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Prevalência e caracterização da prática de automedicação para alívio da dor entre estudantes universitários de enfermagem

Resumos

Os objetivos deste estudo foram: estimar a prevalência de automedicação entre estudantes universitários de enfermagem com dor e caracterizar a experiência dolorosa e o alívio obtido, por meio dos fármacos utilizados. É estudo epidemiológico seccional, do qual participaram 211 estudantes de uma universidade pública de Goiás, Brasil. A dor e o alívio foram medidos por meio de escala numérica (0-10). A prevalência de automedicação foi de 38,8%. A fonte geradora e o fator determinante prevalentes dessa prática foram o próprio estudante (54,1%) e a falta de tempo para ir ao médico (50%), respectivamente. A dipirona foi o analgésico mais utilizado (59,8%) e o alívio da dor classificado como bom (Md=8,5; máx=10; mín=0). A prevalência da automedicação foi maior do que aquela observada em estudos semelhantes e, para muitos estudantes, o alívio foi bom, fato que pode retardar a elucidação do diagnóstico e o tratamento adequado da dor.

Dor; Automedicação; Estudantes de Enfermagem


This study investigates the prevalence of self-medication among undergraduate nursing students seeking to relieve pain and characterizes the pain and relief obtained through the used medication. This epidemiological and cross-sectional study was carried out with 211 nursing students from a public university in Goiás, GO, Brazil. A numerical scale (0-10) measured pain intensity and relief. The prevalence of self-medication was 38.8%. The source and main determining factor of this practice were the student him/herself (54.1%) and lack of time to go to a doctor (50%), respectively. The most frequently used analgesic was dipyrone (59.8%) and pain relief was classified as good (Md=8.5;Max=10;Min=0). The prevalence of self-medication was higher than that observed in similar studies. Many students reported that relief obtained through self-medication was good, a fact that can delay the clarification of a diagnosis and its appropriate treatment.

Pain; Self Medication; Students, Nursing


Los objetivos de este estudio fueron estimar la prevalencia de automedicación entre estudiantes universitarios de enfermería con dolor y caracterizar la experiencia dolorosa y el alivio obtenido por medio de los fármacos utilizados. Se trata de un estudio epidemiológico seccional, del cual participaron 211 estudiantes de una universidad pública de Goiás, en Brasil. El dolor y el alivio fueron medidos por medio de una Escala Numérica (0-10). La prevalencia de automedicación fue de 38,8%. La fuente generadora y los factores determinantes prevalentes de esta práctica fueron el propio estudiante (54,1%) y la falta de tiempo para ir al médico (50%), respectivamente. La dipirona fue el analgésico más utilizado (59,8%) y el alivio del dolor clasificado como bueno (Md=8,5;Máx=10;Mín=0). La prevalencia de la automedicación fue mayor que aquella observada en estudios semejantes y para muchos estudiantes el alivio fue bueno, hecho que puede retardar la elucidación del diagnóstico y del tratamiento adecuado del dolor.

Dolor; Automedicación; Estudiantes de Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e caracterização da prática de automedicação para alívio da dor entre estudantes universitários de enfermagem1

Layz Alves Ferreira SouzaI; Camila Damázio da SilvaII; Gisely Carvalho FerrazIII; Fátima Aparecida Emm Faleiros SousaIV; Lílian Varanda PereiraV

IAluna do Curso de Graduação em Enfermagem, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. Bolsista do Programa de Iniciação Científica, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: layzenf@gmail.com

IIEnfermeira, Centro de Atenção Integral à Saúde de Campinas, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: camiladamazio7@hotmail.com

IIIEnfermeira. E-mail: gisely_ferrazz@yahoo.com.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: faleiros@eerp.usp.br

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. E-mail: lvaranda@terra.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram: estimar a prevalência de automedicação entre estudantes universitários de enfermagem com dor e caracterizar a experiência dolorosa e o alívio obtido, por meio dos fármacos utilizados. É estudo epidemiológico seccional, do qual participaram 211 estudantes de uma universidade pública de Goiás, Brasil. A dor e o alívio foram medidos por meio de escala numérica (0-10). A prevalência de automedicação foi de 38,8%. A fonte geradora e o fator determinante prevalentes dessa prática foram o próprio estudante (54,1%) e a falta de tempo para ir ao médico (50%), respectivamente. A dipirona foi o analgésico mais utilizado (59,8%) e o alívio da dor classificado como bom (Md=8,5; máx=10; mín=0). A prevalência da automedicação foi maior do que aquela observada em estudos semelhantes e, para muitos estudantes, o alívio foi bom, fato que pode retardar a elucidação do diagnóstico e o tratamento adequado da dor.

