam a conexão entre as detenções policiais e o seu estatuto migratório irregular. Uma mulher baiana que oferecia serviços sexuais na rua, em Barcelona, narrava que a policia ia dia após dia para o ponto dela, no Raval, região tradicional de prostituição no centro dessa cidade. Segundo ela, quando os policiais calculavam que já fazia três meses que alguma estrangeira estava ai, isto é, que o tempo legal de permanência concedido aos turistas tinha expirado, a detinham, solicitando documentos. Quando a conheci, ela já tinha sido detida, e recebido uma carta de expulsão, mas foi liberada. Continuava trabalhando em seu ponto de prostituição na rua, no Casco Antigo de Barcelona, mas apavorada. Uns meses depois foi novamente detida, internada num CIES e expulsa, sem possibilidade de levar nada com ela. A metade das brasileiras que conheci nesses anos na Espanha, oferecendo serviços sexuais na rua, foi expulsa do país.

Nesse período se considerava que 90% das prostitutas na Espanha eram migrantes, a maioria delas em situação irregular. A retórica envolvendo os controles em espaços voltados para a prostituição era a de proteção dessas migrantes, expostas ao tráfico de pessoas com fins de exploração sexual. O Primeiro Plano Espanhol de combate ao tráfico de pessoas, em vigor a partir de 2007 e as ações policiais provocavam a impressão de que esse controle da prostituição respondia a uma política coerente de repressão pois as supostas vítimas eram rapidamente convertidas em migrantes irregulares a serem expulsas em processos percebidos como extremamente violentos. Observo que penso na violência como uma categoria descritiva, tomando em conta a sugestão de Veena Das (2008DAS, Veena. 2008. “Violence, Gender, and Subjectivity”. Annual Review of Anthropology Vol. 37, p. 283-299. ) de considerar o que está em jogo quando algo é nomeado como violento. E a violência, entre essas trabalhadoras não era vinculada aos clientes, nem às redes de tráfico de pessoas, mas à policia. E a expulsão era para elas expressão máxima da violência.

Na metade da década de 2000, registros de organizações não governamentais, no Brasil e na Espanha, descreviam episódios referendando essas percepções. Em 2005, a Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (ASBRAD), uma ONG que colaborava na recepção de pessoas deportadas em Guarulhos, registrou queixas de maus tratos de brasileiras que foram “pegas” pela policia espanhola quando estavam trabalhando como prostitutas. De acordo com uma delas: “Ao ser encaminhada para a delegacia, sem dinheiro, foi espancada por três pessoas, dois homens e uma mulher. Algemada, teve inclusive a cabeça pisada por eles. Fizeram oferta para que ela cooperasse, mas ela já tinha conhecimento de que outras mulheres que colaboraram foram deportadas”. 5 5 Trecho de relatório baseado em depoimento de deportada brasileira atendida pela organização não governamental ASBRAD em Guarulhos, 13/06/2005. Agradeço a Dalila Figueiredo ter me facilitado esse material.

Minhas interlocutoras viam a violenta movimentação anti-tráfico como parte de uma política para detectar e expulsar migrantes irregulares e para dificultar o trabalho na prostituição. Ao mesmo tempo, consideravam que a policia não protegia as mulheres que eram realmente “escravas”, categoria que associavam sobretudo a nigerianas e a algumas nacionalidades do Leste Europeu.

ONGs na Espanha afirmavam que não havia proteção do governo para aquelas mulheres que, em grave situação de privação da liberdade, entravam em contato com elas dispostas a denunciar os traficantes.6 6 Comunicação de AMBIT DONA, organização não governamental que apoia trabalhadoras do sexo em Barcelona, em entrevista realizada em setembro de 2005. E agentes da polícia de estrangeiros explicavam as expulsões afirmando que só podiam tratar as pessoas como vítimas de tráfico e, portanto, protegê-las, quando elas denunciavam os traficantes7 7 Comunicação pessoal de agente vinculado à polícia de Espanha, durante o Seminário de Formação em Combate ao Tráfico Internacional de Seres Humanos. Auditório do Cedim, 27 de junho de 2005, Rio de Janeiro. . Entretanto, elas deviam denunciar “redes organizadas”, pois a lei que podia interromper a expulsão8 8 Lei Orgánica 4, artigo 59, de 2000. referia-se à “colaboração contra redes organizadas”. Já nesse momento estava claro que parte significativa desses movimentos migratórios era realizada através de redes informais e não de redes criminosas organizadas. E o recente relatório de Anistia Internacional da Espanha (2020)9 9 O relatório denuncia que as autoridades espanholas priorizam o controle da imigração e não a atenção às vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, que elas são vistas como provas para a investigação e não como pessoas que precisam de proteção. Também assinala que das 75.000 pessoas que, segundo o governo, estavam em risco de tráfico para exploração sexual entre 2013 e 2019, apenas 1000 foram identificadas como vítimas, isto é, como pessoas com direito a proteção. sobre o combate ao tráfico de pessoas nesse país impressiona por assinalar continuidades com as características desse enfrentamento que apontei dez anos antes estudando a situação de brasileiras migrantes nesse país. Acho, porém, que o Brasil oferece um contraponto marcado por descontinuidades.

Uma leitura de como tem operado os regimes de combate ao tráfico de pessoas em países europeus, sugere que esses regimes foram engendrados, no âmbito das Nações Unidas, numa articulação com medidas de securitização e se expandiram articulados à criminalização das migrações. Mas, acompanhar o desenvolvimento destes regimes em países fora da Europa mostra que eles seguiram caminhos diversificados e nem sempre vinculados à repressão à imigração irregular. Esse é o caso de Argentina, na América Latina, no qual o combate ao tráfico de pessoas tem estado inteiramente voltado para uma cruel repressão à prostituição e, recentemente, para o controle da circulação dos jovens dentro do país, a partir de relações estabelecidas no debate público entre tráfico de pessoas e desaparições (Varela, 2013Varela, Cecilia Ines. 2013. “Del tráfico de las mujeres al tráfico de las políticas. Apuntes para una historia del movimiento anti-trata en la Argentina (1998-2008).” PUBLICAR-En Antropología y Ciencias Sociales, n 12, pp. 35-64. ).

Nesse sentido, o caso do Brasil mostra aspectos diferenciados. Neste país a agenda do tráfico de pessoas foi engendrada de fora para dentro, num processo estimulado por demandas externas, supranacionais e internacionais, a partir do Escritório de Nações Unidas para Drogas e Crime, a Organização dos Estados Americanos, a Organização Internacional do Trabalho, e o governo dos Estados Unidos. A partir da ratificação do Protocolo de Palermo, a agenda pública de combate ao tráfico de pessoas tem estado marcada por uma heterogeneidade de noções e posições, vinculada, em parte à participação de diferentes grupos de interesse que foram envolvendo-se no debate, por diversas compreensões da problemática do tráfico de pessoas e diferentes atuações estatais que foram variando ao longo do tempo.

