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A resolução n. 22.585/2007 do Tribunal Superior Eleitoral e a violação de direito civil e político fundamental: aspectos introdutórios

The resolution n. 22.585/2007 of the Superior Electoral Court and the violation of civil and political right: introductory aspects

Resumo

O ensaio trata do tema que envolve a polêmica Resolução n. 22.585/2007, do Tribunal Superior Eleitoral, verificando em que medida ela viola Direitos Fundamentais Civis e Políticos da Cidadania e dos Partidos Políticos brasileiros.

Palavras-Chave:
direitos fundamentais civis; direitos fundamentais políticos; partidos políticos; Tribunal Superior Eleitoral

Abstract

The essay deals with the issue involving the controversial Resolution n. 22.585/2007, the Superior Electoral Court, determining to what extent it infringes on Civil and Political Rights of Citizenship and Political Parties in Brazil.

Keywords:
fundamental civil rights; fundamental political rights; political parties; Superior Electoral Court

I. NOTAS INTRODUTÓRIAS

Pretendo neste ensaio avaliar a natureza jurídica e os efeitos da Resolução n. 22.5851 1 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. Rel. Min. José Augusto Delgado, Brasília, DF, 06 de setembro de 2007. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 172, 16 out. 2007. Seção 1. , de 16.10.2007, do Superior Tribunal Eleitoral - TSE, que impede a contribuição pecuniária de determinadas pessoas às suas agremiações partidárias, bem como caracterizá-la como violadora de direito civil e político fundamental, sendo passível de extração do ordenamento jurídico pátrio.

Este trabalho ainda tem como referência casuística o caso do Partido dos Trabalhadores que prevê em seus estatutos aquela contribuição, enquanto política de gestão financeira e gerenciamento de suas atividades institucionais.

II. O HISTÓRICO DA RESOLUÇÃO E O SEU COTEJO COM A LEI FEDERAL N. 9.096/1995:

A Resolução/TSE n. 22.585, de 16.10.2007, origina-se de consulta (n. 1.428) feita pelo Partido dos Democratas - DEM, no sentido de se é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da Unido, dos Estados e Municípios. O resultado desta consulta, em nível de ementa, restou assim redigida:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Sustentou o DEM, em sua provocação ao TSE, que a consulta vinha motivada pelo receio de que ocorressem excessivas nomeações para cargos públicos de filiados aos partidos que compõem a base política de determinado governo com a finalidade de angariar recursos para os seus cofres, o que estaria em confronto com o disposto nos incisos II e III, do art. 31, da Lei n. 9.096/95.

Ocorre que o Partido dos Trabalhadores, dentro de sua autonomia institucional, definiu em seus estatutos normas de contribuição obrigatórias, sendo certo que ao filiar-se o cidadão adere e concorda com as normas previamente estabelecidas. Não as cumprindo, estará submetido às sanções e impedimentos com os quais concordou no ato de sua filiação a saber:

Art. 14: É dever do filiado:

[...].

V - Contribuir financeiramente nos termos deste Estatuto e participar das campanhas de arrecadação de fundos do Partido;

§1º O filiado investido em cargo de confiança na administração pública, direta ou indireta, deverá exercê-lo com probidade, fidelidade aos princípios programáticos e à orientação do Partido.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior também se aplica ao filiado detentor de mandato eletivo.

§ 3º Os filiados a que se referem os parágrafos deste artigo, quando convocados pelo Diretório a que pertençam ou pelas instâncias superiores do Partido, deverão prestar contas de suas atividades.

[...]

Art. 169: Estará apto a votar em qualquer atividade de base e das instâncias partidárias todo filiado em dia com as contribuições financeiras partidárias, conforme as regras e tabelas estabelecidas neste Estatuto.

§ 1º Considera-se em dia o filiado que efetuou as contribuições financeiras com o PT.

§ 2º Tratando-se de filiado ocupante de cargo eletivo ou de confiança, considera-se em dia aquele que tenha quitado todas as suas contribuições financeiras partidárias até o mês anterior à atividade de que pretende participar.

§ 3º Somente poderá ser votado nas eleições partidárias o filiado que estiver em dia com todas as suas contribuições financeiras partidárias, inclusive débitos passados.

Argumenta o PT que sempre teve atuação permanente junto aos seus quadros, não limitando a vida partidária aos períodos eleitorais, criando saudável prática de permanente participação de seus filiados. Para isto, precisou manter sedes e estruturas financiadas, dentre outras fontes, pelas contribuições partidárias que seus filiados, exatamente para não depender de quaisquer recursos oriundos de destinos que não legítimos em face de suas origens e compromissos.

O problema é que o TSE, na deliberação em análise, através do seu relator originário, Ministro José Delgado, referiu que o art. 31, da Lei sob comento, veda ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (a) autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as datações referidas no ad. 38; (b) autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituidas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais. Destaca, ainda, o digno Relator originário, para o que interessa a esta análise, que: “O cerne da questão reside no fato de a vedação contida no verbete autoridade’ ser extensível, ou não, ao servidor público que detenha cargo em comissão ou exerça função comissionada na administração direta ou indireta”.2 2 Autos da Resolução n. 22.585/07. p. 02. (Grifo do autor)

Neste ponto, lembra o relator mencionado que:

Com o advento da Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1995, sobrevieram os primeiros questionamentos quanto à análise da prestação de contas dos partidos politicos, que resultaram em duas resoluções paradigmas, ambas relatadas pelo Ministro Costa Porto: Res.-TSE n. 19.8043 3 BRASIL. Tribunsl Superior Eleitoral. Resolução n. 19.804. Fundo Partidário. Prestação de Contas. Partido Liberal - PL. Contribuição de filiados - parlamentares vinculados ao partido. Não se aplica a vedação do art. 31, II, da Lei 9.096/95. Aprovada. Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto, Brasília, DF, 25 de fevereiro de 1997. In; Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 6.987, 14 mar. 1997. Seção 1. , DJ de 14.3.1997 (Pet n. 134) e Res.-TSE n. 19.8174 4 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 19.817. Fundo Partidário. Prestação de Contas. Partido do Movimento Democratico Brasileiro - PMDB. Contribuição de filiados - parlamentares vinculados ao partido. A vedação do art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, atinge, porém, os filiados a partido que exercam cargos exoneraveis “ad nutum”. Aprovada. Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto, Brasília, DF, 06 de março de 1997. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 9.556, 27 mar. 1997. Seção 1. , de 27.3.1997 (Pet n. 119). Na primeira, ao julgar regulares as contas do Partido Liberal (PL), o Ministro Relator entendeu não se aplicar a vedação do art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 ao parlamentar vinculado a Partido Político, nos seguintes termos: Empregando, no entanto, o termo “autoridades”, o que a lei procurou impedir foi a interferência dos organismos estatais na vida partidária, a desmedida influência do poder político no âmbito das agremiações. Mas não obstar, o que seria excessivo, contribuições financeiras de quem, representante de partidos, no Parlamento, nas Câmaras Municipais, pretenda, com seu aporte financeiro, vitalizar as legendas, superar a crise em que, o mais das vezes, vivem as instituições.5 5 Idem. Pet n. 134, Rel. Min. Costa Porto, DJ de 14.3.97. Tal entendimento foi sufragado no julgamento das prestações de contas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (PA n. 15.430, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16.4.97), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) (Pet n. 116, Rel. Min. Costa Leite, DJ de 09.6.97), do Partido Popular Socialista (PPS) (Pet n. 21, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 18.9.97), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (Pet n. 112, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 17.02.98), do Partido os Trabalhadores (PT) (Pet n. 130, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 04.3.98), e do Partido da Frente Liberal (PFL) (Pet n. 105, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.3.00). (Grifo do autor)

III. AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS PERPETRADOS PELA RESOLUÇÃO

Na linha do raciocínio ainda do Relator originário, e nesta altura do seu voto, vale lembrar os argumentos sobre o tema trazidos pelo Ministro Nelson Jobim no julgamento das contas do Partido dos Trabalhadores, referentes ao exercício financeiro de 1996, assim ementado: “PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996. Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum. Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95”.6 6 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.844.[... [. Contas aprovadas. Rel. Min. Nelson Azevedo Jobim, Brasília, DF, 14 de agosto de 2001. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, v. 1, p. 154, 09 nov. 2001. Seção 1.

No âmbito de sua fundamentação, o Min. Jobim referiu que o objetivo da vedação disposta nos incisos do art. 31, da Lei n. 9.096/95, é o de impedir o controle político, exercido por órgãos do Estado sobre o Partido Político, sendo que a simples contribuição de seus filiados não afronta esse dispositivo legal. Por suas palavras:

A contribuição de funcionários exoneráveis ad nutum não tem potencialidade para permitir-lhes interferir na agremiação. Os filiados, exoneráveis ad nutum, são subordinados ao partido, e não o inverso. Tal como os padamentares, os filiados podem dispor de seus rendimentos e a eles dar a destinação que julgarem mais conveniente. Não interessa se os rendimentos são auferidos em decorrência do exercício de cargo público ou de cargos na iniciativa privada. A remuneração é do filiado, que aceitou a condição do partido.7 7 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.844. Op. Cit.

Na mesma direção foi o Min. Luiz Carlos Madeira, ao responder consulta formulada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), em Resolução assim ementada:

Consulta. Presidente do PFL. Contribuição de filiados demissíveis ad nutum. Ad. 31, da Lei n. 9.096. Orientação consagrada pela Resolução TSE n. 20.844, de 14.8.2001, relator Ministro Nelson Jobim (Diário da Justiça de 09.11.01). É lícito o recebimento, pelos partidos políticos, de recursos oriundos de filiados detentores de cargo em comissão.8 8 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.627. [...]. Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2004. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 90, 23 mar. 2004. Seção 1.

Atento para o fato de que o TSE já havia decidido sobre a ilicitude de se exigir, compulsoriamente, o pagamento de valores contributivos aos partidos políticos9 9 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 19.817, Op. Cit. No mesmo sentido BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.025. Cargo ou função de confiança - Contribuição a partido político - Desconto sobre a remuneração - Abuso de autoridade e de poder econômico - Dignidade do servidor - Considerações - Discrepa do arcabouço normativo em vigor o desconto, na remuneração do servidor que detenha cargo de confiança ou exerça função dessa espécie, da contribuição para o partido político. Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Brasília, DF, 14 de junho de 2005. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, v. 1, p. 1, 25 jul. 2005. Seção 1. , o Partido dos Trabalhadores, por exemplo, sempre o fez para viabilizar a participação de seus filiados nas atividades da agremiação, ou seja, os que não desejam fazê-lo não estão obrigados a pagar nada. Trata-se, pois, de condição institucional na gestão autonômica garantida aos partidos definitória de sua estrutura interna, organização e funcionamento, garantia normativa histórica ainda vigente.

Toma relevo neste sentido a lembrança que o Min. Celso de Mello faz sobre a matéria:

O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos Políticos - sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento - uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente delimitado, que pré-exclui - por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art. 17, § 1º) - qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disse respeito à intimidade estrutural, organizacional e operacional dos Partidos Políticos.10) (Grifo do autor 10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade - Eleições municipais de 1996 - Coligações partidárias apenas para eleições proporcionais - Vedação estabelecida pela lei n. 9.100/95 (art. 6º) - Alegação de ofensa ao princípio da autonomia partidária (CF, art. 17, § 1º) e de violação aos postulados do pluripartidarismo e do regime democrático - Ausência de plausibilidade jurídica - Medida Cautelar indeferida. Partido político - Ação Direta - Legitimidade ativa - Inexigibilidade do vínculo de pertinência temática. - Os Partidos Políticos, desde que possuam representação no Congresso Nacional, podem, em sede de controle abstrato, arguir, perante o Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de atos normativos federais, estaduais ou distritais, independentemente de seu conteúdo material, eis que não incide sobre as agremiações partidárias a restrição jurisprudencial derivada do vínculo de pertinência temática. Precedente: ADIn n. 1.096/RS, Rel. Min. Celso de Mello. Autonomia Partidária - Reserva Constitucional de disciplinação estatutária (CF, art. 17, § 1º). - O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos Políticos - sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento - uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente delimitado, que pré-exclui - por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art. 17, § 1º) - qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser respeito à intimidade estrutural, organizacional e operacional dos Partidos Políticos. Precedente: ADI n. 1.063-DF, Rel. Min. Celso de Mello. Processo Eleitoral e Princípio da Reserva Constitucional de Competência Legislativa do Congresso Nacional (CF,art. 22, I). - O princípio da autonomia partidária - considerada a estrita delimitação temática de sua abrangência conceitual - não se qualifica como elemento de restrição ao poder normativo do Congresso Nacional, a quem assiste, mediante lei, a competência indisponível para disciplinar o processo eleitoral e, também, para prescrever regras gerais que os atores do processo eleitoral, para efeito de disputa do poder político, deverão observar, em suas relações externas, na celebração das coligações partidárias. Submissão normativa dos Partidos Políticos às diretrizes legais do processo eleitoral. Os Partidos Políticos estão sujeitos, no que se refere à regência normativa de todas as fases do processo eleitoral, ao ordenamento jurídico positivado pelo Poder Público em sede legislativa. Temas associados à disciplinação das coligações partidárias subsumem-se à noção de processo eleitoral, submetendo-se, em conseqüência, ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa do Congresso Nacional. Autonomia partidária e processo eleitoral. - O princípio da autonomia partidária não é oponível ao Estado, que dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a regulação normativa concernente ao processo eleitoral. O postulado da autonomia partidária não pode ser invocado para excluir os Partidos Políticos - como se estes fossem entidades infensas e imunes à ação legislativa do Estado - da situação de necessária observância das regras legais que disciplinam o processo eleitoral em todas as suas fases. Vedação de Coligações Partidárias apenas nas eleições proporcionais - Proibição legal que não se revela arbitrária ou irrazoável - Respeito à Cláusula do Substantive Due Process of Law. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador. Rel. Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 07 de março de 1993. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 86, 24 nov. 2000. Seção 1.

Outra referência importante no âmbito desta reflexão é a exarada na referida Resolução/TSE n. 20.844, em que o Ministro Nelson Jobim, em franca interlocução com o então Ministro Costa Couto em resoluções anteriores, quando refere:

Está no voto de COSTA PORTO: “Não creio se deva interpretar o texto com o rigor com que o fez nossa Secretaria de Controle Interno. Tivesse sido utilizada, ali [art. 31 da Lei n. 9.096/95], a expressão “agentes políticos” e seriam alcançados, (...), “os componentes do Governo em seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais” (Hely Lopes Meirelles). Ou os que têm a função “de formadores da vontade superior do Estado” (Celso Antônio Bandeira de Mello). Empregando, no entanto, o termo “autoridades”, o que a lei procurou impedir foi a interferência dos organismos estatais na vida partidária, a desmedida influência do poder político no âmbito das agremiações. Mas não obstar, o que seria excessivo, contribuições financeiras de quem, representante de partidos, no Parlamento, nas Câmaras Municipais, pretenda, com seu aporte financeiro, vitalizar as legendas, superar a crise em que, o mais das vezes, vivem as instituições.11 11 O Ministro Nelson Jobim fazia referência aos autos da Resolução TSE n. 19.804, fls.05/06. (Grifo do autor)

Em verdade, como já se explicita no nesta citação do Min. Jobim, o que está em discussão aqui é o conceito de autoridade pública nos termos do inciso II, do art. 31, da Lei n. 9.096/95, o qual vem bem demarcado pelo Relator originário do feito sob comento (a despeito de desvirtuá-lo na sequência de seu voto), a saber:

O alcance a ser dado ao conceito de autoridade no citado dispositivo deve ser analisado em sintonia com os princípios constitucionais que regem a administração pública, conforme previsto no art. 37 da Constituição Federal, de modo especial, os princípios da impessoalidade, da eficiência e da moralidade, além do princípio da igualdade, este previsto no caput do seu art. 5° e no inciso III do art. 19 da Carta Magna. No caso em comento, “autoridade” refere-se à “autoridade pública’ e, para que não reste dúvida sobre sua conceituação, recorro á doutrina de HeIy Lopes Meirelles: “Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. Deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público. Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios (...)”. (grifo nosso) (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança - Ação Popular - Ação Civil Pública - Mandado de Injunção - Hábeas Data - 25. ed. Esse conceito, também, foi o adotado por Emani Fidélis dos Santos, nos seguintes termos: Autoridade é toda pessoa que age como representante do Poder Público, tendo, dentro da esfera de sua competência, também o poder de decisão.” (grifo nosso) (SANTOS, Ernani Fidelis dos. Manual de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 208). Esse também é o entendimento delimitado no inciso III, do art. 1°, da Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ao dispor que autoridade é “o servidor ou agente público dotado de poder de decisão”. Portanto, autoridade pública é aquela que pratica ato de autoridade dentro da administração pública, aquele que traz em si uma decisão, e não mera execução.12 12 Autos da Resolução n. 22.585/2007, p.03. Vai nesta direção o conceito de autoridade no Direito Internacional, no sentido de estar relacionado com o conceito de hierarquia, correspondendo ao poder de comandar os outros e levá-los a agir da forma desejada. In: ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho Administrativo. Madrid: Arial, 2003. p. 98; FRIEDRICH, Carl J. Authority, Reason and Discretion. New York: Harvard University Press, 1998. p.31.

Por outro lado, é a própria Carta Política de 1988 que faz diferenciação importante no tema, ao sustentar, no inciso V, do art. 37, que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, em condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se às atribuições de direção, chefia e assessoramento, tratando exatamente de agentes públicos que compõem os quadros de determinado Poder com mera atribuição executiva, isto porque às autoridades públicas reservam-se as prerrogativas das escolhas institucionais (chefes do Poder Executivo, Poder Legislativo), a serem levadas a cabo pela gestão, explicitadas nos plexos normativos constituídos (orçamento anual, plano plurianual, políticas públicas aprovadas por leis específicas, etc.,).

