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Capacidade de mães para cuidar de crianças expostas ao HIV

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a capacidade de mães para cuidar de crianças expostas ao HIV, mediante a Escala de Avaliação da Capacidade para Cuidar de Crianças Expostas ao HIV e verificar a associação entre dimensões da escala e as características maternas.

MÉTODO:

estudo transversal, com participação de 62 mães HIV+ com filhos nascidos expostos ao vírus até um ano de idade. A Escala de Avaliação da Capacidade para Cuidar de Crianças Expostas ao HIV possui 52 itens e cinco dimensões que indicam alta, moderada ou baixa capacidade de cuidado.

RESULTADOS:

das mães, 72,7% ofertaram adequadamente zidovudina xarope; 86,0% possuíam alta capacidade para preparar e administrar o leite em pó; 44,4% possuíam moderada capacidade para preparar e administrar a alimentação complementar; 76,5% apresentaram alta capacidade para administrar a profilaxia contra pneumonia e 95,3% possuíam alta capacidade para o acompanhamento clínico e vacinação. Houve significância entre algumas variáveis maternas e dimensões da escala.

CONCLUSÃO:

a escala permite avaliar o cuidado materno dispensado às crianças e realizar intervenções específicas em prol da saúde infantil.

Cuidado da Criança; HIV; Transmissão Vertical da Doença Infecciosa; Enfermagem Pediátrica


OBJECTIVE:

to assess the ability of mothers to take care of children exposed to HIV, using the Assessment Scale of Care Skills for Children Exposed to HIV at Birth and to check the association between the scale dimensions and maternal characteristics.

METHOD:

this cross-sectional study involved 62 HIV+ mothers whose children of up to one year old had been exposed to the virus at birth. The Assessment Scale of Care Skills for Children Exposed to HIV at Birth consists of 52 items and five dimensions, indicating high, moderate or low care ability.

RESULTS:

72.7% of the mothers appropriately offered zidovudine syrup; 86.0% were highly skilled to prepare and administer milk formula; 44.4% were moderately able to prepare and administer complementary feeding; 76.5% revealed high ability to administer prophylactic treatment against pneumonia and 95.3% demonstrated high abilities for clinical monitoring and immunization. Significant associations were found between some maternal variables and the scale dimensions.

CONCLUSION:

the scale permits the assessment of maternal care delivery to these children and the accomplishment of specific child health interventions.

Child Care; HIV; Infectious Disease Transmission, Vertical; Pediatric Nursing


OBJETIVO:

evaluar la capacidad de madres para cuidar de niños expuestos al VIH mediante la Escala de Evaluación de la Capacidad para Cuidar de Niños Expuestos al VIH y verificar la asociación entre las dimensiones de la escala y las características maternas.

MÉTODO:

estudio transversal, involucrando a 62 madres HIV+ con hijos expuestos al virus al nacer con hasta un año de edad. La Escala de Evaluación de la Capacidad para Cuidar de Niños Expuestos al VIH contiene 52 ítems y cinco dimensiones que indican alta, moderada o baja capacidad de cuidado.

RESULTADOS:

el 72,7% de las madres ofertó adecuadamente el jarabe zidovudina; 86,0% tenía alta capacidad para preparar y administrar la leche en polvo; 44,4% poseía moderada capacidad para preparar y administrar la alimentación complementaria; 76,5% reveló alta capacidad para administrar la profilaxis contra neumonía y el 95,3% demostró alta capacidad para el acompañamiento clínico y la vacunación. Fue encontrada significancia entre algunas variables maternales y dimensiones de la escala.

CONCLUSIÓN:

la escala permite evaluar el cuidado materno prestado a los niños e implementar intervenciones específicas a favor de salud infantil.