A intensificação do debate sobre o tema coincidiu com uma fase de incremento da emigração brasileira para nações “ricas”10 10 Em termos do tráfico interno, ou doméstico, a principal preocupação estava voltada para o tráfico associado à exploração sexual de crianças e adolescentes. . Nesse momento adquiriram visibilidade os deslocamentos para trabalhar na indústria do sexo no exterior, principalmente na Europa. A maior parte das estratégias políticas nacionais anti-tráfico foi desenvolvida a partir de projetos de cooperação internacional voltados sobretudo para a prevenção e o controle da emigração de brasileiras/os para o exterior promovidos e, em grande parte, financiados por agências multilaterais e organizações internacionais dos países do Norte11 11 Como o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC) e a organização europeia ICMPD (International Centre for Migration Policy Development). Um dos principais financiadores destes projetos é a Comissão Europeia, uma das principais instituições da União Europeia. O recente interesse desses financiadores nas fronteiras brasileiras e as linhas dos projetos que apoiam sugerem, porém, que há um crescente interesse nessas políticas no ingresso de imigrantes estrangeiros. . Nesse marco, nesse período, ações policiais “preventivas” incluíram medidas que interferiram na mobilidade de brasileiras consideradas pobres, racializadas, e tidas como potenciais prostitutas ao exterior. Essas ações sugerem que, acionando a retórica de proteção das vítimas brasileiras, o país estava respondendo a demandas de processos de securitização externos, visando a defender as fronteiras europeias. Essas atuações policiais foram acompanhadas por intensas ações repressivas à prostituição no país (Blanchette, Murray e Luvolo, 2014Blanchette, Thaddeus, Murray, Laura e Ruvolo, Julie. 2014. “Sobre futebol e pânicos morais no Rio de Janeiro durante a Copa do Mundo 2014. Percurso Académico. Vol. 4, n 8, p. 188-209.).

Esse processo foi legitimado e alimentado acionando uma dimensão coletiva e cíclica (Delumeau, 2012Delumeau, J. 2012.El miedo en Occidente: (Siglos XIV-XVIII). Una ciudad sitiada. Madrid: Taurus. 640 p. ) do medo. Evocando os perigos associados ao tráfico de mulheres, no passado, em outro período marcado pela intensificação da migração, (Schetini, 2006Schettini, Cristiana. 2006. Que tenhas teu corpo: uma história social da prostituição no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 264 p. ), esse medo esteve associado, sobretudo, aos riscos envolvendo as mulheres tidas como vulneráveis ao tráfico com fins de exploração sexual.

Medo e sensibilização em relação às vítimas de tráfico de pessoas

Em 2004, quando o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo, estava em curso uma importante fase em termos da conformação dos regimes anti-tráfico no país. Nela foi organizada a arquitetura estatal voltada para o combate a esse crime. O Ministério de Justiça e diversos estados criaram unidades anti-tráfico. Foi formulada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas e preparados os primeiros planos de trabalho. Paralelamente foram estabelecidas parcerias com agências multilaterais e com a sociedade civil. Nesse processo, diversas instâncias de governamentalidade foram gradualmente integrando-se nos regimes anti-tráfico, incluindo organizações não governamentais e articulações religiosas, católicas e evangélicas. Nesse âmbito, houve um substantivo investimento em eventos, cursos e campanhas voltados para a disseminação da preocupação sobre a problemática.

O termo utilizado para referir-se a essas campanhas no âmbito público foi “sensibilização”, uma palavra que remete à ativação de afetos e valores. Esse entrelaçamento, de acordo com Fassin (2014Fassin, Didier. 2014. “Introduction”, In: Fassin, Didier e Lézé, Samuel (ed.) Moral Anthropology, a Critical Reader. New York: Routledge, pp. 1-13), acompanha a expansão do discurso dos direitos humanos como questão moral nas sociedades contemporâneas. Trata-se de uma questão configurada por diversas camadas de significado, na convergência entre preocupações éticas e imagens, termos e palavras recorrentes. Blanchette e da Silva (2018BLANCHETTE, T. G., SILVA, A.P. 2018. “A vítima designada. Representações do tráfico de pessoas no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol 33, n 98.) chamam a atenção para a relevância da mídia nesse processo, no Brasil. De acordo com os autores, nesse momento, com poucos casos revelados, o tráfico parece ter sido socialmente construído como fenômeno midiático.

Nesse movimento, o tráfico com fins de exploração sexual adquiriu particular relevância. O crime de tráfico de pessoas, de acordo com o Protocolo de Palermo e, a partir de 2016, com a nova lei de tráfico brasileira12 12 Lei 13.344, sancionada em outubro de 2016. , envolve o deslocamento mediante ameaça, coação, fraude ou abuso com fins de exploração em diferentes atividades, em regime de servidão, trabalho em condições análogas à escravidão, exploração sexual, além da extração de órgãos e adoção ilegal. A partir dessa formulação, no Brasil, o elevado número de casos de trabalho em condições análogas à de escravo envolvendo sobretudo homens, vem modificando os dados sobre o sexo das vítimas. Entre 2018 e 2020, os dados da Polícia Federal indicam que 63,5% das vítimas eram homens, 20,6% mulheres e16% crianças (MJSP, 2021). No entanto, a mulher vítima de exploração sexual tem mantido um lugar estável como emblema imaginário desse crime. Uma imagem em uma matéria da mídia publicada em 2022, mostrando as pernas de uma mulher de saltos altos e acorrentada nos tornozelos, aludindo a trabalho em condições análogas à escravidão de homens contratados mediante fraude no Maranhão para trabalharem como carpinteiros no Rio Grande do Sul oferece um exemplo.13 13 https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-02/pf-deflagra-operacao-falsas-promessas-para-combater-trafico-de-pessoas#:~:text=Publicado%20em%2009%2F02%2F2022,no%20Rio%20Grande%20do%20Sul.&text=Para%20enganar%20as%20v%C3%ADtimas%2C%20os,contrato%20ainda%20em%20solo%20maranhense, consultado em 10 de fevereiro, 2022.

A centralidade dessa imagem nas campanhas no Brasil replica a relevância a ela concedida no plano internacional (Sharapov, Hoff e Gerasimov, 2019Sharapov, K; Hoff, S e Gerasimov, B, 2019. ‘Editorial: Knowledge is Power, Ignorance is Bliss: Public perceptions and responses to human trafficking’, Anti-Trafficking Review. Issue 13, pp. 1-11. ). Talvez porque, como em campanhas voltadas para outros crimes vinculados à violência sexual, acione uma ideia de vulnerabilidade eficaz em termos do acionamento das emoções que viabilizam a constituição de uma causa social (Lowenkron, 2015Lowenkron, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: A construção da pedofilia em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Eduerj. 453 p.). Nas emoções acionadas no combate ao tráfico de pessoas, o medo adquire um lugar de destaque.

Em seu belo livro sobre a invenção dos direitos humanos Hunt (2009Hunt, Lynn. 2009. A invenção dos direitos humanos. Uma História. São Paulo: Companhia das Letras. 285 p. ), ressalta que a expansão desse ideário está vinculada a uma educação sentimental, iniciada em países europeus na segunda metade do século XVIII com a difusão dos romances. Essa educação suscitaria empatia, uma prática cultural incorporada em dimensões físicas e emocionais, permitindo imaginar que outra pessoa é como nós. Nesse ponto vale considerar as reflexões de Rorty (1995Rorty, Richard. 1995 . “ Derechos humanos, racionalidade y sentimentalismo ”. Praxis Filosófica, Ética y Política . N. 5, pp 1- 20. ) sobre a relação entre a “cultura eurocêntrica dos direitos humanos” e a educação associada à escuta de narrativas tristes e sentimentais. Para o autor promover essa educação sentimental é importante para expandir o ideário dos direitos humanos no momento atual, porque ela contribui para dotar os “outros” de humanidade. Ela possibilitaria que as pessoas acreditem que aqueles percebidos como diferentes são seres humanos, semelhantes. Essas narrativas manipulariam os sentimentos de maneira que ao ouvir essas histórias fosse possível imaginar estar na pele dos menosprezados e oprimidos.

