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Promoção da saúde do adolescente baseada na arte/educação e centrada na comunidade

RESUMO

Objetivo:

Avaliar as contribuições da arte/educação para a promoção da saúde de adolescentes em situação de vulnerabilidade social urbana.

Método:

Pesquisa avaliativa, participativa, abordagem qualitativa, que utilizou como referencial os constructos teóricos de Conscientização de Freire e como método de coleta a Avaliação de Empoderamento com adolescentes e professores de um programa de arte/educação no território da Estratégia de Saúde da Família.

Resultados:

Os participantes construíram uma missão coletiva que representou o conceito de promoção da saúde do adolescente. As atividades de arte/educação foram priorizadas e classificadas com foco na missão, e, durante um período de três meses, o programa implementou metas na saúde por meio da arte. Na reavaliação, o grupo apresentou um olhar ampliado acerca da execução das atividades e autodeterminação para mudanças.

Considerações finais:

A arte/educação foi um potencial espaço para atuação do enfermeiro na conscientização e empoderamento em saúde do adolescente na Atenção Básica à Saúde.

Descritores:
Educação em Saúde; Adolescente; Promoção da Saúde; Pesquisa Participativa Baseada na Comunidade; Conscientização

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the contribution of arts education to health promotion of adolescents in situations of urban social vulnerability.

Method:

Participatory evaluative research, with a qualitative approach, using as a reference the theoretical constructs of Paulo Freire's Conscientization and the Empowerment Evaluation as a method of collecting with adolescents and teachers of an arts education program in the field of the Family Health Strategy.

Results:

Participants constructed a collective mission that represented the concept of adolescent health promotion. Arts education activities were prioritized and ranked with a mission focus, and over a three-month period, the program implemented health goals through art. In the reevaluation, the group presented a broad look at the implementation of activities and self-determination for change.

Final considerations:

Arts education is a potential space for nurses to act in the conscientization and empowerment of adolescent health in Primary Health Care.

Descriptors:
Health Education; Adolescent; Health Promotion; Community-Based Participatory Research; Conscientization

RESUMEN

Objetivo:

evaluar las contribuciones del arte/educación para la promoción de la salud de adolescentes en situación de vulnerabilidad social urbana.

Método:

pesquisa evaluativa, participativa, abordaje cualitativa, que utilizó como referencial los constructos teóricos de Concientización de Freire y como método de colecta a Evaluación de Empoderamiento con adolescentes y profesores de un programa de arte/educación en el territorio de la Estrategia de Salud de la Familia.

Resultados:

los participantes construyeron una misión colectiva que representó el concepto de promoción de la salud del adolescente. Las actividades de arte/educación fueron priorizadas y clasificadas con foco en la misión y durante un período de tres meses el programa implementó metas en la salud por medio del arte. En la reevaluación, el grupo presentó una mirada ampliada acerca de la ejecución de las actividades y autodeterminación para cambios.

Consideraciones finales:

el arte/educación fue un potencial espacio para actuación del enfermero en la concientización y empoderamiento en salud del adolescente en Atención Básica a la Salud.

Descriptores:
Educación en Salud; Adolescente; Promoción de la Salud; Pesquisa Participativa Basada en la Comunidad; Concientización

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o eixo estruturante da expansão e consolidação da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. A ESF pode ser compreendida como um modelo assistencial em saúde emergente, na qual os profissionais desenvolvem cuidados à saúde de famílias, grupos e comunidades socioculturais, com o compromisso ético de colaborar para mudança do paradigma Biomédico para a Promoção da Saúde (PS)(11 Fertonani HP, Pires DEP, Biff D, Scherer MDA. The health care model: concepts and challenges for primary health care in Brazil. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2015[cited 2016 Jan 10];20(6):1869-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n6/en_1413-8123-csc-20-06-1869.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n6/en_14...
).

Atualmente, o adolescente brasileiro é público-alvo para elaboração de políticas públicas de PS direcionadas ao alcance das metas do milênio, já que a adolescência é considerada uma janela de oportunidades para o ser saudável e produtivo da idade adulta. No entanto, essa fase também é tida como um período de vulnerabilidades, pois o indivíduo enfrenta uma série de situações de risco que poderá gerar agravos à saúde imediatos ou tardios(22 USA. United Nations Children's Fund. The state of the world's children 2011: adolescence an age of opportunity[Internet]. New York (NY): UNICEF; 2011[cited 2013 Jun 20]. Available from: https://www.unicef.org/sowc2011/pdfs/SOWC-2011-Main-Report_EN_02092011.pdf
https://www.unicef.org/sowc2011/pdfs/SOW...
).