Cuidado del Niño; VIH; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Enfermería Pediátrica


Introdução

Das recomendações contidas no programa nacional de Aids (Brasil), as ações para a profilaxia da Transmissão Vertical (TV) do HIV, específicas na gestação, são desenvolvidas pelas mães infectadas. Inclui-se a realização de acompanhamento pré-natal regular, a administração de terapia Antirretroviral (ARV) ou de monoterapia com AZT (zidovudina) a partir da 14ª semana de gestação e a coleta de sangue para a contagem de células CD4 e carga viral( 11. Ministério da Saúde (BR). Recomendações para a profilaxia da transmissão vertical do HIV e terapia antirretroviral em gestantes. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. ).

No contexto do HIV/Aids, destaca-se a relevância das ações de promoção da saúde e de bem-estar da criança, verticalmente exposta ao HIV, como responsabilidades precípuas dos profissionais de saúde, especialmente dos enfermeiros, no que se refere ao acompanhamento da adesão ao tratamento.

Por sua indefinição sorológica, uma série de cuidados nos primeiros anos de vida é indispensável, desde o devido uso de medicamentos antirretrovirais e antimicrobianos até o acompanhamento periódico em unidades de assistência especializada, bem como a realização de exames rotineiros, calendário vacinal específico e terapia nutricional adequada( 11. Ministério da Saúde (BR). Recomendações para a profilaxia da transmissão vertical do HIV e terapia antirretroviral em gestantes. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. - 22. Paiva SS, Galvão MTG, Pagliuca LMF, Almeida PC. Non-verbal mother-child communication in conditions of maternal HIV in an experimental environment. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(1):41-7. ). Pelo exposto, as mães possuem papel fundamental na manutenção da saúde dessas crianças, ao assumirem o compromisso de cuidar delas.

Acrescido ao contexto social e de saúde, a família cumpre papel fundamental como prestadora do cuidado à criança, a qual depende de outros para sobreviver. Ao discutir cuidados da saúde no âmbito da família, a figura da mulher-mãe como principal cuidadora aparece quase como um consenso( 33. Freitas JG, Paiva SS, Moreira RVO, Araújo MFM, Barroso LMMB, Galvão MTG. Philosophical reflection on nursing care in feeding children exposed to HIV. Rev Enferm UFPE on line. [periódico na Internet]. 2012 [acesso 7 nov 2012]; 6(9):915-23. Disponível em: http://www.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewArticle/2608
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- 44. Demmer C. Experiences of families caring for an HIV-infected child in KwaZulu-Natal, South Africa: An exploratory study. AIDS Care. 2011;23(7):873-9. ).

Ademais, torna-se indispensável o estabelecimento de intervenções que permitam, o mais precocemente possível, a identificação das gestantes soropositivas, das crianças expostas e com Aids, delineando suas trajetórias, necessidades e o real acesso dessa população aos serviços de saúde, garantindo-se menores riscos de infecção e possibilitando melhor sobrevida( 55. Oliveira RN, Takahashi RF. As práticas de saúde para redução da transmissão vertical do HIV em unidades de atenção básica: realidades e determinantes. Ciência Saúde Coletiva 2011;8(54):234-8. ).

O enfrentamento, a vulnerabilidade e as condições estabelecidas para administrar a convivência com o HIV são problemas assumidos pelas mães de crianças com a doença ou que foram expostas ao vírus e, algumas vezes, pelas próprias crianças. Por estar permanentemente promovendo cuidados em relação ao seu filho, levando-o às visitas periódicas aos serviços de saúde, auxiliando-o com os medicamentos necessários, acompanhando-o na realização de vários exames, a mãe assume papel marcante na promoção e na propagação da saúde dessa criança( 66. Schaurich D, Medeiros HMF, Motta MGC. Vulnerabilidade no viver de crianças com aids. Rev Enferm UERJ. 2007;15(2):284-90. ). A enfermagem tem, portanto, um papel de acompanhamento em todas as etapas, além de papel importante na educação para a saúde.

