Acessibilidade / Reportar erro

A criatividade da interpretação: a imaginação nas práticas interpretativas do Direito

The creativity of interpretation: imagination in legal interpretative practices

Resumo

O objetivo deste artigo reside em explorar um possível lugar para a imaginação no tocante às práticas interpretativas dos juristas. A pesquisa toma como ponto de partida a abordagem de Ronald Dworkin sobre as práticas interpretativas da crítica literária e do direito. Por meio de uma revisão de literatura que abrange a posição de Dworkin e a de outros pesquisadores, o artigo argumenta que a imaginação estaria presente quando o jurista, ao mesmo tempo em que interpreta a unidade do ordenamento jurídico, assim o faz tendo como horizonte uma sociedade futura que refletiria os princípios básicos desse ordenamento.

Palavras-chave
Dworkin; Romance em cadeia; Juízo reflexivo; Imaginação

Abstract

The objective of this article is to explore a possible place for imagination within the interpretative practices of the legal actors. The research takes as its starting point the theoretical approach of Ronald Dworkin the interpretative practices of literary theory and law. Through a literature review of Dworkin´s position and of other researchers’ approach, this article argues that imagination is present when, as it develops a holistic interpretation of the legal system, the legal actor has as its horizon a future society based on the basic principles of that system.

Keywords
Dworkin; Chain novel; Reflective judgment; Imagination

1 INTRODUÇÃO

Há mais de um século a interpretação se estabeleceu como temática persistente no panorama da teoria do direito e de certas áreas do direito dogmático, a exemplo do direito constitucional e dos direitos fundamentais. Tem sido um tópico que fomentou debates capazes de proporcionar transformações significativas no desenvolvimento da jurisprudência analítica, com especial atenção ao positivismo jurídico em sua encarnação anglo-saxônica. As críticas de Ronald Dworkin a H. L. A. Hart, assim como as respostas mais recentes às posições de Dworkin, como aquelas de Joseph Raz, Andrei Marmor e Stanley Fish, apenas para mencionar algumas, trazem à tona questões atreladas à temática da interpretação em geral. Pontos como a objetividade e a subjetividade na decisão judicial, indeterminação das normas jurídicas e o papel dos valores nas práticas interpretativas, mostram-se recorrentes.

Em seu conhecido artigo, Law as Interpretation, Dworkin desenvolveu uma concepção de interpretação diferente daquela que até então era compartilhada por muito dos seus contemporâneas, sobretudo aqueles que se situavam no rastro da jurisprudência analítica de H. L. A Hart ou do positivismo analítico de Hans Kelsen. Nesse artigo, Dworkin apontou certas interseções entre a prática interpretativa da crítica literária e aquela que estaria presente nos tribunais, destacando o quanto essas práticas aparentemente individuais ocorrem em um contexto coletivo mais abrangente e implícito nessas práticas.

Para além desse ponto central em Law as Interpretation, Dworkin desenvolve uma reflexão estética na qual certos valores e noções atreladas ao universo das artes são transpostos para aquele das práticas interpretativas dos juristas e os problemas que lhe são decorrentes. Uma vez que a interpretação não mais se associa a uma operação de subsunção, cujo problema central é a adequação de um conceito a um dado empírico, em que medida se pode pensar uma criatividade interpretativa a partir dos constrangimentos institucionais que permeiam as práticas do direito? É neste ponto que a pesquisa busca situar o lugar da imaginação.

Por meio de uma leitura informada pelo criticismo kantiano, este artigo almeja examinar como a faculdade da imaginação pode ser importante para esclarecer o lugar da criação nas práticas interpretativas do direito tal como Dworkin as concebe principalmente em Law as Interpretation. Acredita-se que a imaginação é um fio condutor que não apenas permite a formulação de uma concepção de juízo diversa da noção usual de subsunção, como também que é capaz de se ajustar a uma compreensão mais coletiva das práticas interpretativas, o que é algo que o teórico aponta na associação que estabelece entre a interpretação jurídica e a da crítica literária.

O artigo é organizado a partir de três seções. A primeira tem como objetivo esclarecer quais os principais aspectos que permeiam a relação entre a interpretação da crítica literária e aquela dos juristas na abordagem proposta por Dworkin. A segunda seção, ao destacar determinadas concepções referentes à imaginação, pretende associá-la à maneira como Dworkin aborda os princípios jurídicos. A terceira seção, por sua vez, tem como propósito o de analisar o lugar da imaginação em meio à comunidade de intérpretes pensada pelo autor através do seu conceito de romance em cadeia (chain novel).

A metodologia empregada pelo artigo tem como base uma revisão de literatura cujo fio condutor é a interseção entre direito e literatura no tocante às práticas interpretativas. Neste ponto, tendo como base aquela revisão, a pesquisa pretende esclarecer um possível lugar para a imaginação e a sensibilidade em meio a esse panorama conceitual.

2 O ENCONTRO DO DIREITO COM A CRÍTICA LITERÁRIA: A DECISÃO JUDICIAL E PRÁTICAS INTERPRETATIVAS

Em seu artigo Law as interpretation, Ronald Dworkin sustenta que as práticas interpretativas envolvem tanto as interpretações de objetos específicos, como leis, decretos e outros atos jurídicos, quanto uma concepção mais abrangente do que seria o Direito. É no desenvolvimento desse raciocínio que o autor apresenta a sua concepção coletiva da decisão judicial na qual a dimensão política é trazida para o centro da compreensão que os atores jurídicos dispõem da estrutura jurídica em si mesma e da comunidade de que fazem parte. A decisão judicial na abordagem de Dworkin se aproxima das práticas interpretativas do universo da crítica literária.

Considerando que certos enunciados jurídicos apresentam diversos graus de abstração, como o que estabelece a política das ações afirmativas e a discriminação de certos grupos minoritários ou, de maneira mais específica, as cláusulas específicas de um contrato de locação firmado entre as partes, a pergunta que vai estabelecer o direcionamento da reflexão de Dworkin, é a seguinte: do que realmente se tratam esses enunciados e o que está em jogo ao se atribuir um significado a eles?

Uma primeira concepção seria a de que os enunciados jurídicos representam um dado estado de coisas que pode ser empiricamente verificável. Nessa hipótese, o valor verdade desses enunciados está na confirmação, ou não, da ocorrência desse estado de coisas. Em diferentes cenários, a exemplo daquele referente às cláusulas contratuais, essa é uma definição razoável tendo em vista a facilidade de se constatar os elementos descritos no contrato.

