Acessibilidade / Reportar erro

Falhas de enfermagem no pós-operatório imediato de pacientes cirúrgicos

Resumos

Estudo descritivo-exploratório, fundamentado na Teoria do Erro Humano, para analisar e classificar falhas de enfermagem durante a assistência a pacientes em pós-operatório imediato. Através de entrevista semi-estruturada coletou-se 25 relatos de falhas que foram submetidos à avaliação por 15 enfermeiros especialistas quanto a 7 variáveis. Essas foram reduzidas a aspectos psicossociais/equipamento, organizacionais e gravidade pela análise de componentes principais. Realizou-se teste de escalonamento multidimensional (MDS) e obteve-se gráfico mostrando 4 grupos de falhas, que foram interpretados como sendo no nível sensório-motor, de procedimento, de abstração e de controle de supervisão. As falhas foram causadas por indefinição de papel, treinamento deficiente, observação assistemática, inadequação física e de equipamentos.

cuidados pós operatórios; doença iatrogênica; instituições de saúde


This is a descriptive study based on the theory of human error, in order to analyze and classify nursing errors during the nursing care of surgical patients at recovery. Twenty-five (25) fault reports were collected through a semi-structured interview. Those reports were submitted to 15 nurse experts to evaluate the risk of seriousness; human, equipment and organizational factors involved; members interaction; information and reversibility of the accident. Faults were directly attributed to psychosocial and organizational aspects, equipment and seriousness. A multidimensional scaling test (MDS) was applied and a graph was obtained. It showed four groups of faults, due to problems related to sensory-motor, procedure, abstraction and supervision control. In conclusion, the faults were caused by non-defined personnel roles, continuing education deficiency, non-systematic observation, inadequate space and equipment.

postoperative care; iatrogenic disease; health facilities


Estudio descriptivo-exploratorio, fundamentado en la Teoría del Error Humano, con objeto de analizar y clasificar fallas de enfermería durante la atención a pacientes en el postoperatorio inmediato. A través de entrevista semiestructurada, fueron recopilados 25 relatos de fallas, sometidos a la evaluación de 15 enfermeros especialistas con respecto a 7 variables. Estas fueron reducidas a aspectos psicosociales/equipamiento, organizacionales y gravedad mediante el análisis de componentes principales. Fue realizado un teste de escalonamiento multidimensional (MDS), resultando en un gráfico con 4 grupos de fallas. Estos fueron interpretados como siendo al nivel sensorio-motor, de procedimiento, de abstracción y de control de supervisión. Las fallas fueron causadas por indefinición de papel, capacitación deficiente, observación asistemático, inadecuación física y de equipamientos.

cuidados postoperatorios; enfermedad iatrogénica; instituciones de salud


ARTIGO ORIGINAL

Falhas de enfermagem no pós-operatório imediato de pacientes cirúrgicos

Tânia Couto Machado Chianca

Professor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, e-mail: tchianca@enf.ufmg.br

RESUMO

Estudo descritivo-exploratório, fundamentado na Teoria do Erro Humano, para analisar e classificar falhas de enfermagem durante a assistência a pacientes em pós-operatório imediato. Através de entrevista semi-estruturada coletou-se 25 relatos de falhas que foram submetidos à avaliação por 15 enfermeiros especialistas quanto a 7 variáveis. Essas foram reduzidas a aspectos psicossociais/equipamento, organizacionais e gravidade pela análise de componentes principais. Realizou-se teste de escalonamento multidimensional (MDS) e obteve-se gráfico mostrando 4 grupos de falhas, que foram interpretados como sendo no nível sensório-motor, de procedimento, de abstração e de controle de supervisão. As falhas foram causadas por indefinição de papel, treinamento deficiente, observação assistemática, inadequação física e de equipamentos.

Descritores: cuidados pós operatórios/enfermagem; doença iatrogênica; instituições de saúde

INTRODUÇÃO

Estudo realizado a partir da preocupação com a assistência de enfermagem a pacientes que se encontram no período de pós-operatório imediato e na prática em hospitais brasileiros que, em sua maioria, não conta com unidades de recuperação pós-anestésica (RPA) devidamente equipada, em funcionamento, com pessoal quantitativa e qualitativamente treinado

para prestar assistência sistematizada e de qualidade aos pacientes. Acredita-se que as situações adversas, ocorridas durante a prestação de assistência de enfermagem a pacientes que se encontram em RPA, aumentam a possibilidade de falhas e diminuem a confiabilidade do sistema; a equipe atuante na sala de RPA é responsável pelo manuseio adequado de equipamentos e materiais; a definição de cargos, funções e as relações estabelecidas entre os membros da equipe interferem na ocorrência das falhas humanas; o acesso à informação e ao conhecimento pode diminuir a ocorrência das mesmas e, ainda, é possível detectar componentes centrais semelhantes em falhas aparentemente distintas.

