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Grupo feminino de cuidado: estratégia de pesquisa-cuidado à mulher

Grupo feminino de cuidado: estrategia de investigación-cuidado a la mujer

Feminine group of care: research-care strategy to the woman

Resumos

Pesquisa qualitativa cujo objetivo foi implementar um Grupo de Discussão que servisse de estratégia de pesquisa e assistência às mulheres. Os sujeitos foram dezoito mulheres de uma Unidade de Saúde. O método foi o da pesquisa convergente-assistencial. A análise temática foi aplicada ao conteúdo gerado nas discussões. Os resultados indicaram que as mulheres referendaram a estratégia do Grupo estabelecendo o diálogo, ouvindo suas próprias vozes e a das outras, desenvolvendo a auto-percepção sobre seus saberes na co-construção do conhecimento que contribuiu para o autocuidado. O Grupo de Discussão configurou-se como oportunidade e estímulo da clientela na potencialização da promoção à saúde.

Saúde da mulher; Educação em saúde; Cuidado de enfermagem; Pesquisa


Investigación cualitativa cuyo objetivo fue implementar un Grupo de Discusión que sirviera de estrategia de investigación y asistencia a las mujeres. Los sujetos fueron dieciocho mujeres de una Unidad de Salud. El método fue el de la investigación convergente-asistencial. El análisis temático fue aplicado al contenido generado en las discusiones. Los resultados indicaron que las mujeres refrendaran la estrategia del Grupo estableciendo el diálogo, oyendo sus propias voces y de las otras, desarrollando la auto-percepción sobre sus saberes en la construcción conjunta del conocimiento que contribuye para el cuidado de si. El Grupo de Discusión se configuró como oportunidad y estímulo de la clientela en la potenciación de la promoción de la salud.

Salud de la mujer; Educación en salud; Cuidado de enfermería; Investigación


Qualitative research that aimed at implementing a Discussion Group that could be research strategy and woman assistance. The subjects were eighteen women from a Health Unit. The method was the convergent and assistance research. The thematic analyzes was applied to the generated content from the discussion. The results indicated that the women referred the strategy of the Group establishing the dialogue, hearing their own voices and the other's, developing the self-perception about the learning in the co-construction of the knowledge that contributes to the self-care. The Discussion Group had configured itself as opportunity and stimulation of the clientele in the fortification of the health promotion.

Women's Health; Health Education; Nursing care; Research


PESQUISA

Grupo feminino de cuidado: estratégia de pesquisa-cuidado à mulher

Feminine group of care: research-care strategy to the woman

Grupo feminino de cuidado: estrategia de investigación-cuidado a la mujer

Wânia Ribeiro TrindadeI; Márcia Assunção FerreiraII

IAssociação Educacional de Vitória. Curso de Graduação em Enfermagem. Vitória, ES

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Enfermagem Ana Nery. Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Wânia Ribeiro Trindade Rua Antonio Regis dos Santos, 469, Apto 101, Edifício Praia Itapuã, Vila Velha CEP 29101-695. Vitória, ES Submissão: 22/11/2009 Aprovação: 12/03/2009

RESUMO

Pesquisa qualitativa cujo objetivo foi implementar um Grupo de Discussão que servisse de estratégia de pesquisa e assistência às mulheres. Os sujeitos foram dezoito mulheres de uma Unidade de Saúde. O método foi o da pesquisa convergente-assistencial. A análise temática foi aplicada ao conteúdo gerado nas discussões. Os resultados indicaram que as mulheres referendaram a estratégia do Grupo estabelecendo o diálogo, ouvindo suas próprias vozes e a das outras, desenvolvendo a auto-percepção sobre seus saberes na co-construção do conhecimento que contribuiu para o autocuidado. O Grupo de Discussão configurou-se como oportunidade e estímulo da clientela na potencialização da promoção à saúde.

Descritores: Saúde da mulher; Educação em saúde; Cuidado de enfermagem; Pesquisa.

ABSTRACT

Qualitative research that aimed at implementing a Discussion Group that could be research strategy and woman assistance. The subjects were eighteen women from a Health Unit. The method was the convergent and assistance research. The thematic analyzes was applied to the generated content from the discussion. The results indicated that the women referred the strategy of the Group establishing the dialogue, hearing their own voices and the other's, developing the self-perception about the learning in the co-construction of the knowledge that contributes to the self-care. The Discussion Group had configured itself as opportunity and stimulation of the clientele in the fortification of the health promotion.

