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Censura moral na ditadura brasileira: entre o direito e a política

Moral censorship in the Brazilian dictatorship: between law and politics

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar o processo de estruturação de um aparato de censura moral durante a ditadura civil-militar de 1964. Por meio da revisão crítica da literatura historiográfica especializada e de uma síntese das principais diretrizes legais sobre o tema, com destaque para o pensamento do jurista Alfredo Buzaid, discute-se o estatuto da censura moral e sua relação com a censura estritamente política.

Palavras-chave:
Ditadura; Censura; Moralidade

Abstract This article aims to analyze the construction of a moral censorship apparatus during the 1964 civil-military dictatorship. Through a critical review of the specialized historiographical literature and a synthesis of the main legal guidelines on the subject, with emphasis on the thought of the jurist Alfredo Buzaid, the text discusses the statute of moral censorship and its relation to strictly political censorship.

Keywords:
Dictatorship; Censorship; Morality


1- Introdução

Todos os regimes políticos e formas de governo dispõem, em maior ou menor grau, de normas e instituições para regular dimensões da vida sexual e familiar de seus cidadãos. Essa invasão da esfera particular não é uma exclusividade de ditaduras. No entanto, quanto mais fechado e conservador é o regime político, mais há uma tendência em intensificar modos de controle nos espaços públicos e privados. A ditadura civil-militar brasileira, instituída com o golpe de 1964, não foi uma exceção à essa regra.

A repressão contra o “comunismo” e outras formas de subversão estritamente política, especialmente os grupos que pegaram em armas para resistir à ditadura, encontraram maior espaço nas pesquisas acadêmicas, na literatura de testemunhos e nas políticas públicas de reparação das violências cometidas neste período. Abundam trabalhos, sobretudo nos últimos anos, dedicados ao estudo dos pilares básicos do “projeto repressivo global”, quais sejam: espionagem, polícia política, censura da imprensa, censura de diversões públicas, propaganda política e julgamento sumário de supostos corruptos (FICO, 2007______. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.).

Contudo, em menor quantidade, são os escritos que não reduzem a história de 1964 a 1985 à história apenas do embate político entre ditadura e oposições, seja em sua dimensão parlamentar ou armada. De modo geral, temas comportamentais, discussões de gênero e questões sexuais, considerados assuntos de ordem moral, não receberam a devida atenção ou, quando muito, foram analisados como fenômenos sem estatuto próprio.

No Brasil, o momento privilegiado do trabalho de memória por conta das Comissões da Verdade parece ter catalisado e estimulado discussões sobre novas perspectivas em torno da repressão moral da ditadura. Diante das fontes mais recentes e, sobretudo, dos novos olhares marcados pela preocupação com esse recorte da sexualidade, tem-se aberto a possibilidade de descortinar, com maior profundidade, dimensões específicas da repressão outrora ignoradas ou negligenciadas (GREEN e QUINALHA, 2014GREEN, James N.; QUINALHA, Renan (Orgs.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EDUFSCAR, 2014.; COWAN, 2016COWAN, Benjamin A. Securing Sex: Morality and Repression in the Making of Cold War Brazil. University of North Carolina Press, 2016; QUINALHA, 2017).

Essas pesquisas recentes vêm apontando o modo como se institucionalizou, durante a ditadura, uma ação de órgãos de repressão e vigilância para monitorar e combater ameaças contra valores morais e espirituais da nacionalidade, formação cívico-moral do homem brasileiro (em particular da juventude), laços familiares, dentre outras tantas designações utilizadas para referir à “guerra psicológica” que setores opositores supostamente travavam.

Exemplo emblemático dessa atuação estatal no campo dos valores e da moralidade pública é a censura, especialmente aquela voltada às manifestações artísticas e culturais, que será objeto deste artigo. Havia uma censura especificamente moral na ditadura? Quais seriam as diferenças e semelhanças entre ela e uma censura estritamente política? De que modo ela se articulava com a longa história da censura na cultura brasileira e o que passou a haver de específico a partir de 1964? Qual o papel dos instrumentos legais para a construção desse aparato?

Para analisar tais questões, primeiro, por meio de uma revisão crítica da literatura historiográfica especializada, será examinado o debate sobre o estatuto da censura moral e sua relação com a censura estritamente política. A partir da problematização de uma visão binária e de uma síntese das principais diretrizes legais sobre o tema, passaremos a discutir o papel do direito na estruturação de uma teia regulatória que foi essencial para o funcionamento da censura dos costumes e artes no período ditatorial.

2 - Uma ou duas censuras durante a ditadura?

No Brasil, a história da censura não teve início com a ditadura. Deve-se ressaltar que o controle estatal sobre os meios de comunicação e as formas de expressão artísticas remontam a períodos bem anteriores da constituição de um Estado Nacional e de sua relação com a cultura.