A intenção, com este estudo, é contribuir para a prestação de assistência mais qualificada, onde os riscos oriundos de falhas humanas sejam reduzidos. Por isso, resolveu-se testar, na situação de assistência da enfermagem perioperatória (mais precisamente no período do pós-operatório imediato), o referencial do erro humano, proposto por engenheiros, fisiologistas e psicólogos cognitivos, no intuito de melhorar a confiabilidade da execução humana(1), neste caso, no âmbito da enfermagem perioperatória.

Situações envolvendo operadores humanos é tema comum em ergonomia e o erro humano é um dos aspectos abrangidos por ela(2). Nesse estudo, usou-se o modelo conceitual de James Reason(3), que estabelece as origens dos tipos básicos do erro humano, o sistema genérico de estrutura do erro, derivado em grande parte da classificação de atuação humana de Jen Rasmussen (habilidade-regra-conhecimento). O sistema admite três tipos básicos de erro: habilidade (enganos e lapsos), regra e conhecimento (erros propriamente ditos).

O comportamento baseado no nível de habilidade é o desempenho sensório-motor durante ações ou atividades, e que, depois de formulada a intenção, atua sem o controle consciente (comportamentos desembaraçados, automatizados e integrados). Os erros nesse nível se relacionam com as mudanças no nível de coordenação, espaço ou tempo(3).

Já os comportamentos baseados em regra e conhecimento são aqueles assumidos depois que o indivíduo se conscientiza de um problema. O nível baseado em regra é a ligação entre problemas familiares com as soluções já estabelecidas através das normas. Os erros se relacionam com a aplicação errada da norma ou lembrança errônea dos procedimentos.

No nível de desempenho baseado em conhecimento, as falhas são relativas à seleção de tarefas apropriadas e a limitações no ambiente de trabalho. Nele, quando o indivíduo se depara com situações desconhecidas, as ações devem ser planejadas utilizando processos analíticos e o conhecimento já adquirido. Os erros surgem a partir das limitações de recursos materiais ou através do processo racional envolvendo conhecimento insuficiente ou incorreto. Os três níveis podem coexistir.

O erro está intimamente ligado à noção de intenção(3) e as ações que levam ao erro podem ser intencionais ou involuntárias (não intencionais). As ações involuntárias decorrem normalmente de momentos onde houve falta de atenção, quando se conscientiza de que as ações foram desvidas da intenção original. São os enganos na ação e ocorrem quando se executa tarefas muito automatizadas, em ambientes muito familiares.

Os lapsos são formas ocultas de erro, não intencionais, geralmente envolvendo falhas de memória que, necessariamente, não se manifestam em comportamento real.

Quando as ações são intencionais e ocorrem como planejadas podem ainda estar erradas, se não alcançarem o objetivo esperado. Nesse caso, o plano pode não ser o adequado e ocorrem os ditos erros. Geralmente esses erros relacionam-se com a pouca experiência dos indivíduos que, baseados em experiências anteriores, fazem analogias incorretas(4).

Na enfermagem brasileira tem sido conduzidos estudos sobre erros relacionados à medicação(5-6), porém, desconhece-se estudos que tenham classificado, quantificado, tipificado ou analisado os erros em outras áreas da saúde, numa tentativa de compreendê-los e predizê-los, criando estratégias de prevenção.

O centro cirúrgico é um sistema sócio-técnico-estruturado(7) , com o objetivo de prestar assistência ao paciente no pré, trans e pós-operatório imediato, e esforços devem ser envidados para aumentar a probabilidade de sucesso do sistema, sua confiabilidade, que está estreitamente relacionada com o controle das falhas humanas nas atividades, tanto quanto com o controle das falhas de equipamentos e do ambiente cirúrgico, que podem gerar comportamentos que levem à insegurança no sistema.