Esses riscos podem ser evidenciados, principalmente nos grandes centros urbanos, nos quais se observam estruturas familiares fragmentadas, com jovens que preferem o espaço da rua ao do domicílio e vivenciam condições de vida limitadas pelo contexto socioeconômico. Os conflitos, as frustrações e vulnerabilidades surgem na vida de adolescentes que não encontram um caminho para um futuro próspero(33 United Nations Children's Fund (US). The state of the world's children 2012: children in an urban world [Internet]. New York (NY): UNICEF; 2012 [cited 2013 Jun 20]. Available from: https://www.unicef.org/sowc2012/pdfs/SOWC%202012-Main%20Report_EN_13Mar2012.pdf
https://www.unicef.org/sowc2012/pdfs/SOW...
).

Nesse contexto, os enfermeiros que atuam nas ESFs urbanas têm um papel importante como educador em saúde: possibilitar aos adolescentes um caminhar mais saudável entre riscos e vulnerabilidades sociais e fortalecer o empoderamento e a resiliência juvenil para o enfrentamento das adversidades.

A educação em saúde é um dos principais componentes do cuidado de Enfermagem. Os propósitos e benefícios do cuidar tornam-se os mesmos do educar, na medida em que ambos proporcionam o aumento da autonomia das pessoas para autogestão de saúde(44 Martins PAF, Alvim NAT. Plano de cuidados compartilhado: convergência da proposta educativa problematizadora com a teoria do cuidado cultural de enfermagem. Rev Bras Enferm[Internet]. 2012[cited 2014 May 20];65(2):368-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a25.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65...
). O enfermeiro cuida enquanto educa, e, para tanto, deverá conhecer novas possibilidades educativas e basear sua prática em evidências científicas.

Estudos apresentaram a arte/educação como estratégia promotora da saúde de adolescentes, na qual a arte foi capaz de despertar o interesse e a participação juvenil no processo educativo, bem como de instigar a criatividade e estimular reflexões acerca do cotidiano de vida na adolescência(55 Costa AGM, Monteiro EMLM, Vieira NFC, Barroso MGT. A dança como meio de conhecimento do corpo para promoção da saúde dos adolescentes. J Bras Doenças Sex Transm[Internet]. 2004[cited 2013 Jun 12];16(3):43-6. Available from: http://www.dst.uff.br/revista16-3-2004/5.pdf
http://www.dst.uff.br/revista16-3-2004/5...
-66 Guimarães JS, Lima IMSO. Educação para a saúde: discutindo uma prática pedagógica integral com jovens em situação de risco. Saude Soc[Internet]. 2012[cited 2014 May 20];21(4):895-908. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v21n4a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v2...
).

A educação pela arte ou arte/educação é todo e qualquer trabalho consciente para desenvolver a relação de públicos com a arte. É um importante instrumento para o desenvolvimento da percepção, imaginação e capacidade crítica; desse modo, permite que as pessoas analisem a realidade percebida e desenvolvam a criatividade de maneira a mudá-la(77 Barbosa AM. Arte/educação no Brasil. Coleção Debates. 7. ed. São Paulo: Perspectiva; 2012.).

Nesse sentido, emergiu o seguinte questionamento: A arte/educação poderia contribuir para o processo de conscientização e empoderamento em saúde de adolescentes em situação de vulnerabilidade social urbana?

A presente pesquisa considerou conscientização como o desenvolvimento crítico da tomada de consciência por meio de um movimento inesgotável de apreensão da realidade, reflexão e transformação. É um ato de conhecimento de si e do mundo, é o olhar mais crítico possível da realidade(88 Freire P. Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3.ed. São Paulo: Centauro; 2001.-99 Freire P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; 2001.). E empoderamento foi considerado como um processo sociocultural de construção e fortalecimento da autodeterminação para a mudança em saúde(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.-1111 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation principles in practice. Thousand Oaks: Sage; 2005.).

OBJETIVO

Avaliar as contribuições da arte/educação para a promoção da saúde de adolescentes em situação de vulnerabilidade social urbana.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará. Ao longo do texto, as falas dos sujeitos foram identificadas pela letra A (adolescente), seguida pela numeração de identificação (1 a 21), gênero M (masculino) ou F (feminino) e a idade do participante ou letra E (arte/educadores), seguida do número de identificação (1 a 5). Dois moradores da comunidade citados pelos participantes no decorrer das falas receberam os pseudônimos João da Esquina e Jovem Luke, para preservar o anonimato do cenário do estudo.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Pesquisa avaliativa, participativa, com abordagem predominantemente qualitativa, que utilizou como referencial teórico-metodológico os constructos de Conscientização de Paulo Freire(88 Freire P. Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3.ed. São Paulo: Centauro; 2001.-99 Freire P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; 2001.) e a Avaliação de Empoderamento (AE) de Fetterman(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.-1111 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation principles in practice. Thousand Oaks: Sage; 2005.).

O movimento da Conscientização é caracterizado pelo grau de consciência do homem acerca dos problemas de seu tempo e espaço. De acordo com Freire, o homem pode movimentar-se da consciência intransitiva para transitivo-ingênua e para a crítica, no sentido de uma visão mágica ou ingênua do mundo para um olhar mais indagador, crítico, comprometido com a mudança. O movimento é caracterizado pela ampliação do poder de captação da realidade e dialogação do homem; as preocupações e os interesses individuais são expandidos para o mundo, sendo necessário o conhecimento da história pregressa para se compreender a atualidade(99 Freire P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; 2001.).

