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As ouvidorias públicas como instrumento de transparência: aspectos jurídicos e federativos

Public ombudsmen as a transparency tool: legal and federative aspects

Resumo

O artigo funda-se na hipótese de que as ouvidorias públicas são instrumentos essenciais para o fomento à transparência. A pesquisa é de metodologia bibliográfica e documental, com o objetivo de abordar, de um lado, os aspectos jurídicos da inter-relação entre ouvidoria e o princípio da transparência e, de outro, os aspectos federativos que indicam modelos estruturantes para a ouvidoria pública. Partindo-se de bases doutrinárias e da evolução da acepção de “ouvidor” no direito brasileiro, reuniram-se elementos constitucionais, a exemplo dos direitos de “ser ouvido”, de acesso à informação e dos usuários de serviços públicos, notando-se tendência do poder constituinte derivado de promulgar emendas constitucionais com menção expressa às ouvidorias públicas. Quanto aos aspectos legais e regulamentares, detalharam-se disposições da Lei de Acesso à Informação - Lei nº 12.527/2011 - e do Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos - Lei nº 13.460/2017. Por fim, apontaram-se parâmetros federais, tal qual o “Modelo de Maturidade em Ouvidoria Pública”, da Controladoria-Geral da União (CGU), como uma referência para os demais entes federativos na estruturação de suas ouvidorias, diante da inexistência de uma lei geral que estabelecesse critérios mínimos, de abrangência nacional, para a efetiva instituição dessas unidades, decisivas para o fomento à transparência.

Palavras-chave:
Ouvidoria; Transparência; Usuário de serviços públicos; Acesso à informação

Abstract

The research’s hypothesis is that Brazilian law establishes public ombudsmen as an essential tool for transparency. This paper follows a bibliographic and documentary methodology, aiming to approach the legal aspects of the connection between public ombudsmen and the principle of transparency, besides federative aspects that indicate structuring model to ombudsmen units. The article starts with doctrinal and constitutional elements, such as the “right to be heard”, the “right of access to information” and the “rights of public service users”. It reveals a tendency of the derived constituent power to vote constitutional amendments with clear mention to ombudsman figure. Then, provisions from “Brazilian’s Freedom of Information Act” and “Brazilian’s Defense Code of Public Service Users” point an expressive emphasis on competencies of public ombudsmen. Lastly, some federal guidelines indicate important patterns, such as “Model of Maturity in Public Ombudsman”, a technical document produced by the Brazilian Federal Government Office of the Comptroller General (CGU), as a reference to states and municipalities to structure their own ombudsmen units. Federal patterns are an alternative because Brazilian law does not offer a common legal and national standard for the effective establishment of ombudsmen, which are decisive for the public transparency.

Keywords:
Ombudsman; Transparency; Public service users; Access to information

1 INTRODUÇÃO

A ouvidoria é uma ferramenta imprescindível para a promoção da transparência na Administração Pública, por incumbir-se de perfazer o elo de comunicação entre administração e administrado, ou, em outras palavras, entre prestador e usuário de serviço público.

Por “ouvidoria”, sinteticamente, compreende-se a unidade administrativa responsável por receber e examinar as denúncias, reclamações, elogios, sugestões, solicitações e pedidos de informação encaminhados pelos cidadãos. Os seus principais desafios consistem em prover canais de atendimento acessíveis, assegurar a resolutividade das demandas apresentadas e produzir estatísticas de satisfação. Consequentemente, também lhe cabe zelar pelos mecanismos de transparência e pela eficácia dos direitos dos usuários de serviços públicos.

O complexo rol de atribuições demonstra o alto valor estratégico das ouvidorias para a tomada de decisão governamental. Uma denúncia encaminhada ao órgão pode ser o ponto de partida para a apuração de ilícito, instauração de procedimentos e aplicação de sanções administrativas. As reclamações e sugestões dos cidadãos expõem as queixas frequentes e os pontos de insatisfação da sociedade, indicando o que deve ser aperfeiçoado na gestão pública. Os pedidos de acesso à informação, fundamentais para o exercício do controle social, dependem da atenta supervisão de uma ouvidoria que zele pela observância dos prazos legais, e, em caso de recusa injustificada, que seja competente para funcionar como instância recursal.

Não por menos, as atividades de ouvidoria tendem a ser absorvidas pelo sistema de controle interno, interligando-se às funções de auditoria, correição, fomento à transparência, promoção da integridade, prevenção e combate à corrupção.

Nas últimas décadas, as boas práticas de ouvidoria maturaram-se na Controladoria-Geral da União (CGU), inclusive com a assunção de um papel de “articulação interfederativa” que se expressou com a criação de referenciais técnicos, redes nacionais, normas-modelo e sistemas de informação à disposição dos entes subnacionais.

Numa metodologia bibliográfica e documental, a hipótese de pesquisa deste artigo preconiza que as ouvidorias, quando bem estruturadas, funcionam como instrumento essencial para o fomento à transparência. Já o objetivo do estudo consiste em abordar, de um lado, os aspectos jurídicos que evidenciam a inter-relação entre as atividades de ouvidoria e o devido cumprimento de comandos constitucionais e legais em prol da transparência e, de outro, os aspectos federativos que indicam modelos estruturantes para a ouvidoria pública.

O recorte temático justifica-se pela sua relevância e originalidade, em face da complexidade envolvida na implementação das unidades de ouvidoria, especialmente nos entes locais, problema ainda pouco explorado pela doutrina jurídica. Não há lei nacional comum, aplicável a todos os entes federativos, que aponte os parâmetros mínimos para a sua organização administrativa. Como alternativa, referenciais técnicos federais, oferecidos pela CGU, podem orientar estados e municípios na adequada estruturação de suas ouvidorias.

Para satisfazer os objetivos acima, o desenvolvimento do artigo será dividido em três seções que exporão a essência da abordagem ora proposta: a) “A ouvidoria pública e o princípio da transparência”; b) “Aspectos jurídicos: o acesso à informação e a defesa dos usuários de serviços públicos”; c) “Aspectos federativos: referenciais federais de ouvidoria pública”.