Em contrapartida, quando se trata de um projeto de lei referente às ações afirmativas, divergências surgem entre juristas com opiniões que se mostram bastante razoáveis e juridicamente defensáveis. Em uma primeira leitura, os enunciados que compõem o projeto das ações afirmativas não descrevem uma realidade que pode ser empiricamente verificável. Caso assim o fossem, juristas que conhecem bem o Direito Constitucional não divergiriam entre si sobre o amparo constitucional do mencionado projeto. Se essa é uma discordância legítima, então ela se baseia em uma questão que não pode ser resolvida mediante uma observação empírica pontual. Não sendo em si descritivos, o que são, então, esses enunciados em particular? Dworkin pondera:

Quais são as outras possibilidades? Uma é supor que as proposições controversas do direito, como a lei das ações afirmativas, não são de maneira alguma descritivos, antes são expressões do que o falante gostaria que o direito fosse. Outra, mais ambiciosa: enunciados controversos são tentativas de descrever algum direito natural puro ou objetivo, que existe em função de uma verdade moral objetiva ao invés de uma decisão histórica. Ambos os projetos consideram alguns enunciados jurídicos como sendo, ao menos, puramente valorativos ao invés de descritivos: eles expressam o que o falante prefere - a sua política pessoal - ou o que ele acredita que seria objetivamente necessário considerando os princípios de uma moralidade política ideal. (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 180. Tradução própria)1 1 No original: “What are the other possibilities? One is to suppose that controversial propositions of law, like the affirmative action statement, are not descriptive at all but are rather expressions of what the speaker wants the law to be. Another is more ambitious: controversial statements are attempts to describe some pure objective or natural law, which exists in virtue of objective moral truth rather than historical decision. Both these projects take some legal statements, at least, to be purely evaluative as distinct from descriptive: they express either what the speaker prefers - his personal politics - or what he believes is objectively required by the principles of an ideal political morality”. Todas as traduções em língua estrangeira serão realizadas pelo autor deste artigo e com o propósito de ser utilizado apenas no trabalho em questão.

Dworkin opta pelo caminho do meio: nem os enunciados jurídicos se encontram divorciados da história do direito, tornando-os puramente avaliativos, nem se restringem a descrever uma circunstância particular. Os enunciados refletem uma interpretação da história do direito, mesclando elementos avaliativos e descritivos, sem que se identifique completamente com um ou outro tipo. O termo interpretação é compreendido aqui de uma maneira um tanto quanto diversa daquela mais comum entre os juristas em geral.

Nesta perspectiva, a interpretação é uma atividade que toma como objeto passagens consideradas obscuras ou ambivalentes: o significado não está claro em uma primeira leitura, ou é uma fonte constante de divergência entre os intérpretes. Se, no entanto, a interpretação almeja ser uma categoria pertinente para se determinar o valor verdade dos enunciados jurídicos, é preciso, seguindo Dworkin, desenvolver uma concepção mais inclusiva e ampla de interpretação (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 181 e ss).

Com isso o autor propõe um pequeno deslocamento quanto à maneira de se conceber o conceito: de atividade específica para uma atividade geral, ou seja, um modo de conhecimento. Sendo uma atividade geral, as fronteiras disciplinares que normalmente acompanham o estudo das práticas interpretativas, como a interpretação jurídica ou a interpretação literária, passam a ser relativizadas e tornadas mais flexíveis pelo autor: caso o jurista queira compreender, de fato, o lugar da interpretação no seu próprio campo, seria oportuno que ele também fosse estudar outros campos nos quais as práticas interpretativas são centrais, e é neste ponto que ele menciona a interpretação artística, destacando aquela que ocorre no âmbito da literatura (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 182 e ss).

A opção pela crítica literária é fecunda para uma abordagem jurídica por algumas razões. A primeira delas é a de que, de início, os críticos literários divergem sobre o que seria a interpretação literária e como fazê-la. Autores como Jonathan Culler e J. Hillis-Miller provavelmente vão divergir de Terry Eagleton quanto ao que seria a proposta da crítica literária e qual seria a maneira mais adequada de desenvolvê-la. É oportuno explorar esse tipo de divergência porque ele também pode ser identificado, ressalvadas as particularidades de cada área, nos debates da teoria do direito acerca da decisão judicial e dos métodos a serem empregados na interpretação dos enunciados normativos (Fish, 1989aFISH, Stanley. Wrong Again. In: FISH, Stanley. Doing What Comes Naturally: Change, Rhetoric, and the Practice of Theory in Literary and Legal Studies. Durham: Duke University Press, 1989a. p. 103-119., 1989bFISH, Stanley. Working on the Chain Gang: Interpretation in Law and Literature. In: FISH, Stanley. Doing What Comes Naturally: Change, Rhetoric, and the Practice of Theory in Literary and Legal Studies. Durham: Duke University Press , 1989b. p. 87-102.; Shapiro, 2007SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide for The Perplexed. Public Law and Legal Theory Working Paper Series, v. Working Paper 77, 2007. ).

A segunda razão é a de que o desenvolvimento da crítica literária ocorre em meio a um diálogo entre críticos, e mesmo entre gerações de críticos, marcados por divergências e reconsiderações de posicionamento. A reapreciação de uma obra há muito esquecida pela crítica contemporânea, sobretudo quando a obra em questão foi rechaçada no seu contexto histórico, tende a ser quase uma regra e não tanto uma exceção, como se pode supor: as transformações sociais e culturais modificam também as sensibilidades estéticas de cada época, promovendo novos critérios ou redefinindo os antigos, impactando dessa maneira também o juízo que se faz em torno das obras.

Controvérsias jurídicas, como aquela referente à constitucionalidade das ações afirmativas, além de colocarem em primeiro plano a política pessoal dos magistrados, como assinalou Dworkin, articulam preocupações, sentimentos e expectativas políticas implícitas a um determinado panorama sócio-histórico. Cada controvérsia é examinada a partir de um pano de fundo particular: é por meio desse panorama que as questões, os ângulos e certas dimensões da questão debatida vão adquirir significado e relevância. Se o projeto das ações afirmativas é fruto de uma certa conjuntura histórica, também o debate sobre a sua constitucionalidade será fruto dessa mesma circunstância, podendo inclusive ser pacificado em função das discussões que o sucedem, ou não. O que está em jogo permanece sendo a interpretação.

Essa abordagem das controvérsias guarda certa semelhança com o que ocorre no terreno da literatura em termos de práticas interpretativas. Conforme Dworkin, é muito comum se encontrar interpretações de trabalhos literários nas quais se desenvolve um sentido mais abrangente da obra em si mesma ao invés de se buscar esclarecer o significado de uma ou outra passagem considerada obscura ou incongruente com a obra em geral. Escreve o autor sobre o que se pode chamar de argumentos interpretativos:

Esses [argumentos interpretativos] algumas vezes tomam a forma de assertivas sobre personagens: que Hamlet, de fato, amava a sua mãe, por exemplo, ou que ele realmente a odiava, ou que, de fato, não existiria mesmo um fantasma, apenas uma manifestação esquizofrênica do próprio Hamlet. Ou sobre eventos na estória por trás da estória: que Hamlet e Ophelia eram amantes antes da peça começar (ou não o eram). Mais frequentemente eles fornecem diretamente hipóteses sobre o “ponto” ou o “tema” ou o “significado” ou o “sentido” ou o “tom” da peça como um todo: que Hamlet é uma peça sobre morte, por exemplo, ou sobre gerações, ou sobre política (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 182. Tradução própria)2 2 No original: “These sometimes take the form of assertions about characters: that Hamlet really loved his mother, for example, or that he really hated her, or that there really was no ghost but only Hamlet himself in a schizophrenic manifestation. Or about events in the story behind the story: that Hamlet and Ophelia were lovers before the play begins (or were not). More usually they offer hypotheses directly about the “point” or “theme” or “meaning” or “sense” or “tone” of the play as a whole: that Hamlet is a play about death, for example, or about generations, or about politics”. .

Alguns argumentos interpretativos, como os que foram mencionados por Dworkin, excedem os dados mais imediatos na medida em que almejam atribuir um significado que busca apreender a totalidade de uma obra em questão: ao rearticular os diferentes elementos, a exemplo das motivações dos personagens, o lugar e as características particulares de cada personagem, os argumentos interpretativos vão além dos elementos fornecidos pelo texto ao apresentarem um significado, propósito ou objetivo que não se confunde com a totalidade dos elementos fornecidos pelo texto. A totalidade da obra, ao invés de ser algo dado ou um ponto de partida para o intérprete, será ele mesmo uma construção oriunda da prática interpretativa: um horizonte abrangente por meio do qual os personagens, suas ações, motivações e características adquirem os seus sentidos.