Não se pode, com hermenêutica descolada do sentido tradicional e institucional desta expressão (autoridade), atingir direitos e garantias fundamentais de fundo que estão em jogo. Tanto isto é verdade que se pode, em momentos escassos, identificar tal preocupação na discussão da Resolução/TSE n. 22.585/2007, quando, dentre outros e por exemplo, o ministro Cezar Peluso, em seu voto, chega a dizer que “pode haver detentor de cargo demissivel ad nutum sem poder típico de autoridade, como, por exemplo, um assessor técnico”13 13 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05. , e nesta condição não se aplicaria a ele o conceito de autoridade do art.31, II, de que estou tratando. Por derradeiro, assevera o Ministro Peluso:

Mas há casos, Senhor Presidente, de membros de partido que já dão essa contribuição desde antes de serem nomeados para tais cargos. O caráter voluntário dessa contribuição é muito evidente nesses casos, de modo que nem todos se encontram na mesma situação. Teríamos de nos circunscrever a um limite legal.14 14 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05.

Mas, afinal, de que limite legal está se falando? Com tal argumento está o Ministro transferindo a atribuição de sentido da expresssão autoridade prevista na norma à sua densificação material/operacional, e não formal, o que demandaria, por consequencia, instrução probatória em cada caso para identificar se as atribuições do agente público seriam executivas ou constitutivas. Aduz em seguida o Ministro que: “Desde que, do ponto de vista legal, seja considerado autoridade, vigora a proibição” de contribuir com o Partido. Pergunto, qual o ponto de vista legal a que se refere? O formal ou material? Em que circunstâncias e como, e com que critérios serão aferidas as condutas dos agentes públicos para saber se estão atuando na condição de autoridade ou não?

Isto resta claro na interlocução que os doutos Ministros mantém no ponto:

O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO (relator): Senhor Presidente, eu gostaria de lembrar que o conceito de “autoridade” foi muito estendido pela Lei n. 9.784/99: considera qualquer servidor ou agente público dotado de poder de decisão. Um simples chefe de seção tem poder de decisão.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Se tiver poder de decisão, é autoridade, está proibido.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO: Estou pensando nos casos de servidor que seja, por exemplo, assessor técnico.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Não tem poder de decisão.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO: Nenhum, e é demissivel ad nutum.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÈLIO (Presidente): Ele realmente não tem poder de decisão, fica compelido a recolher.15 15 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 07.

Veja-se que o Ministro Carlos Ayres Brito, em sua manifestação no feito, lembrou que o art.45, do Estatuto dos Funcionários Públicos da União, dispõe que, salvo imposição legal ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre remuneração ou provento, todavia, mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento a favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento. Como não há no regulamento referido (Decreto n. 4.961, de 20 de janeiro de 2004) a possibilidade de desconto para partido político, concluiu que, em se tratando de autoridade o desconto não seria permitido, mas não se proibiria que o servidor fizesse doação sem consignação.16 16 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 06. Aduz o Ministro mais tarde que A lei usou autoridade em sentido técnico, autoridade com poder de decisão, nos termos da lei.

Ora, salvo melhor juízo, a questão em debate é também de Direito Administrativo, pois a celeuma se dá sobre o conceito de autoridade pública no contexto da lei eleitoral.17 17 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 08. Isto é tão claro que o Ministro José Delgado chega a dizer: “Com certeza virá outra consulta para definirmos até onde vai o conceito de autoridade”. Sendo assim, não há como aceitar elocubrações de caráter subjetivo e especulativo, no sentido de que:

(a) a circunstância de ele ocupar cargo demissivel a qualquer momento direciona não à presunção do excepcional, do extraordinário e do extravagante, mas à submissão que afasta o caráter voluntário próprio à doação; (b) Há o caráter, a meu ver simplesmente aparente da doação. Não podemos ser ingênuos, ante uma vida econômica impiedosa, ante até mesmo a remuneração dos cargos, a ponto de acreditar que a doação seja espontânea; (c) Aí há um contexto maior a direcionar até ao campo da moralidade pública, ao campo da preservação do próprio homem, no que a vida é feita de opções. Doe um valor ou então perca o próprio cargo; (d) Passamos a ter a partidarização, com o aparelhamento da máquina administrativa.18 18 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05. Argumentos utilizados no voto pelo Ministro Marco Aurélio, Em perspectiva futurista, chega a afirma o Ministro mais tarde: “Acredito que, com esse enfoque, haverá estímulo ao remanejamento, à retirada de servidores de cargo de confiança, em detrimento da própria administração pública, para se colocar justamente os vinculados ao partido político, visando a ter mais uma fonte. No momento em que, no âmbito federal, os noticiários têm sido nesse sentido, temos o elastecimento, a mais não poder, desses cargos. E ao depois: O direito é justamente um caleidoscópio e é por isso que estamos a responder a uma consulta. Talvez, essa consulta não fosse feita se o consulente estivesse capitaneando o governo federal, por exemplo”. (Idem, p. 09).

Se o campo da especulação e da subjetividade aqui vale, então poderia se perguntar: Por que esta descrença tamanha no Ser Humano e no Cidadão brasileiro? Não se poderia PRESUMIR e DESEJAR que ele, até em homenagem ao Princípio Constitucional da Inocência, enquanto militante de um Partido Político - e é só destes que os estatutos do Partido demandam contribuição - efetivasse contribuições espontâneas e ciosas em decorrência da função que cumpre?