Este estudo foi conduzido com os objetivos de analisar e classificar as falhas cometidas pela equipe de enfermagem no atendimento a pacientes durante o pós-operatório imediato.

MATERIAL E MÉTODO

Estudos sobre comportamentos e atitudes errados podem ser realizados utilizando métodos estatísticos, epidemiológicos ou de análises de casos. Técnicas estatísticas multivariadas têm sido empregadas por vários profissionais para fazer agrupamentos de dados. Ao se deparar com variáveis subjetivas, supostas de existirem em casos de falhas, pergunta-se, por exemplo, que fatores seriam relevantes para se analisar um erro humano. Quais seriam suas causas? As respostas a essas perguntas podem ser conhecidas com a construção de escalas objetivas obtidas com dados multivariados, procedendo à análise por fator ou a partir de dados de dessemelhanças, usando o escalonamento multidimensional (MDS) para se realizar uma interpretação deles.

Neste estudo optou-se pela construção de escala objetiva de atributos subjetivos, utilizando um programa computacional de estatística para as ciências sociais (SPSS) para analisar a distância entre dados que indicam o grau de dessemelhança (ou semelhança) entre duas coisas(8).

O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e diretorias dos hospitais envolvidos. Os membros das equipes de enfermagem e juízes assinaram termos de consentimento.

Participantes do estudo

Como a intenção foi a de coletar informações relativas às falhas ocorridas durante a execução da tarefa de assistir pacientes durante o pós-operatório imediato, solicitou-se relatos de falhas relevantes, onde o comportamento da pessoa que executava a tarefa teve conseqüências negativas para o objetivo da mesma. Para isso utilizou-se a Técnica dos Incidentes Críticos(9) como referência para a obtenção de incidentes negativos e a pergunta formulada, validada quanto ao conteúdo por especialistas enfermeiros, foi a seguinte: pense em alguma vez que você tenha visto ou participado de alguma falha ou erro humano durante o cuidado do paciente que se encontrava em período de pós-operatório imediato. Descreva o que aconteceu, a situação, o tipo de paciente, a cirurgia, o que a pessoa fez e quais as conseqüências do erro/falha.

A amostra foi constituída por relatos de falhas, considerados válidos, completos, claros e precisos e que foram coletados junto a membros da equipe de enfermagem que trabalhavam em unidades de centro cirúrgico e sala de recuperação pós-anestésica (RPA) de 10 hospitais de médio e grande porte de Belo Horizonte, a partir de entrevista semi-estruturada.

Coletou-se inicialmente, 31 relatos de falhas. Desses, aproveitou-se 25. Os relatos retirados foram invalidados pela repetição de conteúdo e por não estarem completos (contendo situação, comportamentos e conseqüências). Para cada relato foram atribuídos um título e uma sigla(10). Exemplo de um relato é apresentado a seguir.

Overdose(over) Paciente em pós-operatório imediato de osteotomia de tíbia direita, portador de hipertensão arterial, em uso regular de Adalat e queixando-se de dor. Foi medicado com analgésico intravenoso e, logo a seguir, foi administrada nova dosagem de Isordil pela auxiliar, que conversava com outro colega enquanto atendia o paciente. Sua pressão arterial, que inicialmente era 130 x 80 mmHg, após a administração das duas drogas, passou a 90 x 60 mmHg. Teve hipotensão em conseqüência de interação medicamentosa, os dois medicamentos são hipotensores. Verificou a pressão arterial com freqüência até que a mesma se estabilizasse em 120 x 70 mmHg.

Elaboração do instrumento e procedimentos de avaliação dos relatos de falhas

Elaborou-se um instrumento a ser aplicado junto aos peritos para julgamento dos relatos com relação às variáveis: gravidade, grau de previsibilidade, fatores humano, de equipamento e organizacional, relações no grupo e informação. Essas variáveis foram escolhidas de maneira a abranger a falha por si mesma, aspectos pessoais, sociais, organizacionais e de equipamentos. Definiu-se as variáveis que se julgava estarem envolvidas na tarefa de assistência de enfermagem em pós-operatório imediato e elaborou-se uma escala tipo Likert, de 1 a 5, para cada uma delas. Testou-se o instrumento junto a três professores pesquisadores, um enfermeiro e dois psicólogos do trabalho. Sugestões foram feitas e acatadas, e o instrumento foi considerado bom, favorecendo a tipificação de erros da enfermagem(10).