A AE é um processo participativo que utiliza conceitos, técnicas e achados avaliativos para promover a autodeterminação (empoderamento) das pessoas e, consequentemente, gerar melhorias em projetos, programas e outras tecnologias sociais. Tem como objetivo auxiliar as pessoas a avaliarem seus próprios programas por meio de três tapas integradas: 1ª) Construção da Missão; 2ª) Levantamento da situação atual; 3ª) Planejamento para o futuro. O avaliador tem um papel ativo nesse processo e exerce o papel de facilitador do grupo, um amigo-crítico do programa(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.-1111 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation principles in practice. Thousand Oaks: Sage; 2005.). Os pesquisadores realizaram uma adaptação do método com objetivo de obter mais dados avaliativos/comparativos das mudanças geradas e incluíram duas etapas finais: 4ª) Implementação/monitoramento; 5ª) Reavaliação.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em uma das sedes de um programa governamental de arte/educação para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social urbana no estado do Ceará, Brasil, o qual era mantido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza com o objetivo de promover e difundir a cidadania e o bem viver comunitário.

O público prioritário desse programa eram crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, em situação de rua e/ou de drogadição e em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, encaminhados de serviços sociais ou judiciais. A adesão voluntária também era uma opção de entrada quando as vagas ficavam abertas para a comunidade em geral.

O adolescentes participavam de oficinas de arte/educação nas linguagens artísticas de dança, artes visuais e audiovisual, além de atividades lúdicas e esportivas que aconteciam de segunda a sexta-feira, em turno oposto à escola, com duração média de quatro horas por dia. O programa total tinha a duração de dois anos, e aproximadamente 50 adolescentes estavam vinculados às atividades artísticas conduzidas por cinco arte/educadores, que contavam com o apoio de uma equipe multiprofissional socioeducativa.

O programa concordou em realizar as atividades de campo da pesquisa articuladas às próprias oficinas de arte/educação durante o período de julho a novembro de 2013.

Fonte de dados

A pesquisa foi divulgada amplamente na instituição por meio de reuniões e folders para sensibilização do campo. Um período de inscrição voluntária foi aberto para os interessados em participar da pesquisa, e, na ocasião, inscreveram-se 28 adolescentes e cinco arte/educadores.

Os pesquisadores aplicaram os critérios de inclusão para os adolescentes: faixa etária de 12 a 18 anos, estar vinculado ao programa há no mínimo seis meses e no máximo um ano, frequentar regularmente as oficinas de arte/educação, ter anuência dos pais ou responsáveis. Já o critério para arte/educadores foi estar vinculado ao programa há no mínimo seis meses.

Um total de 21 adolescentes e os cinco arte/educadores foram selecionados para a pesquisa e reagrupados em novas turmas das oficinas de dança, artes visuais e audiovisual de acordo com a preferência pessoal.

Coleta e organização dos dados

As oficinas artísticas desenvolveram-se normalmente durante o período de cinco meses da coleta de dados; no entanto, seis encontros grupais do tipo sessões abertas(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.) foram conduzidos pelos pesquisadores para introdução e/ou fechamento das cinco etapas da AE.

O Quadro 1 descreve as etapas da pesquisa, divisão dos encontros, eixo condutor da discussão e os produtos finais das etapas.

Quadro 1
Etapas da Avaliação de Empoderamento adaptadas e desenvolvidas no estudo, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014

Na primeira etapa da AE, os participantes elaboraram um propósito unificado para a promoção da saúde do adolescente integrante do programa. A missão foi construída a partir de frases-chave provenientes da reflexão acerca de situações existenciais provocadoras(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.) ilustradas em uma maquete artística produzida pelo grupo.

Na segunda etapa, o grupo elencou 14 atividades de arte/educação desenvolvidas no programa, consideradas importantes para o alcance da missão, e priorizou dez daquelas por meio de votação. Em seguida, os participantes atribuíram notas para as atividades selecionadas em uma escala de 1 (ruim) a 10 (excelente), considerando quão bem este item está sendo desenvolvido no programa para promover a saúde de seus integrantes. Um grande painel de votação foi gerado, e o grupo discutiu as diferenças e motivações das notas, bem como visualizou as médias das notas calculadas por cada atividade, o que refletiu o status atual(1313 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation: yesterday, today, and tomorrow. Am J Eval[Internet]. 2007[cited 2012 Aug 23];28(2):179-98. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1098214007301350
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1...
) da promoção da saúde no programa.

Na terceira etapa da avaliação, o grupo selecionou as atividades que receberam menores médias no contexto geral, pois seriam aquelas que necessitariam de melhorias(1111 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation principles in practice. Thousand Oaks: Sage; 2005.). Assim, o grupo escolheu as atividades com menores médias em cada linguagem artística (dança, artes visuais e audiovisual) e elaborou planos de ação para o período de três meses, com metas, estratégias e evidências de melhorias.