A Egrégia Corte Eleitoral não soube delimitar com clareza o que entende por autoridade em sua Resolução, comprometendo, de todo, os seus efeitos pragmáticos/aplicativos, exatamente por não enquadrar o termo nos contornos de sua natureza administrativa. Eis mais uma prova da confusão que se estabeleceu:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO (Presidente): De regra, a não ser um cargo essencialmente técnico, como o de assessor, o cargo de direção, geralmente, é ocupado por alguém que é tido - e lanço o vocábulo no campo do gênero - como autoridade.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Veja como a questão é nuançada: pela Constituição, o ocupante do cargo em comissão é para desempenhar funções de direção, chefia e assessoramento. Nas duas primeiras situações, não pode, é autoridade. É bom deixar isso bem claro na nossa resposta à consulta.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÈLIO (Presidente): Vou cogitar de um agente político: deputado ou senador é autoridade - pelo menos no linguajar popular. E não pode. Mas um servidor que detenha cargo ou função de confiança pode fazer a doação.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Não é isso. Só se for de assessoramento. Se for de chefia e direção, não pode.19 19 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 08. (Grifos do autor)

O Min. Carlos Brito reconhece, em certa altura dos votos, que o TSE está dando interpretação dilatada ao significado da expressão autoridade, ao sustentar que:

[...] esta não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade, mas também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção. Só estamos excluindo o assessoramento. Dizer que o assessor é autoridade, uma vez que não dirige, não chefia ninguém, talvez seja demasia interpretativa.20 20 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 09.

Com certeza se trata de interpretação mais que dilatada, é criativa em termos conceituais, inovando ao restringir direitos onde o legislador não o fez - ao contrário, virou as costas para o que a tradição administrativa do país tem dito ao longo do tempo sobre o ponto -, e com isto feriu letalmente Direitos Fundamentais Civis e Políticos, pelas seguintes razões:

  1. Seria um contra-senso entender que as autoridades públicas não pudessem participar das atividades de seu respectivo partido político (entenda-se com direitos e obrigações como qualquer outro filiado), inclusive porque não há qualquer impedimento legal ou constitucional nesse sentido21 21 O que contraria o argumento do Ministro Peluso, no sentido de que: “A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com partido político e que dele sejam contribuintes, pois estaria operando-se assim com a lógica de demonização do Partido Político, contaminante de seus quadros”. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 09. ;

  2. Como entender que um filiado, que esteja ocupando um cargo ou função pública de relevância, portanto, com maior responsabilidade política (Ministros, Secretários de Estado, diretores ou presidentes de empresas da administração direta ou indireta), seja impedido de contribuir financeiramente com seu partido político (aliás, já contribuía espontaneamente), enquanto os demais filiados são obrigados, por determinação estatutária, a efetuar contribuições estatutárias mensais?;

  3. Se o legislador pretendesse, de fato, limitar a doação ou contribuição de determinadas pessoas físicas, expressamente estabeleceria tal proibição no capítulo que se refere às doações aos partidos políticos, o que não fez, não podendo o TSE fazê-lo, em estrito comportamento de retrocesso social;

  4. Como fica o direito individual do cidadão em dispor livremente de seus vencimentos e em contribuir, de forma idêntica a todos os demais cidadãos do país, com entidades e agremiações políticas;

  5. Esta Resolução, ao fim e ao cabo, cria nova e distinta categoria de filiado, que pode não contribuir ao Partido, o que fere o princípio constitucional da autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento;

  6. Por fim, a deliberação do TSE fere de morte os Partidos Políticos, passando por cima do princípio da autonomia partidária, garantida pelo exposto no artigo 17, § 1º, da Constituição Federal, na medida em que interfere diretamente nos seus estatutos e na regulamentação das atividades de seus filiados. Aliás, a regra do art. 31, II, da Lei Federal n. 9.096/95, deve ser lida em harmonia com o seu art. 15, sanando-se aparente contradição através da interpretação restritiva daquele dispositivo, por se tratar de norma proibitiva.

É tamanha a confusão que fez o TSE, que o Ministro Peluso, ao fim da votação, lança mão de argumento ainda mais restritivo do conceito de autoridade, em frontal colisão com o que havia referido antes: “Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade”.22 22 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 10. Ocorre que a maior parte dos ocupantes de Cargo em Comissão não tem legitimidade para figurar como autoridade coatora em Mandado de Segurança.

É o direito subjetivo do Cidadão que também sofre fissuras irremediáveis aqui, na medida em que o impede de contribuir à sua agremiação política, considerando que os direitos subjetivos corporificam a existência de normas de comportamentos e condutas sociais obrigatórias, proibidas, permitidas ou facultativas, em certo tempo e espaço. Ocorre que tais direitos também implicam normas que estabelecem quem, em que condições, de que forma (procedimentos) podem realizar atos que possuam efeitos jurídicos sobre outras pessoas/indivíduos/cidadãos - tanto em nível legislativo, judicial ou executivo.

Tal fato permite reconhecer como direito subjetivo não só as normas de condutas, mas, e principalmente, as normas de organização política e institucional do Estado, superando sua identificação com os típicos direitos negativos do modelo de Estado Liberal clássico, bem como aquelas que dizem com os princípios constitucionais e infraconstitucionais protetivos de Direitos Humanos e Fundamentais - e suas regras densificadoras -, constituindo-se verdadeiro grupo de direitos subjetivos públicos indisponíveis e vinculantes.

Vai nesta direção Arango ao sustentar que “un derecho subjetivo es la posición normativa de un sujeto para la que es posible dar razones válidas y suficientes, y cuyo no reconocimiento injustificado le ocasiona un daño inminente al sujeto”.23 23 ARANGO, Rodolfo. El concepto de Derechos Sociales Fundamentales. Colombia: Legis, 2008. p. 298.

A presente concepção de direitos subjetivos públicos/políticos, pois, e em meu sentir, requer a assimilação de dois referenciais indispensáveis: a constitucionalização e a fundamentalização destes direitos. O primeiro refere-se à incorporação dos direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas (constitucionais), subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário (quiçá do Poder Executivo e do Poder Judiciário); a segunda consideração aponta para a especial dignidade de proteção dos direitos num sentido formal e num sentido material. O sentido formal, geralmente associado à sua natureza constitucional (e suas progressivas infraconstitucionalizações), assinala três dimensões relevantes: (a) superioridade hierárquica; (b) constituem-se, muitas vezes, em limites materiais da própria revisão (Constituição Brasileira, art. 60, § 4º); (c) vinculam, imediatamente, os poderes públicos, constituindo-se em parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controle dos órgãos legislativo, administrativo e jurisdicional. O sentido material, por sua vez, significa que o conteúdo dos Direitos Fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da Sociedade.24 24 Neste sentido: TRUYOL Y SERRA, Antonio. Los Derechos Humanos. Madrid: Tecnos, 2006. p. 217.