Essa proposta foi amplamente acionada nas campanhas pedagógicas de sensibilização em relação ao tráfico de pessoas no Brasil. Nesse movimento, o medo aparece de maneira evidente nas alusões ao tráfico com fins de exploração sexual, associado a noções de perigo e risco (Rezende e Coelho, 2010) que ameaçam sobretudo às mulheres e é materializado na imagem da vítima desse crime. Várias análises foram realizadas sobre as imagens mediante as quais essa figura é difundida, utilizadas principalmente em campanhas preventivas, com o duplo objetivo de sensibilizar a população para esse drama e de alertá-la para o perigo que ele apresenta (Blanchette e Silva, 2018BLANCHETTE, T. G., SILVA, A.P. 2018. “A vítima designada. Representações do tráfico de pessoas no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol 33, n 98.).

Na história recente da constituição dos regimes de combate ao tráfico de pessoas no Brasil, há imagens aludindo a esse crime anteriores à criação da arquitetura estatal para combate-lo. Uma primeira série foi produzida por ONGs feministas. São imagens racializadas que acompanham histórias com o fim de alertar as mulheres envolvidas no turismo sexual dos perigos de tráfico de pessoas presentes nos relacionamentos com estrangeiros. No entanto, esse perigo é destacado de maneira lúdica.


Imagem produzida por uma ONG do Nordeste na década de 1990

O teor das imagens passou por alterações radicais no âmbito da conformação e consolidação do que Blanchette e da Silva (2018BLANCHETTE, T. G., SILVA, A.P. 2018. “A vítima designada. Representações do tráfico de pessoas no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol 33, n 98.) chamam de campo político anti-tráfico. A partir de 2004/2005 e até a metade da década de 2010, parte das imagens que tem circulado no Brasil, produzidas no país e no exterior, apresentam aspectos reiterativos14 14 A partir desse período as imagens produzidas pelo Ministério da Justiça se tornaram mais diversificadas em termos de gênero e se distanciam dessas características, no entanto, imagens análogas às descritas continuam sendo produzidas por outras instâncias governamentais. Para uma análise detalhada dessas imagens no Brasil ver: Blanchette e Da Silva, 2018. , o que faz sentido considerando, como afirmam esses autores, que muitas dessas imagens são recicladas por várias organizações desse campo. Trata-se de imagens de corpos feminilizados que evocam a ideia de prisão, escravização, mercantilização, impotência, desamparo e incapacidade de reagir. Pode ser uma mulher amordaçada, prisioneira dentro de uma mala, atrás de grades ou amarrada com correntes ou a imagem de uma mulher de tamanho minúsculo, sendo vendida como um produto de super-mercado. O corpo feminino, como objeto semiótico, aciona a capacidade generalizada que o corpo tem de suscitar identificação com outros corpos que, segundo French (1994FRENCH, Lindsay. 1994. “The political economy of injury and compassion: amputees on the Thai- Cambodia border”. In: Csordas, Thomas J. (ed.). Embodiment and experience: the existential ground of culture and self. Cambridge: Cambridge University Press, 308 p.), o torna um poderoso instrumento de identificação. A sensibilização é intensificada pelas alusões à impotência e ao medo sentido pelas vítimas, que se evidencia nas posturas corporais, na expressão dos rostos e à dor, visível em suas lágrimas.

Essa feminilização, porém, tem sido muitas vezes produzida através de uma significativa sexualização dos corpos, um procedimento visível no âmbito global. Uma análise interessante sobre essas figuras foi realizada por Rutvica Andrijasevic que, considerando as técnicas utilizadas nas campanhas da Organização Internacional das Migrações no leste de Europa no início da década de 2000, identifica estratégias representacionais e elementos comuns que, observo, são reiterados até hoje.

A autora chama a atenção para como construções altamente estereotipadas de feminilidade acompanham uma intensa erotização dos corpos femininos. Seu argumento é que as representações da violência são violentas em si mesmas pois, apresentando uma ideia de feminino vinculada a um objeto passivo, confirmam os estereótipos existentes sobre as mulheres do Leste Europeu. Além disso, separam os corpos dos contextos históricos nos quais o tráfico tem lugar.

Um ponto a ser destacado é que na tentativa de produzir medo alertando para o perigo, essas imagens apresentam um aspecto recorrente na construção de causas que utilizam de alguma maneira a pornografia para provocar um impacto emotivo através da utilização de imagens (Lowenkron, 2015Lowenkron, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: A construção da pedofilia em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Eduerj. 453 p.). O paradoxal é que a obscenidade que se busca controlar e reprimir e que dota as imagens de certa ambiguidade, se torna a principal estratégia de sensibilização para a causa. No caso do combate ao tráfico de pessoas com fins de exploração sexual essas imagens circulam em um campo político que aciona o sofrimento para suscitar compaixão e indignação, promovendo a construção da causa. E a evocação de corpos mudos, indefesos e violados apela, nos termos de Sabsay (2016Sabsay Leticia. 2016. “Permeable Bodies. Vulnerability, Affective Powers, Hegemony”. In: Butler, Judith, Gambetti, Zeynep e Sabsay Leticia . (Eds) Vulnerability in Resistance, Durham: Duke University Press. 336 p.) a respostas afetivas.

Nesse sentido, o episódio que presenciei em um seminário governamental15 15 Simpósio Internacional sobre Tráfico de Pessoas, Auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Goiânia, 18/05/2012. em Goiânia em 2012 é significativo. Desde o início foi anunciado ao público que na plateia estava presente o pai de uma mulher considerada uma das primeiras brasileiras assassinadas na Espanha pelas redes de tráfico, 20 anos antes, num hospital de Bilbao, segundo o laudo, por overdose de medicamentos. Na parte final do evento, o senhor, um músico então com 77 anos foi chamado ao microfone. Com voz trêmula, narrou detalhadamente a história de enganos e maus tratos aos quais foi submetida a filha.

Ele perguntou: “Por que minha filha sofreu tanto? E acionando noções de feminilidade relacionais tidas como positivas comentou: “Todo dia nossas meninas, filhas e mães, seguem sendo maltratadas e abandonadas no exterior; enquanto aqui recebemos as pessoas de fora tão bem! Nossas meninas são mães, são filhas, e nasceram para serem companheiras dos homens, não para serem humilhadas”. O acionamento desses atributos é significativo considerando, como observam Rezende e Coelho (2010)16 16 Seguindo as formulações de Candace Clark. , que a lógica regendo o dar e receber compaixão em certos contextos segue o critério da responsabilidade pelo infortúnio e cria fronteiras morais entre aqueles representados como merecedores de compaixão e os considerados como responsáveis por suas desventuras.

Quando a plateia já estava bastante comovida, o senhor pediu licença para cantar uma música em homenagem à filha. Era uma música popular brasileira que repetia o nome de uma mulher. Ele cantava trocando esse nome pelo da filha. E cada vez que tentava dizê-lo, a voz quebrava, arrancando lágrimas de muitas das pessoas que lá estavam ouvindo. Uma das organizadoras do evento comentou que ao chegar nessa parte ela sempre se emocionava, aludindo à reiteração dessa performance emocional e, simultaneamente, à sua eficácia.