A forte influência religiosa no período da colonização, por exemplo, foi um fator preponderante para o projeto de moldar uma sociedade tolerante na convivência com parâmetros restritivos de costumes. Obras literárias consideradas sediciosas eram proscritas e queimadas por ordem da Coroa portuguesa. A censura centrada em temas comportamentais também foi bastante marcante no teatro feito durante o séc. XIX, sem mencionar essa prática de interdição e controle durante os primórdios do período republicano, quando a presença do censor se tornou uma constante no mercado, em franca expansão dos divertimentos públicos (CARNEIRO, 2002CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Minorias Silenciadas: História da Censura no Brasil. São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial, Fapesp, 2002). Já a censura estritamente política teve ampla utilização, ao lado de mecanismos de controle moral, durante regimes como o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura civil-militar (1964-1988). Nota-se, assim, que tipos distintos de censura tiveram lugar e conviveram entre si em distintos momentos históricos no Brasil.

Para dar conta das especificidades da repressão na ditadura, uma parcela relevante da literatura historiográfica demarca uma distinção entre dois tipos de censura: a político-ideológica e a moral. Na visão de Carlos Fico, um dos principais especialistas que sustenta essa perspectiva, não havia apenas uma, mas duas censuras na ditadura, sendo “possível distinguir a dimensão moral e a dimensão estritamente política seja na censura da imprensa, seja na censura de diversões públicas. Naturalmente, porém, prevalecia no caso da imprensa a censura de temas políticos, tanto quanto os temas mais censurados entre as diversões públicas eram de natureza comportamental ou moral” (2004a, p. 91). Acrescenta ele, em outro trabalho sobre o tema, que “foi a politização da censura de diversões públicas que deu a impressão de unicidade às duas censuras, mas, na verdade, lógicas muito distintas presidiam as duas instâncias” (2004b, p. 271).

No mesmo sentido e em trabalho mais antigo, Glauco Soares pontua que, em se tratando da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP)1 1 O Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) fazia a censura das “diversões públicas” (teatro, cinema, música, rádio, casas de espetáculo, entre outros) desde os anos 1940. Em 1972, sob gestão do Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, o SCDP tornou-se Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) dentro da estrutura do Departamento de Polícia Federal com função de “direção, coordenação e controle”, conforme previsão do Decreto n. 70.665, de 2 de junho de 1972. Por isso, ao longo deste texto, poderão ser encontradas as duas designações para a censura de diversões públicas. , “contrariamente ao mito, não era uma entidade política: os órgãos de segurança agiam através dela, mas ela não exercia atividades de censura política diretamente”. Segundo ele, “esta separação entre a censura política e a censura moral, no âmbito ‘dos costumes e diversões’, era de se esperar, considerando a natureza tão diversa destas duas áreas de atividade humana” (1989, p. 34).

Já Beatriz Kushnir, por outro lado, refuta esse tipo de distinção ao sustentar que a censura no pós-1968 está, de fato, “dividida em duas instâncias: uma se aplicava à diversão, outra à imprensa. Ambas com cunho político, contudo a primeira encoberta nas preocupações com a ‘moral e os bons costumes’”, acrescentando que a censura “era percebida sempre como um ato político” (2004, p. 105).

Toda censura, sem dúvida, tem uma dimensão política inegável. Afinal, é da própria definição do processo censório impedir a produção de determinadas informações, restringir a liberdade de pensamento e de expressão, colocar obstáculos para que opiniões circulem no espaço público e acabar, com essa vocação autoritária, impondo uma visão única sobre assuntos complexos e que deveriam comportar uma pluralidade de perspectivas. Trata-se, portanto, de um ato essencialmente político. Além do mais, qualquer censura moral e dos costumes de uma sociedade também possui um aspecto intrinsecamente político de policiamento de condutas, de limitação das liberdades, de sujeição de corpos, de controle de sexualidades dissidentes, de domesticação dos desejos e mesmo de restrição às subjetividades de modo mais amplo.

Sob tal ótica, a diferenciação entre moral e política não faria sentido ou, ao menos, não se mostraria muito funcional para a compreensão da censura durante a ditadura. Contudo, deve-se reconhecer que Fico, por exemplo, não chega a discordar da afirmação de que toda censura seja um ato político2 2 Esclareceu ele, em seminário realizado em 2012: “em certo momento, classifiquei a censura sobre a imprensa de política, e a censura das diversões públicas de moral. Logo as pessoas diziam: ‘Mas então você acha que a censura do cinema, do teatro, da música etc, não é uma censura política?’. Não é isso. Claro que todo ato é sempre um ato político, mas é preciso distinguir as duas coisas [...]” (FICO, 2012, p. 66). . O que ele parece sustentar é a necessidade de um olhar que compreenda a singularidade de cada uma dessas frentes de atuação das agências de censura3 3 Afirma ele que “essa distinção chama a atenção para a necessidade de maiores pesquisas sobre fenômenos não explicitamente políticos (em sentido estrito), se quisermos entender globalmente o período que, muitas vezes, tem sido subsumido nesta esfera. De fato, a história do Brasil entre 1964 e 1985 não se restringe à história da ditadura militar” (FICO, 2004c, pp. 37-38). . Vale apurar melhor essas perspectivas.