Para auxiliar as mães e observar os cuidados propiciados por elas às crianças nascidas expostas ao HIV, a literatura disponibiliza a Escala de Avaliação da Capacidade para Cuidar de Crianças Expostas ao HIV (EACCC-HIV), desenvolvida e validada no Brasil, que mensura os cuidados maternos em saúde, direcionados às crianças nascidas expostas ao HIV(7). Tal escala permite que, após os resultados, sejam refletidos os meios para mudanças que se fizerem necessárias no cuidado da criança.

Nesse contexto, o objetivo do estudo foi avaliar a capacidade de mães para cuidar de crianças expostas ao HIV por meio da EACCC-HIV e verificar a associação entre as dimensões da escala e as características maternas.

Metodologia

Estudo transversal, desenvolvido em dois hospitais de referência no atendimento aos portadores de HIV/Aids, em Fortaleza, CE: o Hospital São José de Doenças Transmissíveis (HSJDT) e o Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana (HDGMM).

A pesquisa ocorreu entre janeiro e junho de 2010. Participaram 62 mães biológicas com 64 filhos (dois gemelares), nascidos expostos ao HIV, com até 12 meses de idade e identificados com base no número de notificações de partos de gestantes portadoras de HIV em Fortaleza, entre os anos 2009 e 2010 (N=122). Essa amostra representou 50,8% dos nascimentos de crianças expostas ao HIV que se encontravam na faixa etária de até um ano de idade. Dos critérios de inclusão no estudo, constaram: ser a mãe da criança e ter capacidade para prestar cuidados ao filho. Os critérios de exclusão foram: a presença de doença mental, fase avançada da Aids e qualquer outra condição que impossibilitasse os cuidados com a criança (comprometimento físico ou psíquico).

Para a coleta de dados, utilizou-se um formulário para caracterização sociodemográfica e clínica do cuidador (mãe biológica) e a escala de avaliação da capacidade para cuidar de crianças expostas ao HIV( 77. Barroso LMM, Freitas JG, Galvão MTG. Escala de avaliação da capacidade para cuidar de crianças expostas ao HIV. Rev Enferm UFPE. 2012. No prelo. ).

A EACCC-HIV possui 52 itens e cinco dimensões e é direcionada à avaliação de crianças de até um ano de vida. Enquanto a dimensão I é constituída por quatro itens relacionados a avaliar as crianças de até 42 dias de vida e tem a finalidade de medir a capacidade materna para administrar o AZT xarope, a dimensão II possui dezessete itens, destina-se a crianças de até um ano de vida e possibilita avaliar o preparo e administração do leite em pó. Composta de 22 itens, a dimensão III permite observar o cuidado de crianças acima de 4 meses de idade e procura mensurar a capacidade para preparar e administrar alimentação complementar. A dimensão IV, focada em crianças maiores de 42 dias até um ano, por meio de quatro perguntas, permite aferir a capacidade materna para administrar a profilaxia com sulfametoxazol e trimetoprim. Finalmente, a dimensão V, com cinco itens, é direcionada a todas as crianças até um ano e mede a capacidade materna para garantir a adesão ao acompanhamento clínico e à vacinação.

Para cada item da escala, apenas uma alternativa poderá ser indicada, e os valores variam entre 1 e 5. As dimensões da escala foram classificadas em três categorias: baixa, moderada e alta capacidade para cuidar.

As entrevistas foram realizadas em consultórios dos hospitais citados, quando havia disponibilidade do local. Ocorreram dificuldades durante as entrevistas por causa da falta de locais privativos e seguros em virtude da grande quantidade de atendimentos e profissionais que disputavam os consultórios. A duração média das entrevistas foi de cerca de 50 minutos.

Para efeito de análise, as variáveis foram agrupadas em características maternas: grupo etário, estádio evolutivo, tempo de diagnóstico, paridade, escolaridade, Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) e renda familiar.