Cada juiz recebeu 25 folhas, em cada folha um relato, com escalas para registro em cada uma das sete variáveis. Para cada variável foi fornecida uma explicação acerca da mesma e o juiz deveria assinalar o grau conferido à participação do fator em cada falha. Os escores fornecidos foram computados e as medianas para cada relato foram lançadas numa matriz.

Contou-se com a colaboração de 15 juízes, enfermeiros, especialistas em centro cirúrgico e na assistência a pacientes em pós-operatório imediato. A escolha dos juízes ocorreu de forma aleatória, tentando buscar características como experiência profissional em Unidade de Centro Cirúrgico, com o pós-operatório imediato de pacientes, disponibilidade e aquiescência para participar do estudo.

Tratamento e análise dos dados

Obteve-se 25 relatos de falhas que foram submetidos à análise dos 15 juízes quanto a 7 variáveis em 5 graus, totalizando 2.625 notas avaliativas. Com as medianas dos graus fornecidos pelos 15 juízes, para cada relato de falha, construiu-se uma matriz de 175 medianas, os pontos acima e abaixo dos quais se concentravam 50% dos julgamentos.

A seguir foi executado o procedimento de análise de componentes principais (ACP) e, na escolha do número de componentes, considerou-se o critério estabelecido(11), isto é, raízes latentes superiores a 1, o que permitiu isolar 3 fatores ortogonais, correspondendo a 67% da variância total e buscando obter componentes significativos, do ponto de vista teórico, e não correlacionados. A ACP é uma variante da análise fatorial, utilizada para reduzir o número de variáveis correlacionadas por um pequeno número de variáveis independentes.

Depois da extração dos eixos principais, esses foram submetidos a uma rotação ortogonal, utilizando o procedimento mais popular para a mesma, o método varimax(12). Pela rotação ortogonal, novos eixos de coordenadas (componentes principais) são perpendiculares a um outro, o que implica que diferentes componentes principais são independentes, não guardando relação entre si.

A ACP, por si só, não mostra o que se encontrará conceptualmente. Por isso, ela foi complementada com o procedimento de multidimensional scaling (MDS), no sentido de encontrar uma disposição gráfica adequada para as falhas cometidas pela enfermagem e que possibilitasse compará-las entre si.

Utilizou-se o modelo mais simples de MDS para a obtenção de uma matriz clássica de dessemelhanças. Os dados eram simétricos e o modelo que poderia ser usado para a matriz seria o modelo euclidiano, em duas dimensões. As coordenadas delineadas pelo programa de computador geralmente não são susceptíveis de observação direta, mas podem ser traçadas aleatoriamente e as direções tomadas na configuração MDS podem fornecer aspectos interessantes de interpretação.

RESULTADOS

Os 10 hospitais de Belo Horizonte, MG, onde os relatos foram coletados, caracterizavam-se por possuir, em 80% deles, um local destinado à RPA. Apenas 20% utilizavam leitos apropriados. No restante, os pacientes eram colocados em macas com grades; 70% tinham à disposição um carrinho de emergência, com desfibrilador cardíaco. Em 50% das RPA encontravam-se saídas de oxigênio e vácuo canalizados por leito. Importante ressaltar que a assistência aos pacientes é prestada por auxiliares de enfermagem em todos os hospitais que possuem local destinado à RPA e em nenhum deles se encontrou enfermeiro lotado naquele setor.

Os juízes consideraram o fator organizacional como totalmente ou bastante determinante das falhas em 24 (96%) dos relatos. As relações no grupo tiveram participação determinante (totalmente ou bastante) das falhas em 14 (56%) relatos. O fator informação foi julgado como totalmente ou bastante determinante em 20 (80%) falhas. O fator humano foi considerado como totalmente ou bastante determinante das falhas em 24 (96%) dos relatos. O fator equipamento não foi determinante de 19 (76%) das falhas.