Com isso, espera-se que o texto agregue conhecimento à doutrina pátria e ao leitor, estimulando a valorização das atividades de ouvidoria na Administração Pública Brasileira.

2 A OUVIDORIA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA

As atividades de ouvidoria pública, numa tendência organizacional impulsionada pela Controladoria-Geral da União (CGU) desde o início do século XXI, associaram-se às atribuições previstas nos arts. 70 e 74 da Constituição e consolidaram-se como cruciais para a plena consecução das finalidades constitucionais do sistema de controle interno.

A estrutura básica da CGU compõe-se dos seguintes “órgãos específicos singulares”, nos termos do art. 2º, inciso II, do Anexo I do Decreto nº 11.102, de 23 de junho de 2022 (Brasil, 2022BRASIL. Decreto nº 11.102, de 23 de junho de 2022. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Controladoria-Geral da União e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Brasília, DF: Presidência da República , [2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Decreto/D11102.htm . Acesso: 12 out. 2022.
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): i) Secretaria Federal de Controle Interno; ii) Ouvidoria-Geral da União; iii) Corregedoria-Geral da União; iv) Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção; v) Secretaria de Combate à Corrupção.

Nesse sentido, Gustavo Ungaro (2019UNGARO, Gustavo Gonçalves. Controle interno da administração pública sob a Constituição de 1988 e sua eficiência para a transparência e o enfrentamento da corrupção. 2019. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-07082020-005136/pt-br.php . Acesso em: 12 out. 2022.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 15) considera ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição como as “quatro macrofunções do controle interno”. A organização administrativa da CGU, na qual houve a centralização desses quatro pilares, passou a ser modelo no país, tendendo a replicar-se na configuração adotada por alguns estados e municípios, cujas disciplinas jurídicas são recentes (Ungaro; Piccini, 2021).

A Controladoria Geral do Município de São Paulo, conforme arts. 121, 127, 136 da Lei Municipal nº 15.764, de 27 de maio de 2013, albergou a Ouvidoria Geral do Município (São Paulo, 2013SÃO PAULO (município). Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013. Dispõe sobre a criação e alteração da estrutura organizacional das Secretarias Municipais que especifica [...]. São Paulo, SP: Prefeitura Municipal, [2013]. Disponível em: Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-15764-de-27-de-maio-de-2013 . Acesso em: 27 nov. 2021.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
). A Controladoria Geral do Estado de São Paulo, de acordo com os arts. 14 a 21 da Lei Complementar nº 1.361, de 21 de outubro de 2021, disporá de uma “Coordenadoria de Ouvidoria e Defesa do Usuário de Serviço Público” (São Paulo, 2021SÃO PAULO (estado). Lei Complementar nº 1.361, de 21 de outubro de 2021. Institui Bonificação por Resultados - BR, no âmbito da administração direta e autarquias, cria a Controladoria Geral do Estado [...]. São Paulo, SP: Governo do Estado, [2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2021/lei.complementar-1361-21.10.2021.html . Acesso em: 27 nov. 2021.
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/leg...
).

Para além de sustentar o sistema de controle interno, faz-se pertinente compreender como a macrofunção “ouvidoria” também se revela um verdadeiro instrumento de transparência, comunicação pública e participação popular.

Como destaca Marcos Augusto Perez (2009PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009. , p. 53), o êxito de políticas econômicas, culturais ou de preservação do meio ambiente, típicas do Estado de Bem-Estar Social, não depende somente das ações da Administração Pública, mas também da adesão dos administrados, fundamental para a eficiência da atuação administrativa. Isso impõe a utilização de instrumentos que procurem o consentimento da coletividade e fomentem, enfim, a aproximação da sociedade e do Estado, do burocrata e do cidadão, do governante e do governado (Perez, 2009PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009. , p. 54).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1993DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 191, p. 26-39, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45639 . Acesso em: 1 dez. 2021.
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, p. 33) classifica a participação popular em: i) “participação direta”, consubstanciada no “direito de ser ouvido” - direito de petição, direito de defesa e princípio do contraditório - e na enquete - consulta à população sobre assuntos de amplo interesse, como no caso das audiências públicas; ii) “participação indireta”, casos dos órgãos de consulta - representantes da sociedade com assento em conselhos que não vinculam a decisão do governante -, dos órgãos de decisão - “cogestão”, como nos Conselhos Tutelares, com os membros eleitos pelos munícipes - e do ombudsman.

O ombudsman, aliás, é “proveniente dos países escandinavos e foi concebido, em seus primórdios, como um órgão de proteção dos cidadãos, diretamente vinculado ao Parlamento”, com uma série de prerrogativas de controle da Administração Pública, dentre as quais, “receber denúncias e agir ex officio ao tomar conhecimento de irregularidades por outros meios, a exemplo de inspeções ou simples leitura de jornal” (Di Pietro, 1993DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 191, p. 26-39, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45639 . Acesso em: 1 dez. 2021.
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, p. 36).

Segundo José Cretella Júnior (1990CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo comparado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990., p. 266), naqueles países, o ombudsman apresenta, anualmente, um “minucioso relatório de suas intervenções, na salvaguarda da legalidade, mas as autoridades administrativas têm o direito de defesa, mediante recursos interpostos perante o tribunal competente ou comissões parlamentares”.

Há, assim, uma grande importância do ombudsman na proteção das liberdades públicas do cidadão, contribuindo para “criar clima de confiança na Administração, ao prevenir abusos e arbitrariedades, razão pela qual esse instituto ganhou prestígio do Parlamento e da opinião pública nas nações escandinavas” (Cretella Júnior, 1990CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo comparado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990., p. 266). Di Pietro (1993DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 191, p. 26-39, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45639 . Acesso em: 1 dez. 2021.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 36), aliás, assevera o espraiamento do ombudsman (em tradução literal, “intermediário”, “representante”) por outros países, com denominações diversas, como “mediador”, “ouvidor geral”, “defensor do povo”, etc.