Em sua leitura da abordagem de Dworkin, sobretudo aquela apresentada na obra Law´s Empire, Alexandre Lefebvre desenvolve um interessante paralelo com o juízo estético que Immanuel Kant apresenta em sua Crítica da Faculdade de Julgar, a sua terceira crítica. Nessa obra, Kant afirma que a natureza empírica e as suas diversas leis precisam ser encaradas como uma unidade coerente dotada de um propósito (Kant, 2000KANT, Immanuel. Critique of the Power of Judgment. Cambridge: Cambridge University Press , 2000., p. 20 [FI, VII, 20: 216] e ss). Essa atribuição de propósito, que não se faz presente a partir dos dados que chegam à percepção, é por ele chamada de juízo teleológico: a natureza precisa ser julgada como se fosse adequada às faculdades de julgar do observador (Kant, 2000KANT, Immanuel. Critique of the Power of Judgment. Cambridge: Cambridge University Press , 2000., p. 24 [FI, VII, 20: 222] e ss).

A atividade de julgar não implica em outra coisa que a relação entre o universal e o particular. Na tipologia kantiana dos juízos, quando o universal já está estabelecido, como no caso de regras ou códigos de conduta, o que se tem é uma subsunção de uma circunstância particular à regra ou ao código universal: é a hipótese do juízo determinativo. Em termos exemplificativos, uma vez que se tem uma categoria geral de romance que fornece os elementos básicos desse gênero literário, avaliar se Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis se enquadra ou não nessa categoria implica na formulação do mencionado juízo. Por outro lado, como Lefebvre aponta na abordagem de Kant, se apenas o particular é fornecido, caberá ao juízo encontrar o universal: na classificação kantiana, esse é o juízo denominado reflexivo.

É pertinente considerar a dimensão subjetiva que envolve o juízo reflexivo uma vez que ela será de grande importância para se explorar, mais adiante nessa pesquisa, a perspectiva kantiana acerca da imaginação e de como ela pode contribuir para uma exploração da linha de argumentação proposta por Ronald Dworkin. Em uma intrincada passagem da Crítica da Faculdade de Julgar, Kant contempla a questão acima destacada:

Cada juízo determinativo é lógico porque o seu predicado é um conceito objetivo dado. Um mero juízo reflexivo sobre um objeto individual em particular, no entanto, pode ser estético se (antes que se possa vislumbrar a sua comparação com outros) o poder de julgar, que não dispõe de um conceito pronto para uma dada intuição, apreenda a imaginação (simplesmente na apreensão do objeto) junto com a compreensão (na apresentação do conceito em geral) e perceba a relação entre as duas faculdades de cognição que constituem o subjetivo, apenas a condição sensível do uso objetivo do poder de julgar em geral (a saber, o acordo entre as duas faculdades). No entanto, um juízo estético do sensível também é possível se o predicado do juízo não pode ser o predicado de um objeto, tendo em vista que não pertence de nenhuma maneira à faculdade de cognição, por exemplo o vinho é agradável, tendo em vista que o predicado expressa a relação da representação que é imediata à sensação de prazer e não à faculdade de julgar (grifo nosso) (Kant, 2000KANT, Immanuel. Critique of the Power of Judgment. Cambridge: Cambridge University Press , 2000., p. 26 [FI, VIII, 20: 224]. Tradução própria)3 3 No original: “Every determining judgment is logical because its predicate is a given objective concept. A merely reflecting judgment about a given individual object, however, can be aesthetic if (before its comparison with others is seen), the power of judgment, which has no concept ready for the given intuition, holds the imagination (merely in the apprehension of the object) together with the understanding (in the presentation of a concept in general) and perceives a relation of the two faculties of cognition which constitutes the subjective, merely sensitive condition of the objective use of the power of judgment in general (namely the agreement of those two faculties with each other). However, an aesthetic judgment of sense is also possible, if, namely, the predicate of the judgment cannot be a predicate of an object at all, because it does not belong to the faculty of cognition at all, e.g., the wine is pleasant, for then the predicate expresses the relation of the representation immediately to the feeling of pleasure and not to the faculty of cognition”. .

Dworkin adota como fio condutor para o desenvolvimento de sua abordagem interpretativa da decisão judicial o desacordo entre os juristas para salientar que o que está em questão não reside na adequação ou inadequação entre as categorias jurídicas e o estado de coisas que elas pretendem apreender, como, de certa maneira, pode-se perceber a partir da textura aberta de H. L. A. Hart. O famoso argumento do aguilhão semântico (semantic sting), que ilustra a crítica de Dworkin a Hart ilustra bem esse ponto (Dworkin, 1967DWORKIN, Ronald. The Model of Rules. University of Chicago Law Review, v. 35, p. 14-46, 1967.; Endicott, 1998ENDICOTT, Timothy A. O. Herbert Hart and The Semantic Sting. Legal Theory, v. 4, p. 283-300, 1998.; Shapiro, 2007SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide for The Perplexed. Public Law and Legal Theory Working Paper Series, v. Working Paper 77, 2007. ).

O juízo determinativo reflete a compreensão usual acerca da subsunção no que diz respeito à decisão judicial: solucionar uma lide judicial implica em encontrar uma normal, precedente ou entendimento doutrinário (o universal) para lidar com um problema que surge a partir de um contexto concreto (o particular). Em Law´s Empire, Dworkin nomeia essa abordagem de plain-fact view: a decisão judicial é a aplicação das palavras da lei. Conforme visto acima, essa abordagem pode se mostrar apropriada no que se refere às cláusulas contratuais e outros elementos normativos mais concretos, porém se mostra problemática no tocante às grandes controvérsias constitucionais. Para lidar com essa questão, Dworkin propôs uma saída que se tornou clássica na teoria do direito: a sua distinção entre regras e princípios.

Considerando o propósito desse trabalho, o importante é destacar que a plain-fact view, ancorada no juízo determinativo, ajusta-se bem às regras, mas não aos princípios. Assim como no tocante à interpretação das obras literárias, onde o sentido da unidade da obra precisa ser construído pelo intérprete, também os princípios não são determinativos, eles não trazem consigo os critérios para a sua própria aplicação nos diferentes casos.

A sua amplitude semântica, ao contrário das regras, impede que haja uma subsunção precisa dos casos jurídicos. Sendo assim, o universal não pode ser tomado como ponto de partida para a formulação de um juízo no qual se possa conceitualmente apreender o particular. O objetivo da próxima seção será o de conciliar a dinâmica dos princípios formulada por Dworkin a um conceito específico de imaginação um tanto quanto próximo da interpretação da crítica literária.

3 A IMAGINAÇÃO E OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Imaginação é uma palavra que comumente se encontra associada à fuga de uma realidade presente que se perde em devaneios abstratos, intangíveis. Pode facilmente se confundir com alienação. No desenvolvimento desta pesquisa, a imaginação será abordada por um outro viés, que seria o de aprofundar, ao invés de simplesmente transcender, a realidade: ela é parte indispensável no conhecimento da própria realidade. Mais uma vez, essa é também uma linha de argumentação que permeia a Crítica da Razão Pura de Kant: a realidade que se conhece é uma realidade construída através das formas puras da intuição, o espaço e o tempo, e das formas puras do entendimento, as categorias.