Este relato remete à importância adquirida pelo testemunho pessoal que, segundo Jimeno (2010Jimeno, Myriam. 2010. “Emoções e política: a vítima e a construção de comunidades emocionais”. Mana. 2010, v. 16, n. 1, pp. 99-121. ), numa linguagem eminentemente emocional, cria laços entre pessoas diversas. Ele teria efeitos políticos, como mediador simbólico entre experiência subjetiva e generalização social. Na disseminação dos regimes de combate ao tráfico de pessoas, principalmente do tráfico com fins de exploração sexual, esse efeito é produzido acionando o medo, que faz parte de uma trama de emoções mais ampla, em uma pedagogia política dos sentimentos.

Trabalhos recentes apontam para a ineficácia dessas narrativas em termos de evitar ou diminuir o tráfico de pessoas (Sharapov, Hoff e Gerasimov, 2019Sharapov, K; Hoff, S e Gerasimov, B, 2019. ‘Editorial: Knowledge is Power, Ignorance is Bliss: Public perceptions and responses to human trafficking’, Anti-Trafficking Review. Issue 13, pp. 1-11. ). Os motivos são diversos. Esses relatos, disseminados também em filmes e até em jogos de computador (O’Brien e Berent, 2019O’Brien, Erine, Berents, Helen. 2019. “ Virtual Saviours: Digital games and anti-trafficking awareness-raising”. Anti-Trafficking Review . Issue 13, pp. 82-99. ), tendem a ser simplificados e universalizantes, apresentando apenas um tipo de tráfico, com fins de exploração sexual, uma única situação, de aprisionamento, e um modelo de vítima, feminina, estereotipada e carente de agência. Paralelamente, a linguagem da compaixão obscurece as circunstâncias materiais e as estruturas de poder que envolvem a problemática (French, 1994FRENCH, Lindsay. 1994. “The political economy of injury and compassion: amputees on the Thai- Cambodia border”. In: Csordas, Thomas J. (ed.). Embodiment and experience: the existential ground of culture and self. Cambridge: Cambridge University Press, 308 p.). Finalmente, os relatos que suscitam indignação, dividindo os protagonistas em vítimas e algozes, estão distantes de mostrar que o tráfico humano é, antes que nada, um problema vinculado à (in)justiça social e econômica e aos direitos humanos, profundamente ancorado no passado colonial. E, no momento atual, está sustentado por estruturas neoliberais de exploração e por pesadas e violentas restrições nas liberdades individuais.

Nesse ponto, Sharapov, Hoff e Gerasimov (2019Sharapov, K; Hoff, S e Gerasimov, B, 2019. ‘Editorial: Knowledge is Power, Ignorance is Bliss: Public perceptions and responses to human trafficking’, Anti-Trafficking Review. Issue 13, pp. 1-11. ), dão o exemplo da imagem de mulheres e meninas amarradas no assento traseiro de um carro, com as bocas tampadas, utilizada para consolidar o imaginário público de uma emergência nacional na fronteira entre Estados Unidos e México. Os autores chamam a atenção para a importância de perceber como essas narrativas são produzidas e manipuladas por agentes com posições de poder político e econômico para desenhar a agenda de combate a esse crime. Nesse caso, o objetivo seria garantir apoio público e fundos para erigir o muro na fronteira, protegendo o país de uma invasão de migrantes da América Latina em busca de asilo.

Securitização

O período recente apresenta no Brasil um quadro particular, no qual vemos acionar outra dimensão do medo no combate ao tráfico de pessoas, vinculado à securitização no plano nacional. Ao longo dos anos, no Brasil, os regimes de combate ao tráfico de pessoas tem acionado uma constante repressão ao sexo comercial e, a partir da formulação da nova lei do tráfico, vinculando-o ao trabalho em condições análogas à escravidão. Paralelamente, esses regimes se disseminaram chegando até lugares considerados remotos e respondendo cada vez mais a lógicas locais e aos interesses de diferentes agentes, em processos nos quais a linguagem do tráfico foi sendo apropriada de maneiras diversificadas. Nesse processo, um dos traços marcantes dessa disseminação, a partir da década de 2010, é a vinculação desse crime com a migração chegando ao Brasil. Essa inquietação esteve voltada sobretudo para os riscos apresentados por migrantes originários de partes “pobres” do mundo com destaque, em certo momento, para o Haiti e depois para Venezuela. Nesse contexto, o controle das fronteiras foi adquirindo crescente relevância em planos locais (Olivar, 2015Olivar, José Miguel Nieto. 2015.O dia que o tráfico chegou na fronteira.Sobre a construção capilar do “tráfico” como um dispositivo compósito de governamentalidade em Tabatinga (AM). Texto apresentado no I Seminário Trânsitos, crime e fronteiras, Unicamp, Campinas. ) e estatais.

A reelaboração do interesse nas fronteiras tornou-se visível em novos esforços estatais voltados para a gestão de circulação e trânsito entre países vizinhos, particularmente na região amazónica, por onde tem chegado fluxos de migrantes não desejados, marcada por um discurso que considera a suposta ausência do Estado um fator que torna as populações locais mais vulneráveis ao tráfico de pessoas. Isto se acentuou no momento de migração massiva de venezuelanos, fugindo da crise em seu país. Cidades no Norte do Brasil, como Boa Vista, passaram a ser consideradas como em emergência social, devido ao elevado número de venezuelanos e ao crescimento de demandas em saúde e apoio social. E a mídia alimentou a xenofobia destacando que muitos se tornavam sem-teto, e alguns “recorreriam a crimes, como a prostituição”, acrescentando problemas com a lei aos desafios sociais17 17 ESPECIAL-Onda de imigrantes da Venezuela pode gerar crise humanitária em Roraima, 11/12/2015, in : https://www.terra.com.br/noticias/mundo/especial-onda-de-imigrantes-da- venezuela-pode-gerar-crise-humanitaria-em-roraima,7aa52e6c403185aabae4a38c8b3617c98oyyfg1o.html .

Nesse contexto, o debate sobre tráfico de pessoas continuou se disseminando a partir de setores do Estado18 18 Ver declarações de Alexandre de Morais, na Istoé 16/11/2016 envolvidos em medidas e planos para o fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e da repressão aos delitos transfronteiriços.19 19 Nesse contexto, reapareceram com força as instâncias supra-nacionais para reforçar a atuação do governo brasileiro no combate ao tráfico de pessoas. Em abril de 2017, foi lançada a Ação Global para Prevenir e Combater o Tráfico de Pessoas e o Contrabando de Migrantes, a GLO.ACT, que é uma iniciativa conjunta da União Europeia e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e que visa a reforçar a resposta da justiça penal em 13 países de África, Ásia, Europa Oriental e na América Latina, no Brasil e na Colômbia, Bielorrússia, Brasil, Colômbia, Egito, Quirguistão, Mali, Marrocos, Nepal, Nigéria, Paquistão, República Democrática Popular do Laos e Ucrânia. Levando em conta que a preocupação pela ameaça migratória é muitas vezes associada a linhas de extrema direita (Brown, 2020Brown, Wendy. 2020. Nas ruínas do neoliberalismo. A ascenção da política antidemocrática em ocidente. São Paulo: Editora Politéia. 254 p. ), é importante assinalar que no Brasil a re-elaboração da preocupação pelas fronteiras foi materializada no governo da presidenta eleita Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores, na implantação do Programa de Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras/ENAFRON, em 201120 20 DECRETO Nº 7.496, DE 8 DE JUNHO DE 2011. Esse Programa foi substituído no atual governo pelo Programa de Proteção Integrada de Fronteiras DECRETO Nº 8.903, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2016 , operacionalizado nos 11 estados brasileiros que fazem fronteira com países de América do Sul21 21 Argentina, Paraguai e Uruguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. .