A análise dos dados consistiu na caracterização sociodemográfica e clínica das mães, mediante identificação do cuidado, por meio de distribuições de frequências uni e bivariadas e medidas descritivas (médias, desvios-padrão e mediana). Decidiu-se pelas análises bivariadas, com a finalidade de descrever e verificar diferenças proporcionais entre os níveis de capacidade para cuidar, expressos por meio das cinco dimensões da EACCC-HIV, e as características maternas, mediante aplicação do teste qui-quadrado exato de Fischer. Em todas as análises, o nível de significância adotado foi de 5% (pFisher < 0,05). Para tratamento e análise dos resultados, utilizou-se o programa estatístico STATA, v.11.0.

Em atendimento ao exigido, o projeto de pesquisa foi aprovado sob Protocolo nº43/2009, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José de Doenças Transmissíveis. No referente ao Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana, solicitou-se autorização de coleta de dados. Às mães, que concordaram em participar da pesquisa, solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Das mães participantes, a faixa etária prevalente (46,8%) foi de 20 a 29 anos. Em relação ao estado evolutivo, 66,1% encontravam-se nos estágios iniciais da doença (infecção assintomática=HIV+), sendo o tempo de diagnóstico predominante inferior a um ano (61,3%). A paridade concentrou-se em um a três filhos (88,7%). No tocante ao nível de escolaridade, 32,2% possuíam menos de cinco anos de estudo. Em relação à classificação econômica, 48,4% integravam a classe D. A maioria (85,5%) estava desempregada na época da pesquisa, predominando renda familiar entre um e dois salários-mínimos (46,8%). Por ocasião do estudo, o valor do salário-mínimo era de R$510,00.

Entre as crianças, 35 eram do sexo masculino (54,7%). A faixa etária apresentou-se da seguinte forma: 8 crianças (<1 mês; 12,5%), 16 (2-3 meses; 25,0%), 18 (4-6 meses; 28,1%) e 22 (>7 meses; 34,4%). Quanto à sorologia (RNA viral), uma criança era reagente (1,6%), 12 eram não reagentes (18,7%), 17 tinham sorologia inconclusiva (26,7%) e 34 ainda não haviam realizado o exame (53,0%).

Na Figura 1, apresenta-se a distribuição das dimensões da capacidade de cuidar, estratificada segundo o nível de capacidade. Como exposto, 72,7% das mães ofertaram adequadamente a Zidovudina (AZT) xarope; 86,0% possuíam alta capacidade para preparar e administrar o leite em pó; 44,4% possuíam moderada capacidade para preparar e administrar a alimentação complementar; 76,5% revelaram alta capacidade para administrar a profilaxia com Sulfametoxazol (SMX) e Trimetropim (TMP) e 95,3% demonstraram alta capacidade para o acompanhamento clínico e a vacinação da criança. Conforme distribuição global da soma das respostas do nível de capacidade para cuidar de crianças, a maior frequência de respostas ocorreu no nível de capacidade moderada (46,9%) e percentuais semelhantes para os níveis de capacidade baixa (23,4%) e alta (29,7%).

Figura 1
Distribuição percentual das dimensões da capacidade de cuidar. Fortaleza, CE, Brasil, 2010

A Tabela 1 mostra a somatória das dimensões da EACCC-HIV e aspectos entre as variáveis maternas e a correlação entre as dimensões da escala. A dimensão I não apresentou características maternas e familiares que identificassem diferenças proporcionais significantes no concernente ao nível de capacidade para administrar o AZT xarope.