Descritores: Dor; Automedicação; Estudantes de Enfermagem.

Introdução

A automedicação consiste no uso de produtos, medicamentos industrializados, ou caseiros, sem prescrição médica, com a finalidade de tratar sintomas ou agravos de saúde autorreconhecidos(1).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a automedicação orientada é uma forma de autocuidado à saúde. Profissionais qualificados, preferencialmente o farmacêutico, devem encorajar o uso racional de medicamentos, informar sobre os fármacos e as complicações que podem advir de seu uso indiscriminado e, se necessário, encaminhar as pessoas para atendimento médico, promovendo a automedicação responsável(2).

Entre os motivos que levam as pessoas à automedicação destaca-se a dor(3-4). A pessoa que vivencia a experiência dolorosa busca alívio através de aconselhamento médico, terapias complementares de saúde e/ou automedicação. Estudo realizado na Espanha, do qual participaram 1.964 pessoas, com idade entre 20 e 91 anos, de ambos os sexos, mostrou que, diante da experiência dolorosa, 66,3% dos indivíduos procuram atendimento médico, 27,6% se automedicam, 20,5% utilizam terapias complementares de saúde e 10,6% não se tratam(5).

No Brasil, o perfil epidemiológico da automedicação foi investigado em estudo realizado com 4.174 pessoas, de ambos os sexos, com idade entre 0 e 95 anos. Constatou-se que 17,3% dos medicamentos utilizados, nessa prática, eram analgésicos, sendo os principais a dipirona (7,1%), o ácido acetilsalicílico (4,9%) e o paracetamol (1,4%). Nesse mesmo estudo, 40% das pessoas que praticaram a automedicação foram orientadas por prescrições anteriores e 51% por sugestões de pessoas não qualificadas(3).

Em estudo de base populacional, realizado em Bambuí, MG, com amostra aleatória simples de 1.221 moradores com idade >18 anos, de ambos os sexos, 775 participaram do estudo, sendo que 223 (28,8%) consumiram, exclusivamente, medicamentos não prescritos. Entre as variáveis que apresentaram associações com o uso exclusivo de automedicação destacaram-se o sexo feminino (OR=0,6; IC95%=0,4-0,9) e a idade (OR=0,4; IC95%=0,3-0,6 e OR=0,2; IC95%=0,1-0,5 para 40-59 e >60 anos, respectivamente). Os autores concluíram que a prevalência da automedicação é semelhante à observada em países desenvolvidos(6).

Em relação à caracterização da dor, estudos com populações em geral mostraram que a automedicação foi prevalente entre aqueles que relataram dor aguda, de intensidade moderada e localizada na cabeça(3,5). Resultados semelhantes foram observados quando a amostra foi constituída por estudantes universitários dos cursos de farmácia, odontologia e enfermagem(4). Em outras publicações, cujos participantes foram os estudantes de enfermagem, a automedicação foi investigada quanto ao uso de benzodiazepínicos(7), no entanto, não foram identificados estudos acerca da automedicação em estudantes universitários com dor.

Nesse contexto, considerou-se importante realizar estudo epidemiológico, com o propósito de contribuir para o avanço dos conhecimentos sobre a automedicação, no Brasil. Ademais, os resultados permitirão conhecer a extensão do problema e suas características entre jovens universitários e, assim, subsidiar programas que almejem a melhoria das condições de saúde dos estudantes de enfermagem.

Para tal, os objetivos do estudo foram: estimar a prevalência de automedicação entre estudantes universitários de enfermagem, com dor, e caracterizar a experiência dolorosa e o alívio obtido por meio dos fármacos utilizados.

