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Cooperação internacional em enfermagem

Cooperação internacional em enfermagem

Alina Maria de Almeida SouzaI; Roseni Rosângela ChompréII

IProfessor Adjunto da Universidade de Brasília. Vice-Diretora do Núcleo de Estudos de Saúde Pública/UnB

IIProfessor Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

1 INTRODUÇÃO

A difusão, o aprofundamento e a busca de novos conhecimentos seja no campo da cultura ou da técnica vem aproximando povos e marcando a sua história desde épocas remotas, contudo no século XX o desenvolvimento das tecnologias de transporte e comunicação permitiu um maior avanço desse mecanismo. A cooperação internacional tem no seu bojo concepções de distintas naturezas que vão desde uma relação de troca permeada pela compreensão da determinação social dos processos econômicos, políticos e ideológicos de cada nação, até àquelas em que os interesses de dominação unilateral impõem uma relação desigual sobrepondo-se os interesses de uns sobre os outros. A proposta da criação do fórum das Nações Unidas pode se considerar como inserida no primeiro tipo, enquanto as relações de dominação através de colonização de povos seja política ou econômica como caracterizando o segundo tipo. Entre estes dois poios desprende-se uma gama múltipla e variada de processos de cooperação internacional. Inquestionavelmente, em qualquer das formas que se dá a cooperação ocorre em maior ou menor grau o intercâmbio cultural e técnico; o desejável seria que este mecanismo assegurasse o desenvolvimento do conhecimento na busca de autodeterminação.

É neste contexto característico de dependência aos países centrais que se observa que a intensidade e continuidade da cooperação responde aos mesmos determinantes que marcaram a unilateralidade discutida anteriormente, a necessidade de consolidar o processo produtivo capitalista..

Frente a esses antecedentes, é chegado o momento de rever as bases de cooperação internacional em enfermagem principalmente, quando se observa uma nova reordenação e intensificação de intercâmbio entre as nações como resultado da crise da ordem econômica mundial. Faz-se necessário refletir sobre a experiência anterior e buscar as alternativas para que o estabelecimento de bases concentuais de cooperação estanbelecimento de bases concentuais de cooperação reflita o princípio de multilateralidade e respeite os processos econônicos, políticos e ideológicos dos povos. Neste sentido, este artigo, pretende contribuir para esta discussão, descrevendo e analisando uma experiência de cooperação internacional

2 O PROJETO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA DE ENFERMAGEM DA UFMG

O projeto de desenvolvimento na Enfermagem na América Latina implementado pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais com o apoio da Fundação W.K. Kellogg há um ano vem sendo operacionalizado através de atividades de intercâmbio e colaboração internacional entre instituições de educação de enfermagem da América Latina e Estados Unidos da América do Norte.

Como a UFMG organizou o Projeto

A partir de uma enquete que buscou informações básicas sobre as Instituições de educação de enfermagem universitárias na América Latina, reuniu-se o comitê consultivo do projeto para deliberar as linhas básicas e estretégias de ação a serem desenvolvidas. O comitê consultivo integrado por profissionais de Instituições de Educação, Serviço, Associações Profissionais e Agências financiadoras (Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, U.S.A., I.C.N. e W.K. Kellogg Foundation), tomando por base o conhecimento dos problemas de saúde da América Latina, seus determinantes sociais, a problemática da enfermagem no contexto da assistência à saúde, deliberou sobre o programa de visita a 13 Instituições de Educação de Enfermagem em 7 países da América Latina (Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Porto Rico) Além disto reconhece a importância do trabalho cooperativo internacional como instrumento de intercâmbio de conhecimento e apoio mútuo e propõe identifiar com o programa de visitas Instituições com potencial para construir-se em "desenvolviento de enfermagem" nesta região.