A propósito, a expressão “ouvidor” não é uma novidade na história do direito brasileiro e remonta aos primórdios da colônia. O clássico ensaio de César Trípoli (1936TRÍPOLI, César. História do direito brasileiro (ensaio): época colonial. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunaes, 1936., p. 211) informa que, durante o regime das capitanias hereditárias (1500-1548), uma mínima organização judiciária só foi possível nas vilas de São Vicente e Santos, em cujas “cartas de doação” constavam três autoridades, a saber, o capitão-governador, o ouvidor de capitania e o juiz ordinário, por ordem de hierarquia. O ouvidor de capitania, nomeado diretamente pelo capitão-governador, tinha competência para conhecer das ações novas e das apelações e agravos dados pelos juízes ordinários (Trípoli, 1936, p. 212). Já no regime do governo geral (1548-1581), foram criadas novas posições, dentre as quais, a de ouvidor-geral, autoridade superior da Justiça em todo o Brasil, a exercer primazia sobre os ouvidores de capitania e os juízes ordinários das vilas, competindo-lhe “conhecer, por ação nova, das causas crimes” (Trípoli, 1936, p. 221).

No período da dominação espanhola (1581-1640), de acordo com o Regimento de 14 de abril de 1628, ao ouvidor-geral competia julgar as causas cíveis “por ação nova” (causas de até cem mil réis) e em segunda instância (apelações e agravos das decisões dos ouvidores de capitania), enquanto que, nas causas crimes, competia-lhe processar, julgar e executar penas, inclusive de morte (Trípoli, 1936TRÍPOLI, César. História do direito brasileiro (ensaio): época colonial. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunaes, 1936., p. 232). Em seguida, foram criadas a Relação da Baía e a Relação do Rio de Janeiro, tribunais superiores que passaram a absorver as funções jurisdicionais então atribuídas ao ouvidor-geral (Trípoli, 1936, p. 253).

A reminiscência histórica revela uma interessante trajetória do instituto: do “ouvidor-geral colonial” até o atual Ouvidor-Geral da União, a expressão transmutou-se de uma função puramente jurisdicional (autoridade superior da Justiça, que fazia as vezes de segunda instância recursal ou de juiz natural de certas causas) para, séculos depois, aproximar-se da ideia de ombudsman, importada dos escandinavos, firmando-se na contemporaneidade republicana como um órgão especializado e incumbido de receber as manifestações dos cidadãos a respeito dos serviços prestados pelo Poder Público.

Ainda assim, os diferentes contextos da história nacional revelam o núcleo comum ao redor da figura de um ouvidor, numa compreensão literal: autoridade que recebe - ouve - apelos de um cidadão. Na atualidade, tais apelos são as chamadas “manifestações de usuários de serviços públicos”, assim entendidas as reclamações, denúncias, sugestões, elogios e demais pronunciamentos que “tenham como objeto a prestação de serviços e a conduta de agentes públicos na sua prestação e fiscalização”, nos termos do art. 2º, V, da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017 (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13460.htm . Acesso em: 27 nov. 2021.
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).

Como ressalta Wallace Paiva Martins Júnior (2015MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Princípio da Transparência. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (coord.). Tratado de direito administrativo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014., p. 422), uma “análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro revela que a transparência estatal deriva de princípios fundamentais estruturantes, como o democrático e republicano”, enquanto a publicidade é um de seus “subprincípios, em conjunto com a motivação e a participação popular”. Conforme frisa o autor, a convergência desses subprincípios conduz à existência do princípio da transparência na medida em que “a abertura, a visibilidade e a proximidade da Administração Pública são erguidas não só pelo conhecimento de sua atuação, senão por sua explicação e pela sua partilha no processo de tomada de decisão”, fornecendo um novo padrão de governança pela “atribuição de legitimação material ao exercício do poder” (Martins Júnior, 2015, p. 422).

Daí se conclui que as ouvidorias públicas, ao se encarregarem do tratamento de manifestações, recebimento de denúncias e consolidação de estatísticas de satisfação, afora a tutela do direito de acesso à informação e dos direitos dos usuários de serviços públicos, atuam decisivamente para a abertura e visibilidade da Administração Pública, contribuindo para a eficácia de princípios constitucionais e de diversas determinações legais.

Di Pietro (1993DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 191, p. 26-39, 1993. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45639 . Acesso em: 1 dez. 2021.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 33) relembra que a Constituição Federal assegura, em dispositivos diferentes, o “direito de ser ouvido”, garantido em “todas as hipóteses nas quais haja limitações ao exercício dos direitos individuais”: i) o direito de petição aos Poderes Públicos, independentemente do pagamento de taxas, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, no art. 5º, XXXIV, “a”; ii) o direito ao contraditório e à ampla defesa dos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes, no art. 5º, LV; iii) o direito ao devido processo legal, sem o qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, no art. 5º, LIV.

Ademais, como também exposto no art. 5º, XXXIII, da Constituição, “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (Brasil, 2022BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Fala.BR: plataforma integrada de ouvidoria e acesso à informação. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2022. Disponível em: Disponível em: https://falabr.cgu.gov.br/publico/Manifestacao/SelecionarTipoManifestacao.aspx?ReturnUrl=%2f . Acesso em: 27 nov. 2021.
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).

Logo, a atuação da Administração Pública vincula-se à observância de variadas garantias constitucionais que perfazem o direito de ser ouvido, o direito de acesso à informação e a prerrogativa de participação do cidadão nos atos decisórios.