Os argumentos que sustentam a leitura de que havia duas censuras, basicamente, são que, em primeiro lugar, a censura moral já existia antes mesmo da ditadura. Aliás, é verdade que o Brasil contava já com uma tradição censória dos costumes bastante antiga e que se manifestou em diferentes períodos da história política e cultural do país, como mencionado. Em segundo lugar, o controle voltado aos espetáculos e diversões públicas era exercido a partir de um marco normativo claro que concentrava esses poderes nas mãos de um órgão bem definido na administração pública. Havia técnicos de censura, carreira estruturada, concursos públicos para seleção de profissionais, escritórios regionais vinculados a uma gestão central e uma série de leis e atos administrativos que respaldavam esta estrutura censória abertamente organizada e atuante, sobretudo durante a ditadura.

Um outro aspecto a acentuar a especificidade relativa desta modalidade de controle é o fato de que existia não apenas uma tolerância, mas um suporte efetivo da população que, com entusiasmo, defendia esses procedimentos, pedindo, muitas vezes, o endurecimento da censura moral. Foram numerosas as cartas e pedidos enviados às autoridades para que policiassem melhor e mais rigorosamente a programação da televisão, as revistas e jornais que estavam expostos nas bancas, os livros em circulação, os filmes exibidos nos cinemas e as peças de teatro em cartaz por todo o país4 4 Para um exame interessante das cartas enviadas para o Departamento de Censura e Diversões Públicas, ver FICO, 2002. . Este clamor popular por mais censura tinha, como contrapartida, um certo orgulho institucional por parte do governo e dos agentes públicos envolvidos na nobre tarefa de assegurar a integridade moral e as expectativas desses setores da sociedade. A repressão não era negada pelas autoridades e tampouco precisava ser clandestina ou escamoteada; antes, era franca e aberta. Muitas vezes, os atingidos questionavam a tesoura censória perante o Poder Judiciário, discutindo a interpretação adequada e a aplicação das regras ao caso concreto.

Por sua vez, segundo a visão que sustenta essa dicotomia, a chamada “censura política”, que foi exercida prioritariamente contra a imprensa escrita, não esteve prevista de forma expressa, sequer na legislação autoritária do regime. Diferentemente de sua congênere moral, não houve um órgão estruturado oficial e abertamente, no âmbito da administração pública, encarregado desta tarefa. Muitas vezes, eram “bilhetinhos” que circulavam nas redações de jornais para orientar o que poderia ou não ser publicado. Fico aponta que “a censura moral era legalizada e a censura da imprensa era ‘revolucionária’” (FICO, 2004b______. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In. REIS, Daniel; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru/SP: EDUSC, 2004b., p. 271). Assim, vários expedientes foram utilizados neste último caso para sugerir que havia mais uma autocensura do que uma imposição estatal5 5 Kushnir também registra este fato: “O órgão fiscalizador da imprensa tinha um caráter secreto, fora do organograma tanto da Polícia Federal quanto do Ministério da Justiça” (2004, p. 105). .

Apesar das diversas previsões esparsas restringindo os direitos civis e as liberdades públicas perseguindo a “subversão política”, os critérios não eram plenamente legalizados no ordenamento jurídico e oscilavam a depender do alvo a ser atingido. A justificativa era sempre de se tratar de uma intervenção “revolucionária” e impassível, portanto, de qualquer restrição legal ou questionamento judicial, já que os atos de exceção foram sempre colocados, propositadamente, à margem de qualquer controle externo.

Os dois critérios que embasam essa distinção, assim, são, por um lado, a diferenciação entre política e moral e, por outro, o grau de respaldo legal e aceitação social com que contava cada uma dessas práticas de censura.

De fato, política e moral não são redutíveis um ao outro. A despeito de intimamente implicados, trata-se de esferas da vida que guardam relativa autonomia entre si, estruturadas com códigos e funções próprios. Elas são marcadas, portanto, por peculiaridades que não podem ser desconsideradas ou subestimadas. Nem é necessária muita teorização para visualizar isto. Em termos bem concretos, por exemplo, a perseguição política a um jornalista considerado subversivo porque acusado de “comunista” era diferente, sob variados aspectos, das formas de repressão dirigidas a um outro jornalista acusado de violar “a moral e os bons costumes”. Na primeira situação, pode-se mencionar o caso Vladimir Herzog, morto e desaparecido em 1975 sob a versão oficial de “suicídio”. Pelas conexões da censura político-ideológica com os órgãos de segurança da repressão, não bastava calar sua voz, era necessário exterminá-lo fisicamente. Já no segundo caso ocorrido no mesmo período, em 1976, Celso Curi foi processado por violação à “moral e aos bons costumes” por conta da sua “Coluna do Meio”, voltada para homossexuais, e acabou perdendo seu emprego no jornal “Última Hora”, mesmo tendo sido, posteriormente, absolvido na Justiça. Os danos profissional e moral causados são inquestionáveis, mas sua integridade física foi preservada.

Estes dois casos, guardadas as devidas proporções, já que o primeiro termina extrapolando a dimensão estritamente censória, ilustram bem as possíveis diferenças de compreensão entre moral e política sob os olhos do regime autoritário.

3 - A moral também é política?

No entanto, é preciso problematizar visões que idealizem em uma divisão estanque e de contornos bem definidos entre as repressões política e moral durante a ditadura por diversas razões6 6 Essa advertência é também feita por Marcelino: “Sem dúvida, não se deve desconsiderar que a censura praticada pelo SCDP assumiu uma função política em vários momentos, particularmente no plano teatral e cinematográfico. Até porque, como já dissemos, uma diferenciação restritiva demais entre esse plano e aquele da moralidade corre grande risco de cair na superficialidade” (MARCELINO, 2011, p. 32). .