Diferente de conhecer, imaginar implica representar sem ter em mente como as coisas efetivamente tendem a se mostrar. Neste sentido, a imaginação abre espaço para que se possa representar as coisas diferentemente de como elas imediatamente se mostram, enveredando por uma temporalidade que é distinta também do presente, ou mesmo adotando uma outra perspectiva, distinta da própria (Onol, 2015ONOL, Tugba Avas. Reflections on Kant´s View of the Imagination. Ideas y Valores, v. 64, n. 157, p. 53-69, 2015., p. 59 e ss). O que se tem é uma extrapolação do objeto atual, empiricamente apreendido. A imaginação permite representar um estado de coisas que não é o caso e talvez jamais possa vir a sê-lo. Em um trecho da Crítica da Razão Pura, Kant aponta essa extrapolação da imaginação no que se refere à representação de algo que transcende a própria experiência:

O conceito de “cachorro” significa uma regra que permite à minha imaginação delinear a figura de um animal de quatro patas de uma forma geral, sem se deixar limitar por qualquer figura determinada como a experiência, ou qualquer imagem possível que eu posso representar in concreto, estando de fato presente (Kant, 1999KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1999., p. [A 141; B 180-181]. Tradução própria)4 4 No original: “The concept of a “dog” signifies a rule according to which my imagination can delineate the figure of four-footed animal in a general manner, without limitation to any single determinate figure such as experience, or any possible image that I can represent in concreto, actually presents”. .

Essa regra não é estabelecida pela experiência sensível e sim organiza essa experiência, logo não se conforma ou se restringe aos dados empiricamente apreendidos. Esse deslocamento é decorrente da síntese das intuições e da reprodução das imagens, o que na primeira crítica kantiana é concebido nos termos de uma síntese a priori das formas puras da intuição, o espaço e o tempo, condições de toda experiência possível. Existem muito mais nuances no que tange à imaginação na primeira crítica kantiana, porém esse é um tema que em muito extrapola as pretensões desta pesquisa: a breve incursão acima serve para situar a relação entre imaginação e representação, que será retomada, também de forma muito abrangente, na terceira crítica.

A transição da primeira para a terceira crítica leva a uma reformulação do papel da imaginação, que agora tem a função de reconciliar os domínios da razão teórica e da razão prática por meio do juízo reflexivo já apresentado na seção precedente deste artigo: a imaginação nesse momento se encontra inserida entre a faculdade de cognição e a do desejo. Ela permanece sendo uma faculdade da cognição, porém, no tocante à faculdade de julgar, mudanças significativas são introduzidas. Tugba Ayas Onol desenvolve esse ponto:

Entre os diversos juízos de gosto, no juízo referente ao belo, quando a imaginação realiza uma mera apreensão da forma de um objeto e isso aciona o livre jogo entre as faculdades da imaginação e do entendimento, um sentimento de prazer surge. Por conta desse sentimento de prazer, o sujeito julga o objeto da reflexão estética como belo. Deste modo, conforme Kant, ao discernir o que é belo e o que não é, nós não nos voltamos para o entendimento ou a representação do objeto e sim para a faculdade da imaginação (Onol, 2015ONOL, Tugba Avas. Reflections on Kant´s View of the Imagination. Ideas y Valores, v. 64, n. 157, p. 53-69, 2015., p. 60. Tradução própria)5 5 No original: “Among several judgments of taste, in the judgment of the beautiful, when the imagination performs a mere apprehension of the form an object and this form triggers a free play between faculties of the imagination and the understanding, a feeling of pleasure arises. Due to this feeling of pleasure, the subject judges the object of aesthetic reflection as beautiful. Hence, according to Kant, in discerning what is beautiful or not we do not appeal to the understanding or the representation of the object but to the faculty of the imagination”. .

No que diz respeito ao juízo de gosto, a função da imaginação não é reprodutiva, ou seja, espelhando tão somente o que se manifesta, e sim produtiva: ela atua livremente na produção de uma série de intuições possíveis (Onol, 2015ONOL, Tugba Avas. Reflections on Kant´s View of the Imagination. Ideas y Valores, v. 64, n. 157, p. 53-69, 2015., p. 60 e ss). Esse aspecto produtivo, que é o mais importante para esta pesquisa, é desenvolvido por Kant em sua análise do gênio e das artes. O que filósofo prussiano coloca em destaque é a criação do trabalho artístico ao invés de sua avaliação.

O poder criativo da imaginação implica em fornecer uma segunda natureza à realidade material com que o sujeito se defronta. Tugba Ayas Onol fala em uma reorganização das percepções do sujeito cognoscente da natureza com a qual ele mesmo se defronta. Ele escreve:

As percepções de uma dada natureza podem ser organizadas de uma nova maneira através do emprego da imaginação produtiva. Isso significa que obtemos uma certa sensação de liberdade da lei da associação (que é associada ao emprego empírico da imaginação). Uma forma não-natural pode ser apreendida dessa maneira e tendo em vista que as suas partes pertencem à natureza, a produção da qual Kant fala é mais como se fosse uma colagem. Neste momento, o que se precisar atentar é a liberdade concedida à imaginação produtiva (Onol, 2015ONOL, Tugba Avas. Reflections on Kant´s View of the Imagination. Ideas y Valores, v. 64, n. 157, p. 53-69, 2015., p. 61. Tradução própria.)6 6 No original: “Nature´s given perceptions can be reorganized in a new fashion by means of the employment of the productive imagination. By this means, we get a sense of our freedom from the law of association (which is attached to the empirical employment of the imagination). An unnatural form can be grasped in this way and since its parts belong to nature, the production Kant talks about is more like a collage. At this point, what needs attention is the freedom bestowed upon the productive imagination”. .

É essa dinâmica de reorganização das percepções que, junto com a própria estrutura do juízo reflexivo, pode ser oportuna para se destrinchar analiticamente a abordagem interpretativa de Dworkin no tocante às controvérsias jurídicas. Considerando a explicação fornecida pelo autor, as divergências constitucionais entre juristas dotados de bom-senso e argumentos razoáveis ocorrem em função da interpretação que possuem tanto dos diferentes princípios quanto das instituições jurídicas.

A prática interpretativa opera um trabalho de reconstrução do ordenamento jurídico tendo como base dois pontos: o primeiro reside na atribuição de um propósito ao ordenamento, enquanto o segundo implica em ancorar esse propósito nos princípios jurídicos existentes. A reconstrução em si implica em interpretar as instituições jurídicas a partir daquela que seria a sua melhor perspectiva (in its best light, como escreve Dworkin) frente aos princípios estabelecidos pela comunidade política.

Discordâncias sobre o direito, na verdade, refletem divergências em torno dos princípios e da melhor maneira de interpretá-los considerando o caso em questão e toda a construção dos institutos, das normas e dos precedentes que historicamente constituíram - e constituem - o direito estabelecido e operacionalizado pelos juristas. Aqui o direito já não pode ser entendido como um conjunto de regras cuja aplicação independe do contexto mais abrangente das práticas sociais institucionalizadas. A interpretação do direito necessariamente perpassa o arcabouço moral que o envolve. Essa é uma atividade tipicamente kantiana: trata-se de avaliar como o sensível, pensado aqui em termos de regras e casos, vai se ajustar ao inteligível, que são os objetivos da prática e os princípios jurídicos historicamente estabelecidos. Nas páginas iniciais da Crítica da Faculdade de Julgar se pode encontrar uma formulação sobre esse tema:

O poder do juízo pode ser compreendido tanto como uma mera faculdade para refletir sobre uma dada representação, em conformidade com certos princípios em prol de um conceito que se torna então possível, ou como uma faculdade para determinar um conceito subjacente de uma dada representação empírica. No primeiro caso se trata do reflexivo, no segundo caso do poder determinante do juízo (Kant, 2000KANT, Immanuel. Critique of the Power of Judgment. Cambridge: Cambridge University Press , 2000., p. 15 [FI, V, 20: 211]. Tradução própria)7 7 No original: “The power of judgment can be regarded either as a mere faculty for reflecting on a given representation, in accordance with a certain principle, for the sake of a concept that is thereby made possible, or as a faculty for determining an underlying concept through a given empirical representation. In the first case it is the reflecting, in the second case the determining power of judgment. (FI, V, 20:211)” .