Quanto ao grau de previsibilidade, nenhum relato de falha foi julgado imprevisível pela maioria dos juízes. Eles consideraram como totalmente ou bastante previsível 18 (72%) falhas. Com relação à gravidade das falhas, os juízes entenderam que 4 (16%) falhas poderiam levar os pacientes à morte; 5 (20%) falhas poderiam determinar deformidade permanente, perda ou inutilização de membro, sentido, função ou, ainda, dano moral irremediável; debilidade temporária do membro, sentido ou função em 11 (44%) falhas; dano à integridade física, mental ou moral sem causar debilidade em 5 (20%) relatos de falhas e nenhuma falha foi considerada com pouca possibilidade de causar dano à integridade física, mental ou moral.

A partir das medianas obtidas e com o procedimento de ACP, após rotação pelo método varimax, foi permitido isolar 3 fatores ortogonais, componentes I, II e III. As cargas fatoriais dos componentes estão apresentadas na Tabela 1. O componente I, denominado aspectos psicossociais e de equipamento, englobou as seguintes variáveis: fator humano, informação, relações no grupo e equipamento. No componente I foi também agrupado, pela ACP, o fator equipamento (que tem alta carga fatorial individual negativa .63). Porém, o fator equipamento opõe-se às outras três variáveis por ser diferente, do ponto de vista conceptual, de aspectos psicossociais, sendo, por essa razão, chamado componente bipolar. É bipolar porque implica em que os aspectos psicossociais se opõem ao fator equipamento. Um baixo valor nesse componente implica que há falha de equipamento prevalecendo no relato de falha, por outro lado, um alto valor no fator indica que existe prevalência dos aspectos psicossociais na falha.

Denominou-se o componente II de aspectos organizacionais. Esse componente é também chamado bipolar por implicar que o fator organizacional se opõe ao grau de previsibilidade. O grau de previsibilidade e o fator organizacional têm altas cargas fatoriais individuais, sendo o primeiro com carga negativa (-.83) e o segundo com carga positiva (.78). Existe então prevalência de causas organizacionais sobre o grau de previsibilidade das falhas. Quanto mais organizacionais são as causas das falhas, menor o grau de previsibilidade da falha.

Carga fatorial (>.35) considerada para interpretar fatores

O componente III corresponde à gravidade da falha, tendo carga fatorial individual de .92. Quanto maior a gravidade da falha, maior a prevalência de aspectos organizacionais e psicossociais/equipamento que a gerou.

Com o processamento pela ACP reduziu-se o número de variáveis de 7 para 3 - aspectos psicossociais e de equipamento, organizacionais e gravidade e submeteu-se os dados (média das medianas) obtidos ao procedimento de MDS. Utilizou-se o modelo mais simples de MDS para a obtenção de apenas uma matriz clássica do programa, a matriz de dessemelhanças. Os dados eram simétricos e o modelo que poderia ser usado era o modelo euclidiano, em duas dimensões.

O programa produz a história da interação. Como o s-stress mínimo é menor que 0,001, o SPSS atingiu esse valor em apenas 4 interações. O s-stress é uma medida de melhor arranjamento a partir de 1 (pior agrupamento) até 0 (melhor agrupamento). O programa gerou duas outras medidas de adaptação, a medida de "stress de Kruskal" (0,04492) e o coeficiente de correlação quadrado (r-squared = 0,99262) entre os dados e as distâncias. Todas as três medidas de arranjamento indicam que o modelo euclidiano bidimensional descreve perfeitamente as falhas.

Nos relatos AGITO (AGT = -4,512 e 0,4134), RETENÇÃO (RET = -4,515 e 0,4133) e SELO (-4,504 e 0,4141) as medianas dos valores fornecidos pelos 15 juízes para as 7 variáveis apontaram que os fatores organizacional e humano e a informação foram totalmente determinantes para as falhas. As relações no grupo foram bastante determinantes. O fator equipamento não foi determinante para essas falhas. Nos três relatos as falhas foram consideradas como totalmente previsíveis e causadoras de debilidade temporária do membro, sentido ou função.

Os relatos de falhas denominados CORTE, DRENO e OVERDOSE (OVER) apresentaram diferenças de medianas para quase todas as variáveis entre si, porém, as coordenadas de estímulos nas dimensões 1 e 2, utilizadas para gerar o gráfico MDS, são praticamente as mesmas (CORTE= -0,4510 e 0,4127; DRENO= -0,4510 e 0,4127; OVER= -0,4507 e 0,4108), aproximando-os em semelhança.