Primeiro, porque os valores e comportamentos propagados por determinada moral são, sempre e necessariamente, de natureza política. A hegemonia de determinados padrões de conduta que define o que é aceitável é fruto de determinada distribuição social do poder. Deste modo, ainda que com outra linguagem, a moral é profundamente política e pode soar artificial o intento de separá-las sem as devidas ressalvas. Em segundo lugar, sob um regime autoritário com pretensão de controle total da vida social, é possível pensar que a moral é politizada a um nível ainda mais acentuado7 7 Fico admite que “os militares e civis que estavam no poder durante a ditadura militar, quando se voltaram para a DCDP, procuraram modernizá-la, mantendo a mesma estrutura. E esta começou a sofrer também uma grande politização. As peças, as músicas, os filmes, os programas de televisão eram censurados conforme a tradicional clivagem, de perfil ético e moral - que inspira a censura brasileira desde sempre até hoje -, mas passou a servir aos interesses políticos do poderoso do momento” (FICO, 2012, pp. 70-71). , alçada a instrumento direto e sem mediações da violência estatal.

Neste sentido, não seria demais afirmar, em se tratando da ditadura brasileira, que política e moral são duas faces complementares de um mesmo projeto global de repressão que pode ser designado como “utopia autoritária” (D’ARAUJO et al., 1994D’ARAUJO, M. C. et al. (Orgs.) Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 9)8 8 Fico toma de empréstimo esta expressão para designar o “cimento ideológico” capaz de agregar todas as instâncias repressivas. Ele ainda menciona que, “para muitos analistas, esse papel teria sido desempenhado pela chamada “doutrina de segurança nacional” [...]. Talvez possamos dizer que a ‘utopia autoritária’ seja uma forma menos elaborada e intelectualmente diluída da doutrina. Mas é preciso não perder de vista que a antiga tradição brasileira de pensamento autoritário inspira ambas e que a propaganda anticomunista precede em muito a ditadura militar” (FICO, 2004c, p. 38). . Corrobora a tese da hiperpolitização da esfera moral o fato de o DCDP ter sido utilizado para censurar tanto temas moralmente inaceitáveis quanto artistas vistos como ideólogos da oposição à ditadura, atestando que o órgão assumia viés político-ideológico em sua atuação rotineira. Depois, o apoio social manifestado pelo “consentimento ativo” dos missivistas que enviavam suas cartas clamando por mais censura dos costumes não pode ser compreendido fora dos marcos de uma sofisticada estrutura de propaganda e irradiação de valores morais conservadores que partia tanto do Estado como de outras instituições da sociedade, como a própria Igreja. E ainda, o argumento de que haveria um amparo legal da censura moral, que a diferenciaria do caráter “revolucionário” e “anômico” da censura política é, sob diversos aspectos, bastante frágil.

Isto se deve ao fato de que a referida legislação era antiga e abusava de termos vagos e tipos poucos precisos em seus contornos morais. Assim, as instâncias da burocracia responsáveis por dotar estas normas do seu sentido prático, nos casos concretos, faziam isto com grande margem de arbitrariedade e, muitas vezes, com colaboração do sistema de justiça, em uma lógica bastante clara de excepcionalidade. Além disso, a diversidade regional e funcional na aplicação dos parâmetros legais, muitas vezes levava a visões diferentes sobre os critérios básicos de julgamento dos censores à revelia de regras universais e uniformes, resvalando para um casuísmo marcante. Em termos de procedimento, o fato de não haver uma obrigatoriedade estrita para a fundamentação dos despachos censórios levava a um desprezo das leis, pois os cortes eram apenas referenciados no número dos diplomas legais sem qualquer trabalho de subsunção do fato específico à norma geral. Esse tipo de modus operandi era recorrente e, a nosso ver, esvaziava normativamente a legislação censória, aproximando-a mais de uma legitimação do puro arbítrio do que de uma regulação efetiva do poder.

Em suma, ainda que faça sentido um esforço analítico com o objetivo de distinguir os padrões, mecanismos, objetivos, alvos próprios e especificidades das censuras moral e política, é preciso bastante cautela para não se assumir, acriticamente, uma divisão que, em última instância, foi construída pela própria ditadura com o efeito - mais ou menos intencional - de “despolitizar” a censura moral, apresentá-la como a-histórica e, assim, terminar sustentando sua legalidade e legitimidade naquele contexto. Esta foi uma estratégia de setores que sustentavam a censura moral nos estertores da ditadura.

O esforço a ser feito, portanto, não é no sentido de dissociar política e moral, mas, antes, analisar o modo como se de a politização da moralidade e dos costumes, atentando para o papel desempenhado pelos instrumentos normativos que conformaram uma complexa teia de regulação da censura.