Método

Trata-se de estudo observacional, com delineamento transversal, realizado na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, no período de março a junho de 2008. Foram elegíveis 250 estudantes, com idade entre 18 e 29 anos, de ambos os sexos, distribuídos nos cinco anos do curso, e 211 alunos aceitaram participar do estudo. Desses, 196 referiram sentir algum tipo de dor (aguda ou crônica), sendo incluídos no estudo.

Variáveis do estudo: a variável dependente foi a automedicação, entendida como o uso de produtos, industrializados ou não industrializados, sem prescrição médica, com a finalidade de tratar sintomas ou agravos de saúde autorreconhecidos(1). Considerou-se a fonte geradora (família, amigo, balconista da farmácia, prescrições médicas antigas e o próprio estudante), o tipo de medicamento utilizado (analgésico simples, opioides, anti-inflamatórios não esteroides - AINEs) e os motivos associados à automedicação (falta de acesso aos serviços de saúde, morosidade no atendimento médico nas unidades de saúde, falta de tempo para ir ao médico, desinteresse pelo tratamento médico devido a insucesso no alívio da sua dor em tratamentos anteriores, os próprios conhecimentos ajudam na escolha do medicamento e o acesso rápido e mais barato ao balconista da farmácia do que ao médico).

As variáveis socioeconômicas e demográficas incluíram o sexo (feminino e masculino), classe socioeconômica (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D, e E - ABA/Abipeme), idade (18-20, 21-23, >=24), estado civil (com companheiro, sem companheiro), ano de matrícula no curso (1o, 2o, 3o, 4o e 5o). As variáveis relacionadas à experiência dolorosa foram a localização – feita por meio de diagramas corporais, a intensidade – mensurada por meio de escala numérica de 0 a 10 e a duração da dor (dor há três meses ou mais, no mesmo local, com episódios a cada 15 dias, foi considerada crônica)(8).

Coleta de dados: os dados foram coletados por observadores treinados nas salas de aula da Faculdade de Enfermagem da UFG, em momentos de disponibilidade dos estudantes, local onde foram informados sobre a pesquisa e seus objetivos.

Tendo assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, os estudantes passaram à entrevista em grupo, preenchendo o instrumento padronizado para esse fim. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Protocolo no173/2007.

Análise dos dados: as variáveis numéricas foram exploradas pela média, mediana e moda; mínimo, máximo, desvio padrão e coeficiente de variação; frequências simples absolutas e porcentuais. Todas as análises (frequência e medidas descritivas) foram realizadas utilizando o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0. Os resultados dessas análises foram organizados em tabelas. As associações entre as variáveis categóricas foram estudadas a partir de testes não-paramétricos como o qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher; e, entre as variáveis numéricas, o coeficiente de correlação de Spearman. Quando a variável numérica apresentava apenas dois níveis, foi utilizado o teste t-Student ou de Mann-Whitney. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e a homogeneidade das variâncias pelo teste de Bartlett. O nível de significância para todos os testes foi de a=5%.

Resultados

Os dados mostraram que a prevalência de estudantes que praticavam a automedicação em situações de dor foi de 38,8%. A idade dos participantes da pesquisa variou de 18 a 29 anos (M=21 anos; dp= 1,95), sendo a grande maioria do sexo feminino (96,4%) (p<0,001) e pertencentes às classes socioeconômicas A e B (82,3%) (Tabela 1).

A mediana dos escores atribuídos à intensidade da dor, por meio da escala numérica (0-10), foi igual a 6,0 (mín=2; máx=10; Q1=5; Q3=8), o que permitiu classificá-la como moderada (p=0,05). Quanto à localização, a dor de cabeça foi prevalente em 51,4% dos achados (p<0,005). Em relação à duração dos episódios de dor, 28,9% dos estudantes relataram que conviviam com a experiência dolorosa de 1 a 5 anos, e 69,7% dos que se automedicavam tinham dor crônica (Tabela 2).