Essa abordagem é reflexiva ao invés de determinativa uma vez que não ocorre qualquer subsunção entre os casos e os princípios, antes a necessidade de construções argumentativas que respaldam a maneira como um princípio, ou mesmo um conjunto de princípios, fornece o amparo necessário à decisão judicial. Mesmo quando o magistrado articula, na sua decisão, as regras jurídicas que foram empregadas em decisões anteriores, ainda assim elas necessitam de um esquema de princípios que justifiquem a implementação dessas regras, sendo esse o lugar dos princípios: os princípios são a pressuposição que possibilitam o juízo reflexivo no contexto da decisão judicial. Desenvolvendo mais a relação entre Kant e Dworkin quanto a essa questão, Lefebvre vai escrever o seguinte:

Esta pressuposição não proporciona uma lei a ser aplicada; ao invés disso, ela possibilita um exame das nossas instituições jurídicas como princípios encarnados através dos quais os casos serão decididos. Eu caracterizo a teoria do julgamento de Dworkin como reflexiva tendo em vista o propósito da sua pressuposição. Essa pressuposição é transcendental - ela serve como condição a priori que possibilita uma interpretação significativa e o julgamento dos propósitos, leis e casos particulares (Lefebvre, 2008LEFEBVRE, Alexandre. The Image of Law: Deleuze, Bergson, Spinoza. Stanford: Stanford University Press, 2008., p. 26. Tradução própria)8 8 No original: “This presupposition does not deliver a law to apply; instead, it enables an examination of our legal institutions as embodying principles with which to adjudicate cases. I characterize Dworkin´s theory of judgment as reflective because of its presumption of purpose. Such a presumption is transcendental - it serves as the a priori condition that enables meaningful interpretation and judgment of particular purposes, laws, and cases”. .

Os princípios revelam múltiplas possibilidades para o jurídico: o conjunto de direitos e princípios estabelecidos traz sempre consigo outras abordagens do ordenamento jurídico através de interpretações distintas dos princípios que lhe amparam. Aquilo que seria a melhor leitura (in its best light) do direito vigente estaria ancorado em uma série de fatores que mutuamente se influenciam e que abrangem a circunstância existencial do intérprete. Essa leitura é perpassada pela autocompreensão do intérprete no que se refere aos valores que amparam a comunidade política na qual o ordenamento jurídico se encontra ancorado.

Em síntese, o trabalho de atribuição de propósito ao ordenamento jurídico e aos seus princípios fundamentais retrata a operação do juízo reflexivo já que o universal - a unidade do ordenamento e dos princípios subjacentes à comunidade política - é que precisa ser formulado a partir do particular, aqui caracterizado pelo problema apresentado pelo caso concreto. Por sua vez, o trabalho de articulação, responsável por vincular o universal e o particular, seria uma construção da imaginação.

Os desacordos entre intérpretes razoáveis, de bom senso e bem-informados não só quanto aos elementos normativos do ordenamento jurídico como também acerca dos valores subjacentes da comunidade política, tratam das diferentes construções de significado dos princípios jurídicos, sobretudo no tocante à relação entre o arcabouço jurídico e a comunidade política, e, por outro lado, do problema examinado pelos juristas. É dessa maneira que, no âmbito desta perspectiva, pode-se falar em uma certa liberdade interpretativa associada à faculdade da imaginação.

Existem, porém, constrangimentos não-normativos que envolvem o intérprete e Dworkin os discute mediante a sua formulação do conceito de integridade. É por meio da integridade que diferentes leituras de uma obra podem ser comparadas para que se possa determinar quais são pertinentes ou não. Uma leitura, segundo Dworkin, não pode destacar uma pequena seção da totalidade de uma obra ao mesmo tempo em que desconsidera uma ampla parte do texto, tornando-o irrelevante para a totalidade da obra em si. Por mais que o intérprete pretenda desenvolver uma leitura distinta daquela que seria mais comum, esse itinerário violaria a integridade da obra, diminuindo o valor da interpretação em si. Sobre uma interpretação que trata de considerar uma novela de Agatha Christie, por exemplo, como um tratado sobre o significado da morte, Dworkin escreve:

Esta interpretação não apenas falha porque uma novela de Agatha Christie considerada como um tratado sobre a morte, é um tratado pobre e menos valioso do que um bom mistério, mas também porque a interpretação mutila toda a novela. Com exceção de uma ou duas frases, o restante seria irrelevante para a temática atribuída; e a organização, o estilo e as figuras não são apropriados para uma novela filosófica e sim para um gênero completamente distinto (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 184. Tradução própria)9 9 No original: “This interpretation fails not only because an Agatha Christie, taken to be a tract on death, is a poor tract less valuable than a good mystery but because the interpretation makes the novel a shambles. All but one or two sentences would be irrelevant to the supposed theme; and the organization, style, and figures would be appropriate not to a philosophical novel but to an entirely different genre”. .

Reinterpretações ambiciosas podem sim reconsiderar uma obra de arte a partir de uma perspectiva completamente diversa daquela que até então vinha sendo realizada, porém o fato dessas reinterpretações não serem recorrentes ou mesmo não se ajustarem à estrutura das novelas de Agatha Christie tende a reafirmar as limitações e constrangimentos associados à integridade das práticas interpretativas. Dworkin enfatiza que a determinação do que seria relevante ou irrelevante, central ou periférico, comum ou incomum, no que diz respeito a uma obra, será alvo de incessantes discussões e debates entre os críticos, sobretudo quando considerada a pluralidade de abordagens quanto à interpretação.

Para além das decisões interpretativas do intérprete no tocante ao que seria mais proveitoso, interessante, valioso em uma obra específica, pode-se também falar em estruturas normativas referentes à interpretação, estruturas estas que implicitamente, ou por vezes explicitamente, conduzem, limitam, ou impedem, determinadas decisões interpretativas. As comunidades de intérpretes se sustentam a partir dessas estruturas. Este ponto será desenvolvido com mais cuidado na seção subsequente.

Uma vez que busca explorar os potenciais transformadores enraizados na sociedade presente, o imaginário político tende a apontar as limitações e restrições subjacentes ao atual sistema de direitos e garantias. Por essa razão, o imaginário político tende a ser um dos mais importantes aportes para uma crítica do presente. Em diferentes momentos da obra de Dworkin é possível observar a maneira como o autor articula o imaginário político a partir de temas específicos, ancorados nos valores que proporcionam a sustentação da comunidade política em geral. Seu conceito de integridade, ao dispor que todos os cidadãos sejam todos tratados com igual consideração e respeito, acaba proporcionando uma ponte que conecta o imaginário político da democracia dos Estados Unidos com determinadas pautas políticas que surgem das expectativas e necessidades de certos segmentos da população.