As coordenadas de estímulos para os pares de falhas denominadas SOLIDÃO (SOLI) e PEÇA (PECA) representam os números mais distantes entre si, nas duas dimensões (SOLIDÃO= 2,1105 e 1,0196; PECA= -1,7471 e -0,1282). Na Figura 1, estão dispostos no ângulo esquerdo mais alto e no direito mais baixo (traçando linhas imaginárias no eixo 0,0). As falhas são as mais distantes entre si, sendo, portanto, as mais diferentes entre si. Logo, o conjunto de relatos - COMENT (COMT), TROCA (TRO), TRANSFIX (TRAF), PANCADA (PANC) e PEÇA (PECA) - que se localizam à esquerda no gráfico, diferenciam-se mais do conjunto de relatos SOLIDÃO (SOLI), SECREÇÃO (SECR), LARINGO (LARIN) e OMISSÃO (OMI), que se localizam à direita no gráfico.


A Figura 1 apresenta o mapa MDS, baseado nos dados da matriz que correspondem às distâncias entre os 25 relatos de falhas relativas às 7 variáveis analisadas, em cada falha, e agrupadas nos três fatores. Apresenta graficamente as semelhanças e/ou dessemelhanças entre eles, referentes aos 3 componentes apontados pela ACP. Distinguiu-se 4 grupos de falhas (no nível sensório-motor, de procedimento, abstração e controle de supervisão) que são semelhantes nas dimensões encontradas (aspectos psicossociais, de equipamento e organizacionais).

Quando as falhas ocorreram, considerou-se que ações de enfermagem deixaram de ser executadas como deveriam. As intervenções de enfermagem(13) que não foram implementadas ou implementadas de forma inadequada estão apresentadas na Tabela 2, conforme as áreas do sistema centro-cirúrgico a que se referem as falhas (tecnológica, social ou estrutural). As intervenções consistem em causas intermediárias na ocorrência das falhas e que foram determinadas pela inadequação de área física, indefinição de papéis dos membros da equipe, treinamento deficiente do pessoal, observação assistemática e inadequação de equipamentos.

DISCUSSÃO

Pela análise das medianas o fator humano foi considerado determinante para a grande maioria das falhas relatadas. Medidas de prevenção da ocorrência delas poderiam ter sido estabelecidas por serem consideradas previsíveis. Além disso, o fator humano, a falta de informação e, em menor proporção, as relações no grupo foram julgadas como determinantes para as falhas que, em sua maioria, apresentaram grau de gravidade relativamente baixo. Observou-se que existe prevalência de causas organizacionais sobre o grau de previsibilidade das falhas, quanto mais organizacionais são suas causas, menor o grau de previsibilidade delas.

A ACP mostrou que existe prevalência de aspectos humanos e sociais sobre as causas de falhas envolvendo equipamentos. Detectou-se que o envolvimento dos aspectos organizacionais, psicossociais e de equipamento diminui a previsibilidade das falhas, determinando, na maioria dos casos, maior gravidade das conseqüências das mesmas para os pacientes.

Pelo procedimento de MDS obteve-se um mapa que apresentou graficamente as semelhanças e/ou dessemelhanças entre os quatro grupos de falhas interpretadas. As falhas no nível sensório-motor caracterizam-se pela detecção de problemas, processamento de dados, através dos sentidos e o controle das ações motoras na resolução dos mesmos. É o nível baseado na habilidade e relaciona-se com a execução de atividades altamente rotineiras no ambiente de trabalho, onde lapsos ocorrem e envolvem predominantemente aspectos intrínsecos (psicossociais) do sistema. As falhas no nível sensório-motor foram coment, troca, pancada, transfix e peça(10).

Em todos os relatos, as ações que deveriam ter sido realizadas não aconteceram - não fazer comentários inconvenientes com colegas de trabalho, enquanto cuida do paciente; falta de atenção na rotulação e colocação de peças anatômicas em local apropriado, para encaminhamento posterior ao laboratório; colocação do paciente em local seguro, e cuidado com drenagens e infusões durante o transporte do paciente da sala de operações para a RPA, prevenindo transfixações de cateteres e observando se sondas e drenos estão fechados. Nos relatos, observa-se falta de percepção e observação contínua do paciente e do ambiente por parte dos membros da equipe de enfermagem.