Como então pode o TSE ir tão longe assim para atribuir um sentido ao conceito enclausurado de autoridade que não dialoga com sua inserção contextual (eleitoral), e por isto indo de encontro a Direitos e Garantias Fundamentais Civis e Políticos?

Para tal raciocínio, estou a utilizar aqui o que Konrad Hesse chama de princípio da concordância prática ou da harmonização, o qual impõe ao intérprete do sistema jurídico que os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na prática do texto.25 25 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001. p. 119. Fala o autor, aqui e na verdade, da tese de que, na interpretação constitucional, deve-se dar primazia às soluções ou pontos de vista que, levando em conta os limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e permanência constante. Tal princípio parte exatamente da noção de que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais; destarte, o resultado do ato interpretativo não pode ser o sacrifício total de uns em detrimento dos outros. Deve-se, na interpretação, procurar uma harmonização ou concordância prática entre os bens constitucionalmente tutelados.

Numa perspectiva integrada do sistema jurídico, estou a dizer, ainda com Hesse, que na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar prioridade às interpretações ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e possibilitem o reforço da unidade política, porquanto essas são as finalidades precípuas da Constituição.

Mantidas as validade e eficácia da Resolução/TSE n. 22.585/07, resta configurado o cisma de bens constitucionais incindíveis: o Direito Fundamental Subjetivo e Civil de Participação Política, em face da interpretação criativa e expansionista do conceito de autoridade outorgado ao inciso II, do art.31, da Lei n. 9.096/95, restringindo a contribuição partidária espontânea a determinados cargos públicos; o Direito Fundamental Institucional dos Partidos Políticos de contarem com tal contribuição (garantido por norma constitucional e infraconstitucional).

Daqui a tese de que estes conteúdos constitucionais essenciais não dizem com preferências de governos ou conjunturas políticas particulares (regimes, formas ou sistemas de governo), ficando a cargo da discricionariedade dos administradores públicos, legisladores ou juízes de plantão, mas se impõem a todos como condições fundamentais à constituição de uma Sociedade Democrática e de Direito. Significa dizer que “for democracy’s sake we should not simply follow our private preferences, as if we were consumers, but must act like citizens, that is, to justify our preferences with public reasons”.26 26 DRYZEK, John. Deliberative Democracy and Beyond: liberals, critics and contestations. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 53. Questiona este autor: “Now, on the face of it, no one committed to the public cause can seriously disagree with this. We are all inclined to subscribe to this intuition. Who would oppose the notion that democratic politics should mean civic empowerment, that it should involve the emancipation of citizens? In a democracy, we expect the citizen to act like someone who puts the general interest before her own, to become a public reasoner so as to provide better explanations and justifications for her preferences”.

Por outro lado, o tratamento que se está a dar ao Partido Político enquanto instituição democrática e representativa vai de encontro ao status normativo que a Constituição e a legislação infraconstitucional lhe atribui.

E daí se afiguram como frágeis também os seguintes argumentos:

  1. O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Isto é especulação, que desconsidera inclusive o fato de que as ações de Governo (Administração) estão demarcadas e controladas pelos termos da Constituição e das normas infraconstitucionais, com amplo espaço de participação política e jurídica das demais instituições estatais e da própria Sociedade, contando ainda com previsão normativa autonomia e independência na gestão de seus interesses.

  2. Que isto importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica direcionada aos cofres desse partido. Qualquer nomeação para cargo público é vinculada aos termos da Lei (constitucional e infraconstitucional), tornando este argumento ideológico.

  3. Que tal quadro poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias, eis que elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios politicos poderia transformar-se em inigualável fonte de recursos, resultando em superioridade econômica, comprometendo a igualdade que deve existir entre os partidos políticos. Há normas que estabelecem a gestão dos fundos partidários, de suas arrecadações e prestações de contas, o que é severamente controlado pelas instituições democráticas deste país.

  4. Que tais ocorrências contrariam inclusive o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. A ocupação dos cargos públicos respeita sua natureza e forma de provimento, a partir do que se baliza o Governo para preenchê-los em consonância ao seu projeto de gestão. Os cargos de provimento efetivo, somente por concurso público são alcançados; os de provimento comissionado, de igual sorte obedecem as balizas constitucionais vigentes, inexistindo impessoalidade alguma aqui.

  5. Que haveria ainda a violação do princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados politicos, desprestigiando o servidor público. Isto novamente se afigura como especulativo, haja vista que o princípio da eficiência é mensurado por resultados, fundados em juízos de evidência, e não apriorísticos, uma vez que a própria Carta Constitucional aponta à necessidade de se observar critérios meritocráticos no provimento de TODOS os cargos.

Por certo não é esta a orientação da Lei Eleitoral em seu art. 31, sob comento, e vale novamente o arguto raciocínio do Min. Nelson Jobim:

O partido é instrumento da dinâmica e da democratização de poder político.

O que não se admite é que o partido seja instrumento para servir aos interesses estatais e deixe de refletir pluralidade de opiniões.

Para a preservação dos partidos, como braços da sociedade, a lei veda a influência e a interferência do Estado, que decorreria de contribuição de órgãos do poder público investidos de autoridade.

O objetivo é impedir o exercício, por órgãos do Estado, de controle político sobre a agremiação.

Exemplifico.

O chefe de um dos Poderes da República faz uma contribuição maciça a um determinado partido com claro intuito de exercer sobre ele controle.

A contribuição de funcionários exoneráveis ad nutum não tem potencialidade para permitir-lhes interferir na agremiação.

Os filiados, exoneráveis ad nutum, são subordinados ao partido, e não o inverso.