Membros do Comitê Consultivo, do Comitê Executivo e Assessores Internacionais indicados pela Fundação W.K. Kellogg formaram três equipes de visitas às Instituições selecionadas. As recomendações dos três grupos foram analisadas na 2? reunião do Comitê Executivo realizada em dezembro de 1987 na Cidade do México. Considerando-se a potencialidade da maioria dos programas visitados em promover desenvolvimento institucional, intercâmbio de experiência e cooperação técnica entre países das Américas, decidiu-se sugerir para decisão interna desta Fundação o apoio à elaboração de projetos institucionais de poios de desenvolvimento da Enfermagem em seis países laltino-americanos (Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Porto Rico).

Para concluir a primeira fase do projeto de apoio ao desenvolvimento da Enfermagem na América Latina, liderado pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, o Comitê Executivo em coordenação com a Fundação W.K. Kellogg organizou uma visita às Instituições Norte-americanas de Educação em Enfermagem no período de 17 a 25 de março de 1988.

O Programa de visita teve como objetivo:

- Participar da reunião "Global Nursering Collaboration", organizada pela Escola de Enfermagem da Universidade do Texas em Galveston — Centro Colaborativo de Enfermagem da OMS/OPS;

- Visitar programas de pós-graduação de enfermagem do Consórcio de Universidade do Mid-West Americans e,

- Discutir com a Fundação W.K. Kellogg mecanismos de apoio para o desenvolvimento de projetos.

A reunião global de colaboração em enfermagem, desenvolveu-se em torno de três temas básicos: educação, prática e pesquisa internacional de enfermagem. Cada um dos temas foi desenvolvido através de conferências, painel, plenária e discussão de grupo Considerando-se a necessidade de criar uma rede de colaboração e intercâmbio regional nestas três áreas. Todos os participantes discutiram à luz da proposta da OMS de saúde para todos no ano 2000 - SPT/2000, as necessidades de educação no âmbito de graduação e pós-graduação, desenvolvimento da força de trabalho e a pesquisa, esta vista no contexto da avaliação de programas e modelos de assistência em enfermagem. Foi expressada também a necessidade de considerar colaboração internacional nas Américas como um processo aberto, solidário e democrático, respeitando as diferenças e soberanias dos países participantes. Todos foram convocados à reflexão sobre a realidade das populações "carentes" das Américas da necessidade de compreender determinações sociais dos problemas e participar mais ativamente no encaminhamento de soluções tanto ao nível da totalidade da sociedade como ao nível do setor saúde e da enfermagem.

Centros colaborativos da OMS/OPS

A reunião "Global Nursing Colaboration" constitui-se em uma atividade do Centro colaborativo da Universidade do Texas para a OMS/OPS.

Os centros colaborativos de enfermagem da OSP/OMS na Reguião das Américas são cinco, três nos Estados Unidos da América do Norte: Universidade de Chicago - Illinois, Universidade da Pensylvânia em Philadelphia e Universidade do Texas em Galveston; e, dois na América do Sul: Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil, e Associação Colombiana de Escolas de Enfermagem, Bogotá, Colômbia. Os dois últimos estão em processo de organização. Cada centro propõe uma linha de trabalho específico no campo da colaboração internacional, o da Universidade de Chicago define como prioritário o desenvolvimento de intercâmbio voltado para as questões da assistência de enfermagem nos serviços básicos de saúde. Este centro deverá funcionar também como uma secretaria executiva da rede de centros colaborativos.

O Centro da Universidade do Texas em Galveston tem como principal característica estar integrando a área de saúde como um todo com o propósito de desenvolver intercâmbio na área de educação e prática de enfermagem a nível de graduação e pós-graduação.

O Centro de Ribeirão Preto deverá constituir-se como referência na área de investigação e o Centro da Colômbia na área de educação.

Pós-Graduação em Enfermagem

A pós-graduação tem representado um espaço primordial de intercâmbio quer seja na utilização, produção e difusão do conhecimento por via bibliográfica ou na participação em si mesmo de estudantes de diferentes instituições e mesmos países. Nesse sentido, a pós-graduação constitui-se em locais aglutinadores do pensamento da enfermagem. Verifica-se uma marcante tendência à absorção de modelos concebidos e construídos em realidades distintas e sua aplicação a crítica estágio de formação social diferente.