As falhas no nível de procedimento referem-se às respostas a problemas relativos a regras pré-estabelecidas, as rotinas do serviço. É o nível baseado em regra. Todas as falhas estão relacionadas à deficiência na normatização de rotinas técnicas e falta de experiência, revelando o grau de automatização das ações na tarefa. As falhas referiam-se à falta de teste e manutenção periódica de aparelhos como aspirador de secreções; deixar o paciente, ainda sob efeito de anestesia, sozinho; colocar o paciente em local inseguro; não observar condições clínicas do paciente; não saber sobre drogas que interagem; falta de conhecimento sobre drenos e infusões e cuidados com os mesmos; não saber atuar em situações de instabilidades hemodinâmicas e de emergências anestésicas. Essas falhas foram denominadas: sucção, agito, corte, dreno, overdose, retenção, selo, queimado, rótulo, nutrir e bloqueio(10).

As falhas no nível de abstração se referem à resposta devido a problemas de abstração na manipulação de conceitos e proposições lógicas. É o nível baseado em conhecimento. Envolve erros de percepção, observação e vigilância relativos à observação contínua do paciente, permanência ao seu lado, percepção de sinais e sintomas de anormalidades, atenção às respostas clínicas do paciente conseqüente ao ato anestésico-cirúrgico e vigilância. As falhas denominadas extuba, parada, oxímeter, choque e transfer(10) referiam-se à extubação acidental e risco de queda durante o transporte de pacientes; falta de conhecimento da funcionária sobre manobras de ressuscitação em parada cardiorespiratória e de observação clínica para detecção precoce de sinais de choque hipovolêmico; saturímetros danificados e em número insuficiente.

As falhas no nível de controle de supervisão guardam estreita correlação entre os níveis anteriores (sensório-motor, procedimento e abstração); a interação entre os elementos da equipe de enfermagem, anestesista, cirurgião e paciente requer atenção, observação, percepção e vigilância constantes para a detecção de diferentes problemas e as ações exigidas para a solução. É um nível baseado em regras, habilidades e conhecimentos. Os lapsos, enganos e erros que acontecem nesse nível culminaram em falhas gravíssimas, cujos aspectos psicossociais e organizacionais são importantes na geração das falhas. As falhas no nível de controle de supervisão foram: laringo, secreção, solidão e omissão(10) e se referem a situações onde a paciente teve edema de glote e não havia laringoscópio na sala; apresentava secreção não aspirada no momento apropriado; apresentou parada cardiorespiratória por estar sozinho e outra onde o médico foi chamado e não atendeu.

Considerou-se que os fatores essenciais à análise de erros são os relativos ao ambiente, tarefa e indivíduo(14). Na perspectiva do centro cirúrgico, enquanto um sistema sócio-técnico-estruturado(7) , entende-se que os aspectos do indivíduo incluem o fator humano (conhecimento, aspirações, expectativas, motivações, opiniões e valores) e relações no grupo (interações sociais) que correspondem ao sistema social. À tarefa relacionam-se os equipamentos, materiais, conjunto de técnicas, área física e atividades que correspondem ao sistema tecnológico. Os fatores relativos ao ambiente são a filosofia da instituição com suas metas e valores, onde o fator organizacional (organização, fluxograma, descrições de cargos e serviços, normas, regras, regulamentos e regimentos) e a informação estão envolvidos e referem-se ao sistema estrutural.

Frente a essa concepção, considerou-se que "acidentes geralmente resultam de interações inadequadas entre o homem, a tarefa e o seu ambiente"(15), e que as falhas se referem a desvios que determinaram baixa confiabilidade no sistema. Confiabilidade é "a probabilidade que um sistema tem de executar funções sem falhas, num dado intervalo de tempo"(15).

A falhas encontradas podem ser classificadas em termos dos aspectos organizacionais, psicossociais/equipamento e de gravidade envolvidos e chegou-se a quatro níveis básicos, onde as mesmas se apresentam: sensório-motor, procedimento, abstração e controle de supervisão. Esses níveis ligam-se às atividades humanas cognitivas de habilidade, regra e conhecimento, em diferentes graus e envolvem falhas conseqüentes a lapsos, enganos e erros.

CONCLUSÕES

Considerou-se que a teoria do erro humano pode enriquecer a análise e prevenção de falhas da enfermagem e concluiu-se que o fator humano permeia todas as falhas geradas, na sua maioria, por enganos e lapsos na fase de planejamento da tarefa. A falta de habilidade e atenção foi determinante para falhas ocorridas durante a assistência de enfermagem a pacientes em RPA.