A implementação e o monitoramento do plano de ação foram desenvolvidos na quarta etapa da pesquisa, durante um período de três meses e no decorrer das próprias oficinas de arte/educação. Os pesquisadores atuaram como amigos-críticos(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.) do programa e auxiliaram os arte/educadores a direcionar as oficinas para o alcance das metas. Os planos foram revisados e adequados aos recursos financeiros e materiais do programa.

Na última etapa, os participantes reavaliaram as dez atividades de arte/educação com a atribuição de notas de 1 a 10, gerando um quadro comparativo das médias antes e depois da aplicação da AE.

Os pesquisadores registraram os dados coletados em diário de campo, realizaram gravação em áudio e/ou vídeo das sessões grupais com posterior transcrição de falas e fotografaram as produções artísticas. Os produtos finais de cada etapa foram armazenados no álbum de registro avaliativo da pesquisa.

Análise dos dados

Os dados foram organizados em cinco categorias temáticas baseadas nas etapas da avaliação de empoderamento: Construção da missão; Situação atual; Planejamento para o futuro; Implementação/monitoramento; e Reavaliação.

Os painéis avaliativos geraram dados quantitativos (notas e médias) que foram agrupados em gráficos; e dados qualitativos (depoimentos) que foram inseridos no texto para justificar as avaliações atribuídas pelos participantes, bem como foram caraterizados como eixo gerador das discussões.

RESULTADOS

Construção da missão

Após o processo de problematização e contextualização da realidade de saúde do adolescente, o grupo construiu a missão coletiva, um propósito unificado que representou o desejo de saúde do grupo:

Continuar a praticar na convivência social e familiar as atividades desenvolvidas (no programa), assim como manter uma saúde física, mental e emocional equilibrada através de boa alimentação, amizades e respeito, consciente e responsável pelo seu próprio corpo e seus limites. (Construção Coletiva)

Além do contexto social, os participantes incluíram o contexto familiar como cenário fundamental para promoção da saúde do adolescente. As opiniões acerca do alcance da missão refletiram as dificuldades para o alcance da mesma:

Tia, vai ser muito difícil conseguir chegar nessa missão, porque os jovens passam aqui pelo projeto e depois esquecem de tudo, voltam pro crime e tráfico, e aí não tem saúde assim, mas a culpa é dos caras lá de cima (governo), o jovem volta pra comunidade. (A10, M, 17 anos)

Aqui no programa os jovens fazem arte, mas trabalham também a cidadania. Se eles conseguissem levar pra vida tudo isso que escrevemos na missão, seria muito bom. Mas é impossível esse equilíbrio aí da saúde física e mental na vida louca de hoje. (E3)

Situação atual

As atividades de arte/educação consideradas importantes para o alcance da missão em ordem de prioridade/votação foram: 1ª) Lúdicas, 2ª) Cineclube, 3ª) Grafite, 4ª) Relaxamento, 5ª) Alongamento, 6ª) Desenho, 7ª) Resistência Física, 8ª) Coreografia, 9ª) Fotografia, 10ª) Produção de Vídeo, 11ª) Pintura, 12ª) Artesanato, 13ª) Escultura, 14ª) Serigrafia. As 10 primeiras atividades foram selecionadas para a etapa de classificação que gerou o painel da Tabela 1.

Tabela 1
Painel de notas atribuídas pelos participantes na etapa de classificação das atividades de arte/educação, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014

Na visão geral do grupo, o desenvolvimento das atividades no programa e sua contribuição para o alcance da missão foi avaliado como bom ou muito bom, e, diante de uma escala de 1 a 10, poucos participantes atribuíram notas menores.

Os depoimentos ilustraram as justificativas das notas mais altas:

O lazer [atividade lúdica] é a melhor coisa que a gente faz aqui, eu adoro, a gente se diverte muito, fica bem, feliz. Nota 10. (A21, F, 14 anos)

Quando tem grafite, a minha imaginação vai longe... fico com a cabeça boa, pensando em coisa boa. Adoro grafitar. Só! (A4, M, 16 anos)

Tudo aqui é ótimo. Eu dei 10 pra tudo, pois acho que da forma que está acontecendo vale muito a pena pra saúde dessa rapaziada aí. (E4)

Alguns participantes atribuíram notas mais baixas, considerando os recursos materiais do programa:

Eu dei 3 pra fotografia, porque não tem câmera pra fotografar, o professor tem que trazer de casa. Só isso. E dei 4 no relaxamento, porque eu não consegui ficar calmo no dia que fiz relaxamento. (A14, M, 16 anos)

Olha tia, tem muitas dificuldades pra gente trabalhar com foto e filme. Precisa de computador e outras coisas, coisas que não temos aqui, então fica difícil, como pode estar sendo bom pra saúde se temos esses problemas? (A3, F, 13 anos)

As médias finais das atividades de arte/educação foram descritas na Figura 1 e classificadas em ordem decrescente.