A título de exemplificação, em seu livro Life´s Dominion, Dworkin explora as questões do aborto e da eutanásia à luz da liberdade individual cujo amparo decisivo recai na Primeira Emenda (Dworkin, 1994DWORKIN, Ronald. Life’s Dominion: An Argument About Abortion, Euthanasia, and Individual Freedom. New York: Vintage, 1994.). É perceptível que, não obstante o desenvolvimento da discussão ocorrer a partir da linguagem dos direitos, as fronteiras entre o jurídico e o político são praticamente dissolvidas no desenvolvimento da reflexão do autor.

Embora as ambivalências e detalhes da liberdade individual sejam o que efetivamente vai conduzir a reflexão do autor, pode-se dizer que o cerne da discussão é o de uma interpretação mais abrangente do imaginário político dos Estados Unidos, contemplando não somente a autonomia individual, como as diferentes concepções do que seria vida e qual seria o valor da vida quando considerado a partir da liberdade individual dos cidadãos. Isso reflete bem a concepção de Dworkin de que toda interpretação verdadeiramente pertinente de um sistema jurídico tende a ser política.

Para além de amparar a integridade do direito, uma abordagem holística e teleológica dos princípios jurídicos permite que o direito se diferencie continuamente daquele que se encontra estabelecido e materializado nas regras jurídicas usuais. Essa diversidade reflete a incessante prática reconstrutiva da comunidade de juristas perante a emergência de novos casos e questões a serem ponderados, como também - e por vezes em função desses mesmos casos - outras leituras dos princípios jurídicos.

A interpretação referente ao aborto, portanto, contempla simultaneamente as circunstâncias atuais da comunidade política, como também uma imagem projetada, futura, do melhor que essa comunidade poderia vir a ser tendo como base os princípios hoje materializados. A operacionalização dos direitos fundamentais implicaria não somente na consideração dos problemas imediatos da comunidade, a exemplo da desigualdade social ou tratamento discriminatório, como também na visualização de uma outra comunidade na qual esses problemas tenham sido resolvidos. Como visto nas seções precedentes, em função das discordâncias que emergem a partir das diferentes interpretações desses princípios, também as características dessa comunidade por-vir podem ser objeto de desentendimentos importantes. Em síntese, o conflito de narrativas expõe a autocompreensão dos cidadãos em torno das bases fundamentais de sua comunidade.

4 A IMAGINAÇÃO E AS DECISÕES INTERPRETATIVAS NA CONSTRUÇÃO COLETIVA DO DIREITO

O principal fio condutor adotado por Dworkin para se explorar a interseção entre as práticas interpretativas da crítica literária e as do direito reside na divergência que ocorre entre intérpretes razoáveis e bem-informados: as controvérsias associadas à constitucionalidade de uma lei exemplificam essa situação. Os juristas discordam porque possuem interpretações distintas quanto aos princípios que envolvem uma dada problemática e não porque se desentendem quanto às regras mais apropriadas para se solucionar a situação, o que seria uma questão associada ao juízo determinativo. Mas o que fazer quanto a essas discordâncias?

No artigo Law as interpretation, as discordâncias não se restringem apenas ao fio condutor da exposição do autor ou mesmo a um ponto importante na sua crítica à jurisprudência analítica de Hart: a discordância, pode-se dizer dessa maneira, representa a dinâmica central através da qual as práticas interpretativas vão produzir um corpus de conhecimento sobre um tema ou objeto em particular (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 193 e ss). As discordâncias que constituem a crítica literária de um autor e/ou obra específica acabam por erguer um panorama multifacetado no qual perspectivas diversas, por vezes contraditórias, suscitam indagações, ressaltam detalhes antes imperceptíveis, podendo também iniciar ricas controvérsias.

O corpus emerge a partir do diálogo persistente entre os participantes de uma comunidade de intérpretes, como aquela dos críticos literários ou especialistas de um certo autor ou obra, ao invés da solitária perspectiva de um intérprete, por mais apurada e original que ela venha ser (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 192 e ss). Cada um acrescenta a sua perspectiva particular, marcada por histórias, sensibilidades e predileções únicas, a um esquema mais abrangente e construído coletivamente através do diálogo entre os membros da comunidade. Se, por um lado, considerando tão somente o universo subjetivo do intérprete, a interpretação carece de limites, por outro lado, quando abordada por um prisma coletivo, a exemplo da integridade, existem sim restrições importantes a serem levadas em consideração.

É neste contexto teórico que Dworkin apresenta o seu conhecido conceito de romance em cadeia (chain novel). Para além de propor uma perspectiva coletiva das práticas interpretativas da crítica literária, ele enfatiza também o papel das convenções no desenrolar dessas práticas, sendo o seu conceito de integridade central para a compreensão desse papel (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 191 e ss). As convenções podem ser encaradas como a sedimentação de certos pontos que são reiterados por sucessivas interpretações ao longo de gerações. Isso não implica, por exemplo, que Machado de Assis continuará para sempre sendo um autor canônico na literatura brasileira, e sim que interpretações que pretendam fornecer uma outra visão terão maiores dificuldades na elaboração de argumentos interpretativos que sejam convincentes o suficiente para alterar essa visão já enraizada na crítica literária.

A principal razão para tanto, conforme o esquema fornecido por Dworkin, reside em que a posição que cada intérprete ocupa na cadeia vai contribuir de maneira decisiva para uma maior ou menor limitação quanto às suas possibilidades interpretativas. Intérpretes que estão próximos do início da cadeia precisam considerar, de maneira retrospectiva, uma quantidade menor de leituras do que aqueles que ocupam posições mais avançadas (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 192 e ss). Isso também implica que as suas interpretações, justamente por estarem amparadas em uma quantidade mais restrita de leituras, tenderão a ser contestadas ou reformuladas por novos argumentos interpretativos com uma maior facilidade. Essas limitações e constrangimentos interpretativos, mencionados acima como estruturas normativas que organizam a comunidade de intérpretes, é bem descrita por Dworkin em Law´s Empire:

Isto faz com que o conteúdo do direito seja mais sensível aos diferentes tipos de constrangimentos institucionais, sobretudo no tocante aos juízes, que não são necessariamente constrangimentos para outros oficiais ou instituições. Quando os juízes interpretam a prática jurídica como um todo, eles encontram diferentes tipos de razões, que se aplicam especialmente aos juízes, para eles não declararem como direito presente os princípios e os padrões que proporcionariam a mais coerente descrição das decisões substanciais daquela prática (Dworkin, 1986DWORKIN, Ronald. Law´s Empire. Harvard: Harvard University Press, 1986., p. 401 e ss. Tradução própria)10 10 No original: “This makes the content of law sensitive to different kinds of institutional constraints, special to judges, that are not necessarily constraints for other officials or institutions. When judges interpret legal practice as a whole, they find reasons of different sorts, specifically applying to judges, why they should not declare as present law the principles and standards that would provide the most coherent account of the substantive decisions of that practice”. .

O que talvez Dworkin não tenha desenvolvido com maior clareza, haja vista se tratar de um aspecto de sua abordagem que extrapola os limites do seu artigo, termina sendo o caráter prospectivo de cada contribuição dos intérpretes e de que maneira as cadeias são modificadas. Se cada intérprete precisa considerar as posições anteriores na medida em que desenvolve o seu próprio posicionamento, a questão passa a ser, então, como articular uma perspectiva futura da narrativa a partir desse novo posicionamento. Conforme essa pesquisa, é nesse momento que o conceito de imaginação, desenvolvido nas seções precedentes, pode se mostrar fecundo, especialmente em justaposição ao juízo reflexivo kantiano.