Descriptors: Women's Health; Health Education; Nursing care; Research.

RESUMEN

Investigación cualitativa cuyo objetivo fue implementar un Grupo de Discusión que sirviera de estrategia de investigación y asistencia a las mujeres. Los sujetos fueron dieciocho mujeres de una Unidad de Salud. El método fue el de la investigación convergente-asistencial. El análisis temático fue aplicado al contenido generado en las discusiones. Los resultados indicaron que las mujeres refrendaran la estrategia del Grupo estableciendo el diálogo, oyendo sus propias voces y de las otras, desarrollando la auto-percepción sobre sus saberes en la construcción conjunta del conocimiento que contribuye para el cuidado de si. El Grupo de Discusión se configuró como oportunidad y estímulo de la clientela en la potenciación de la promoción de la salud.

Descriptores: Salud de la mujer; Educación en salud; Cuidado de enfermería; Investigación.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A maioria da população brasileira é composta por mulheres (50,77 %), e elas são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Vivem mais do que os homens, mas são mais vulneráveis a certas doenças. As causas de morte estão mais relacionadas à situação de discriminação na sociedade do que aos fatores biológicos(1).

A vulnerabilidade da mulher reside na importância de variáveis sociais, relacionadas ao gênero feminino(2). Outra questão é a associação entre oscilações de humor e as alterações hormonais as quais as mulheres estão sujeitas.

Atualmente, a mulher busca ampliar o acesso à saúde e a outros bens e serviços. Sobre os conceitos de saúde relacionados à mulher, é comum observar na literatura como as concepções sobre o gênero feminino estão preferencialmente voltadas para os aspectos da anatomia e biologia do corpo, valorizando a função reprodutiva e a maternidade como sendo o seu principal atributo.

O movimento das mulheres e dos profissionais da saúde que contribuiu para a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1984 criticava vigorosamente a perspectiva reducionista da mulher(1). O PAISM repercute na melhoria dos níveis de saúde da população feminina e possibilita a redução da mortalidade materna e infantil. Porém, a limitação do PAISM diz respeito à restrição imposta pelas prioridades voltadas para a função reprodutiva da mulher(3).

Considerando que possam existir lacunas nos serviços de saúde oferecidos às mulheres no atendimento de suas necessidades extras biológicas e reprodutivas, interessa-nos de conhecer e sanar estas carências a partir da própria participação da mulher que utiliza este tipo de serviço.

Esta pesquisa sugere, então, um deslocamento do olhar, à luz de outro paradigma, que trabalhe com a subjetividade, ressaltando a importância de se conhecer as demandas e o desejo do outro em relação ao cuidado à sua saúde.

O desejo do sujeito o mantém no curso da vida. Por isso, as demandas de cuidado na ótica do cliente devem ser consideradas, pois o cuidado meramente técnico atende à restauração, reabilitação e cura, mas não resgata no cliente sua subjetividade no que se refere aos cuidados que lhe são necessários e desejados(4).

O enfermeiro ocupa posição singular nos serviços de saúde, com ampla abrangência de ações. A enfermagem é uma profissão essencialmente feminina, o que deveria facilitar o acolhimento e atendimento às necessidades e desejos das mulheres. Por isso, o objeto desta pesquisa configurou-se em torno da proposta de uma estratégia de atendimento à mulher que, ao tempo em que contemplasse as suas demandas de cuidados, proporcionasse um espaço de discussão e integração que fizesse emergir a subjetividade e o intercâmbio de saberes e experiências.

Assim, esta pesquisa propõe a implementação de um Grupo de Discussão (GD) que, ao tempo em que sirva como produtor de subjetividades e circulação de saberes possa também servir como estratégia de atendimento às mulheres, otimizando a assistência a elas prestadas. Os objetivos são: caracterizar a estratégia de grupo como complementar no atendimento de enfermagem à saúde da mulher; analisar sua pertinência na perspectiva dos próprios sujeitos; e analisar as contribuições desta estratégia no cuidado às mulheres.