Figura 1
Representação decrescente dos valores das médias das atividades de arte/educação, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014

As atividades selecionadas com menores médias de acordo com linguagens artísticas foram: a) Audiovisual: Fotografia; b) Dança: Alongamento; c) Artes visuais: Desenho e Grafite. Os participantes indicaram as necessidades de melhorias nessas áreas e consideraram a importância de implementar a promoção da saúde do adolescente no desenvolvimento artístico das atividades.

Planejamento para o futuro

Os planos de ação foram elaborados com as seguintes metas nas atividades de arte/educação: a) Fotografia: Trabalhar a realidade por trás da imagem; b) Alongamento: Melhorar a dedicação e o esforço do grupo; Conhecer o funcionamento do corpo feminino; c) Desenho e Grafite: Trabalhar a temática drogas e amizades na comunidade.

O grupo propôs abordar mensalmente cada plano de ação de acordo com a execução de cada oficina artística e traçou algumas estratégias como: registrar imagens do cotidiano do bairro, conseguir recursos materiais que faltam no programa, organizar eventos artísticos junto à comunidade, melhorar a alimentação dos alunos, trabalhar o corpo e seus limites na saúde, produzir cartões e panfletos com desenhos, grafitar paredes com mensagens positivas.

Implementação e monitoramento

No decorrer dos três meses, os planos de ação foram modificados e implementados por meio de três estratégias que integraram todas as oficinas artísticas: Conversa de Calçada, Narrativa do Exercício Poético e Bate-papo na Saúde.

Primeiramente, os adolescentes coletaram a história do bairro, registraram imagens e identificaram personagens de destaque na comunidade, como o João da Esquina, um dos moradores mais antigos da comunidade, e o Jovem Luke, um exemplo de resiliência, ex-integrante do programa que conseguiu superar a situação de vulnerabilidade social vivenciada no bairro.

A "conversa de calçada" foi um evento aberto realizado na calçada do espaço era desenvolvido o programa, com a participação de moradores locais, no qual os adolescentes realizaram exposições de desenhos sobre drogas e violência, apresentaram um jogral e ouviram as histórias de vida de João da Esquina e de Luke. Os depoimentos refletiram esta etapa de reflexão:

Tia, tô sabendo que é importante estudar e não cair nas drogas, a gente sabe que tem pessoas que conseguiram ser alguém na vida como o 'Luke', eu quero ser médico um dia. (A1, M, 15 anos)

O 'Luke' me deixou muito feliz. Eu quero ser igual a ele, um artista, mas não quero morar em outro local não, adoro meu bairro, tenho meus amigos aqui. (A13, M, 15 anos)

A "narrativa do exercício poético" representou a construção coletiva de uma história sobre o passado, presente e futuro da comunidade por meio do encontro de gerações. O relato foi transformado em um filme de curta-metragem sobre o bairro, com o seguinte esquete:

O avô conta sua história de vida para seu neto apresentando o que vivenciou desde criança aos seus 80 anos, suas lembranças, recordações, experiências, amores, angústias e situações engraçadas e inusitadas pelo bairro em que cresceu. O neto curioso se espelhando em seu avô, também narra suas conquistas e desafios no bairro Bela Vista moderno e contemporâneo. Os dois sonham juntos em como transformar e aproximar suas próprias vidas à medida que também transformam sua comunidade. (Construção Coletiva)

No "bate-papo na saúde", os pesquisadores participaram de rodas de conversas com os adolescentes sobre saúde sexual e reprodutiva que também foram relacionadas ao contexto social:

A menina ama um traficante e faz tudo por ele. Depois pega um buxo [fica grávida] e vai sofrer pro resto da vida. (A9, M, 12 anos)

Tia, por exemplo, eu sabia que tinha que usar camisinha, mas tinha fumado maconha e aconteceu. Depois meu filho nasceu, eu tive que ir trabalhar pra sustentar ele, parei de estudar, e me envolvi com outras paradas acolá e agora sou obrigado a estar aqui no projeto. (A14, M, 16 anos)

Ao final dos três meses, o grupo organizou uma exposição fotográfica aberta à comunidade, e, abaixo de cada imagem, escreveram pequenas histórias críticas sobre a realidade de saúde.