Muito embora o romance em cadeia seja sim uma unidade, como a de uma obra literária ou peça musical, o seu diferencial reside em sua abertura persistente: se é possível identificar os primeiros intérpretes da cadeia não se pode dizer o mesmo daqueles que serão os seus últimos. A cadeia está sempre marcada por uma abertura futura que impede a consolidação definitiva das suas convenções, por mais sólidas que elas possam se apresentar. Em que medida, portanto, a contribuição dos intérpretes estaria atravessada também pela imaginação na acepção kantiana apontada nas seções precedentes?

Cada intérprete, ao reconstruir a narrativa montada pelas interpretações anteriores, está consciente de que a sua contribuição a essa narrativa vai afetar a atividade dos próximos intérpretes, apontando novas questões, redefinindo aquelas estabelecidas, ou mesmo conduzindo a narrativa para outros caminhos. Esse olhar prospectivo remete a uma forma de percepção que se dissocia da realidade efetiva das instituições e da comunidade política em geral: o que apreende o olhar é a comunidade ainda não concretizada, cuja realidade existe, talvez, apenas no plano estritamente normativo, mas que, por essa razão, constitui-se em um referencial por meio do qual o presente será julgado e confrontado.

Na obra de Dworkin, de certa maneira, esse referencial normativo se aproxima do seu conceito de juiz Hércules, já que a melhor interpretação possível do ordenamento jurídico implica também na atualização dos valores que, enraizados na comunidade política, compõem o seu potencial, que nunca será plenamente explorado (Dworkin, 1986, p. 400 e ss). A cada atualização de um valor, como o de igualdade ou liberdade, em um contexto específico, questões que outrora não foram discutidas ou mesmo ignoradas, passam a se tornar centrais: o valor da igualdade se transforma, abre-se para novas conexões conceituais na medida em que é associado a outros grupos de problemas. Para além de sua função cognitiva, é perceptível neste ponto a dimensão estética da imaginação.

Se o romance em cadeia salienta um trabalho interpretativo no qual a totalidade de sentido do ordenamento jurídico emerge a partir da consideração da particularidade das decisões estabelecidas, é importante ressaltar que essa totalidade emerge em meio a um trabalho de síntese do intérprete - e é por essa razão que a pesquisa traz à tona o juízo reflexivo kantiano. Considerando a orientação de Dworkin acerca da melhor interpretação possível, pode-se identificar uma dimensão estética coletivamente compartilhada em meio a esse trabalho interpretativo.

Se a imaginação, dentro de uma perspectiva estética kantiana, atribui uma segunda natureza à matéria que é primariamente fornecida pela natureza, no romance em cadeia a coerência da narrativa, conduzida pela ideia de integridade que impõe aos intérpretes a necessidade de considerar o encaixe (fit) de sua contribuição em meio a uma narrativa estabelecida, não é fornecida pela cadeia em si, sendo antes uma construção que o próprio intérprete estabelece diante da narrativa com a qual ele se defronta (Dworkin, 1982DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982., p. 196 e ss). Em síntese, muito embora o romance em cadeia apresente uma narrativa linear de decisões e perspectivas sobre casos particulares, a coerência dessa narrativa, principalmente ao se considerar a necessidade de uma articulação constante com os princípios subjacentes à comunidade política, é uma ideia reguladora por meio da qual a unidade da narrativa será estabelecida.

A imaginação de cada intérprete apreende os dados, na forma das decisões passadas, construindo a partir deles uma narrativa coerente e atrelada aos valores da comunidade política. É dessa maneira que a experiência imediata do intérprete é extrapolada: a coerência, especialmente quando vista a partir da articulação entre a interpretação do ordenamento jurídico em si e os valores da comunidade política, não é encontrada na experiência, antes a esquematiza. Cada nova decisão exige do intérprete subsequente uma reconsideração da estrutura da narrativa tendo em vista as exigências da coerência por meio da qual a narrativa do romance terá estabelecida a sua unidade.

Muito embora Dworkin não recorra à essa terminologia, a sua análise da interpretação da obra literária assinala que a construção do sentido de sua unidade é decorrência do trabalho interpretativo ao invés de um dado apresentado de antemão pelo autor da obra (Dworkin, 1982, p. 181 e ss, 1986, p. 400 e ss). Na medida em que envolve cada decisão interpretativa dos que tomam parte na narrativa, o romance em cadeia pode ser também abordado como expressão de uma imaginação compartilhada na qual tanto uma visão retrospectiva, que organiza e dispõe as decisões estabelecidas, quanto uma prospectiva, na qual se desenvolve uma representação futura da comunidade em que haja uma maior consideração dos seus princípios estabelecidos. Dito de outro modo, a reconstrução do passado se justapõe à representação de um futuro no qual os valores políticos característicos da comunidade se mostram ainda mais enraizados nas relações sociais.

Diante dessas considerações, fica a indagação: no tocante às práticas interpretativas do direito, uma vez delimitado o papel da imaginação, em meio ao juízo reflexivo estético kantiano, seria possível depreender, em meio ao exercício da imaginação, uma compreensão de juízo político que abriria a obra de Dworkin a um diálogo com Hannah Arendt e Paul Ricoeur, autores que exploram esse tema? Essa é uma questão importante para a continuidade desta pesquisa.

5 CONCLUSÃO

O propósito deste artigo residiu em examinar um possível lugar para a imaginação em meio à interseção entre as práticas interpretativas da crítica literária e aquelas do direito adotando como ponto de partida a abordagem teórica de Ronald Dworkin. Na medida em que o autor se afasta de um conceito usual de interpretação, compreendido tão somente como uma atividade específica presente de certos atores jurídicos, para um outro, que leva a uma concepção mais abrangente de decisão judicial, não mais restrita à típica ideia de subsunção entre regras e casos, qual seria, então, o papel do intérprete na elaboração do sentido do jurídico tendo em vista que este já não é fornecido de antemão?

Em seu artigo Law as interpretation, esse ponto representa a interseção entre as práticas interpretativas da crítica literária e aquelas dos juristas quando considerados os princípios jurídicos tais como Dworkin os concebe. Uma vez que somente o particular é fornecido, tanto o crítico literário quanto o jurista precisam atribuir um significado abrangente à totalidade da obra literária ou do ordenamento jurídico quando considerado a partir da problemática trazida por um caso específico.

A concepção de imaginação adotada por esse trabalho é diretamente devedora da filosofia de Immanuel Kant: a justificativa para essa opção reside na ênfase que é dada a uma teoria do juízo associada ao posicionamento de Dworkin, o que se ajusta muito bem às pretensões e à estrutura da filosofia kantiana. A produtiva leitura de Alexandre Lefebvre sobre Dworkin, também sendo amplamente kantiana, foi mais uma razão relevante para a escolha dessa abordagem de imaginação.

A pesquisa chega à conclusão de que o lugar da imaginação reside na prática de articulação que se faz presente na criatividade inscrita nas práticas interpretativas dos juristas. O processo de articulação faz emergir algo novo, distinto, em meio à combinação de elementos estabelecidos, como princípios, precedentes, regras, dentre outros. A imaginação implica em um aprofundamento criativo da experiência ao invés de uma fuga ou dissimulação: a construção interpretativa do universal, ou seja, do ordenamento jurídico confrontado a partir dos casos particulares, é algo que surge quando os princípios jurídicos são tomados como pressupostos das práticas interpretativas.