As falhas se devem basicamente a aspectos psicossociais e organizacionais e consistem em lapsos e enganos, no nível sensório-motor e de procedimento, ocorridas na fase de planejamento da tarefa; e em erros, no nível de abstração e controle de supervisão, ocorridos nas fases de preparação e execução. O fator equipamento não é determinante das falhas e, quanto maior a gravidade da falha, maior a prevalência de aspectos organizacionais e psicossociais que a gerou.

As falhas sensório-motoras e de procedimento constituem faltas leves e moderadas, enquanto as falhas de abstração e controle de supervisão constituem faltas graves e gravíssimas. Identificou-se cinco causas básicas para as mesmas, ocorridas durante a prestação de cuidados de enfermagem a pacientes em RPA - inadequação física, indefinição de papéis, treinamento deficiente, observação assistemática e inadequação de equipamentos, todas ligados a aspectos psicossociais e organizacionais determinando a gravidade das falhas.

As falhas baseiam-se no comportamento de todo o sistema homem-tarefa-ambiente. Nesse contexto, as falhas são causadas por objetivos não cumpridos do sistema e a melhora na confiabilidade do sistema centro cirúrgico, em especial da tarefa de assistência em RPA, pode ser vislumbrada a partir de reparações essenciais como treinamentos e reciclagens, definição de papéis, reestruturação física, adequação qualitativa e quantitativa de equipamentos, além da implantação de uma sistematização de assistência de enfermagem para o perioperatório de pacientes cirúrgicos, onde as atividades, seqüencialmente especificadas por um enfermeiro, sejam deliberadamente desenvolvidas para garantir que os pacientes recebam o melhor cuidado possível.

AGRADECIMENTOS

Os nossos sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Paul Stephaneck, Professor Titular Aposentado da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto pela sua orientação em nossa Tese de Doutoramento que originou os resultados apresentados neste artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 26.4.2005

Aprovado em: 13.9.2006

  • 1. Khon LT, Corrigan J, Molla SD. To err is human: building a safer health system. Washington: National Academy Press; 2000.
  • 2. De Keyser V, Nyssen AS. Les erreurs humaines en anesthésie. Le Trav Hum 1993; 56(2-3):243-66.
  • 3. Reason J. Human error. 3ed. Cambridge: Cambridge University Press; 1992.
  • 4. Leplat J. Error analysis, instrument and object of task analysis.Ergonomics 1989; 32(7):813-22.
  • 5. Chianca TCM, Freitas MEA, Carvalho AP, Souza LO, Ricaldoni CA. Classificação dos erros de enfermagem ocorridos em um hospital privado de Belo Horizonte. Rev Min Enfermagem 2000; 4(1/2):2-8.
  • 6. Carvalho VT, Cassiani SHB. Erros na medicação: análise das situações relatadas pelos profissionais de enfermagem. Rev Hosp Clin Faculdade de Medicina de São Paulo 2000; 33(3):322-30.
  • 7. Avelar MCQ, Jouclas VMG. Centro cirúrgico: sistema sócio-técnico-estruturado. Hosp. Adm Saúde 1989; 13(4):152-15.
  • 8. Young FW, Harris DF. Multidimensional scaling. In: Norusis MJ. SPSS for windows: professional statistics. New York: SPSS; 1992. p.157-223.
  • 9. Dela Coleta JA. A técnica dos relatos críticos: aplicação e resultados. Arq Bras Psicol Aplicada 1974 abril-junho; 26(2):35-58.
  • 10. Chianca TCMC. Análise sincrônica e diacrônica de falhas de enfermagem em pós-operatório imediato. [Tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP;1997.
  • 11. Keyser HF. The varimax criterion for analytic rotation in factor analysis. Psychometrica 1958; 23:187-200.
  • 12. Dunteman GH. Principal components analysis. Beverly Hills: Sage Publications; 1989.
  • 13. McCloskey JC, Bulechek GM. Classificações de intervenções de Enfermagem. 3ªed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2004.
  • 14. Rasmussen J. Human errors: a taxonomy for describing human malfunction in industrial installation. J Occup Accidents 1982; 4:311-33.
  • 15. Iida I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher; 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2004
  • Aceito
    13 Set 2006
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br