Tabela 1
Distribuição das variáveis maternas e dimensões da capacidade para cuidar de crianças expostas ao HIV. Fortaleza, CE, Brasil, 2010

Em relação às dimensões II e III, não houve diferenças significativas entre a correlação das variáveis maternas e a oferta de leite em pó e a alimentação complementar. Ademais, de acordo com os dados relativos e absolutos em relação ao perfil alimentar das crianças avaliadas (dados não apresentados na tabela), 86,0% não haviam sido amamentadas por suas mães. Quanto ao tipo de leite consumido, a maioria fazia uso de fórmula láctea /Nestogênio (46,9%), sendo que 57,8% das crianças tinham ingesta inadequada do leite, destacando-se as irregularidades relacionadas à diluição e à frequência de oferta de leite à criança. Em relação à Alimentação Complementar (AC), 30 crianças (47,0%) já faziam uso regularmente, enquanto dez (15,5%) deveriam ter iniciado a alimentação complementar, no entanto, consumiam apenas leite. Sobressai nos resultados o fato de que 55,0% apresentaram consumo inadequado da AC.

Ao analisar o fator IV e as variáveis maternas, conforme identificado, sete (11%) das mães relataram dificuldade para administrar o SMX e o TMP, em virtude de limitações pessoais. A paridade concentrou-se em torno de um a três filhos, variando com altos percentuais entre os níveis de cuidado baixo, moderado a alto, e denotaram-se diferenças proporcionais significantes no nível boderline em relação à capacidade para a profilaxia com SMX e TMP (pFisher = 0,051).

E, ainda, a distribuição das variáveis maternas e o nível de capacidade para garantir a adesão ao acompanhamento clínico e à vacinação revelaram que a paridade oscilou com altos percentuais entre cuidado baixo, moderado a alto, e mostrou diferenças proporcionais significantes no tocante à adesão ao acompanhamento clínico e vacinação (pFisher = 0,031). Quanto aos níveis de escolaridade, por anos de estudo, constataram-se diferenças proporcionais significantes inerentes à capacidade para garantir a adesão ao acompanhamento clínico e à vacinação (pFisher = 0,030). Como verificado, entre as mães com menos de cinco anos de estudo, a capacidade para garantir a adesão variou de moderada a alta e entre aquelas com seis a nove anos, e mais, tal capacidade permaneceu em alta.

Na Tabela 2, expõe-se a somatória de todas as dimensões da EACCC-HIV, indicando o grau de cuidado desenvolvido pelas mães. Conforme observado, as variáveis maternas que indicaram interferir na capacidade do cuidado de mães proporcionado às crianças nascidas expostas ao HIV foram o estádio evolutivo (p=0,006) e o tempo de diagnóstico (p=0,038). No que se refere ao estádio evolutivo, constatou-se que, entre aquelas que apresentaram baixa avaliação global, há maior proporção de mães com HIV (93,3%) e não as mães com Aids (6,7%). Com relação ao tempo de diagnóstico, as mães que apresentaram baixa avaliação global possuíam esse tempo de diagnóstico inferior a um ano (80%).

Tabela 2
Distribuição das variáveis maternas e a avaliação global da escala. Fortaleza, CE, Brasil, 2010

Discussão

Quando se referem à criança, as decisões e controle de vida ficam sob o encargo da mãe ou cuidador, porquanto a criança não tem poder de autogerenciamento. Ações de capacitação e de desenvolvimento de habilidades devem ser voltadas para a figura materna, no intuito de alcançar ótimo nível de saúde da criança( 33. Freitas JG, Paiva SS, Moreira RVO, Araújo MFM, Barroso LMMB, Galvão MTG. Philosophical reflection on nursing care in feeding children exposed to HIV. Rev Enferm UFPE on line. [periódico na Internet]. 2012 [acesso 7 nov 2012]; 6(9):915-23. Disponível em: http://www.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewArticle/2608
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).