O decreto de instituição desse programa alude aos delitos transfronteiriços e praticados na faixa de fronteira brasileira, sem mencionar nenhum deles de maneira específica22 22 O Programa refere-se especificamente à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira. . No entanto, o combate ao tráfico de pessoas em regiões de fronteira, uma antiga reivindicação de organizações governamentais e de instâncias do governo vinculadas à defesa dos direitos humanos, adquiriu relevância no âmbito desse programa. Ele se tornou objeto de um projeto pedagógico específico23 23 Ver: Projeto pedagógico de curso de enfrentamento ao tráfico de pessoas para o Plano Nacional de Fronteira - ENAFRON, Brasília, 2013, in: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/formacao-em-etp/anexos/proj-pedag-enafron.pdf, consultado em março de 2022. , que é interessante mostrando como, na implantação do ENAFRON, a securitização se articulou com os empreendimentos humanitários.

Esses empreendimentos tem sido questionados considerando que demandam ajuda para compensar a penúria e violência às quais estão sujeitas certas populações, mas contribuem de maneira indireta para a perpetuação de um ciclo vicioso. Nos termos de Sabsay (2016Sabsay Leticia. 2016. “Permeable Bodies. Vulnerability, Affective Powers, Hegemony”. In: Butler, Judith, Gambetti, Zeynep e Sabsay Leticia . (Eds) Vulnerability in Resistance, Durham: Duke University Press. 336 p.), isto acontece porque o humanitarismo não questiona as causas que produzem distribuições diferenciadas de vulnerabilidades. No lugar de questionar essas distribuições em termos políticos, ele moraliza as demandas de ajuda através do apelo ao sofrimento das vítimas. O efeito é despolitizar situações de potencial demanda por direitos, transformando-as em necessidades humanas que requerem gestos de caridade e bem feitores. E, o que é mais grave, o humanitarismo pode participar na expansão do poder exercido sobre as populações declaradas em necessidade de proteção, porque a vulnerabilidade atribuída a essas populações se torno o terreno de sua regulação e controle. Este último ponto se torna evidente quando o problema em termos de securitização é a ameaça migratória.

O projeto pedagógico vinculado ao ENAFRON oferece carne empírica para mostrar essa ambiguidade que marca a articulação entre securitização e humanitarismo. A lógica da securitização alimenta o projeto, no qual o tráfico de pessoas é apresentado como um dos “conflitos” inerentes às fronteiras. Conjuntamente com o tráfico de drogas e de armas e o contrabando de pessoas, conformaria as “vulnerabilidades” inseparáveis das fronteiras em um contexto de migrações regidas pela lógica do processo de globalização. Para responder a essas vulnerabilidades, o projeto apresenta traços humanitários, na medida em que está voltado para reconhecer, identificar e encaminhar vítimas e potenciais vítimas do tráfico de pessoas. A questão é que, embora se reconheça as vítimas como sujeitos de direitos, o projeto está voltado para as necessidades da segurança pública, como a identificação dos crimes conexos ao tráfico de pessoas, para a consideração dos requisitos legais que tornam os testemunhos de valor probatório e para as técnicas especiais de inteligência aplicadas na investigação de organizações criminosas.

No período pós-impeachment da presidenta Dilma, foi implementado um novo programa integrado de proteção das fronteiras,24 24 DECRETO Nº-8.903, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2016 para fortalecer a prevenção, o controle e a repressão de crimes transfronteiriços25 25 Ver declarações de Alexandre de Morais, na Istoé 16/11/2016 . Um ponto importante é que ele não aparece vinculado às preocupações de proteção das vítimas de seres humanos que permearam a versão anterior. Nesse contexto, o discurso público governamental sobre tráfico de pessoas centrado nas fronteiras foi tomando distancia da retórica dos direitos humanos diluindo as ambiguidades entre securitização e humanitarismo, em um procedimento no qual a securitização tende a operar como termo inteiramente englobante.

Alguns exemplos dessa diluição são oferecidos pela apresentação, no discurso público de certas entidades do Estado, da luta contra os crimes na fronteira como o principal aspecto vinculado ao tráfico de seres humanos no país. Nesse sentido, o discurso público governamental das ações dos Programas nas fronteiras é sugestivo. Uns anos atrás, instâncias do governo brasileiro afirmavam o caráter humanitário e de defesa dos direitos humanos das vítimas presente nas políticas do combate ao tráfico de pessoas no país, contrastando positivamente essas políticas em relação às dos países do Norte Global. Mas, ao tratar da segurança nas fronteiras, as apresentações públicas dos discursos governamentais e as imagens que acompanham esses textos remetem sobretudo à ideia de combate, de guerra.

Escolhi uma, entre as muitas matérias da mídia digital relacionadas ao Programa de Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron) que remetem a diferentes ações das unidades especializadas de Fronteira no país. 26 26 Essas capacitações são desenvolvidas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), através do Programa Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron), com apoio do Departamento de Pesquisa, Análise de Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública. . Ela se refere à 11ª. versão da Operação Ágata na Amazônia brasileira, realizada em junho de 201627 27 http://www.amazonianarede.com.br/exercito-brasileiro-faz-mais-uma-operacao-agata-nas-fronteiras/14/06/2016 . Segundo a matéria à qual ela está vinculada, essa versão teve a particularidade de integrar, além das Forças Armadas brasileiras, as forças militares da Guiana Inglesa e da Venezuela. De acordo com ela, o comandante Militar da Amazônia destacou a importância da parceria e o fortalecimento das ações de fiscalização nas áreas de fronteira afirmando que: “O ilícito, o crime e o mal não tem bandeira”. 28 28 Forças Armadas ocupam Amazônia durante a Operação Ágata 11 | Cotidiano | Acritica.com | Amazônia - Amazonas - Manaus, 18/06/2016 E a imagem mostra diversos policiais armados rendendo um civil sem camisa.


Operação Ágata na Amazônia brasileira, junho de 2016

A tendência a desvincular a retórica da proteção dos direitos humanos do combate aos ilícitos transfronteirizos intensificou-se no atual governo, acentuando-se durante a pandemia de COVID-19, no âmbito do Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (VIGIA). Trata-se de um dos projetos estratégicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, instaurado em abril de 2019, com o fim de reduzir a vitalidade financeira das organizações criminosas. Ele mostra como, desde março de 2020 o processo de securitização articulou oficialmente preocupações sanitárias, uma vez que a retórica do enfrentamento à disseminação do novo coronavírus envolveu barreiras sanitárias em cidades fronteiriças, com restrições de entradas no país29 29 Ministério de Justiça e Segurança Pública: Vigia: Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas complete um ano de atuação com resultados expressivos, 14/04/2020. In: v.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/vigia-programa-nacional-de-seguranca-nas-fronteiras-e-divisas-completa-um-ano-de-atuacao-com-resultados-expressivos-1 .

As apresentações públicas dos discursos governamentais sobre as fronteiras continuam marcadas pela ideia de guerra, com militares vestindo roupas verdes de camuflagem e portando armas de maneira ostensiva. Trata-se dos registros de ações contra o crime organizado, especialmente contra o tráfico de entorpecentes, percebido com intensificando-se durante a pandemia. De acordo com um dos militares entrevistados em uma matéria sobre o tema: “mula não faz quarentena”.30 30 Fábio Pontes. “Questões da fronteira. Mula não faz quarentena” Em tempos de epidemia, fronteira fechada no Acre reduz,mas não interrompe tráfico de drogas. Piauí. 28/04/2020, in: https://piaui.folha.uol.com.br/mula-nao-faz-quarentena/ consultado em agosto de 2020.