A atribuição de um propósito (telos) nada diz sobre o objeto em si, como um princípio ou uma obra literária, e sim estabelece as condições pelas quais ele será julgado. Ao invés de algo dado, mas que precisaria ser esclarecido e associado ao problema em questão, é o intérprete que precisará construir esse significado a partir dos elementos proporcionados pelo problema que surge no decorrer de sua prática. A imaginação assinala a dinâmica construtiva por meio da qual o intérprete extrapola os dados que lhe chegam ao encontro, incorporando muito do seu universo subjetivo na significação dos dados apresentados.

No contexto da linha de argumentação proposta por Dworkin, esse ponto se faria presente quando o intérprete considera o direito como se ele fosse dotado de propósito: esse caráter teleológico impõe ao intérprete um trabalho de interpretação no qual o direito e as suas instituições serão interpretados na sua melhor perspectiva. Cabe a ele desenvolver um aprofundamento hermenêutico perante os problemas com que se defronta para que assim novos caminhos e trajetos possam ser vislumbrados a partir das múltiplas perspectivas em torno do jurídico.

REFERÊNCIAS

  • DWORKIN, Ronald. The Model of Rules. University of Chicago Law Review, v. 35, p. 14-46, 1967.
  • DWORKIN, Ronald. Law as interpretation. Critical Inquiry, v. 9, p. 179-200, 1982.
  • DWORKIN, Ronald. Law´s Empire Harvard: Harvard University Press, 1986.
  • DWORKIN, Ronald. Life’s Dominion: An Argument About Abortion, Euthanasia, and Individual Freedom New York: Vintage, 1994.
  • ENDICOTT, Timothy A. O. Herbert Hart and The Semantic Sting. Legal Theory, v. 4, p. 283-300, 1998.
  • FISH, Stanley. Wrong Again. In: FISH, Stanley. Doing What Comes Naturally: Change, Rhetoric, and the Practice of Theory in Literary and Legal Studies Durham: Duke University Press, 1989a. p. 103-119.
  • FISH, Stanley. Working on the Chain Gang: Interpretation in Law and Literature. In: FISH, Stanley. Doing What Comes Naturally: Change, Rhetoric, and the Practice of Theory in Literary and Legal Studies Durham: Duke University Press , 1989b. p. 87-102.
  • KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
  • KANT, Immanuel. Critique of the Power of Judgment Cambridge: Cambridge University Press , 2000.
  • LEFEBVRE, Alexandre. The Image of Law: Deleuze, Bergson, Spinoza Stanford: Stanford University Press, 2008.
  • ONOL, Tugba Avas. Reflections on Kant´s View of the Imagination. Ideas y Valores, v. 64, n. 157, p. 53-69, 2015.
  • SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A Short Guide for The Perplexed. Public Law and Legal Theory Working Paper Series, v. Working Paper 77, 2007.
  • 1
    No original: “What are the other possibilities? One is to suppose that controversial propositions of law, like the affirmative action statement, are not descriptive at all but are rather expressions of what the speaker wants the law to be. Another is more ambitious: controversial statements are attempts to describe some pure objective or natural law, which exists in virtue of objective moral truth rather than historical decision. Both these projects take some legal statements, at least, to be purely evaluative as distinct from descriptive: they express either what the speaker prefers - his personal politics - or what he believes is objectively required by the principles of an ideal political morality”. Todas as traduções em língua estrangeira serão realizadas pelo autor deste artigo e com o propósito de ser utilizado apenas no trabalho em questão.
  • 2
    No original: “These sometimes take the form of assertions about characters: that Hamlet really loved his mother, for example, or that he really hated her, or that there really was no ghost but only Hamlet himself in a schizophrenic manifestation. Or about events in the story behind the story: that Hamlet and Ophelia were lovers before the play begins (or were not). More usually they offer hypotheses directly about the “point” or “theme” or “meaning” or “sense” or “tone” of the play as a whole: that Hamlet is a play about death, for example, or about generations, or about politics”.
  • 3
    No original: “Every determining judgment is logical because its predicate is a given objective concept. A merely reflecting judgment about a given individual object, however, can be aesthetic if (before its comparison with others is seen), the power of judgment, which has no concept ready for the given intuition, holds the imagination (merely in the apprehension of the object) together with the understanding (in the presentation of a concept in general) and perceives a relation of the two faculties of cognition which constitutes the subjective, merely sensitive condition of the objective use of the power of judgment in general (namely the agreement of those two faculties with each other). However, an aesthetic judgment of sense is also possible, if, namely, the predicate of the judgment cannot be a predicate of an object at all, because it does not belong to the faculty of cognition at all, e.g., the wine is pleasant, for then the predicate expresses the relation of the representation immediately to the feeling of pleasure and not to the faculty of cognition”.
  • 4
    No original: “The concept of a “dog” signifies a rule according to which my imagination can delineate the figure of four-footed animal in a general manner, without limitation to any single determinate figure such as experience, or any possible image that I can represent in concreto, actually presents”.
  • 5
    No original: “Among several judgments of taste, in the judgment of the beautiful, when the imagination performs a mere apprehension of the form an object and this form triggers a free play between faculties of the imagination and the understanding, a feeling of pleasure arises. Due to this feeling of pleasure, the subject judges the object of aesthetic reflection as beautiful. Hence, according to Kant, in discerning what is beautiful or not we do not appeal to the understanding or the representation of the object but to the faculty of the imagination”.
  • 6
    No original: “Nature´s given perceptions can be reorganized in a new fashion by means of the employment of the productive imagination. By this means, we get a sense of our freedom from the law of association (which is attached to the empirical employment of the imagination). An unnatural form can be grasped in this way and since its parts belong to nature, the production Kant talks about is more like a collage. At this point, what needs attention is the freedom bestowed upon the productive imagination”.
  • 7
    No original: “The power of judgment can be regarded either as a mere faculty for reflecting on a given representation, in accordance with a certain principle, for the sake of a concept that is thereby made possible, or as a faculty for determining an underlying concept through a given empirical representation. In the first case it is the reflecting, in the second case the determining power of judgment. (FI, V, 20:211)”
  • 8
    No original: “This presupposition does not deliver a law to apply; instead, it enables an examination of our legal institutions as embodying principles with which to adjudicate cases. I characterize Dworkin´s theory of judgment as reflective because of its presumption of purpose. Such a presumption is transcendental - it serves as the a priori condition that enables meaningful interpretation and judgment of particular purposes, laws, and cases”.
  • 9
    No original: “This interpretation fails not only because an Agatha Christie, taken to be a tract on death, is a poor tract less valuable than a good mystery but because the interpretation makes the novel a shambles. All but one or two sentences would be irrelevant to the supposed theme; and the organization, style, and figures would be appropriate not to a philosophical novel but to an entirely different genre”.
  • 10
    No original: “This makes the content of law sensitive to different kinds of institutional constraints, special to judges, that are not necessarily constraints for other officials or institutions. When judges interpret legal practice as a whole, they find reasons of different sorts, specifically applying to judges, why they should not declare as present law the principles and standards that would provide the most coherent account of the substantive decisions of that practice”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2021
  • Aceito
    05 Nov 2022
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas, Sala 216, 2º andar, Campus Universitário Trindade, CEP: 88036-970, Tel.: (48) 3233-0390 Ramal 209 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: sequencia@funjab.ufsc.br