Sabe-se que mães que convivem com HIV precisam seguir corretamente as recomendações preconizadas pelo Ministério da Saúde em prol do bem-estar do seu filho( 88. Araújo MAL, Silveira CB, Silveira CB, Melo SP. Vivências de gestantes e puérperas com o diagnóstico do HIV. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):589-94. ). Essas mulheres denotam preocupações com a saúde da sua criança desde a gestação( 99. Gonçalves TR, Piccinini CA. Experiência da maternidade no contexto do HIV/Aids aos três meses de vida do bebê. Psicol Teor Pesq. 2008;24(4):459-70. ). Para minorar as preocupações, o ambiente e as condições de vida da mãe devem ser favoráveis ao desenvolvimento de uma prática de cuidar eficaz, podendo justificar os resultados ora apresentados: as mães infectadas pelo HIV, mas sem atingir o estádio de Aids, e com tempo de diagnóstico menor do que um ano, ofertam menos cuidados aos filhos. Tais resultados sugerem que os aspectos psicossociais estão fortemente presentes em relação à aceitação da própria infecção, interferindo no cuidado do filho.

É presumível que a mãe só vá aderir ao tratamento preventivo se estiver sensibilizada para a possibilidade de a criança ser infectada e compreender que, para evitar a infecção, é necessário seguir todas as recomendações( 1010. Neves LAS, Gir E. HIV positive mothers' beliefs about mother-to-child transmission. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(5):781-8. ). A adesão da mãe é fundamental para diminuir o risco da infecção na criança.

Ademais, a capacidade de cuidar da saúde dos filhos pequenos é variável, mediada por diversos fatores sociais presentes nos contextos de vida das mães. Pesquisadores discutem esses fatores e apontam aqueles relacionados ao risco de desnutrição infantil, que estão incluídos nas dimensões avaliadas (II e III), acrescidos da estrutura familiar sem a presença do companheiro, da internação materna durante a gravidez, da precária saúde mental materna, do estresse familiar, da baixa escolaridade materna, das mães desempregadas e da idade da criança quando do retorno da mãe ao trabalho( 1111. Machado MMT, Galvão MTG, Kerr-Pontes LRS, Cunha AJLA, Leite AJM, Lindsay AC, et al. Acesso e utilização de fórmula infantil e alimentos entre crianças nascidas de mulheres com HIV/AIDS. Rev Eletr Enferm [periódico na Internet]. 2007 [acesso 16 nov 2011]; 9(3): 699-711. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n3/v9n3a10.htm.
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).

No cenário de escolarização das mulheres com HIV, estudos utilizam a inserção em ambiente escolar ou escolaridade para sugerir a categoria social na qual se encontram( 1212. Barroso LMM, Galvão MTG, Mota RC, Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/aids. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ). A escolaridade dos pais ou dos responsáveis influencia o cuidado com a saúde da criança, pois maior nível de instrução e conhecimento propicia uma forma de cuidar mais adequada. Isso, porém, nem sempre se confirma, como foi o caso neste estudo. Contudo, de maneira geral, maior nível de conhecimento garante mais chances de cuidado adequado à criança( 1313. Reis RS. A influência dos determinantes sociais na saúde da criança. Rev Libertas 2006;1(1):17-42. - 1414. Cavalcante MS, Kerr LRFS, Brignol SMS, Silva DO, Dourado I, Galvão MTG, Kendall C. Sociodemographic factors and health in a population of children living in families infected with HIV in Fortaleza and Salvador, Brazil. AIDS Care. 2012;24:1-9. ).

Com o desenvolvimento de habilidades, a mulher com HIV/Aids terá mais chances de superar os condicionamentos, ao direcionar suas ações de forma organizada, mediante uma atitude ativa, decisiva e consciente. Desse modo, ela será capaz de modificar as condições que impedem, ou desqualificam, seu cuidado para com seus filhos verticalmente expostos, com base no uso correto das informações adquiridas, por meio de uma postura mais crítica e reflexiva( 1515. Pelicioni MCF, Pelicioni AF, Toledo RF. A educação e a comunicação para a promoção da saúde. In: Rocha AA, César CLG, editor. Saúde pública. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 165-77. - 1616. Silva RAR, Rocha VM, Davim RMB, Torres GV. Ways of coping with AIDS: opinion of mothers with HIV children. Rev. Latino-am Enfermagem [online] 2008 [acesso 7 nov 2012]; 16(2):260-265. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692008000200014
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). Além do cuidado de si, é mister readaptar suas vidas em face das exigências de um acompanhamento rigoroso e periódico das suas crianças, que ainda não possuem diagnóstico definitivo da infecção. Portanto, aspectos externos e internos, relacionados à vida dessa mulher, podem interferir na excelência do cuidar, sendo, por isso, necessário ampliar a discussão reflexiva relacionada a esses aspectos, no atendimento dos serviços de saúde.