Assumir essa perspectiva que privilegia mais as aproximações do que os distanciamentos entre as duas censuras, em sua relativa autonomia e íntimo entrelaçamento interno, não significa, de modo algum, ceder à tentação de colocar a moral à serviço da política. Alguns estudos sobre a relação do Estado ditatorial com as esferas da sexualidade, gênero, corpo, drogas e costumes tendem a restringir estas diferentes dimensões da vida “privada” a uma chave exclusiva do anticomunismo e da doutrina da segurança nacional. Todas essas questões de ordem moral, sob essa perspectiva, não passariam de um apêndice da problemática mais ampla e central da política ideológica do regime.

É verdade que o sentimento anticomunista foi intensamente mobilizado para caracterizar a subversão moral como um artifício ardiloso do movimento comunista internacional para minar as instituições ocidentais9 9 Um excelente estudo que examina essa dimensão específica com fundamentação consistente e lastro empírico pode ser encontrado em COWAN, 2016. . De acordo com essa ótica, atentar contra a moral e os bons costumes seria menos um fim em si mesmo e mais uma tática insidiosa, no bojo de uma “guerra psicológica adversa” para promover uma revolução anticapitalista por meio do enfraquecimento dos pilares da nossa sociedade: a religião cristã e a família.

Exemplo típico dessa postura é a própria posição do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, que deixa claro que, a seu ver, o Estado se viu obrigado a “preservar a integridade da família brasileira e a sua moralidade tradicional, combatendo destarte o comunismo internacional, que insinua o amor livre para dilacerar as resistências morais da nossa sociedade” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 41).

Ainda que tenha sido mesmo bastante convincente no contexto da Guerra Fria e atingido um grande alcance no Brasil, tal visão de mundo foi produzida e propagada, sobretudo, por alguns setores específicos da plêiade de grupos civis e militares que se uniram em torno dos “ideais da Revolução de 1964”. Nomeadamente, foram sobretudo os ideólogos egressos da Escola Superior de Guerra (ESG) e os agentes públicos vinculados à comunidade de informações, muitos designados como pertencentes à “linha-dura”, que travavam uma batalha incessante, no interior desse bloco de poder, para fazer triunfar essa perspectiva reducionista.

No entanto, não há evidências de que essa versão tenha sido a determinante, por exemplo, no interior da SCDP. Ali, assim como nas numerosas cartas enviadas por cidadãos comuns ao presidente ou aos órgãos censórios pedindo um endurecimento do controle moral, nota-se que a preocupação com a liberalização dos costumes não se subordinava necessariamente à luta contra o comunismo. Antes, refletia mesmo uma postura reativa e algo defensiva em relação às profundas mudanças causadas pela revolução sexual em curso dentro e fora do país.

Mães preocupavam-se com seus filhos expostos a revistas pornográficas nas bancas de jornais, famílias se indignavam com as telenovelas com cenas eróticas invadindo seus lares, religiosos se revoltavam com setores cada vez mais amplos da juventude buscando prazer fácil e fugaz nas tentações mundanas. Mães, famílias, religiosos e outros cidadãos não agiam, necessariamente, por repulsa à ameaça comunista, mas antes por um sentimento quase atávico de autoproteção dos papeis sociais e dos valores tradicionais que cultivavam diante de mudanças culturais que estavam no horizonte10 10 Nessa linha, concordamos com a posição de Marcelino (2011, p. 32): “é notória a conexão, feita por setores afinados com o anticomunismo, entre a adoção de ‘novos’ padrões comportamentais e supostos objetivos de subverter a ordem política. No âmbito do Serviço de Censura de Diversões Públicas, entretanto, essa era uma concepção muito menos difundida (apesar dos recorrentes esforços dos órgãos de informações). E, mesmo no que diz respeito aos grupos sociais que pediam mais censura a determinadas autoridades na década de 1970, ela também era, relativamente, pouco corriqueira. Na maioria dos casos, o que mais parecia incomodar esses segmentos era a chamada ‘revolução de costumes’”. .

Desse modo, não é adequado reduzir todo o conservadorismo moral então em voga, animado por diferentes discursos e atores, com suas múltiplas causas e manifestações, a um mero desdobramento da paranoia anticomunista dos órgãos de informação e segurança. Este foi um dentre outros tantos vértices de produção de verdades no âmbito de um sistema repressivo complexo, ainda que fosse bastante influente no conjunto diante da militarização crescente da gestão política. Se é verdade que todos esses segmentos se unificavam em torno do pleito por uma censura moral mais rigorosa, coincidindo quanto a esse objetivo comum, ao mesmo tempo, cada um deles apresentava um diagnóstico e uma justificativa próprios para vocalizar suas demandas.

Esclarecidos esses aspectos mais gerais em torno da censura, vale compreender como tais princípios foram materializados na legislação autoritária.

4 - Evolução legislativa da censura moral na ditadura militar

Apesar das estruturas de longo prazo que enraizaram culturalmente uma tradição censória de largo fôlego, o marco mais contemporâneo da censura de costumes e que deixou herança mais visível na mais recente ditadura brasileira foi, sem dúvida, a década de 1940. Naquele momento é que foi instituído um padrão regulatório mais detalhado, materializado sobretudo no Decreto nº 20.493, de 24 de janeiro de 1946. Este diploma legal foi editado logo após o governo autoritário de Vargas, que serviu de alicerce para a construção da política censória da ditadura no campo dos costumes ao regulamentar minuciosamente o funcionamento do organismo responsável pela censura e traçar certas diretrizes morais por muitas tempo cultivadas entre nós.