Ao elencar os motivos como fatores determinantes da legalidade ou validade dos atos administrativos, Marcos Augusto Perez (2018PEREZ, Marcos Augusto. Testes de legalidade: métodos para o amplo controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2020., p. 217) explica que a “realidade dos fatos, no “contexto jurídico criado pela adoção do processo como caminho preparatório da decisão da autoridade pública”, corresponde ao que ela deve “concluir ou deduzir a partir da análise do conjunto probatório reunido no processo administrativo”. É justamente por isso, prossegue Perez (2018PEREZ, Marcos Augusto. Testes de legalidade: métodos para o amplo controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2020., p. 221), que a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, DF: Presidência da República, [1999]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm . Acesso em: 27 nov. 2021.
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, nos arts. 38, caput e § 1º, e 50, § 1º, expressou o “dever da Administração de admitir a participação dos interessados na fase instrutória do processo administrativo” - mesmo se tratando de matéria de ordem técnica - e, mais do que isso, de “fundamentar a sua decisão levando em consideração todo o conjunto probatório formado no curso do processo” (Perez, 2018PEREZ, Marcos Augusto. Testes de legalidade: métodos para o amplo controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2020., p. 221).

Todos esses elementos doutrinários evidenciam que a base constitucional de uma ouvidoria se funda, sobretudo, na necessidade de um órgão especializado em exercer as tutelas do direito de ser ouvido, do direito de acesso à informação e, mais recentemente, dos direitos dos usuários de serviços públicos. O ouvidor deve ser a autoridade à qual os cidadãos possam socorrer-se, dentro da própria Administração, caso ocorra alguma inobservância das garantias constitucionais e de deveres previstos em lei, como nos casos de abuso de autoridade, decisões imotivadas, indeferimentos ilegais de pedidos de acesso à informação, cerceamento de defesa ou de participação do interessado, má prestação de serviço público, dentre outros.

Ainda, observe-se o teor do art. 37 da Constituição, cujo caput versa sobre os princípios a regerem a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 2022BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 12 out. 2022.
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).

O dispositivo em comento delimita, para a Administração Pública brasileira, aquilo que Humberto Ávila (2005ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005., p. 63) define como “normas imediatamente finalísticas”, isto é, um estado de coisas ou um bem jurídico para cuja realização faz-se necessária a adoção de determinados comportamentos, promovidos pelos princípios citados, com vistas à concretização de um fim (“normas-do-que-deve-ser”). São esses “comportamentos”, tendentes à concretização dos princípios, que devem ser acatados e praticados pelos agentes públicos, fomentando um agir administrativo verdadeiramente transparente.

Não surpreende a opção do poder constituinte derivado, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998BRASIL. Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Brasília, DF: Congresso Nacional, [1998]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc19.htm . Acesso: 27 nov. 2021.
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, por incluir, justamente no art. 37 da Constituição, o parágrafo 3º, a determinar que “a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública, regulando, especialmente” (Brasil, 1998):

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Isso indica que, para se atingir o bem jurídico de uma Administração Pública permeada pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, impõe-se a regulamentação das formas de participação do usuário, pelas quais se oportunizam os direitos de reclamação relativa à prestação dos serviços públicos - Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017 -, de acesso à informação sobre atos de governo - Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 - e de representação contra abuso de autoridade - Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Há uma clara proteção da Constituição a esses institutos, vinculando-os diretamente aos princípios gerais da administração pública, ao situá-los no mesmo art. 37.

Adiante, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, conhecida como “Reforma do Poder Judiciário”, acrescentou, dentre outros, os arts. 103-B e 130-A à Lei Maior (Brasil, 2004BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Brasília, DF: Congresso Nacional, [2004]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm . Acesso: 27 nov. 2021.
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). Naquele, o § 7º definiu que a União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará “ouvidorias de justiça”, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça (Brasil, 2004). No outro, o § 5º estabeleceu que leis da União e dos Estados criarão “ouvidorias do Ministério Público”, com atribuição idêntica às anteriores, para representação direta ao Conselho Nacional do Ministério Público (Brasil, 2004).

Nota-se o texto constitucional passando a abordar, de maneira expressa, as ouvidorias como unidades administrativas adequadas para o endereçamento de denúncias e reclamações. Na esteira dessas modificações, a legislação nacional começou a detalhar a relação direta entre as ouvidorias e os mecanismos de transparência, notabilizando-se, em particular, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 - Lei de Acesso à Informação - e a Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017 - Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos.

3 ASPECTOS JURÍDICOS: O ACESSO À INFORMAÇÃO E A DEFESA DOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS

No plano infraconstitucional, é notória a Lei de Acesso à Informação (LAI) - Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 -, imbuída de dar eficácia ao direito fundamental insculpido no art. 5º, XXXIII, e de satisfazer o supracitado art. 37, § 3º, II, ambos da Constituição Federal.

Uma das diretrizes para a execução dos procedimentos estabelecidos na Lei de Acesso à Informação, conforme dispõe o seu art. 3º, afora a “publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção”, é o “fomento ao desenvolvimento da cultura da transparência e do controle social da administração pública” (Brasil, 2011). Como dispõe o art. 10 da Lei nº 12.527, de 2011, o pedido de acesso pode ser apresentado pelo interessado aos órgãos e entidades de todos os entes da federação, “por qualquer meio legítimo, contendo a identificação do requerente e a especificação da informação requerida” (Brasil, 2011BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2011]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm . Acesso em: 27 nov. 2021.
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).

No art. 11 da Lei nº 12.527, de 2011, ficou estabelecido que, “estando disponível, a informação requerida deverá ser concedida de imediato”, mas, se isso não for possível, a “autoridade terá o prazo de vinte dias, motivadamente prorrogáveis por mais dez dias, para exercer uma das seguintes opções” (Brasil, 2011):

I - comunicar a data, local e modo para se realizar a consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão;

II - indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido; ou

III - comunicar que não possui a informação, indicar, se for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a detém, ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interessado da remessa de seu pedido de informação.