METODOLOGIA

Os conceitos aplicados sugerem a importância do compartilhamento de saberes e da interação. O principal recurso terapêutico a ser empregado junto às mulheres é, justamente, a relação interpessoal e a interação no cuidado, passível de ser construída na assistência profissional à clientela. A interação construída na relação entre as próprias mulheres que compartilham experiências comuns e/ou singulares também pode ser um importante recurso terapêutico no cuidado de enfermagem. Assim, o conceito de interação(5) mostra-se aplicável para sustentar o atendimento de enfermagem à mulher em uma estratégia de discussão em grupo.

Os clientes são agentes potencialmente capazes de promoverem ações de saúde, a partir de oportunidades e estímulos provocados por intervenções de enfermagem. As relações recíprocas dos indivíduos em interação e a tomada de decisões são as escolhas feitas para atingir as metas do atendimento de enfermagem(6). Ainda mais, ao se comunicar com sua clientela, em uma atitude de cooperação, a interação social torna-se importante no cuidado(7).

A implementação do grupo como lócus de cuidado e de pesquisa configurou-se como privilegiada na construção de uma relação cooperativa e interativa entre os participantes. Tal Grupo foi denominado de Grupo Feminino de Cuidado (GFC).

A abordagem foi qualitativa e a metodologia foi a da Pesquisa Convergente Assistencial (PCA) com o propósito de implementar uma prática assistencial participativa, construindo-se conhecimentos sobte temas emergentes da discussão, ampliando-se a prevenção e educação em saúde. Este tipo de metodologia oportuniza a produção de novas informações, estruturando conhecimentos e delineando ações. A reflexão dos participantes quanto ao trabalho desenvolvido, mostra a possibilidade de convergência do cuidado assistencial e a pesquisa(8).

O Grupo foi formado com a escolha do tema a ser debatido, à luz do interesse da clientela, e do convite a vinte mulheres para participarem de dois grupos de convergência (GC1 e GC2). O tema eleito foi a sexualidade feminina e as mulheres foram convidadas a participar, na medida em que compareciam na Unidade de Saúde (US) para atendimento. Para a avaliação do GC como estratégia de cuidado foi feito um grupo focal (GF) com representantes de cada GC. O quantitativo de participantes foi determinado a priori para que o Grupo pudesse cumprir a função de pesquisa e de assistência(8,9).

Na prática da PCA foram aplicadas as técnicas de entrevista grupal e observação participante. Do primeiro GC participaram oito (08) mulheres e do segundo, dez (10). Para o GF, as dezoito participantes dos GC foram convidadas; no entanto, somente seis (06) compareceram, sendo duas (02) do GC1 e quatro (04) do GC2. Após a realização do GF, para ampliar o conteúdo pertinente à avaliação da estratégia do grupo de discussão pelas participantes, foram feitas entrevistas individuais (EI) com as seis (06) mulheres que não compareceram ao GF.

A validação da pesquisa também foi feita durante a realização de cada GC, com base na dinâmica de desenvolvimento da discussão, no engajamento e participação ativa dos sujeitos, no conteúdo e nos rumos delineados na discussão. A partir destes indicadores, pôde-se ter uma resposta sobre a aderência da temática e a propriedade da estratégia utilizada. Na análise dos depoimentos foram aplicadas técnicas de análise de conteúdo temática(10).

O projeto foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, protocolo nº 42/06 e as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O que motivou e movimentou as discussões nos grupos e demandou atenção das mulheres foi congregado em torno de uma grande temática que tratou da sexualidade feminina, mais centrada em questões afeitas à relação sexual, em problemáticas sobre a intimidade dos parceiros na vivência da sexualidade.

As participantes discutiram sobre a vontade da mulher pela prática do ato sexual. O orgasmo feminino e a falta dele ou dificuldade para alcançá-lo gerou muito debate e emissão de opiniões. A Gravidez potencial emergiu como um estado que pode interferir ou interditar a vivência da sexualidade feminina, na medida em que foi problematizada como um risco presente na relação.

Apesar de a discussão ter sido desencadeada por uma apreensão mais generalizadora do tema explicadas por causas pouco específicas, a dinâmica da discussão nos grupos foi conduzindo a construção dos discursos no sentido de dar mais especificidade à problemática em questão. No curso das discussões, a pesquisadora foi identificando as explicações das mulheres sobre as causas de seus problemas, como sendo psicológicos e/ou comportamentais, uso de substâncias químicas, dor na relação sexual por causas patológicas e fisiológicas, e a importância do parceiro frente à questão da vivência da sexualidade feminina.