Reavaliação

As dez atividades de arte/educação foram reavaliadas, e a maioria das notas atribuídas pelos participantes foi menor que a avaliação anterior, gerando o gráfico comparativo de médias na Figura 2 a seguir:

Figura 2
Comparação dos valores das médias das atividades de arte/educação antes e depois do período de implementação/monitoramento do plano de ação, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014

No decorrer das discussões, os participantes justificaram a redução das notas das atividades:

Eu achei que tava tudo bom pra nossa saúde, mas a gente vê agora que precisa melhorar muita coisa. As oficinas fazem bem pra gente, mas não é tudo nota 10 como eu pensava. Muitos dos meus amigos saíram do projeto, a gente fica improvisando com o que tem [...]. (A11, F, 11 anos)

Eu digo o seguinte [...] a gente fez muita coisa nestes três meses e percebeu que podemos mudar as coisas, é só se unir. Não tô falando de ir pedir patrocínio, mas pedir à Prefeitura que dê o material que a gente precisa para trabalhar. Se existe o projeto, tem que ter material. (E3)

As atividades que sofreram maiores reduções no valor das médias não foram realizadas no período, como no caso do grafite (de 9,2 para 6,6), pois o grupo não conseguiu adquirir materiais para pintar; e no caso do lúdico (de 9,6 para 6,2) e das atividades de dança (resistência física, coreografia, relaxamento e alongamento), que não foram realizadas devido à priorização de outras atividades no programa.

DISCUSSÃO

A missão construída pelo grupo representou uma nova realidade de saúde a ser alcançada, um desafio frente aos problemas relacionados às "ruas" das grandes capitais brasileiras. Em comunidades de baixa renda, cerca de 17,7% dos jovens estão expostos à violência, sendo que 13,5% já fizeram uso abusivo de álcool, 28,3% de drogas ilícitas e 23,9% já tiveram acesso à arma(1414 Moreira DP, Vieira LJES, Pordeus AMJ, Lira SVG, Luna GLM, Silva JG, Machado MFAS. Exposição à violência entre adolescentes de uma comunidade de baixa renda no Nordeste do Brasil. Ciênc Saúde Col[Internet]. 2013[cited 2014 May 20];18(5):1273-82. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n5/12.pdf
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). A condição econômica e o desemprego devido ao baixo nível de escolaridade são determinantes desse cenário; no entanto, a busca pela autoestima, a ausência da figura do pai, a visibilidade perante a comunidade e o deslumbre em adquirir bens de consumo são atrativos perigosos para os jovens(1515 Morais NA, Aquino MC, Reis S, Koller SH. Promoção de saúde e adolescência: um exemplo de intervenção com adolescentes em situação de rua. Psico Soc[Internet]. 2010[cited 2013 Jun 05];22(3):507-18. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22n3a11.pdf
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).

A articulação do ambiente social com o familiar foi uma característica marcante do grupo, que reconheceu a convivência familiar como fundamental para promoção da saúde. Uma família nuclear, com comportamentos salutares entre seus membros, pode ser um fator de proteção na saúde dos adolescentes, especialmente para prevenção do uso de tabaco, álcool e outras drogas(1616 Ewing BA, Osilla KC, Pedersen ER, Hunter SB, Miles JNV, D'Amico EJ. Longitudinal family effects on substance use among an at-risk adolescent sample. Addic Behav[Internet]. 2015[cited 2016 Feb 10];41(8):185-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0306460314003499
http://www.sciencedirect.com/science/art...
).

A maioria dos participantes expôs ser impossível alcançar a missão em um mundo que conduz o jovem às drogas e à criminalidade, no qual o indivíduo pouco tem a contribuir para mudança, e a culpa da situação é direcionada aos governantes. Observa-se que a consciência transitiva-ingênua é caracterizada pela simplicidade na interpretação dos problemas, pela subestimação do poder do homem comum, pela desesperança. O processo de conscientização convida as pessoas a assumirem uma posição utópica frente ao mundo(88 Freire P. Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3.ed. São Paulo: Centauro; 2001.).

O encontro do adolescente com um mundo utópico foi influenciado pelo encontro da arte com a educação na geração de experiências que transformaram as relações do ser no mundo por meio da sensibilidade, criatividade e expressão(77 Barbosa AM. Arte/educação no Brasil. Coleção Debates. 7. ed. São Paulo: Perspectiva; 2012.). A etapa de priorização das atividades representou a importância da alegria e bem-estar para os adolescentes na prática diária da arte/educação, como nas atividades lúdicas e no cineclube.

No momento de atribuição das notas, a maioria dos participantes considerou apenas a existência da atividade no programa e não os fatores que poderiam influenciar seu adequado desenvolvimento. Ou seja, bastava que a atividade estivesse acontecendo para que ela pudesse contribuir para a promoção da saúde do adolescente.

Os programas socioeducativos desenvolvidos em turno oposto à escola têm impacto direto na promoção de habilidades pessoais e sociais de crianças e adolescentes. Por meio de uma metanálise, estudo revelou significativas melhorias em comportamentos sociais, autopercepção e desempenho escolar dos participantes, bem como redução de problemas comportamentais em comparação aos grupos-controle(1717 Durlak JA, Weissberg RP, Pachan M. A meta-analysis of After-School Programs that seek to promote personal and social skills in children and adolescents. Am J Community Psychol[Internet]. 2010[cited 2015 Jan 28];45(3-4):294-309. Available from: http://www.flume.com.br/pdf/Durlak_A_meta-analysisof_after_school.pdf
http://www.flume.com.br/pdf/Durlak_A_met...
).