Tal como os parlamentares, os filiados podem dispor de seus rendimentos e a eles dar a destinação que julgarem mais conveniente.

Não interessa se os rendimentos são auferidos em decorrência do exercício de cargo público ou de cargo na iniciativa privada.

A remuneração é do filiado, que aceitou a condição do partido.

Lembro que o imposto de renda que pagamos, com desconto em folha, estaria sendo pago com dinheiro público, o que não é o caso.

Reforça esta interpretação a redação do art. 24 da Lei n. 9.504/97, que estabelece restrições à arrecadação e à aplicação de recursos nas campanhas eleitorais:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie procedente de:

I - entidade ou governo estrangeiro;

II - órgão da Administração Pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;

III - concessionário ou permissionário de serviço público;

IV - entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;

V - entidade de utilidade pública;

VI - entidade de classe ou sindical;

VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.

A redação do disposto, posterior à Lei n. 9.096/95, apesar de não se referir as prestações de contas anuais dos partidos políticos, mas, sim, às prestações de contas das campanhas eleitorais, não faz menção ao termo “autoridade”, constante no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Veda o art. 24, da Lei n. 9.504/97, a doação por órgão da Administração Pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público.

Retirou-se o termo autoridade.

Manteve-se a vedação de doação por órgão público ou mantido com recursos públicos.

Com a redação do art. 24, da Lei 9.504/97, impede-se o controle político das agremiações partidárias por órgãos do Estado, sem a indevida interferência na vida privada das autoridades (pessoas físicas) que desejam contribuir com determinada campanha eleitoral.

Registre-se que, nas campanhas eleitorais, as únicas restrições às doações de pessoas físicas são as estabelecidas no art. 23, da Lei n. 9.504/97.

Mantido o entendimento dado pelo TSE ao tema, na Resolução objurgada, efetivar-se-á inexorável lesão ao Direito Fundamental Civil e Político de Participação Cidadã e mesmo do Partido Político, criando-se a estranha situação de que os filiados estariam impedidos de contribuir com a agremiação política que escolheram, vendo-se, num primeiro momento, cerceados no direito líquido certo e exigível de proceder às contribuições com as quais concordaram ao se filiarem; num segundo momento, em decorrência da limitação de seu direito, ver-se-iam arriscados à perda do exercício de parte de seus direitos políticos partidários.

Sem dúvidas que isto implicaria o que a moderna doutrina do Direito Constitucional nomina como obrigação negativa de não regressividade social, no sentido de que, na medida em que o Estado Social é uma realidade limitada, mas em parte efetiva, tanto o legislador como a administração devem respeitar e não interferir na liberdade de ação e uso daqueles recursos básicos que os indivíduos ou as coletividades tenham alcançado27 27 Conforme quer FABRE, Cécile. Social Rights under the Constitution. Oxford: Clarendorf Press, 2009. p. 79. .