Para cada questão, foi-se fazendo a convergência em assistência no intuito de se dar às mulheres,a oportunidade de verbalizar seus problemas e intercambiar experiências entre elas, e de debater possibilidades para melhor entendimento das situações e busca de resolutividade para os problemas, além de se aproveitar o espaço para intervenções de educação em saúde de cunho preventivo.

Na avaliação da estratégia e suas potencialidades no cuidado à saúde da mulher, os resultados organizaram-se em torno da experiência de terem participado do GFC, da estratégia e suas relações com a saúde da mulher e da valoração e operacionalização com vistas à implementação do GFC na US.

Quanto à experiência de terem participado do GFC foi unânime a resposta positiva em relação a esta oportunidade. Esta posição das mulheres guarda relações com o Programa Nacional de Humanização que abrange a possibilidade de participação ativa dos usuários nos serviços de saúde. Neste programa, a atenção à saúde deve ser exercida de forma integral pelos profissionais de saúde, respeitando-se a subjetividade, autonomia e protagonismo do usuário(1).

Sobre a avaliação positiva, algumas comunicaram que a participação no grupo levou-as à percepção de questões sobre o tema abordado no grupo e a aquisição de informações. Também ressaltaram a possibilidade de ampliar o autoconhecimento:

Foi muito importante, aprendi muita coisa que nem imaginava existir. Eu vi como a gente precisa aprender mais sobre a gente mesmo (E2-GC2K).

A troca de experiências e oportunidade de conversação foi enfatizada como ponto de êxito, visto que nas consultas, comumente, as mulheres se colocam passivas recebendo informações e intervenções.

Esta análise é oriunda dos conteúdos latentes das falas das mulheres e da nossa experiência na assistência de enfermagem em consultas ginecológicas. Se o enfermeiro não instigar a mulher a participar da consulta, ela se restringe a responder o que lhe é perguntado. Muitas vezes as mulheres ficam inibidas diante do profissional por considerá-los mais providos de conhecimentos.

O saber profissional sobre a saúde, principalmente nas instituições, muitas vezes sobrepuja o saber leigo. Isto se reforça na verticalização do atendimento e na conversa diretiva estabelecida entre profissional e cliente, voltada à entrevista clínica e diagnóstico médico. Via de regra, as mulheres não colocam suas reais preocupações nas consultas, pois não dominam, em certa medida, a linguagem que considera ser a correta para expressar seus problemas. Isto faz com que, ao comunicar suas queixas, busquem falar a mesma Língua do profissional situando seus problemas no campo dos sinais e sintomas que se assemelham a determinadas doenças, já conhecidas por experiências passadas. Ou, então, concorde passivamente com a condução que a consulta toma, acatando as prescrições aos problemas pontuais diagnosticados(11).

Outra justificativa que sustentou a avaliação positiva da experiência foi o fato de a estratégia de grupo ter propiciado a interação e a troca de experiências entre as mulheres com vivências similares ou diferenciadas sobre um mesmo aspecto:

Foi muito bom. Nunca tinha participado de um grupo assim antes e vi que saiu assunto que foi bom pra todo mundo (E3-GC1F).

O valor principal das técnicas de grupo consiste no fato de que os seres humanos são sociais; logo, há uma tendência de formar opiniões e atitudes na interação com os outros. Nesse sentido, quando em grupo, as mulheres podem se sentir mais à vontade para conversar, compartilhar experiências e colaborar com as outras, ainda que, em um primeiro momento, não se conheçam. Esta qualidade do grupo foi reconhecida e destacada pelas mulheres na sua avaliação. Presume-se, então, que a experiência tenha possibilitado às mulheres vivenciarem o momento e vislumbrarem o potencial da estratégia.

As doze mulheres que participaram do GF e das EI foram questionadas sobre a experiência prévia de já terem conversado sobre o tema sexualidade com algum profissional, da forma como foi debatido no grupo. Dez delas responderam que nunca haviam tido esta experiência e duas responderam já terem conversado antes sobre o assunto com algum profissional: uma relatou que foi durante a participação em uma palestra em um grupo de terceira idade, e a outra foi em consulta com o ginecologista. Quando questionadas sobre se tinham dificuldade de conversar sobre o assunto, apenas uma respondeu não ter dificuldade. Sendo assim, as onze mulheres restantes manifestaram dificuldade de abordar tal tema:

Bastante, fiquei no início apreensiva e no final me soltei. Sempre tive um pouco de vergonha de falar sobre esses assuntos (E2-GC2K). Tinha sim muita dificuldade. Inclusive, depois da palestra, ficou mais fácil conversar com o ginecologista na consulta (E3-GC1F).