A importância de uma unidade de ouvidoria, nesse aspecto, surge para conferir efetividade ao trâmite recursal preconizado pela Lei de Acesso à Informação. Afinal, quando o requerimento for indeferido, “por se tratar de informação total ou parcialmente sigilosa”, o art. 11, § 4º, da Lei nº 12.527 exige que o requerente seja “informado sobre a possibilidade de recurso, prazos e condições para sua interposição, devendo, também, ser-lhe indicada a autoridade competente para a sua apreciação” (Brasil, 2011). Isso feito, o art. 15 da Lei de Acesso à Informação estabelece que, no prazo de dez dias contados da ciência da negativa de acesso, o interessado poderá interpor recurso à autoridade hierarquicamente superior à qual exarou a decisão impugnada, que deverá se manifestar em cinco dias (Brasil, 2011).

Especificamente para o Poder Executivo federal, o art. 16 da Lei nº 12.527 disciplinou as competências de outros níveis recursais. Persistindo a negativa pela autoridade superior, a “terceira instância” administrativa é a Controladoria-Geral da União, que deliberará sobre o recurso, no prazo de cinco dias, caso haja uma das hipóteses a seguir (Brasil, 2011):

I - o acesso à informação não classificada como sigilosa for negado;

II - a decisão de negativa de acesso à informação total ou parcialmente classificada como sigilosa não indicar a autoridade classificadora ou a hierarquicamente superior a quem possa ser dirigido pedido de acesso ou desclassificação;

III - os procedimentos de classificação de informação sigilosa estabelecidos nesta Lei não tiverem sido observados; e

IV - estiverem sendo descumpridos prazos ou outros procedimentos previstos nesta Lei.

Segundo o § 2º do art. 16 da Lei de Acesso à Informação, verificada a procedência das razões recursais, a CGU determinará ao órgão ou entidade de origem que adote as providências necessárias para o cumprimento da lei (Brasil, 2011). De outra banda, se a CGU mantiver a negativa, o § 3º art. 16 da Lei nº 12.527 ainda permite um último recurso, dirigido à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, colegiado da administração pública federal instituído pelo art. 35 da Lei de Acesso à Informação e regulamentado pelo Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, nos arts. 46 a 54 (Brasil, 2012BRASIL. Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Brasília, DF: Presidência da República , [2011]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7724.htm . Acesso: 27 nov. 2021.
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).

Pela Portaria nº 1.567, de 22 de agosto de 2013, ficou designado o Ouvidor-Geral da União para apreciar os recursos dirigidos à Controladoria-Geral da União, cuja decisão dependerá de confirmação pelo Ministro de Estado Chefe da CGU apenas em casos pontuais, definidos na referida norma (Brasil, 2013BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Portaria nº 1.567, de 22 de agosto de 2013. Designa o Ouvidor-Geral da União para apreciação e decisão dos recursos dirigidos à Controladoria-Geral da União, observado o disposto nesta Portaria. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), [2013]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/34027 . Acesso: 27 nov. 2021.
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). A ampla maioria dos recursos aos indeferimentos de acesso à informação, então, ficou sob a guarida direta da Ouvidoria-Geral da União, por força da designação assentada na aludida Portaria.

Isso reforça a necessidade da interligação entre ouvidoria e sistema de controle interno, como uma de suas “macrofunções” e pilares de sustentação. Essa é a exata conformação induzida pela Lei nº 12.527, no âmbito da Administração Federal, que traz modelo para os demais entes federativos em suas regulamentações locais.

Como exige o art. 45 da Lei de Acesso à Informação, “cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em legislação própria, obedecidas as normas gerais estabelecidas nesta Lei, definir regras específicas”, especialmente quanto às autoridades competentes para a apreciação de recursos e quanto ao serviço de informações ao cidadão (Brasil, 2011).

Ainda, de acordo com o art. 41 da Lei de Acesso à Informação, o Poder Executivo da União deve designar órgão responsável pela promoção de campanha de abrangência nacional de fomento à cultura da transparência na administração pública, envolvendo o treinamento de agentes públicos, monitoramento da aplicação da lei nos órgãos e entidades federais e encaminhamento de relatório anual ao Congresso Nacional sobre a sua efetiva implementação (Brasil, 2011). No art. 68 do Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, essa atribuição foi transmitida à CGU, como o órgão-chave para a supervisão da aplicação da Lei nº 12.527 na Administração Federal (Brasil, 2012BRASIL. Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Brasília, DF: Presidência da República , [2011]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7724.htm . Acesso: 27 nov. 2021.
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).

A configuração da Lei de Acesso à Informação, em âmbito federal, coloca o órgão central de controle interno, no qual se insere a Ouvidoria-Geral, como um verdadeiro tutor da transparência passiva. Não por menos, no manual “Orientações para a implementação da Lei de Acesso à Informação nas Ouvidorias Públicas” (Brasil, 2012BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Orientações para a implementação da Lei de Acesso à Informação nas ouvidorias públicas: rumo ao sistema participativo. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/ogu-implementacao_lai.pdf . Acesso em: 27 nov. 2021.
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), a CGU considera que as ouvidorias e a Lei de Acesso à Informação são exemplos de “instrumentos institucionais e jurídicos que, ao lado dos outros canais de participação e controle social existentes, buscam operacionalizar o princípio da democracia participativa consagrado na Constituição” (Brasil, 2012BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Orientações para a implementação da Lei de Acesso à Informação nas ouvidorias públicas: rumo ao sistema participativo. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/ogu-implementacao_lai.pdf . Acesso em: 27 nov. 2021.
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, p. 4). Também se chama a atenção para o fato de que, embora não exista definição legal na qual as ouvidorias sejam responsáveis pelo Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), “muitas delas vêm assumindo tal responsabilidade, algo a demandar conhecimento técnico para a disponibilização de sistemas eletrônicos e canais de atendimento” (Brasil, 2012BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Orientações para a implementação da Lei de Acesso à Informação nas ouvidorias públicas: rumo ao sistema participativo. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/ogu-implementacao_lai.pdf . Acesso em: 27 nov. 2021.
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, p. 5).