Dentre as diversas agências governamentais e distintos parâmetros normativos do controle estatal sobre a cultura que se sucederam no século XX, estava o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), criado em 1945, atrelado ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) que, por sua vez, fora criado em 1944, em substituição à Polícia Civil do Distrito Federal. O SCDP se tornaria, pouco mais tarde, o epicentro de um sistema mais complexo de controle moral implementado pelo regime autoritário, sobretudo após 1968.

De acordo com o artigo 4o do Decreto que lhe deu origem, competia ao SCDP “censurar previamente e autorizar”, dentre outras expressões artísticas, projeções cinematográficas, peças teatrais, bailados, execuções de discos cantados e falados, exibições de espécimes teratológicos, peças teatrais, novelas e congêneres emitidas por meio de rádio e exibições de televisão (BRASIL, 1946).

Destarte, como já ressaltado, a censura no campo moral não foi uma invenção da ditadura militar e, mesmo sob o regime autoritário de 1964, ela passou por distintas fases11 11 Soares aponta que “a Censura não atuou de maneira uniforme durante os 21 anos da ditadura. Houve períodos de maior e de menor intensidade” (1989, p. 21). . Do mesmo modo como ocorreu em relação a diversas outras instituições, normas legais, órgãos da administração pública e agências estatais preexistentes ao golpe de 1964, a ditadura ressignificou profundamente tais heranças, instrumentalizando-as e enquadrando-as a partir das finalidades “revolucionárias” do estado de exceção.

Constatar, contudo, a precedência da censura moral à ditadura não implica, necessariamente, assumir uma perspectiva no sentido de subestimar as mudanças realizadas nas instituições e normas precedentes. Ao contrário, é impositivo observar como a censura moral se intensifica com o golpe, politizando-se ao extremo e passando a operar em outro patamar, já atrelada a um sistema de repressão mais coerente, ramificado e ostensivo durante a ditadura.

Dentre as medidas de “modernização” implementadas pela ditadura, destacaram-se a centralização da estrutura censória e sua aproximação à comunidade de informações, a maior profissionalização dos técnicos dessa agência governamental com treinamentos específicos para formação e exigência de diploma de nível superior, bem como a contratação de novos quadros para garantir maior agilidade e eficiência a este serviço público. Tais medidas figuravam-se necessárias para adaptar a estrutura censória a uma indústria cultural que se afirmava e crescia significativamente desde a década de 1960.

No entanto, esta atualização das antigas estruturas aos novos tempos não foi imediata e tampouco sem tensionamentos. Muitos censores não desejavam a transferência da Guanabara para Brasília, sem falar na resistência por parte de diversos órgãos regionais encarregados das atividades censórias, em cada Estado, que perderiam suas atribuições.

A desorganização e a precariedade ainda eram, assim, marcas do SCDP no início. Somente com a federalização e centralização da censura, por força da Constituição de 1967, com a consagração do órgão no aparato policial e com sua crescente valorização enquanto dimensão de controle social imprescindível no contexto da “guerra psicológica adversa”, é que o órgão assumiria maior relevância e teria melhores condições de atuação, incorporando cada vez mais competências e ganhando cada vez mais prestígio.

Nesse sentido, um instrumento da maior importância foi a Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Também conhecida como “Lei de Imprensa”, este diploma normativo foi imposto pelo General Castelo Branco sob a égide da Constituição de 1967, em um momento de fechamento do Congresso Nacional, com o objetivo de institucionalizar as restrições à liberdade de expressão e de informação, consolidando o regime autoritário do ponto de vista do controle da imprensa e da opinião pública. Assim, eram previstas penalidades mais severas para os profissionais do jornalismo, acusados de atentar contra os valores consagrados pelo regime vigente.

Seguindo as mesmas trilhas da típica legalidade autoritária para escamotear o arbítrio, o art. 1o assegurava, como regra geral apenas aparente, a liberdade de pensamento e de informação, independentemente de censura, nos seguintes termos: “É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer” (BRASIL, 1967).

Contudo, logo em seguida, o parágrafo primeiro do mesmo artigo já ressalvava a conhecida fórmula de que não era tolerada “propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe”. Já o parágrafo segundo excetuava os espetáculos e diversões públicas “que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei”. Ademais, também previa a suspensão da liberdade de expressão na vigência de estado de sítio, “quando o Govêrno poderá exercer a censura sôbre os jornais ou periódicos e emprêsas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida” (BRASIL, 1967).

É curioso notar que o estado de sítio nunca foi oficialmente decretado, a despeito de a censura sobre jornais e periódicos ter sido rotina durante a ditadura. Ainda que o AI-5 tenha significado, em termos práticos, uma autêntica configuração de estado de sítio, a verdade é que o regime nunca quis se assumir abertamente como de exceção, buscando sempre legitimar-se pela regularidade da legalidade ordinária.

O art. 2o, da mesma lei, realizava o mesmo procedimento, declarando ser “livre a publicação e circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos” para, logo em seguida, ressalvar a proibição daqueles que fossem “clandestinos” ou que atentassem “contra a moral e os bons costumes (BRASIL, 1967).