Ressalta-se que um tema tão importante para a saúde das mulheres tem sido pouco abordado, tanto por elas durante as consultas com os profissionais, quanto por estes nos momentos em que as atendem. Muitos fatores interferem na abordagem específica deste tema. Um deles, e o que consideramos ser o principal, é o tabu de que ainda se reveste a sexualidade. O que faz com que as mulheres não conversem sobre este tema é a vergonha de abordá-lo junto aos profissionais, principalmente este é homem. Apesar de terem vontade de falar sobre este tema, a vergonha sempre prevalece sobre a vontade, provavelmente pelo fato de ser um assunto íntimo, carreado de tabu:

Eu tinha vontade, mas tinha vergonha (GF-GC1A).

Por outro lado, os profissionais também não se sentem à vontade para conversar quando a sexualidade não está seguramente delimitada no campo da clínica médica(12). Podemos presumir que a estratégia de grupo ajude a vencer as dificuldades individuais, tornando o tema mais socializável. Isto porque, uma avaliação a ser feita em relação à estratégia é que, no âmbito da discussão em grupo, os assuntos e a conversa fluem. O próprio movimento do diálogo que se constrói nos grupos de discussão aflora dúvidas e fazem emergir questões que ampliam as oportunidades de se conhecer mais facetas sobre o objeto da discussão e as oportunidades de participação das pessoas.

Outro fator a ser abordado é que o grupo funcionou fora do espaço do consultório, favorecendo às mulheres a não relacionarem suas falas somente ao recorte biomédico, mas à vivência cotidiana da sexualidade.

O fato de as mulheres terem discutido um assunto tão íntimo no contexto de um grupo propiciou-lhes lidar com a vergonha de falar da sua própria intimidade. Ao vivenciar esta situação em grupo, ficou claro que este é um sentimento comum entre as mulheres e que pode ser trabalhado em grupo. A interação gera um sentimento de ajuda mútua para lidar com um assunto íntimo e intercambiar experiências que possam sanar ou amenizar os problemas. Uma questão importante a ser tratada é que a vergonha pode tanto ser relacionada ao tema abordado, que por si só gera algum tipo de retração, como também inerente à própria situação de timidez, característica peculiar das pessoas. Sendo assim, a questão levantada nesta discussão é que a vergonha relatada pelas mulheres estaria relacionada ao tema escolhido para a discussão no grupo e não, propriamente, à estratégia em si, embora saibamos que algumas pessoas tenham vergonha de falar em público. No entanto, não foi possível fazer este tipo de relação, uma vez que não se realizou um grupo de teste com outro tema.

Na validação da estratégia foi questionado às mulheres se o tema, e os assuntos dele derivados, tinha relação com a saúde das mesmas. Pelas respostas, foi possível apreender que elas estabeleceram tal relação; no entanto, destaca-se que algumas não deram explicações muito precisas no estabelecimento deste nexo:

Acho que sim. Sei lá, não sei dizer por quê (E1-EC2N). Às vezes tem e às vezes não (GF-GC2Q). Eu acho que tem tudo a ver, porque de repente, às vezes acontece alguma coisa e você vai deixando passar e conversando, ainda mais em grupo, a gente vai aproveitando as experiências dos outros. (GF-GC2P)

As mulheres reconheceram que a discussão em grupo fez circular informações importantes para elas. Isto mostra que elas valoraram duas dimensões importantes relacionadas ao cuidado à saúde: a educação em saúde e o compartilhamento de experiências e informações que a estratégia de grupo propicia.

Um outro conjunto de depoimentos apontou mais claramente para uma vertente de entendimento dos nexos entre a estratégia, o conteúdo veiculado nas discussões e a saúde da mulher. Neste conjunto temos evidenciadas relações mais diretas com questões relativas à saúde/doença, ainda que a questão da conversação e compartilhamento permaneça permeando com destaque a idéia veiculada na fala de tais mulheres:

Com certeza. Porque foram esclarecidos vários pontos. Até aquele assunto da candidíase foi novidade. Eu já tive duas vezes e sempre achei que eu tinha pegado do meu parceiro e ele de outra. Então, foi muito esclarecedor. Outro assunto que gostei foi sobre o orgasmo e também sobre o que fazer com as dores que às vezes a gente tem na relação (E3-GC1F).