No entanto, comumente no Brasil, as instituições sociais que dão suporte ao adolescente em situação de risco enfrentam problemas, como falta de recursos materiais, técnicos e humanos, que acabam limitando a qualidade do serviço prestado e distanciando-o do planejamento e resultados esperados(1818 Eurípedes SR, Reis NA, Silva SA, Borges MR, Silva FA. Workshops with teachers: health education for management with adolescents. Acta Paul Enferm[Internet]. 2012[cited 2013 Jan 22];25(spe2):169-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25nspe2/27.pdf
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). Tal fato foi observado por poucos participantes do estudo em um primeiro momento.

As atividades selecionadas para implementação das metas (fotografia, dança-alongamento, desenho e grafite) revelaram ser recursos eficazes para o resgate da condição de protagonista do adolescente e para o estímulo a reflexões críticas acerca da promoção da saúde, respectivamente na utilização da estratégia fotovoz(1919 Costa AGM, Vieira NFC, Gubert FA, Ferreira AGN, Scopacasa LF, Pinheiro PNC. Imagens e concepções de adolescentes moradores de zona rural sobre saúde. Cad Saúde Pública[Internet]. 2013[cited 2014 Nov 22];29(8):1675-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n8/v29n8a19.pdf
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), do Programa Prático de Dança Educativa (PPDE)(55 Costa AGM, Monteiro EMLM, Vieira NFC, Barroso MGT. A dança como meio de conhecimento do corpo para promoção da saúde dos adolescentes. J Bras Doenças Sex Transm[Internet]. 2004[cited 2013 Jun 12];16(3):43-6. Available from: http://www.dst.uff.br/revista16-3-2004/5.pdf
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) e do desenho/expressão(2020 Costa AGM, Luna IT, Silva AA, Mesquita JS, Pinheiro PNC, Vieira NFC. Percepção de saúde de adolescentes de comunidade rural: entre o ideal e o real. Rev Eletr Enferm[Internet]. 2013[cited 2014 Nov 22];15(4):870-7. Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v15/n4/v15n4a03.htm
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).

As estratégias de promoção da saúde desenvolvidas nas atividades de arte/educação representaram o encontro artístico do passado com o presente da comunidade. Por meio de um senso de perspectiva histórica, o adolescente pôde ampliar o grau de consciência dos problemas de seu tempo e espaço, considerando que não existe atualidade que não seja processo histórico(99 Freire P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; 2001.).

O encontro do presente com o futuro do adolescente foi caracterizado pelo sentimento de pertença à comunidade, reforçado pelo exemplo de resiliência de um jovem. A partir da incorporação de pertença do indivíduo a um lugar, inicia-se o processo de construção de uma identidade imaginária, e, mesmo diante de situações de conflito, a pessoa enraizada permanece e luta por seu lugar(2121 Carneiro HF. Violência, culpa e ato: causas e efeitos subjetivos em adolescentes. Psicol Rev[Internet]. 2010[cited 2013 Jan 22];16(3)537-56. Available from: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/P.1678-9563.2010v16n3p537/2228
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). A motivação para superação das adversidades sociais é característica da resiliência na juventude, mesmo se o adolescente vivenciar experiências como a pobreza, problemas de saúde e relações familiares conflituosas, ele poderá enfrentar melhor as mudanças e promover uma saúde mental positiva(1616 Ewing BA, Osilla KC, Pedersen ER, Hunter SB, Miles JNV, D'Amico EJ. Longitudinal family effects on substance use among an at-risk adolescent sample. Addic Behav[Internet]. 2015[cited 2016 Feb 10];41(8):185-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0306460314003499
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-1717 Durlak JA, Weissberg RP, Pachan M. A meta-analysis of After-School Programs that seek to promote personal and social skills in children and adolescents. Am J Community Psychol[Internet]. 2010[cited 2015 Jan 28];45(3-4):294-309. Available from: http://www.flume.com.br/pdf/Durlak_A_meta-analysisof_after_school.pdf
http://www.flume.com.br/pdf/Durlak_A_met...
).

Nos bate-papos sobre saúde, a sexualidade foi relacionada à utilização de drogas, ao fascínio pelo poder financeiro do tráfico e aos riscos de práticas desprotegidas. Os adolescentes que utilizam drogas ilícitas geralmente são mais suscetíveis ao sexo sem proteção, pois, ao fazerem uso de substâncias psicoativas, engajam-se com maior facilidade em situações de risco(2222 Luna IT, Costa AGM, Costa MS, Alves MDS, Vieira NFC, Pinheiro PNC. Knowledge and prevention of Sexually Transmitted Diseases among homeless adolescent. Ciênc Cuid Saúde[Internet]. 2013[cited 2014 Jun 12];12(7):346-55. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/download/18693/pdf_21
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). Nesse sentido, os profissionais de saúde podem interagir com grupos de risco na comunidade para identificar as vulnerabilidades sociais e estimular o potencial criativo do jovem no desenvolvimento de práticas inovadoras de saúde(2323 Ferreira Júnior AR, Barros EMA, Sousa RA, Souza LJE. Vivência de adolescentes em atividade de promoção da saúde. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2013 Nov 08];66(4):611-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66n4a23.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66...
) e enfrentamento das drogas.