O Capítulo III da Lei é inteiro dedicado ao tema dos “abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação”, instituindo ou agravando penas para uma série de crimes relativos à imprensa (BRASIL, 1967).

Destacam-se, dentre as infrações nomeadas, o crime de “fazer propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe”, com pena de 1 a 4 anos de detenção (art. 14), bem como o crime de “ofender a moral pública e os bons costumes”, com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região (art. 17) (BRASIL, 1967). Combinam-se, assim, em caso de afronta à moralidade pública, o castigo de privação de liberdade com o apenamento pecuniário, o que indica a gravidade de tal conduta aos olhos do regime.

Além do mais, os impressos que “contive[ssem] propaganda de guerra ou de preconceitos de raça ou de classe, bem como os que promove[ssem] incitamento à subversão da ordem política e social” ou, então, que “ofende[ssem] a moral pública e os bons costumes” poderiam ser apreendidos e destruídos por determinação judicial, que dependia de pedido do Ministério Público (art. 61, incisos I e II). O prazo para o acusado apresentar resposta era de 24 horas e o Juiz deveria também decidir em apenas 24 horas, o que demonstra a celeridade ímpar atribuída a este procedimento para incrementar o nível de controle e neutralizar eventual efeito negativo de publicação com conteúdo proibido (BRASIL, 1967).

A fim de reduzir a repercussão de impressos indesejados, o parágrafo sexto, do mesmo artigo, dispensa maiores formalidades e ritos processuais em caso de que se tratasse de publicações consideradas contrárias à moral e aos bons costumes, prevendo a sua apreensão imediata, sem sequer oportunidade para oferecimento de defesa. Assim está redigida esta restrição mais gravosa: “Nos casos de impressos que ofendam a moral e os bons costumes, poderão os Juízes de Menores, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público, determinar a sua apreensão imediata para impedir sua circulação” (BRASIL, 1967).

Aliás, em havendo reincidência, especificamente de violação à moralidade pública praticada “pelo mesmo jornal ou periódico, pela mesma empresa, ou por periódicos ou emprêsas diferentes, mas que [tivessem] o mesmo diretor responsável”, o juiz poderia determinar, além da apreensão já mencionada, “a suspensão da impressão, circulação ou distribuição do jornal ou periódico”, o que resultaria na extinção dos registros da marca comercial e na denominação da empresa editora e do periódico em todos os foros e cartórios, sendo que a publicação passaria, também, a ser considerada clandestina, conforme preceituava o § 2º do art. 62 (BRASIL, 1967).

Ou seja, a publicação de assunto considerado atentatório contra a moral e os bons costumes poderia ensejar não somente apreensão do exemplar específico que contivesse o material proibido, mas também, em caso de reincidência, a própria cassação da circulação da publicação em si e a extinção da empresa.

É sintomático o fato de que a sanção aplicável no que se refere a temas morais seja mais gravosa e penosa do que em assuntos estritamente políticos, o que coloca em xeque a ideia bastante difundida de que a censura moral tenha sido mais branda e leve do que outras formas de controle da subversão política. Esta nuance punitiva é um indicativo bastante exemplar da preocupação central da ditadura com o controle moral no contexto do fechamento do regime no final da década de 1960.

Para que tal repressão fosse ainda mais facilitada e excluída de apreciação judicial, em 20 de março de 1969, foi editado o Decreto-Lei n. 510 prescrevendo que, “quando a situação reclamar urgência, a apreensão poderá ser determinada, independentemente de mandado judicial, pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores” (BRASIL, 1969). Assim, todos os ritos e processos judiciais previstos se tornavam inócuos frente à tal exceção que centralizava ainda mais poder nas mãos do Poder Executivo.

Não era só na imprensa que se notava a escalada repressiva. No plano infraconstitucional, alterações legislativas já indicavam o endurecimento também da censura das diversões públicas. Poucos dias antes da outorga do AI-5, foi baixada a Lei n. 5.536, de 21 de novembro de 1968, que dispunha sobre a censura de obras teatrais e cinematográficas, prevendo também a criação do Conselho Superior de Censura, que demoraria mais de uma década para ser implementado efetivamente.

A referida lei reproduzia a mesma lógica da legalidade autoritária típica da ditadura brasileira: enunciava formalmente um direito para, em seguida, restringi-lo com exceções vagas e genéricas previstas na própria lei e que permitiam, assim, uma ampla margem discricionária por parte dos agentes públicos na aplicação das normas. A Lei n. 5.536 realizava exatamente este procedimento, na medida em que prescrevia, em seu art. 1o, que “a censura de peças teatrais ser[ia] classificatória”, ou seja, não previa censura em sentido estrito, mas apenas uma classificação indicativa conforme a idade do público admissível em cada espetáculo, considerando o gênero e a linguagem em cena. No entanto, logo no art. 2o do mesmo diploma legal, estabelecia-se que não se aplicaria o previsto no art. 1o às peças teatrais que pudessem “I - atentar contra a segurança nacional e o regime representativo e democrático; II - ofender à coletividades ou às religiões ou incentivar preconceitos de raça ou luta de classes; e III - prejudicar a cordialidade das relações com outros povos”. No parágrafo único deste mesmo artigo, reiterava-se a vigência da legislação anterior, qual seja, o Decreto n. 20.943/40, para a reprovação total ou parcial da peça analisada (BRASIL, 1968).