Com o advento do Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos (Brasil, 2017), as ouvidorias tiveram outro salto em seu rol de atuação, alicerçando-se definitivamente como um instituto indispensável para a transparência pública.

A Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, conhecida como “Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos”, quase vinte anos após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, finalmente atendeu ao disposto no art. 37, § 3º, I, da CF, ao regulamentar a participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários de serviços da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Na dicção do art. 2º, I, do referido Código, “usuário” é a “pessoa física ou jurídica que se beneficia ou utiliza, efetiva ou potencialmente, de serviço público” (Brasil, 2017). Como direitos básicos do usuário, o art. 6º do Código lista a participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços, a sua utilização com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação, a comunicação prévia de sua suspensão, a obtenção de informações precisas e de fácil acesso, dentre outros (Brasil, 2017).

Para garantir os seus direitos, os arts. 9º e 11 do Código frisam que o usuário poderá apresentar “manifestação” perante a Administração Pública, que será “dirigida à ouvidoria do órgão ou entidade responsável pelo serviço, contendo a identificação do requerente”, e, “em nenhuma hipótese, terá o seu recebimento recusado, sob pena de responsabilidade do agente público” (Brasil, 2017).

A efetiva resolução das manifestações dos usuários compreende as seguintes fases, previstas no art. 12 da Lei nº 13.460, de 2017, que deverão ser observadas nos procedimentos administrativos, respeitados os princípios da eficiência e da celeridade: i) recepção da manifestação no canal de atendimento adequado; ii) emissão de comprovante de recebimento da manifestação; iii) análise e obtenção de informações, quando necessário; iv) decisão administrativa final; v) ciência do usuário (Brasil, 2017).

O encaminhamento da decisão administrativa final ao usuário deverá ocorrer “no prazo de trinta dias, prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual período”, conforme art. 16 do Código (Brasil, 2017). Nesse ínterim, a ouvidoria poderá “solicitar informações e esclarecimentos diretamente a agentes públicos do órgão ou entidade a que se vincula”, e as solicitações devem ser “respondidas no prazo de vinte dias, prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual período” (Brasil, 2017).

O Código de Defesa dos Usuários, portanto, assentou as ouvidorias como unidades substanciais para a gestão pública, com um alto valor estratégico em seu rol de atuação. Em especial, o papel de dar resolutividade às manifestações do usuário, devendo recebê-las, analisá-las e encaminhá-las às autoridades competentes, por meio de “mecanismos proativos e reativos, com o acompanhamento do tratamento e da efetiva conclusão perante órgão ou entidade a que se vincula”, como estabelecem os arts. 13, VI, e 14, I da Lei nº 13.460 (Brasil, 2017).

O Capítulo IV da Lei nº 13.460, que compreende os arts. 13 a 17, inclusive, é todo dedicado às ouvidorias, das quais são outras atribuições precípuas (Brasil, 2017):

I - promover a participação do usuário na administração pública, em cooperação com outras entidades de defesa do usuário;

II - acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir a sua efetividade;

III - propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;

IV - auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta Lei;

V - propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos do usuário, em observância às determinações desta Lei;

VI - receber, analisar e encaminhar às autoridades competentes as manifestações, acompanhando o tratamento e a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante órgão ou entidade a que se vincula; e

VII - promover a adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos competentes.

Outro dever das ouvidorias, previsto no art. 15 da Lei nº 13.460, é o de elaborar “relatório anual de gestão”, que deverá indicar, ao menos: i) número de manifestações recebidas no ano anterior; ii) motivos das manifestações; iii) análise dos pontos recorrentes; iv) providências adotadas pela administração pública nas soluções apresentadas (Brasil, 2017).

Com base nas informações consolidadas no relatório anual, caberá à ouvidoria “apontar falhas e sugerirá melhorias na prestação de serviços”, nos termos do art. 14, II do Código (Brasil, 2017). A isso, soma-se a “avaliação continuada dos serviços públicos”, disposta nos arts. 23 e 24 do Código dos Usuários, pela qual os órgãos e entidades deverão apreciar, por pesquisa de frequência mínima anual, a “satisfação do usuário com o serviço prestado”, o “cumprimento dos compromissos e prazos definidos para a sua prestação”, a “qualidade do atendimento”, a “quantidade de manifestações” referentes àquele serviço, as “medidas adotadas pela administração para a sua melhoria e aperfeiçoamento” (Brasil, 2017).

Ao órgão consultivo denominado “Conselho de Usuários”, definido nos arts. 18 a 22 da Lei nº 13.460, cuja composição deve observar os “critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas”, incumbe “acompanhar a prestação dos serviços, participar de sua avaliação, propor melhorias, contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário, acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor” (Brasil, 2017).

Outra importante figura da Lei nº 13.460, no art. 7º, é a “Carta de Serviços ao Usuário”, que deve apresentar informações claras e precisas relacionadas aos “serviços oferecidos, requisitos, documentos, formas e informações necessárias para acessá-los, principais etapas para o seu processamento, previsão do prazo máximo e forma para a sua prestação, locais para o usuário apresentar manifestação” (Brasil, 2017).

Em que pesem os avanços trazidos pela Lei nº 13.460, a norma peca por não fixar parâmetros mínimos para a estruturação das unidades ou institutos por ela exigidos. Por exemplo, são os atos normativos específicos de cada Poder e esfera de Governo que disporão sobre a organização e o funcionamento de suas ouvidorias, como deixa claro o art. 17 do Código de Defesa dos Usuários (Brasil, 2017). De igual maneira, regulamentos específicos de cada Poder e ente federativo disporão sobre a avaliação da efetividade e dos níveis de satisfação, organização e funcionamento dos Conselhos de Usuários e operacionalização da Carta de Serviços, como se extrai dos arts. 7º, § 5º, 22 e 24 da Lei nº 13.460 (Brasil, 2017).