Na presente pesquisa, a dimensão III aponta a dificuldade de mães em preparar e ofertar corretamente a alimentação láctea e complementar aos seus filhos. Diante de divulgações de protocolos e recomendações para oferta da alimentação às crianças nascidas expostas ao HIV, ressalta-se, ainda, o despreparo e o descumprimento de orientações padronizadas que direcionem os cuidados dessas mães aos seus filhos para uma alimentação adequada.

São escassos os estudos publicados no Brasil sobre as práticas alimentares de crianças expostas ao HIV. Dessa forma, urge a realização de novas pesquisas para avaliar as condições de vida das crianças na vigência do HIV, bem como para conhecer o acesso e distribuição dos alimentos na rede pública de saúde e os aspectos da qualidade da atenção oferecida a tais grupos( 1717. Machado MMT, Galvão MTG, Lindsay AC, Cunha AJLA, Leite AJM, Leite RD, et al. Condições sociodemográficas de crianças de zero a dois anos filhas de mães com HIV/Aids, Fortaleza, CE, Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010;10(3):377-82. ). Contudo, para serem mais eficazes, estratégias de prevenção propostas pelos órgãos governamentais, principalmente aqueles ligados à saúde, devem considerar as adversidades das famílias com HIV. Torna-se indispensável auxiliá-las de outras maneiras, como, por exemplo, utilizando os suportes psicossocial e instrumental( 1818. Seidl EMF, Zannon CMC, Tróccoli BT. Pessoas vivendo com HIV/AIDS: enfrentamento, suporte social e qualidade de vida. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2005;18(2):188-95. ), e não apenas por meio da distribuição da fórmula láctea nos seis primeiros meses de vida. É preciso ampliar a ajuda e o seguimento dessas crianças sob o risco de aquisição do vírus.

A mulher-mãe infectada pelo HIV deve aprender a cuidar dos seus filhos e dar continuidade às recomendações no intuito de contribuir para a redução da transmissão vertical. É essencial compreender tanto a necessidade do cumprimento sistemático das orientações como os riscos decorrentes da não adesão ao seguimento em saúde.

Para assegurar a essas mulheres o correto seguimento das recomendações preconizadas pelo Ministério da Saúde às crianças, deve haver uma orientação prévia pelos profissionais, compatível com o nível de escolaridade e renda/situação econômica da mulher. Tais intervenções poderão ocorrer ainda durante o pré-natal ou após o parto na maternidade. Ademais, é preciso contar com uma equipe multidisciplinar para direcionar as orientações baseadas nos informativos e esclarecer as adaptações do cardápio, de acordo com a faixa etária.

Ressalta-se, ainda, a urgência de mais atenção a essas crianças, com vistas à profilaxia adequada durante seu período intraútero, no parto e após o nascimento. Assim, elas poderão ser saudáveis, livres de infecção pelo HIV e, consequentemente, contribuirão para a queda da incidência da transmissão perinatal no país( 1919. Cunha GH, Galvão MTG. Inserção de crianças nascidas de mães com HIV/AIDS nos programas de suplementação alimentar. Rev Rene. 2007;8(1):71-7. ).