Quanto à fonte geradora da automedicação, 54,1% dos estudantes apontaram a alternativa - o próprio estudante após informar-se sobre a indicação do medicamento, e 33,9% deles a alternativa - sugestão de alguém da família (33,9%) (p<0,001).

Os principais motivos que levaram os estudantes à prática da automedicação foram a falta de tempo para ir ao médico (50%), os próprios conhecimentos ajudam na escolha do medicamento (33,9%) e o acesso ao balconista da farmácia é mais rápido e barato (5,3%) (p<0,001).

Entre os analgésicos mais utilizados destacaram-se a dipirona (59,2%) (pura ou em associação com outros fármacos), o paracetamol (19,8%) (puro ou em associação), as drogas anti-inflamatórias não esteroidais (13,1%, sendo que 2,6% usaram ácido acetilsalicílico e 7,9% outros medicamentos).

Em relação ao alívio da experiência dolorosa, obtido por meio dos medicamentos autoindicados, os escores permitiram classificá-lo como bom (Md=8,5; Q1=6, Q3=10,0, mín=0, máx=10). Dois estudantes (1,3%) não obtiveram nenhum alívio para a dor (p>0,05).

Discussão

O consumo de medicamentos sem prescrição médica tem sido relatado na literatura nacional e internacional. Porém, considerando a escassez de estudos de prevalência de automedicação, entre estudantes universitários, em situações de dor, optou-se, aqui, pela comparação dos resultados deste estudo com aqueles que investigaram a automedicação em situações semelhantes, como na pesquisa realizada na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), cujo objetivo foi estimar a prevalência da prática de automedicação entre 245 estudantes de enfermagem, farmácia e odontologia. Constataram que, entre os 90,6% dos estudantes que relataram tal prática, 54,8% a associaram à presença de dor(4). Esses resultados contrastaram com os encontrados em um estudo desenvolvido em Taiwan, China, que investigou o conhecimento e as crenças sobre o uso de medicamentos entre 6.270 estudantes universitários de diferentes cursos, com idade entre 15 e 30 anos, de ambos os sexos, e observaram que eles raramente se automedicavam(9).

A automedicação em situações de dor, em população mista (universitários ou não) foi praticada por 27,6% dos 1.964 participantes (com idade entre 20 e 91 anos, de ambos os sexos) de um estudo desenvolvido na Espanha(5), contrastando com a prevalência de 64% observada entre os 270 clientes com dor musculoesquelética, com idade média de 39,8 anos, de ambos os sexos, que participaram de pesquisa desenvolvida em Temuco, no Chile(10).

Embora a prevalência de automedicação em situação de dor, observada nos estudos citados, seja divergente, atenção deve ser dada ao fato de algumas populações serem constituídas por estudantes da área da saúde, que deverão orientar a automedicação responsável, com base nas informações da OMS, contribuindo para que essa prática deixe de ser perigosa para aqueles que sentem dor.

Quanto ao local prevalente de dor, neste estudo - a cabeça -, observou-se que resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado com 742 pessoas (57,5% do sexo feminino) com idade entre 18 e 70 anos, na cidade de Porto Alegre, RS, ou seja, 66,0% dos casos de automedicação estavam relacionados à dor de cabeça(11), concordando, também, com o estudo realizado na Espanha, onde foi estimada a prevalência de 52,3% para dor na cabeça. No último estudo, semelhantemente, o local de dor também foi significativo para a prática de automedicação (p<0,001)(5).

A literatura mostra poucos estudos em que a intensidade da experiência dolorosa foi mensurada em pessoas que se automedicaram. Nesse sentido, vale lembrar que a mensuração da dor é ponto fundamental na implementação, substituição ou complementação das terapêuticas analgésicas em situações de dor(12). Na Espanha, as pessoas que se automedicavam relataram dor leve/moderada (p<0,01)(5). Em estudo realizado no Estado de Michigan, nos Estados Unidos da América, foram investigadas as escolhas de 723 pessoas para o autotratamento da dor e observaram que mais de 75% delas escolheram a automedicação por meio de analgésicos não opioides para dor moderada (média=5,77)(13). Tais resultados assemelham-se aos encontrados no presente estudo. No Brasil, não foi encontrado nenhum estudo sobre intensidade da dor e automedicação em situações de dor.