Os resultados nos fizeram ver que muitas lacunas existem no senso comum sobre questões relativas à saúde da mulher. No depoimento de E3 pode-se, inclusive, identificar que a falta de entendimento sobre um problema comum de saúde, a candidíase, pode trazer conseqüências, inclusive para a harmonia do casal. Não saber que a candidíase é uma doença relacionada à baixa imunidade e somente relacioná-la às doenças transmitidas pelo sexo, impacta na saúde da mulher e do homem, na saúde reprodutiva, nas questões afeitas à sexualidade e na saúde do casal e familiar, entendendo-se saúde como estado de conforto e bem-estar.

Outro ponto importante é que o acesso à informação instrumentaliza melhor a mulher para o diálogo com o profissional. Na medida em que as mulheres aumentam seu cabedal de informações, conseguem ter dúvidas, formular melhor as perguntas e ter elementos que as possibilite conversar/debater os assuntos com os outros.

Evidenciou-se, portanto, que as mulheres percebem que há nexos entre a sexualidade e a sua saúde, pois a sexualidade tem um cunho biológico e psicossocial. O aspecto psicossocial, principalmente, faz com que a sexualidade seja assunto das rodas de conversas, por ser inerente à vida cotidiana. Neste sentido, não deve estar restrita aos consultórios profissionais sendo vista somente como objeto de intervenção médica. As mulheres sabem que quando neste aspecto as coisas não vão bem, outros aspectos da vida do casal acabam sendo influenciados.

Assim, na avaliação do Grupo Feminino de Cuidado como estratégia de cuidado à saúde da mulher ficou evidenciado que elas perceberam o Grupo como espaço legítimo para se tratar questões relacionadas à saúde, de uma forma mais interativa e educativa, como uma roda de conversa:

A gente tem tanta dúvida de como cuidar direito da saúde da gente. Aquela reunião pra nós foi uma benção. Eu cheguei em casa aquele dia e falei pro meu marido: _"Olha foi tão bom, uma doutora boa, explicou tudo direitinho". Umas não tinham nada, outras estavam com assanhamento. Eu fiquei tão feliz quando você me ligou pra eu vir de novo. Aí hoje eu falei pra ele: -"Me leva lá". (GF-GC1B)

O que permeou as respostas no decorrer da avaliação da estratégia foi o fato de as mulheres terem se reconhecido nas histórias das outras mulheres. A discussão possibilitou-lhes a oportunidade de observar a ocorrência nas outras mulheres, de situações e vivências de problemáticas semelhantes às suas próprias:

Às vezes, tem coisa que a gente guarda pra gente e em grupo a gente vê que não é a única que tá passando por aquele problema. (E2-GC2K)

Ao valorarem a experiência da troca de informações na conversação se auto-perceberam como mulheres comuns, pois identificaram outras mulheres com a vivência do mesmo problema que, às vezes, para elas, são traduzidos como problemas seus, de caráter exclusivo. Muitas vezes as mulheres desenvolvem a culpa por determinadas situações por não entenderem que algumas reações comportamentais e/ou emotivas têm a ver com as mudanças hormonais que seu organismo sofre em determinados períodos do ciclo menstrual, e isto acaba por reverberar em todo o seu corpo e sua saúde, desencadeando inúmeras sintomatologias. Conversar abertamente sobre isso com outras mulheres com o auxílio de um profissional favorece à desconstrução desta forma de pensar e entender seus problemas, contribuindo para uma nova tomada de posição frente aos mesmos, aos profissionais e aos seus parceiros:

Gostei de ter participado, porque às vezes a gente acha que é só a gente que tem problema e no grupo eu vi que tinham pessoas com problemas também (E1-GC2N).

Outro aspecto que contribuiu para a avaliação positiva da estratégia guarda relações com a dinâmica de condução do Grupo, pois da forma como foi desenvolvido criou oportunidade de descontração entre as mulheres. Muitas riram de suas próprias histórias e das outras, criando um clima favorável à descontração e integração entre elas, o que, sem dúvida e em certa medida, alivia o peso dos problemas.