Essa ideia é referendada pela segunda imagem que escolhi, mostrando duas pessoas camufladas e armadas, apontando para um alvo. Ela acompanha uma matéria disseminada pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná anunciando o encerramento de um ciclo de cursos pelo Batalhão de Polícia de Fronteira em novembro de 2020. Esse treinamento constante seria necessário por conta da região ser um ponto de constantes operações contra crimes transfronteirizos31 31 Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar. BPFron conclui ciclo de capacitações com encerramento da 8 a edição da INC-FRON. 10/11/2020https://www.seguranca.pr.gov.br/Noticia/BPFron-conclui-ciclo-de-capacitacoes-com-encerramento-da-8a-edicao-da-INC-FRON .

Nesse destaque à repressão ao crime, a retórica humanitária não tem desaparecido completamente. Ela aparece na proposta de combater ao tráfico de pessoas nas fronteiras, apoiada pelo Escritório de Nações Unidas contra as Drogas e o Crime, apresentada como forma de repressão à exploração de venezuelanos32 32 UNODC: Programa TRACK4TIP, iniciativa de combate ao tráfico de pessoas, in: http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/programa-track4tip.html, consultado em novembro, 2020. . E é também registrada aludindo à ação militar na Operação Acolhida, que organiza a chegada de venezuelanos pela fronteira de Pacaraima, no estado de Roraima e a interiorização desses migrantes e é coordenada pelo governo federal, com apoio de entidades sociais (Vasconcelos, 2020Vasconcelos, Iana dos Santos. 2020. “Entre acolher e manter a ordem: notas etnográficas sobre a gestão das forças armadas brasileiras nos abrigos para venezuelanos/as solicitantes de refúgio em Boa Vista-RR”. In: MACHADO, Igor. (Ed.) Etnografias do refúgio no Brasil. São Carlos: EdUFSCar. 210 p. ). Apesar disso, a forte marca da noção de direitos humanos no combate ao tráfico de pessoas parece dissolver-se gradualmente em um contexto político no qual, como observa Gabriel Feltran (2020Feltran, Gabriel. 2020. “The revolution we are living” Preprint, The Society for Ethnographic Theory. DOI:https://doi.org/10.1086/708628
https://doi.org/10.1086/708628...
), a disputa pela hegemonia da extrema direita no país envolve o ataque a direitos, inclusive básicos. E esse ataque coexiste com uma exacerbação do caráter problemático atribuído aos estrangeiros de regiões “pobres”.

O sugestivo destas imagens, quando comparadas com as das vítimas de tráfico com fins de exploração sexual é que elas acionam uma dimensão do medo distanciada das vítimas e inteiramente vinculada aos invasores, aos “outros” que chegam através da fronteira, que devem ser controlados mediante a guerra. Vale aqui pensar no medo, nos termos de Sara Ahmed, como uma política afetiva que visa “preservar” através do anúncio de uma ameaça à vida, não já daquelas “meninas vulneráveis”, mas da nação, e que possibilita perceber como as narrativas sobre a crise operam para acionar as normas sociais. Sara Ahmed está pensando de maneira específica na figura do terrorista internacional, mas poderíamos pensar na figura dos indesejados invasores estrangeiros que chegam do país vizinho.

Considerações Finais

Neste texto mostrei como o medo, indissociavelmente vinculado ao contexto político de progressiva desestabilização de direitos, que aparece dissociado da compaixão, parece operar como um indicador de uma virada política. Se até certo momento o discurso público do Estado e os dos movimentos sociais convergiram, nesse novo contexto político de progressiva desestabilização de direitos, que se agudizou durante o atual governo, esses discursos divergem e o do Estado nos conduz a perguntas diferentes das que teríamos colocados anos atrás. Quero dizer, agora devemos nos perguntar quais serão os efeitos da operacionalização da luta contra o tráfico de pessoas em um momento no qual, em certos âmbitos governamentais, essa luta parece adquirir o significado principal de combater o crime nas fronteiras, fora do parâmetro ambíguo da defesa dos direitos humanos.

No Brasil, como em outros países, pesquisadores críticos da expansão dos regimes de combate ao tráfico de pessoas tem considerado os problemas vinculados não apenas a esses regimes mas ao marco dos direitos humanos no mundo contemporâneo. A ideia é que, como observa Elizabeth Bernstein (2010Bernstein, Elizabeth. 2010. “Militarized Humanitarianism Meets Carceral Feminism: The Politics of Sex, Rights, and Freedom in Contemporary Antitrafficking Campaigns.”Signs36, no. 1, p. 45-71.), ele opera como manifestação de um sistema de controle, disparado para reproduzir formas de violência e no caso do tráfico de seres humanos, frequentemente traduzido como prostituição, particularmente contra as mulheres e os seres feminilizados.

Até pouco tempo atrás, questionávamos a relação entre humanitarismo e securitização, e a aliança entre o governo brasileiro e outros governos de “países ricos”, tendo como referencia a violência a qual estavam sujeitas pessoas brasileiras, ao serem impossibilitadas de embarcar para o exterior no Brasil e também ao serem detidas por serem “vítimas” do tráfico de pessoas no exterior, como no caso da Espanha, encarceradas, às vezes fisicamente maltratadas e depois deportadas.

No caso das regiões de fronteira, nos impressionava a escassa atenção governamental para as diversas dimensões de violência, marcada por gênero, etnicidade, idade e nacionalidade. Uma violência que, na forma de estupro, se voltava para meninas indígenas que se deslocavam às cidades e, na forma de violência obstétrica, torturava estrangeiras, principalmente peruanas na fronteira Norte do Brasil, que acudiam ao sistema único de saúde brasileiro.

Se a ênfase no tráfico de pessoas revestida de humanitarismo mostrou ter contribuído para intensificar a violência em vários desses deslocamentos, a pergunta é como operarão os regimes anti-tráfico alimentados por esta nova dimensão do medo, distanciados dessa retórica, quando, em âmbitos estratégicos, esta luta parece adquirir o principal sentido de lutar contra o crime nas fronteiras, em conjunção com os ataques dirigidos à nova lei de migração?