No contexto social e de saúde, a família desempenha papel fundamental como prestadora do cuidado à criança, a qual depende de outros para sobreviver. No âmbito familiar, a mãe exerce seu papel como provedora e responsável pela comunicação eficaz com o profissional de saúde. Ela busca melhor e maior assistência e cuidados, para que, assim, maior seja o potencial de saúde alcançado( 2020. Gomes AMT, Cabral IE. Entre dose e volume: o princípio da matemática no cuidado medicamentoso à criança HIV positiva. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):332-7. ). Há, porém, uma deficiência de seguimento das mães às orientações adequadas quanto aos cuidados voltados ao preparo e oferta da alimentação, cuidados esses essenciais para a manutenção equilibrada do estado de saúde dessas crianças expostas ao HIV.

Os enfermeiros e demais membros das equipes de saúde da família precisam buscar alternativas no processo de cuidado nos centros de saúde e nos serviços especializados, para que haja maior interação entre a equipe e as mães, sendo a escuta qualificada um dos modos fundamentais de buscar rupturas possíveis nos seus modos de pensar e agir, além de se encontrar soluções conjuntas que contribuam, de alguma maneira, para a aceitação da existência da infecção pelo HIV e seus riscos, resultando em melhores cuidados com o filho.

Conclusões

As oportunidades perdidas para realizar intervenção preventiva e empoderar mães a prover a saúde dos seus conceptos, seja no pré-natal, parto e pós-parto, evidenciam tanto a fragilidade organizacional quanto a necessidade de os profissionais de saúde disseminarem as estratégias de prevenção da transmissão vertical nos diversos cenários de atenção à saúde, bem como a descentralização da assistência em HIV/Aids para níveis de atenção primária.

Diante dessa realidade, cabe às unidades de saúde prepararem-se para receber essa clientela adequadamente e requerer dos profissionais o cumprimento sistemático das medidas preconizadas, seja por meio do suprimento logístico ou de capacitações relacionadas ao tema. Desse modo, espera-se orientar devidamente as mães que convivem com HIV/Aids e torná-las agentes do cuidado dos seus filhos expostos ao HIV.

Essa orientação, entretanto, deve permitir que essas mulheres se tornem protagonistas da sua própria existência, mediante maior autonomia para o desempenho seguro do cuidado dispensado aos seus filhos, bem como a si mesmas, obtendo mais qualidade de vida. Esse processo exige, contudo, articulação de outros aspectos da vida dessas mulheres, a exemplo do contexto familiar e social.

Enfatiza-se, aqui, a necessidade de compartilhar os resultados obtidos neste estudo com os gestores de saúde no âmbito municipal e estadual, no intuito de informar os dados encontrados nos serviços de atendimento às crianças expostas ao HIV. Tais resultados permitem alertá-los sobre a urgência de capacitações relacionadas à nutrição de crianças expostas ao vírus. Além do mais, é preciso fazer vigorar a descentralização dos serviços de atendimento a essa população mais vulnerável nos diversos campos de atenção em saúde e melhorar o acesso dessa clientela aos benefícios sociais como vale-transporte, cesta básica e recebimento da fórmula infantil.

Como limitação do estudo, observou-se que, em relação ao tempo de diagnóstico, houve um gradiente decrescente desse graças ao fato de a maior parte das mães participantes do estudo serem jovens e com pouco tempo de diagnóstico; por esse motivo é que apresentaram a maior frequência em todos os níveis de cuidado, incluindo, assim, a baixa capacidade para o cuidado. Tal observação exige que outros estudos sejam realizados com o objetivo de identificar outras situações que vulnerabilizam o cuidado infantil, não só pelos fatores maternos bem como pelas questões de gênero, pelo apoio sociofamiliar e pela integração das Redes de Atenção em Saúde (RAS) em prol da efetivação de políticas públicas mediante a promoção da saúde dessa população.

O estudo ora elaborado possibilitou concluir ser indispensável o empenho dos serviços especializados para o acompanhamento de qualidade da saúde da criança exposta ao HIV, em particular por se tratar de população de risco. É preciso, também, sensibilizar a família, sobretudo a mãe, para adquirir e desenvolver capacidades em prol da saúde infantil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2012
  • Aceito
    05 Maio 2013
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