O programa de visita permitiu observar os programas de pós-graduação das principais universidades do consórcio de universidades do mid-west norte americano que corresponde aos Estados Illinois, Michigan, Ohio, North Dakota e South Dakota, Indiana e Wiscosin. Este programas têm, em geral uma proposta de colaboração para formação de quadros pós-graduados de vários países do mundo, inclusive a América Latina.

Os programas de universidades refletem tendência de educação em enfermagem de todo o território americano; embora se possa caracterizar tendências específicas em algumas áreas ao que se fará referência posteriormente, pode-se generalizar alguns elementos básicos. Do ponto de vista acadêmico são oferecidos programas de mestrado, doutorados, profissionais e acadêmicos. Os programas de mestrado são voltados essencialmente para a preparação clínica específica enquanto os doutorados, mesmo aqueles de cunho profissional, enfatizam a formação de pesquisadores. Os doutorados são conhecidos como DNSc ou DNS, programas essencialmente profissionais e PhD os programas acadêmicos. Todos os programas requerem a admissão de estrangeiros, o exame de proficiência de idioma inglês (TOFEL) o exame de aptidão de trabalho acadêmico de pós-graduação (GRE) e para as áreas que requerem prática profissional o exame.

As áreas especializadas mais comumente oferecidas são administração, educação, psiquiatria, desenvolvimento de políticas e fundamentação da ciência em enfermagem. A duração em média para mestrado é de dois anos e quatro anos para o doutorado. Todavia observa-se uma tendência marcante de flexibilidade de tempo em função de programas oferecidos em períodos vespertino, verão e à distância para atender a demanda dos profissionais em atividades nos serviços.

Os programas buscam responder as questões prioritárias dos serviços de saúde local e a construção do conhecimento de um modelo de assistência de enfermagem "adequado" à realidade. O intercâmbio com estudantes estrangeiros busca enriquecer o conhecimento desta realidade, tendo em vista a própria participação de grupos minoritários de outras regiões do mundo na sociedade americana, e também conhecer e analisar realidades de outros países.

Quanto ao referencial teórico que oriente os programas de pós-graduação um estudo recente de tendências da pós-graduação de enfermagem nos Estados Unidos realizado pela Dra. Philips B kritek da Universidade de Wisconsin aponta algumas características básicas regionais. No mid-west o referencial tende para a conceitualização programática na sociedade americana. Na Costa Leste, os programas são "tradicionais" no sentido do próprio desenvolvimento da enfermagem, predominando o pensamento neo-positivista e o desenvolvimento de teorias pautadas em elementos de educação e história da enfermagem, ocupa um espaço importante nesta região no pensamento da enfermagem americana liderado pelas teorias de Marta Rogers. No Sul, os programas são, ainda, considerados insipientes sem uma identidade própria. No Oete, busca-se a experiência do novo, através de utilização de instrumentos de análise e referencial de visão do mundo com bases filosóficas para além do próprio âmbito do neo-positivismo, emergindo a utilização de métodos teoria crítica e fenomenologia. Fora do âmbito regional a análise do conjunto das escolas católicas realizado pelo Dr. Kritek caracteriza estes programas como focalizando os aspectos éticos, legais e de regulamentação de profissão.

Mesmo de forma insipiente os países da América Latina estão buscando oferecer espaços de intercâmbio e cooperação internacional em seus programas e pós-graduação, no Brasil, México e Colômbia.

Tendo em vista estas tendências é importante considerar a pós-graduação em enfermagem nos Estados Unidos como um espaço privilegiado de colaboração internacional, desde que haja um entendimento preliminar de que o 'cuidar' é socialmente determinado e que a instrumentalização através da pós-graduação permite construir modelos que respondam às necessidades de cada sociedade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1988
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