Na dinâmica da discussão, algumas mulheres divertidamente driblavam um assunto íntimo, e às vezes constrangedor, de forma a descontrair o grupo. Isto foi um ponto importante da avaliação, visto que muitas mulheres ficam tão atreladas às suas atividades diárias que ter a oportunidade de vivenciar um momento de contentamento e risos, torna-se uma ótima estratégia para se afastarem momentaneamente de atividades muitas vezes enfadonhas. Neste sentido, destaca-se mais uma contribuição da estratégia do GFC na promoção da saúde mental das mulheres:

Eu achei bom e foi até divertido. Se pudesse participar sempre seria ótimo. Comentei com uma amiga e ela ficou com vontade de participar. (E3-GC1F).

A educação em saúde foi recorrente nos depoimentos, ora sendo reconhecida como oportunidade de aprendizagem de algo novo, ora como intercâmbio de experiências e vivências. Este aspecto é importante, pois apesar de na atualidade haver diversos recursos que proporcionem às pessoas informações sobre muitos assuntos, também identificamos na prática que o acesso não é tão universal e igualitário, nem em quantidade e nem em qualidade de informações:

Eu achei bom porque fiquei sabendo de muitas coisas novas. (E4-GC1D). Achei legal, muito esclarecedor sobre vários assuntos que a gente não sabia. (E6-GC2J)

A recorrência do tema da troca de experiência e da circulação de informações no grupo, ligadas às possibilidades que as mulheres tiveram em aprender "coisas novas" sobre o tema discutido, leva-nos a validar a técnica que foi empregada na estratégia, pois o grupo de convergência se vale de uma característica importante do grupo focal que é a de promover a descoberta das diversidades de experiências dos participantes em relação a um determinado tema(13). Ao discutir o tema de forma diversificada, em um processo de interação e envolvimento entre os participantes, a espontaneidade de expressão deve ser estimulada e o respeito mútuo deve permear a interação entre o grupo, justamente para que possam aflorar as opiniões, experiências e sentimentos de cada participante. Neste sentido, uma outra finalidade da implementação da técnica em pesquisa seria a de educação em saúde.

Logo, se quando reunimos as mulheres em um GF e, também, ao procedermos as EI para avaliação da estratégia do GFC as mulheres convergiram seus discursos para este destaque é porque o GC atingiu seus objetivos primeiros, ou seja, produzir dados de pesquisa ao tempo em que promoveu o cuidado à saúde da mulher.

O processo de formação de grupo deve contemplar a fase de troca de experiências entre os participantes, na qual o moderador traz para a discussão o saber da enfermagem em um diálogo com o saber popular de cada participante(8). É nesta oportunidade de troca que forma-se o círculo de confiança mútua propício à reeducação em saúde:

Eu aprendi que a gente vem com um problema achando que é uma coisa e não é nada. Vi mulheres com problemas tão maiores do que o meu. Foi o que eu aprendi naquele dia aqui, que nem sempre o problema da gente é tão grande como a gente coloca. (GF-GC2P)

Na avaliação da estratégia junto às mulheres que participaram dos grupos evidenciou-se que o GFC atingiu seu objetivo e que o método da pesquisa convergente-assistencial foi adequado para o desenho da investigação que propomos a fazer. O método convergente-assistencial possibilita às enfermeiras a adoção de uma postura participativa na prática assistencial(13) e, como foi possível evidenciar na análise de conteúdo dos depoimentos, isto foi identificado pelas participantes e avaliado por elas como facilitador na condução do grupo e crucial para o atendimento dos objetivos propostos. Tanto que tal avaliação foi feita em comparação a outros tipos de posturas mais diretivas, adotadas por outros profissionais, na assistência à saúde.

À luz da análise e discussão dos resultados produzidos na fase de avaliação/validação dos GC, foi possível evidenciar que o grupo atingiu a fase de reflexão sobre o trabalho desenvolvido junto a elas pela pesquisadora que, ao tempo em que estava produzindo dados de pesquisa, atuou como enfermeira educadora-assistencial. Nesta avaliação/validação da estratégia, as mulheres refletiram sobre as sua própria inserção no grupo e sobre a das outras mulheres, participando ativamente da convergência da pesquisa e do cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou responder a questão sobre os limites e possibilidades de implementação de um grupo, o qual se convencionou chamar de Grupo Feminino de Cuidado (GFC), como estratégia de atendimento às mulheres, clientes de uma Unidade de Saúde. Neste intento, implementou a estratégia do Grupo Convergente Assistencial com o intuito de aliar a pesquisa com a assistência, objetivando, especificamente, gerar subsídios que pudessem caracterizar o GFC como uma estratégia complementar aos Programas de atendimento já implementados na Unidade de Saúde, lócus da pesquisa.