Referências bibliográficas

  • Ahmed, Sara. 2004. The Cultural Politics of Emotion. Edinburgo: Edinburgh University Press. 264 p.
  • Andrijasevic, Rutvica. 2007. “Beautiful dead bodies: gender, migration and representation in anti-trafficking campaigns”. Feminist Review n 86, p. 24-44.
  • Anistía Internacional España. 2020. Cadenas Invisibles. Identificación de víctimas de trata en España 50 p. Available at Available at https://doc.es.amnesty.org/ms-opac/doc?q=*%3A*&start=0&rows=1&sort=fecha%20desc&fq=norm&fv=*&fo=and&fq=mssearch_fld13&fv=EUR41600020&fo=and&fq=mssearch_mlt98&fv=gseg01&fo=and , consultado em novembro de 2020.
    » https://doc.es.amnesty.org/ms-opac/doc?q=*%3A*&start=0&rows=1&sort=fecha%20desc&fq=norm&fv=*&fo=and&fq=mssearch_fld13&fv=EUR41600020&fo=and&fq=mssearch_mlt98&fv=gseg01&fo=and
  • Barcelos Rezende, Claudia e Coelho, Maria Claudia. 2010. Antropologia das Emoções Rio de Janeiro: Editora FGV. 137 p.
  • Bernstein, Elizabeth. 2010. “Militarized Humanitarianism Meets Carceral Feminism: The Politics of Sex, Rights, and Freedom in Contemporary Antitrafficking Campaigns.”Signs36, no. 1, p. 45-71.
  • BLANCHETTE, T. G., SILVA, A.P. 2018. “A vítima designada. Representações do tráfico de pessoas no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais Vol 33, n 98.
  • Blanchette, Thaddeus, Murray, Laura e Ruvolo, Julie. 2014. “Sobre futebol e pânicos morais no Rio de Janeiro durante a Copa do Mundo 2014. Percurso Académico Vol. 4, n 8, p. 188-209.
  • DAS, Veena. 2008. “Violence, Gender, and Subjectivity”. Annual Review of Anthropology Vol. 37, p. 283-299.
  • Brown, Wendy. 2020. Nas ruínas do neoliberalismo. A ascenção da política antidemocrática em ocidente São Paulo: Editora Politéia. 254 p.
  • Delumeau, J. 2012.El miedo en Occidente: (Siglos XIV-XVIII). Una ciudad sitiada Madrid: Taurus. 640 p.
  • Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime; Ministério da Justiça e Segurança Pública. 2021. Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020 Brasília. 85 p. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/relatorio-nacional-trafico-de-pessoas_2017-2020.pdf Consultado em janeiro de 2022.
    » https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/relatorio-nacional-trafico-de-pessoas_2017-2020.pdf
  • Fassin, Didier. 2014. “Introduction”, In: Fassin, Didier e Lézé, Samuel (ed.) Moral Anthropology, a Critical Reader New York: Routledge, pp. 1-13
  • Feltran, Gabriel. 2020. “The revolution we are living” Preprint, The Society for Ethnographic Theory DOI:https://doi.org/10.1086/708628
    » https://doi.org/10.1086/708628
  • FRENCH, Lindsay. 1994. “The political economy of injury and compassion: amputees on the Thai- Cambodia border”. In: Csordas, Thomas J. (ed.). Embodiment and experience: the existential ground of culture and self Cambridge: Cambridge University Press, 308 p.
  • Global Alliance Against Traffic in Women (GAATW). 2007. Collateral Damage. The Impact of Anti-Trafficking Measures on Human Rights around the World,. Bangkok: Global Alliance against Traffic in Women. 277 p. Disponível em: Disponível em: https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/mainsite/microsites/IDM/workshops/ensuring_protection_070909/collateral_damage_gaatw_2007.pdf Consultado em janeiro de 2022.
    » https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/mainsite/microsites/IDM/workshops/ensuring_protection_070909/collateral_damage_gaatw_2007.pdf
  • GUIA, Maria João e PEDROSO. João . 2015. A insustentável resposta da “crimigração” face à irregularidade dos migrantes. 2015. REMHU, Revista Interdisciplinar de Mobiidade Humana Vol.23, n.45, pp.129-144.
  • Hunt, Lynn. 2009. A invenção dos direitos humanos Uma História. São Paulo: Companhia das Letras. 285 p.
  • Jimeno, Myriam. 2010. “Emoções e política: a vítima e a construção de comunidades emocionais”. Mana 2010, v. 16, n. 1, pp. 99-121.
  • KEMPADOO, Kamala. 2005. “From Moral Panic to Global Justice: Changing Perspectives on Trafficking”. In: KEMPADOO, Kamala, SANGHERA Jyoti e PATTANAIK, Bandana : Trafficking and prostitution reconsidered, new perspectives on migration, sex work, and human rights Boulder: Paradigm. 2005, 247 p.
  • Lowenkron, Laura. 2015. O monstro contemporâneo: A construção da pedofilia em múltiplos planos Rio de Janeiro: Eduerj. 453 p.
  • MANSUR, Guilherme. 2014. Migração e crime : desconstrução das políticas de segurança e tráfico de pessoas Tese de doutorado defendida no IFCH, Unicamp, 2014
  • O’Brien, Erine, Berents, Helen. 2019. “ Virtual Saviours: Digital games and anti-trafficking awareness-raising”. Anti-Trafficking Review . Issue 13, pp. 82-99.
  • Olivar, José Miguel Nieto. 2015.O dia que o tráfico chegou na fronteira.Sobre a construção capilar do “tráfico” como um dispositivo compósito de governamentalidade em Tabatinga (AM). Texto apresentado no I Seminário Trânsitos, crime e fronteiras, Unicamp, Campinas.
  • Piscitelli, Adriana. 2013. Trânsitos, brasileiras nos mercados transnacionais do sexo. Rio de Janeiro: Garamond/Eduerj. 279 p.
  • Piscitelli, Adriana e Lowenkron, Laura. 2015. “Categorias em movimento: a gestão de vítimas do tráfico de pessoas na Espanha e no Brasil”. Ciencia e Cultura vol.67, n.2, pp 35-39.
  • Rorty, Richard 1995 . “ Derechos humanos, racionalidade y sentimentalismo ”. Praxis Filosófica, Ética y Política . N. 5, pp 1- 20
  • Sabsay Leticia. 2016. “Permeable Bodies. Vulnerability, Affective Powers, Hegemony”. In: Butler, Judith, Gambetti, Zeynep e Sabsay Leticia . (Eds) Vulnerability in Resistance, Durham: Duke University Press. 336 p.
  • Schettini, Cristiana. 2006. Que tenhas teu corpo: uma história social da prostituição no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 264 p.
  • Sharapov, K; Hoff, S e Gerasimov, B, 2019. ‘Editorial: Knowledge is Power, Ignorance is Bliss: Public perceptions and responses to human trafficking’, Anti-Trafficking Review Issue 13, pp. 1-11.
  • Varela, Cecilia Ines. 2013. “Del tráfico de las mujeres al tráfico de las políticas. Apuntes para una historia del movimiento anti-trata en la Argentina (1998-2008).” PUBLICAR-En Antropología y Ciencias Sociales, n 12, pp. 35-64.
  • Vasconcelos, Iana dos Santos. 2020. “Entre acolher e manter a ordem: notas etnográficas sobre a gestão das forças armadas brasileiras nos abrigos para venezuelanos/as solicitantes de refúgio em Boa Vista-RR”. In: MACHADO, Igor. (Ed.) Etnografias do refúgio no Brasil São Carlos: EdUFSCar. 210 p.
  • Viana e Silve, Caroline Cordeiro. 2019. Securitização: uma análise da aplicação empírica para operacionalizar o coneito de securitização da escola de Copenhague Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná, 2019
  • 1
    Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Encontro da Associação Portuguesa de Antropologia, 2019. Agradeço os generosos comentários e sugestões das organizadoras deste dossiê, Maria Claudia Coelho e Iara Beleli e dos demais participantes.
  • 2
    Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, repressão e Punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, elaborado em 2000 e ratificado pelo Brasil em 2004.
  • 3
    A ideia de crimigração remete à perda progressiva de direitos dos migrantes e à crescente criminalização dos mesmos, com a aplicação simultânea da lei penal a migrantes (que não cometeram crimes) e da lei de imigração a condenados por crimes (com afastamento permanente dos territórios onde estes condenados cometeram os crimes).
  • 4