Semelhantemente, a automedicação, em situações de dor crônica, é pouco investigada, porém, em estudo realizado na Suécia, com 1.806 pessoas, entre 25 e 74 anos, sobre o impacto da dor crônica no cuidado a saúde, observou-se que 14,9% das pessoas com dor crônica se automedicavam(14). Neste estudo, os sujeitos que se automedicaram devido à dor crônica somam valor superior ao estudo realizado na Suécia (69,7%).

Ainda, neste estudo, a maior concentração de estudantes, que referiram praticar a automedicação, cursava o 2o e 5o ano letivo. Tais dados permitem inferir que a disciplina de farmacologia, ministrada no 2o ano letivo não interferiu na prática de automedicação, no entanto, a experiência adquirida pelos alunos do último ano de curso (5o ano) pode ter influenciado na maior prevalência de alunos que se automedicaram para dor. Os dados, aqui, diferem daqueles encontrados no estudo desenvolvido na Unifal, MG, onde a prática de automedicação intensificou-se no sétimo período, comparado ao primeiro (p<0,01)(4).

O curso de Enfermagem é representado majoritariamente por mulheres, razão pela qual a automedicação foi prevalente no sexo feminino, uma limitação deste estudo. No entanto, nesse quesito, há divergência nos resultados: na Espanha, onde foi encontrada maior frequência de automedicação entre jovens do sexo feminino (p<0,001)(5). Em Portugal, entre pessoas com média de idade de 46 anos, encontrou-se associação significativa entre automedicação e sexo, representado pelos homens (p<0,031)(15), e, no Chile, em estudo com participantes com idade média de 39,8 anos, não houve associação significativa entre essas variáveis(10).

No Brasil, estudos apontaram as mulheres como mais representativas em relação à prática de automedicação. O perfil da automedicação em um município do Sul do país (idade média de 30,3 anos) mostrou que 65% das mulheres se automedicavam, contra 44,9% dos homens(16). Em Bambuí, MG, encontrou-se associação significativa entre automedicação e sexo, destacando-se o sexo feminino (p<0,0001)(6).

Entre os estudantes que participaram deste estudo, verificou-se predomínio de automedicação em indivíduos da classe socioeconômica A1 (15,8%) e A2 (29%) (salários entre 9.733,47 e 6.563,73 reais) (p>0,05). Na cidade de Porto Alegre, RS, encontrou-se que a maioria das pessoas que se automedicavam possuía renda mensal acima de três salários (R$ 1.050,00)(11). Já no Chile, houve diferença significativa entre automedicação e os vários estratos socioeconômicos, ou seja, 72% dos sujeitos de classe socioeconômica baixa se automedicavam (p<0,0001)(10).

Chamou a atenção dos pesquisadores o fato de a fonte geradora de automedicação ser constituída por profissionais não capacitados para a orientação sobre o uso racional de medicamentos livres de prescrição, e, sim, por pessoas não qualificadas. Tal fato pode levar ao tratamento inadequado da dor, impondo riscos à saúde da população. Resultados semelhantes foram encontrados na cidade de Porto Alegre, RS, onde 57,14% das pessoas escolheram seus medicamentos baseados em experiências passadas, semelhantes às queixas atuais, e 53,8% relataram ter sido influenciados por amigos e familiares(11). O perfil epidemiológico da automedicação no Brasil mostrou que 51% das pessoas se automedicavam, baseadas em sugestões de pessoas não qualificadas, e 40,0% em prescrições anteriores(3). Já em Portugal, 50,0% dos medicamentos utilizados na automedicação foram aconselhados pelo farmacêutico e 1,4% por indicação do enfermeiro(15).

O curso de enfermagem da Universidade Federal de Goiás exige dedicação em tempo integral, logo, a alta prevalência de acadêmicos de enfermagem que embasaram a automedicação na falta de tempo para ir ao médico, pode ser explicada pelo fato de passarem muito tempo na faculdade, envolvidos em atividades de ensino, pesquisa e extensão e não terem tempo para procurar atendimento. Ademais, cabe lembrar que, embora os estudantes possam ser atendidos nos próprios equipamentos de saúde, onde desenvolvem sua prática assistencial, nem sempre há disponibilidade de profissionais para atendê-los rapidamente.