Tal caracterização se deu na medida em que a sua organização, composição e desenvolvimento foram pautados nos preceitos da livre participação dos sujeitos e na educação em saúde, respeitando-se a condição de inserção de cada uma das clientes, atendendo-se aos problemas que dela emergiram.

Quanto ao segundo e terceiro objetivos da pesquisa, no que pese a análise da pertinência do grupo, na perspectiva dos próprios sujeitos, e das contribuições desta estratégia no cuidado às mulheres, apreendemos que estes também foram alcançados, uma vez foram cumpridas, de forma satisfatória, as quatro fases inerentes ao GC, quais sejam: Fase de reconhecimento, de revelação, de repartir e do repensar.

Na observância dessas quatro fases, o que foi possível apreender da realização dos grupos convergentes assistenciais (GCA) é que os sujeitos participantes cooperaram entre si ao veicularem seus conhecimentos, à medida que foram falando sobre suas próprias experiências e expuseram abertamente suas dúvidas. Isso deu a oportunidade ao moderador de conduzir o processo de educação em saúde a partir da demanda emergente do grupo.

Destaca-se, também, que o grupo proporcionou a fluência das opiniões, abriu possibilidades para que, a partir da fala do outro, os sujeitos elaborassem e/ou re-elaborassem suas opiniões e crenças, o que acabou por refletir melhores oportunidades de reflexões e críticas. Outro aspecto positivo que se pode destacar da experiência do grupo de convergência é, justamente, a possibilidade de acesso à diversidade de vivências e experiências entre as mulheres, pois o relato de umas pode servir como incentivo às outras para reverterem (ou tentarem reverter) as situações as quais vivem através do intercâmbio de experiências entre elas.

Em relação à perspectiva teórica apresentada como fundamen-tação para esta pesquisa, ou seja, o conceito de interação, podemos inferir através da validação, que a estratégia dos grupos convergentes assistenciais proporcionaram interação entre profissional de saúde/pesquisadora e usuárias/mulheres. As discussões foram interpretadas, refletidas e vivenciadas dentro de um processo dinâmico e recíproco por todos os atores participantes dos grupos, ao contrário de, no caso as mulheres, permanecerem passivas e estáticas recebendo informações.

Estimuladas à interagir com a pesquisadora (profissional) e com as outras participantes, as mulheres acabaram se lançando ao diálogo e puderam ouvir suas próprias vozes e a das outras, desenvolvendo a auto-percepção sobre seus saberes, em um movimento de construção, desconstrução e reconstrução do conhecimento, o que contribui, sobremaneira, para o autocuidado. Ainda mais, destaca-se que o protagonismo dos usuários nos serviços de saúde possibilita o fortalecimento da autonomia dos sujeitos, ajudando-os nas tomadas de decisões que afetam suas vidas. Desta forma, a própria mulher pode desenvolver o sentido de liberdade para tomar decisões sobre o que fazer e quando deve fazer tal coisa, a partir de seus conhecimentos, valores, experiências e idéias. Assim, a autonomia ganha sentido na subjetividade(14).

O conceito de interação permeia o desenvolvimento da relação que se deve estabelecer entre profissional e cliente no âmbito do cuidado, principalmente em se tratando do cuidado a ser compartilhado em um grupo, no intento de se promover a colaboração e o compartilhamento de saberes.

Os sujeitos são ativos e capazes de promoverem o cuidado de si, e têm direito à oportunidades de participação e atenção de enfermagem de qualidade. É exatamente aqui que reside a aplicabilidade do Grupo Feminino de Cuidado na assistência de enfermagem à mulher que freqüenta a Unidade de Saúde, pois ao final do seu desenvolvimento, consideramos que a sua aplicação seria uma das possibilidades de oportunidade e estímulo da clientela na potencialização do cuidado de si.

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  • Correspondência:
    Wânia Ribeiro Trindade
    Rua Antonio Regis dos Santos, 469, Apto 101, Edifício Praia
    Itapuã, Vila Velha
    CEP 29101-695. Vitória, ES
    Submissão: 22/11/2009
    Aprovação: 12/03/2009
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Mar 2009
    • Recebido
      22 Nov 2009
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