    Refiro-me aos processos em que temas que, politizados passam a serem percebidos como ameaças e questões de segurança (Viana e Silva, 2019Viana e Silve, Caroline Cordeiro. 2019. Securitização: uma análise da aplicação empírica para operacionalizar o coneito de securitização da escola de Copenhague. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná, 2019), neste caso os fluxos de migrantes não desejados. Nesta acepção, os agentes securitizadores, atores que reivindicam a existência de uma ameaça, podem ser o Estado, organizações, indivíduos, grupos transnacionais.
  • 5
    Trecho de relatório baseado em depoimento de deportada brasileira atendida pela organização não governamental ASBRAD em Guarulhos, 13/06/2005. Agradeço a Dalila Figueiredo ter me facilitado esse material.
  • 6
    Comunicação de AMBIT DONA, organização não governamental que apoia trabalhadoras do sexo em Barcelona, em entrevista realizada em setembro de 2005.
  • 7
    Comunicação pessoal de agente vinculado à polícia de Espanha, durante o Seminário de Formação em Combate ao Tráfico Internacional de Seres Humanos. Auditório do Cedim, 27 de junho de 2005, Rio de Janeiro.
  • 8
    Lei Orgánica 4, artigo 59, de 2000.
  • 9
    O relatório denuncia que as autoridades espanholas priorizam o controle da imigração e não a atenção às vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, que elas são vistas como provas para a investigação e não como pessoas que precisam de proteção. Também assinala que das 75.000 pessoas que, segundo o governo, estavam em risco de tráfico para exploração sexual entre 2013 e 2019, apenas 1000 foram identificadas como vítimas, isto é, como pessoas com direito a proteção.
  • 10
    Em termos do tráfico interno, ou doméstico, a principal preocupação estava voltada para o tráfico associado à exploração sexual de crianças e adolescentes.
  • 11
    Como o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODCEscritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime; Ministério da Justiça e Segurança Pública. 2021. Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020. Brasília. 85 p. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/relatorio-nacional-trafico-de-pessoas_2017-2020.pdf Consultado em janeiro de 2022.
    https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua...
    ) e a organização europeia ICMPD (International Centre for Migration Policy Development). Um dos principais financiadores destes projetos é a Comissão Europeia, uma das principais instituições da União Europeia. O recente interesse desses financiadores nas fronteiras brasileiras e as linhas dos projetos que apoiam sugerem, porém, que há um crescente interesse nessas políticas no ingresso de imigrantes estrangeiros.
  • 12
    Lei 13.344, sancionada em outubro de 2016.
  • 13
    https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-02/pf-deflagra-operacao-falsas-promessas-para-combater-trafico-de-pessoas#:~:text=Publicado%20em%2009%2F02%2F2022,no%20Rio%20Grande%20do%20Sul.&text=Para%20enganar%20as%20v%C3%ADtimas%2C%20os,contrato%20ainda%20em%20solo%20maranhense, consultado em 10 de fevereiro, 2022.
  • 14
    A partir desse período as imagens produzidas pelo Ministério da Justiça se tornaram mais diversificadas em termos de gênero e se distanciam dessas características, no entanto, imagens análogas às descritas continuam sendo produzidas por outras instâncias governamentais. Para uma análise detalhada dessas imagens no Brasil ver: Blanchette e Da Silva, 2018.
  • 15
    Simpósio Internacional sobre Tráfico de Pessoas, Auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Goiânia, 18/05/2012.
  • 16
    Seguindo as formulações de Candace Clark.
  • 17
    ESPECIAL-Onda de imigrantes da Venezuela pode gerar crise humanitária em Roraima, 11/12/2015, in : https://www.terra.com.br/noticias/mundo/especial-onda-de-imigrantes-da- venezuela-pode-gerar-crise-humanitaria-em-roraima,7aa52e6c403185aabae4a38c8b3617c98oyyfg1o.html
  • 18
    Ver declarações de Alexandre de Morais, na Istoé 16/11/2016
  • 19
    Nesse contexto, reapareceram com força as instâncias supra-nacionais para reforçar a atuação do governo brasileiro no combate ao tráfico de pessoas. Em abril de 2017, foi lançada a Ação Global para Prevenir e Combater o Tráfico de Pessoas e o Contrabando de Migrantes, a GLO.ACT, que é uma iniciativa conjunta da União Europeia e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODCEscritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime; Ministério da Justiça e Segurança Pública. 2021. Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020. Brasília. 85 p. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/relatorio-nacional-trafico-de-pessoas_2017-2020.pdf Consultado em janeiro de 2022.
    https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua...
    ), em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e que visa a reforçar a resposta da justiça penal em 13 países de África, Ásia, Europa Oriental e na América Latina, no Brasil e na Colômbia, Bielorrússia, Brasil, Colômbia, Egito, Quirguistão, Mali, Marrocos, Nepal, Nigéria, Paquistão, República Democrática Popular do Laos e Ucrânia.
  • 20
    DECRETO Nº 7.496, DE 8 DE JUNHO DE 2011. Esse Programa foi substituído no atual governo pelo Programa de Proteção Integrada de Fronteiras DECRETO Nº 8.903, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2016
  • 21
    Argentina, Paraguai e Uruguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
  • 22
    O Programa refere-se especificamente à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira.
  • 23
    Ver: Projeto pedagógico de curso de enfrentamento ao tráfico de pessoas para o Plano Nacional de Fronteira - ENAFRON, Brasília, 2013, in: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/formacao-em-etp/anexos/proj-pedag-enafron.pdf, consultado em março de 2022.
  • 24
    DECRETO Nº-8.903, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2016
  • 25
    Ver declarações de Alexandre de Morais, na Istoé 16/11/2016
  • 26
    Essas capacitações são desenvolvidas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), através do Programa Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron), com apoio do Departamento de Pesquisa, Análise de Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública.
  • 27
    http://www.amazonianarede.com.br/exercito-brasileiro-faz-mais-uma-operacao-agata-nas-fronteiras/14/06/2016
  • 28
    Forças Armadas ocupam Amazônia durante a Operação Ágata 11 | Cotidiano | Acritica.com | Amazônia - Amazonas - Manaus, 18/06/2016
  • 29
    Ministério de Justiça e Segurança Pública: Vigia: Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas complete um ano de atuação com resultados expressivos, 14/04/2020. In: v.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/vigia-programa-nacional-de-seguranca-nas-fronteiras-e-divisas-completa-um-ano-de-atuacao-com-resultados-expressivos-1
  • 30
    Fábio Pontes. “Questões da fronteira. Mula não faz quarentena” Em tempos de epidemia, fronteira fechada no Acre reduz,mas não interrompe tráfico de drogas. Piauí. 28/04/2020, in: https://piaui.folha.uol.com.br/mula-nao-faz-quarentena/ consultado em agosto de 2020.
  • 31
    Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar. BPFron conclui ciclo de capacitações com encerramento da 8 a edição da INC-FRON. 10/11/2020https://www.seguranca.pr.gov.br/Noticia/BPFron-conclui-ciclo-de-capacitacoes-com-encerramento-da-8a-edicao-da-INC-FRON
  • 32
    UNODC: Programa TRACK4TIP, iniciativa de combate ao tráfico de pessoas, in: http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/programa-track4tip.html, consultado em novembro, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    17 Ago 2022
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) R. São Francisco Xavier, 524, 6º andar, Bloco E 20550-013 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel./Fax: (21) 2568-0599 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: sexualidadsaludysociedad@gmail.com