  • 1
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. Rel. Min. José Augusto Delgado, Brasília, DF, 06 de setembro de 2007. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 172, 16 out. 2007. Seção 1.
  • 2
    Autos da Resolução n. 22.585/07. p. 02.
  • 3
    BRASIL. Tribunsl Superior Eleitoral. Resolução n. 19.804. Fundo Partidário. Prestação de Contas. Partido Liberal - PL. Contribuição de filiados - parlamentares vinculados ao partido. Não se aplica a vedação do art. 31, II, da Lei 9.096/95. Aprovada. Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto, Brasília, DF, 25 de fevereiro de 1997. In; Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 6.987, 14 mar. 1997. Seção 1.
  • 4
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 19.817. Fundo Partidário. Prestação de Contas. Partido do Movimento Democratico Brasileiro - PMDB. Contribuição de filiados - parlamentares vinculados ao partido. A vedação do art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, atinge, porém, os filiados a partido que exercam cargos exoneraveis “ad nutum”. Aprovada. Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto, Brasília, DF, 06 de março de 1997. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 9.556, 27 mar. 1997. Seção 1.
  • 5
    Idem. Pet n. 134, Rel. Min. Costa Porto, DJ de 14.3.97. Tal entendimento foi sufragado no julgamento das prestações de contas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (PA n. 15.430, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16.4.97), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) (Pet n. 116, Rel. Min. Costa Leite, DJ de 09.6.97), do Partido Popular Socialista (PPS) (Pet n. 21, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 18.9.97), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (Pet n. 112, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 17.02.98), do Partido os Trabalhadores (PT) (Pet n. 130, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 04.3.98), e do Partido da Frente Liberal (PFL) (Pet n. 105, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.3.00).
  • 6
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.844.[... [. Contas aprovadas. Rel. Min. Nelson Azevedo Jobim, Brasília, DF, 14 de agosto de 2001. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, v. 1, p. 154, 09 nov. 2001. Seção 1.
  • 7
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.844. Op. Cit.
  • 8
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.627. [...]. Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2004. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 90, 23 mar. 2004. Seção 1.
  • 9
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 19.817, Op. Cit. No mesmo sentido BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.025. Cargo ou função de confiança - Contribuição a partido político - Desconto sobre a remuneração - Abuso de autoridade e de poder econômico - Dignidade do servidor - Considerações - Discrepa do arcabouço normativo em vigor o desconto, na remuneração do servidor que detenha cargo de confiança ou exerça função dessa espécie, da contribuição para o partido político. Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Brasília, DF, 14 de junho de 2005. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, v. 1, p. 1, 25 jul. 2005. Seção 1.
  • 10
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade - Eleições municipais de 1996 - Coligações partidárias apenas para eleições proporcionais - Vedação estabelecida pela lei n. 9.100/95 (art. 6º) - Alegação de ofensa ao princípio da autonomia partidária (CF, art. 17, § 1º) e de violação aos postulados do pluripartidarismo e do regime democrático - Ausência de plausibilidade jurídica - Medida Cautelar indeferida. Partido político - Ação Direta - Legitimidade ativa - Inexigibilidade do vínculo de pertinência temática. - Os Partidos Políticos, desde que possuam representação no Congresso Nacional, podem, em sede de controle abstrato, arguir, perante o Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de atos normativos federais, estaduais ou distritais, independentemente de seu conteúdo material, eis que não incide sobre as agremiações partidárias a restrição jurisprudencial derivada do vínculo de pertinência temática. Precedente: ADIn n. 1.096/RS, Rel. Min. Celso de Mello. Autonomia Partidária - Reserva Constitucional de disciplinação estatutária (CF, art. 17, § 1º). - O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos Políticos - sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento - uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente delimitado, que pré-exclui - por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art. 17, § 1º) - qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser respeito à intimidade estrutural, organizacional e operacional dos Partidos Políticos. Precedente: ADI n. 1.063-DF, Rel. Min. Celso de Mello. Processo Eleitoral e Princípio da Reserva Constitucional de Competência Legislativa do Congresso Nacional (CF,art. 22, I). - O princípio da autonomia partidária - considerada a estrita delimitação temática de sua abrangência conceitual - não se qualifica como elemento de restrição ao poder normativo do Congresso Nacional, a quem assiste, mediante lei, a competência indisponível para disciplinar o processo eleitoral e, também, para prescrever regras gerais que os atores do processo eleitoral, para efeito de disputa do poder político, deverão observar, em suas relações externas, na celebração das coligações partidárias. Submissão normativa dos Partidos Políticos às diretrizes legais do processo eleitoral. Os Partidos Políticos estão sujeitos, no que se refere à regência normativa de todas as fases do processo eleitoral, ao ordenamento jurídico positivado pelo Poder Público em sede legislativa. Temas associados à disciplinação das coligações partidárias subsumem-se à noção de processo eleitoral, submetendo-se, em conseqüência, ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa do Congresso Nacional. Autonomia partidária e processo eleitoral. - O princípio da autonomia partidária não é oponível ao Estado, que dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a regulação normativa concernente ao processo eleitoral. O postulado da autonomia partidária não pode ser invocado para excluir os Partidos Políticos - como se estes fossem entidades infensas e imunes à ação legislativa do Estado - da situação de necessária observância das regras legais que disciplinam o processo eleitoral em todas as suas fases. Vedação de Coligações Partidárias apenas nas eleições proporcionais - Proibição legal que não se revela arbitrária ou irrazoável - Respeito à Cláusula do Substantive Due Process of Law. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador. Rel. Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 07 de março de 1993. In: Diário de Justiça da União, Brasília, DF, p. 86, 24 nov. 2000. Seção 1.
  • 11
    O Ministro Nelson Jobim fazia referência aos autos da Resolução TSE n. 19.804, fls.05/06.
  • 12
    Autos da Resolução n. 22.585/2007, p.03. Vai nesta direção o conceito de autoridade no Direito Internacional, no sentido de estar relacionado com o conceito de hierarquia, correspondendo ao poder de comandar os outros e levá-los a agir da forma desejada. In: ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho Administrativo. Madrid: Arial, 2003. p. 98; FRIEDRICH, Carl J. Authority, Reason and Discretion. New York: Harvard University Press, 1998. p.31.
  • 13
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05.
  • 14
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05.
  • 15
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 07.
  • 16
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 06. Aduz o Ministro mais tarde que A lei usou autoridade em sentido técnico, autoridade com poder de decisão, nos termos da lei.
  • 17
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 08. Isto é tão claro que o Ministro José Delgado chega a dizer: “Com certeza virá outra consulta para definirmos até onde vai o conceito de autoridade”.
  • 18
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 05. Argumentos utilizados no voto pelo Ministro Marco Aurélio, Em perspectiva futurista, chega a afirma o Ministro mais tarde: “Acredito que, com esse enfoque, haverá estímulo ao remanejamento, à retirada de servidores de cargo de confiança, em detrimento da própria administração pública, para se colocar justamente os vinculados ao partido político, visando a ter mais uma fonte. No momento em que, no âmbito federal, os noticiários têm sido nesse sentido, temos o elastecimento, a mais não poder, desses cargos. E ao depois: O direito é justamente um caleidoscópio e é por isso que estamos a responder a uma consulta. Talvez, essa consulta não fosse feita se o consulente estivesse capitaneando o governo federal, por exemplo”. (Idem, p. 09).
  • 19
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 08.
  • 20
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 09.
  • 21
    O que contraria o argumento do Ministro Peluso, no sentido de que: “A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com partido político e que dele sejam contribuintes, pois estaria operando-se assim com a lógica de demonização do Partido Político, contaminante de seus quadros”. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 09.
  • 22
    BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.585. Op. Cit. p. 10.
  • 23
    ARANGO, Rodolfo. El concepto de Derechos Sociales Fundamentales. Colombia: Legis, 2008. p. 298.
  • 24
    Neste sentido: TRUYOL Y SERRA, Antonio. Los Derechos Humanos. Madrid: Tecnos, 2006. p. 217.
  • 25
    HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001. p. 119. Fala o autor, aqui e na verdade, da tese de que, na interpretação constitucional, deve-se dar primazia às soluções ou pontos de vista que, levando em conta os limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e permanência constante.
  • 26
    DRYZEK, John. Deliberative Democracy and Beyond: liberals, critics and contestations. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 53. Questiona este autor: “Now, on the face of it, no one committed to the public cause can seriously disagree with this. We are all inclined to subscribe to this intuition. Who would oppose the notion that democratic politics should mean civic empowerment, that it should involve the emancipation of citizens? In a democracy, we expect the citizen to act like someone who puts the general interest before her own, to become a public reasoner so as to provide better explanations and justifications for her preferences”.
  • 27
    Conforme quer FABRE, Cécile. Social Rights under the Constitution. Oxford: Clarendorf Press, 2009. p. 79.

IV. REFERÊNCIAS

  • ALFONSO, Luciano Parejo. Derecho Administrativo Madrid: Arial, 2003.
  • ARANGO, Rodolfo. El concepto de Derechos Sociales Fundamentales Colombia: Legis, 2008.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2014
  • Aceito
    25 Ago 2014
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