Nesse sentido, os resultados deste estudo podem ser comparados com aquele desenvolvido em João Pessoa, PB. A automedicação apresentada em 102 acadêmicos de enfermagem mostrou que 75% deles eram do sexo feminino, 56% se automedicavam porque se sentiam autoconfiantes com o conhecimento adquirido na graduação e 19% o faziam por falta de tempo para ir ao médico(17). Semelhantemente, no Paquistão, entre 572 estudantes universitários, com idade média de 21 anos, os principais motivos que levaram à automedicação foram a própria experiência com os sintomas ajudam na escolha do medicamento (50,1%) e os sintomas são banais e dispensam médicos (48,3%)(18).

No Chile, a droga mais utilizada na automedicação para alívio da dor musculoesquelética foi a dipirona (30,6%), a seguir piroxican (20,7%) e ácido acetilsalicílico (15,6%)(10). Nos Estados Unidos da América, 34% se automedicaram para o alívio da dor com paracetamol, 33% com ibuprofeno (AINE), 16% com ácido acetilsalicílico e 15% com analgésicos opioides como a codeína, o tramadol e a morfina(13). Já no Brasil, assemelharam-se aos resultados deste estudo àqueles encontrados na cidade de Alfenas, MG, em que 31,3% dos participantes escolheram a dipirona, 15,9% o paracetamol, 14,2% os AINES e 5,6% o ácido acetilsalicílico(4). O uso da dipirona e paracetamol, como principais medicamentos autoprescritos pelos estudantes de enfermagem para o alívio de suas dores, traz preocupações, principalmente em relação à cefaleia, uma vez que o uso prolongado desses fármacos, sem acompanhamento médico, pode levar à cronificação da dor e gerar consequências desastrosas e reações adversas.

No Brasil, não foram encontrados estudos que avaliaram o alívio da dor mediante a automedicação. No entanto, na Espanha, observou-se que 86,6% das pessoas relataram ter conseguido bom alívio da dor mediante essa prática(5), corroborando os resultados deste estudo. Já nos Estados Unidos, mensuraram o alívio da dor através de escala de 0-100% e observaram que o alívio foi moderado (45%)(13). Vale ressaltar que o alívio momentâneo da dor, obtido por meio de fármacos autoprescritos, pode levar as pessoas a adiarem o tratamento adequado e precoce, contribuindo para a cronificação da experiência dolorosa e surgimento de comorbidades, advindas do convívio prolongado com a dor.

Conclusões

A automedicação é frequente entre estudantes universitárias de enfermagem e a prevalência dessa prática (38,8%) foi maior do que aquela observada em estudos semelhantes.

A caracterização da dor autorreferida pelos estudantes mostrou que a experiência dolorosa é de intensidade moderada, predominantemente crônica e localizada na cabeça.

Os estudantes caracterizam-se como adultos jovens, representados pelo sexo feminino e classe socioeconômica A. Automedicaram-se com base em suas próprias informações e nas sugestões de familiares e o principal motivo que os levou a tal prática foi a falta de tempo para ir ao médico.

Os medicamentos analgésicos mais utilizados pelos estudantes foram a dipirona e o paracetamol, sendo o alívio, obtido por meio deles, classificado como bom.

Ressalta-se que, embora os medicamentos utilizados pelos estudantes sejam isentos de prescrição (MIP), o consumo irracional dessas drogas pode causar efeitos adversos desastrosos. Ademais, o tratamento paliativo da dor pode retardar a elucidação do diagnóstico e o tratamento adequado da dor, contribuindo para a cronificação da experiência dolorosa.

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  • Corresponding Author:
    Lílian Varanda Pereira
    Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Enfermagem.
    Rua 227, Quadra 68, s/n
    Setor Leste Universitário
    CEP: 74605-080 Goiânia, GO, Brasil
    E-mail:
  • 1
    This research was supported by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2009
    • Aceito
      04 Ago 2010
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