Diante da eficácia limitada da Lei de Acesso à Informação e do Código de Defesa de Usuários, cuja aplicabilidade plena em estados e municípios depende da boa vontade política e regulamentar dos gestores, faz-se oportuno verificar quais instrumentos e referenciais federais encontram-se à disposição dos entes locais para a estruturação das atividades de ouvidoria.

4 ASPECTOS FEDERATIVOS: REFERENCIAIS FEDERAIS DE OUVIDORIA PÚBLICA

O “Plano Anticorrupção: Diagnóstico e Ações do Governo Federal”, elaborado pelo Comitê Interministerial de Combate à Corrupção (Decreto nº 9.755, de 11 de abril de 2019BRASIL. Decreto nº 9.755, de 11 de abril de 2019. Institui o Comitê Interministerial de Combate à Corrupção. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9755.htm . Acesso: 27 nov. 2021.
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) e publicado em dezembro de 2020, com vigência até 2025, é um potencial indutor de boas práticas e de cooperação federativa, contribuindo para suprir a lacuna supracitada e replicar técnicas estruturantes de ouvidoria pública aos entes subnacionais.

O documento destaca a “Rede Nacional de Ouvidorias”, coordenada pela CGU, que funciona como um fórum de integração, de livre adesão pelas ouvidorias públicas de todos os poderes dos entes da Federação, com o objetivo de promover capacitação de agentes públicos e conceber produtos que visem à construção de modelos normativos, à padronização nacional de procedimentos e à ampliação da segurança jurídica nas relações entre administração e usuário de serviços públicos (Brasil, 2020BRASIL. Comitê Interministerial de Combate à Corrupção. Plano anticorrupção: diagnóstico e ações do governo federal. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/anticorrupcao/plano-anticorrupcao.pdf . Acesso em: 1 dez. 2021.
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, p. 29).

A título exemplificativo, há Resolução nº 3, de 13 de setembro de 2019, com a qual a Rede Nacional de Ouvidorias aprovou a “Norma Modelo sobre Medidas Gerais de Salvaguarda à Identidade de Denunciantes”, motivada pela inexistência de um marco normativo nacional, amplo e abrangente, a garantir “medidas de proteção e resguardo às pessoas que denunciam qualquer ilícito ou irregularidade, contra represálias de ordem laboral, moral ou processual” (Brasil, 2019BRASIL. Rede Nacional de Ouvidorias. Resolução nº 3, de 13 de setembro de 2019. Aprova a Resolução sobre Medidas Gerais de Salvaguarda à Identidade de Denunciantes. Brasília, DF: Rede Nacional de Ouvidorias, [2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-3-de-13-de-setembro-de-2019-216324685 . Acesso em: 27 nov. 2021.
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). Os entes subnacionais integrantes da Rede obtêm um parâmetro técnico que pode ser incorporado ao respectivo ordenamento jurídico local, prevendo a preservação da identidade e pseudonimização de denunciantes.

Outra iniciativa diz respeito à implementação do “Modelo de Maturidade em Ouvidoria Pública” (MMOuP), cujo prazo de lançamento previsto pelo Plano Anticorrupção era 16/03/2021 (Brasil, 2020BRASIL. Comitê Interministerial de Combate à Corrupção. Plano anticorrupção: diagnóstico e ações do governo federal. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/anticorrupcao/plano-anticorrupcao.pdf . Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.gov.br/cgu/pt-br/anticorrupc...
, p. 29). A data foi observada pela CGU, com a publicação de “Referencial Teórico” e “Guia de Implementação” do MMOuP, ambos em março de 2021.

O Modelo de Maturidade estrutura-se em quatro dimensões (Brasil, 2021, p. 6): i) “estruturante” - agrega aspectos gerais sobre infraestrutura, planejamento, gestão de pessoas e garantias do titular da unidade de ouvidoria; ii) “essencial” - eminentemente voltada à aferição da profissionalização dos processos da ouvidoria, tais como aqueles relacionados ao tratamento de manifestações ou à governança de serviços da instituição à qual a unidade de ouvidoria está vinculada; iii) “prospectiva” - voltada à aferição da maturidade dos projetos conduzidos pela ouvidoria, em especial aqueles que buscam, de forma ativa ou proativa, informações úteis à gestão junto aos usuários de serviços públicos; iv) “específica” - a ser desenvolvida de acordo com as características específicas de um dado conjunto de unidades de ouvidoria, com vistas a aferir a maturidade das capacidades necessárias à execução de atividades específicas.

Cada uma dessas dimensões é composta por objetivos e quesitos avaliativos próprios, perfazendo uma escala progressiva a organizar-se conforme os níveis (Brasil, 2021, p. 8): i) “limitado” - inexistência do elemento analisado; ii) “básico” - existência do elemento; iii) “sustentado” - existência e institucionalização do elemento; iv) “otimizado” - existência, institucionalização e qualificação do elemento.

Por exemplo, a “dimensão estruturante” divide-se em (Brasil, 2021, p. 11): i) “institucionalidade” - relevância institucional, locus organizacional; ii) “capacidades e garantias da equipe” - rotatividade, estabilidade, escolaridade, heterogeneidade, condutas; iii) “capacidades e garantias do ouvidor” - escolaridade, prerrogativas, critérios de nomeação, acesso à alta administração; iv) “planejamento e gestão eficiente” - planejamento operacional, formação de competências, eficiência de alocação de recursos, segurança da informação, execução orçamentária; v) “infraestrutura e acessibilidade” - tecnologia da informação, bases de dados, infraestrutura física, acessibilidade tecnológica e experiência do usuário. Como a “dimensão estruturante” refere-se à base de uma unidade de ouvidoria, relativa às primeiras providências de sua institucionalização, resolveu-se expor, na tabela abaixo, alguns de seus elementos no nível “otimizado”, isto é, o mais avançado:

Tabela 1
MMOuP - “Nível otimizado” da dimensão estruturante

Assim, quando um determinado poder do ente federativo editar o ato normativo ao qual se refere o art. 17 da Lei nº 13.460, deverá observar os quesitos arrolados na “dimensão estruturante” do Modelo de Maturidade de Ouvidorias, buscando-se o “nível otimizado”, com o qual será atingida uma base avançada para a rotina de trabalho do novo órgão.