Após vivenciarem todo o processo de implementação, os participantes reavaliaram as atividades de arte/educação e atribuíram notas mais baixas que as anteriores. Tal fato foi relacionado à ampliação crítica do olhar avaliativo que foi direcionado à qualidade no desenvolvimento das atividades e não apenas à existência destas. O reconhecimento das possibilidades locais para a realização das atividades de arte/educação impulsionou o grupo como protagonista, mas necessariamente não eximiu o papel do programa de provedor dos recursos para a garantia da continuidade das oficinas de arte/educação.

A partir do referencial teórico de Freire(88 Freire P. Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3.ed. São Paulo: Centauro; 2001.-99 Freire P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez; 2001.), pode-se inferir que, conforme o adolescente movimentou-se da consciência transitivo-ingênua para a crítica, ele ampliou seu poder de captação da realidade de saúde e pôde dialogar criticamente acerca da promoção da saúde nas atividades de arte/educação.

O processo avaliativo fortaleceu a autodeterminação dos integrantes do programa para o alcance de melhorias locais a curto prazo, no entanto necessitará ser continuamente exercitado para que possa gerar mudanças individuais e coletivas de médio e longo prazo.

Limitações do estudo

As principais limitações e desafios do estudo estão relacionados à aplicação da AE no contexto brasileiro de uma instituição pública e seus desdobramentos: limitados recursos materiais disponíveis para as oficinas de arte/educação, redução no número de participantes que permaneceram vinculados ao programa na etapa de reavaliação e cultura de temor da instituição em participar de um processo avaliativo. Esses fatos impediram o alcance da missão e de algumas metas traçadas, no entanto, geraram reflexões sociopolíticas junto ao grupo.

Os autores consideram que o período de três meses foi um tempo mínimo para implementação/monitoramento das metas, e recomendam que novos estudos possam ampliar esta etapa na busca de diferentes resultados e com um número maior de participantes.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O estudo resgatou os dez princípios da AE que podem ser aplicados para construção de programas e políticas de saúde do adolescente no Brasil: 1. Melhoria; 2. Propriedade comunitária; 3. Inclusão; 4. Participação democrática; 5. Justiça social; 6. Conhecimento da comunidade; 7. Estratégias baseadas em evidências; 8. Capacitação; 9. Aprendizado organizacional; 10. Responsabilidade(1010 Fetterman DM. Foundations of empowerment evaluation. Thousand Oaks: Sage, 2001.-1111 Fetterman DM, Wandersman A. Empowerment evaluation principles in practice. Thousand Oaks: Sage; 2005.).

O programa de arte/educação avaliado foi considerado um potencial espaço para atuação dos profissionais de saúde no movimento de conscientização e empoderamento em saúde do adolescente no cenário urbano. O enfermeiro que atua na ABS pode identificar espaços de vivências artísticas nas comunidades e articular ações de saúde que serão atrativas para adolescentes. Nesse caso, o enfermeiro não necessita ser um arte/educador ou um artista, pois seu papel é de amigo-crítico, consultor ou promotor de saúde que trabalha de forma interdisciplinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa apresentou uma tríade para a Promoção da Saúde do Adolescente em situação de vulnerabilidade social com os seguintes componentes: indivíduo, comunidade e apoio socioeducativo. A arte/educação foi um potencial espaço para atuação do enfermeiro na conscientização e empoderamento em saúde do adolescente.

No cenário urbano, os adolescentes necessitam de autodeterminação para superar barreiras econômicas e enfrentar riscos sociais no sentido de transcorrer o período de vida de forma positiva. Os serviços de apoio socioeducativos exercem um papel fundamental na comunidade, pois representam espaços de vivências que ocupam o vazio elo entre a escola e as ruas e podem contribuir para promoção da saúde física e mental dos adolescentes, principalmente ao utilizar estratégias crítico-reflexivas como a arte/educação.

Neste estudo, o movimento de conscientização foi articulado ao desenvolvimento das etapas da avaliação de empoderamento, que permeabilizou mudanças no olhar dos participantes acerca da realidade de vida e de saúde. Inicialmente, o grupo verbalizou sentimentos de impotência frente aos problemas urbanos e avaliou a realização das atividades de arte/educação como promotoras de saúde pelo simples fato de estarem sendo realizadas na comunidade, caracterizando uma visão ingênua do programa.

Posteriormente, o grupo verbalizou possibilidades de mudanças individuais e coletivas, protagonizou ações artísticas e considerou a existência de falhas no desenvolvimento das atividades de arte/educação que comprometiam sua qualidade educativa e promotora de saúde. Os interesses e as preocupações dos participantes foram expandindo-se da esfera individual para a coletiva, crítica, gerando autodeterminação para a mudança em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2016
  • Aceito
    03 Mar 2017
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