Requisitos de formação para o provimento do cargo de ouvidor, preferência por servidor público de carreira, previsão de mandato, criação de prerrogativas para a sua efetiva autonomia e independência, definição da ouvidoria como instância recursal dos pedidos de acesso à informação são alguns dos exemplos de boas práticas a serem incorporadas na legislação de regência. Ao mesmo tempo, a vinculação da ouvidoria ao órgão central de controle interno (Controladoria) também é recomendável, em atenção ao padrão organizacional da CGU.

No mais, para contornar o complexo desafio envolvido na disponibilização de canais informatizados para atendimento, exigidos pelo Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos e cujos custos são elevados, uma alternativa viável é a utilização da “Plataforma Fala.BR” (“Sistema e-OUV”), gerida pela CGU e disponibilizada gratuitamente aos entes subnacionais. Para tanto, basta proceder à adesão à Rede Nacional de Ouvidorias, nos termos da Instrução Normativa nº 3, de 5 de abril de 2019 (Brasil, 2019BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Instrução Normativa nº 3, de 5 de abril de 2019. Define modalidades de adesão e organização da Rede Nacional de Ouvidorias de que trata o art. 24-A do Decreto nº 9.492, de 5 de setembro de 2018, e dispõe sobre o Programa de Fortalecimento das Ouvidorias. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), [2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/ouvidorias/pt-br/ouvidorias/legislacao/in/IN03consolidadacorrigida.pdf . Acesso em: 27 nov. 2021.
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).

O órgão de ouvidoria estadual ou municipal que desejar utilizar “Sistema e-Ouv”, uma vez membro da Rede Nacional de Ouvidorias, deverá assim indicá-lo expressamente no Termo de Adesão ou em momento posterior, por meio de aditivo a referido termo, como exposto no art. 12, § 1º da Instrução Normativa nº 3 (Brasil, 2019). No sítio oficial da “Plataforma Fala.BR”, será criada uma página própria do aderente, que apresentará todos os formulários eletrônicos para manifestações de usuários e pedidos de acesso à informação, possibilitando a tutela das disposições da Lei de Acesso à Informação e do Código de Defesa dos Usuários.

Por conseguinte, constata-se um relevante papel de articulação interfederativa, desempenhado pela CGU, no apoio a estados e municípios para a estruturação de suas ouvidorias públicas, com o oferecimento gratuito de modelos normativos e sistemas eletrônicos.

5 CONCLUSÃO

O aperfeiçoamento da transparência na Administração Pública brasileira passa, necessariamente, pela compreensão de que as ouvidorias são instrumentos fundamentais para a efetiva concretização da transparência, esse “valor maior” que integra os subprincípios da publicidade, motivação e participação popular (Martins Júnior, 2015, p. 422).

Não por menos, a evolução legislativa encontrada na matéria revela a sua maturação como um verdadeiro instituto de fomento à transparência. A menção às ouvidorias, expressão antigamente empregada à autoridade superior da justiça colonial, voltou à tona em Emendas à Constituição, promulgadas entre o fim da década de 1990 e o começo do século XXI, que evidenciaram a preocupação do poder constituinte derivado com a defesa dos usuários de serviços públicos e determinaram a implantação dessas unidades no Poder Judiciário e no Ministério Público, para fins de recebimento de denúncias e reclamações. Isso indica a influência da ideia de ombudsman, advinda dos escandinavos.

No plano infraconstitucional, em âmbito federal, a CGU firmou-se como um padrão, espraiando-se pelos demais entes federativos, no qual a ouvidoria foi erigida a uma das “quatro macrofunções do controle interno” (Ungaro; Piccini, 2021UNGARO, Gustavo Gonçalves; PICCINI, Óthon Castrequini. O controle da administração municipal e a implementação de uma controladoria. Consultor Jurídico (ConJur), São Paulo, 28 ago. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-28/opiniao-controle-administracao-municipal-controladoria . Acesso em: 1 nov. 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-ago-28/op...
). Nas principais leis nacionais de grande relevância para a transparência pública - Lei de Acesso à Informação (Brasil, 2011) e Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos (Brasil, 2017) -, as atividades típicas de ouvidoria tiveram especial tratamento e protagonismo, respondendo pelas mais variadas atribuições de alto componente estratégico para a sociedade.

No atual contexto, o principal desafio consiste em disseminar de maneira ampla, por todo o país, a estruturação de ouvidorias públicas. A ausência de um parâmetro nacional e de eficácia plena, ainda não previsto em lei, que contivesse os elementos mínimos e o referencial comum para a implementação de unidades dessa natureza, prejudica a replicação das ouvidorias por órgãos e entidades de estados e municípios.

Não obstante a lacuna legal, alternativas factíveis estão à disposição dos entes locais, como a orientação técnica a partir do “Modelo de Maturidade em Ouvidoria Pública” (Brasil, 2021BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Modelo de maturidade em ouvidoria pública (MMOuP): referencial técnico. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União (CGU), 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/ouvidorias/pt-br/ouvidorias/modelo-de-maturidade-em-ouvidoria-publica/REFERENCIALTERICOMMOUP.pdf . Acesso em: 27 nov. 2021.
https://www.gov.br/ouvidorias/pt-br/ouvi...
) - mapeamento de elementos estruturante mínimos para a criação do órgão sob as melhores práticas -, a adesão à Rede Nacional de Ouvidorias - participação em iniciativas de capacitação e fóruns interfederativos, para intercâmbio de experiências - e a utilização gratuita do “Sistema e-OUV”, na “Plataforma Fala.BR” - sistema web para manifestações de usuários de serviços públicos e requerimentos de acesso à informação.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2022
  • Aceito
    05 Nov 2022
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