As obras cinematográficas, por sua vez, estavam sujeitas à aprovação desde que não fossem “contrárias à segurança nacional e ao regime representativo e democrático, à ordem e ao decôro públicos, aos bons costumes, ou ofensivas às coletividades ou às religiões ou, ainda, capazes de incentivar preconceitos de raça ou de lutas de classes” (BRASIL, 1968).

Nota-se, assim, que qualquer obra que caracterizasse ofensa a referências vagas e abstratas como “ordem e decoro públicos”, “bons costumes”, “segurança nacional”, “regime representativo e democrático”, “coletividades”, “religiões”, ou mesmo incentivasse “preconceitos de raça ou de luta de classes”, poderia ser enquadrada nos tipos legais genéricos que respaldavam a censura.

No entanto, a própria lei impunha parâmetros para a análise censória que, a rigor, não eram observados na prática cotidiana. O art. 4o, por exemplo, prescrevia que as obras deviam ser analisadas em seu contexto geral, sendo vedado isolar trechos ou mesmo formular recomendações críticas (BRASIL, 1968). Embora isto não fosse o que acontecia na maior parte das vezes, quando os censores não apenas se conclamavam como arautos da moral, mas também como profundos conhecedores das linguagens artísticas com as quais trabalhavam.

A censura de espetáculos e obras cinematográficas era mais complexa, dependendo não de um censor apenas, mas de uma comissão colegiada composta por três técnicos de censura que avaliavam, individualmente, o material, e exaravam os seus respectivos pareceres que eram, em seguida, levados em consideração para a decisão final de liberação ou veto.

Os antigos Censores Federais foram transformados, com esta lei, em Técnicos de Censura: uma nova carreira vinculada ao Quadro de Pessoal do Departamento de Polícia Federal. A partir de então, com o intuito de profissionalizar a atividade censória, passou a ser obrigatório o diploma de conclusão de curso superior de Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Jornalismo, Pedagogia ou Psicologia (art. 14, §1º), ressalvada a situação dos censores já atuantes que ainda não tivessem qualificação superior nestas áreas. Aqueles que já possuíssem o diploma tiveram preferência para assumir os cargos superiores naquele momento12 12 Para os antigos, foi promovido um Curso Intensivo de Treinamento de Censor Federal, realizado na Academia Nacional de Polícia e com professores de universidades como a UnB e a UFMG. Dentre as disciplinas oferecidas, constavam Comunicação e Sociedade, Filosofia da Arte, História da Arte, História e Técnica de Teatro, Técnica de Cinema, Técnica de Televisão, Legislação Especializada e Segurança Nacional. .

Uma outra inovação importante trazida por esta Lei foi a instituição do Conselho Superior de Censura (CSC), órgão diretamente subordinado ao Ministério da Justiça (art. 15), que funcionaria como instância de recurso contra decisões proferidas pelo Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal, em casos de censura a espetáculos e diversões públicas.

O CSC seria composto por representantes de diversos órgãos estatais e da sociedade civil vinculados ao campo da indústria da cultura brasileira. No entanto, tal medida para a instituição de um colegiado amplo e representativo do universo cultural, com uma ampliação dos membros externos ao governo a fim de fixar as diretrizes superiores da censura, apenas aparentemente afigurou-se como uma medida democrática. De fato, o Conselho já fora esvaziado politicamente ao longo de sua instituição devido ao art. 18 da mesma Lei, que previa que, caso houvesse uma decisão “não unânime do Conselho Superior de Censura caber[ia] recurso ao Ministro da Justiça” (BRASIL, 1968).

Isto significava, na prática, uma total submissão do CSC ao Poder Executivo, que seguia impondo, em última instância, os padrões morais de orientação da atividade censória diretamente desde o governo. É evidente que um Conselho grande, com 15 membros de origens tão diversas, nunca ou raramente chegaria a acordos unânimes, em se tratando de temas tão polêmicos, como a censura das artes.

No entanto, mesmo com a limitação congênita que condenaria de partida o CSC à falta de autonomia, o Conselho não foi montado no mesmo período de intensificação da repressão, ao final dos anos 1960. Naquele momento, qualquer abertura, por menor que fosse, era indesejada e vista com desdém pelo regime. Talvez este fato explique a demora para que o CSC fosse efetivamente estruturado. Mais de 10 anos se passaram desde sua instituição, por força de lei, e sua instalação, que só ocorreu com o Decreto n. 83.973 de 13 de setembro de 1979, pelo último presidente da ditadura, o General João Figueiredo.

Ainda que já houvesse o Decreto de 1946, a Lei de Imprensa de 1967 e a Lei n. 5.536 de 1968, o principal marco de sustentação da legalidade autoritária, no campo específico dos costumes, foi o artigo 153, parágrafo 8o, da Constituição. Não seria exagero afirmar que este dispositivo se tornou o vértice normativo de reordenação de todo o emaranhado de leis, decretos, atos administrativos e regulamentos preexistentes, aos quais foram sendo agregados outras regras criadas depois.

Esta preocupação quase obsessiva da ditadura em justificar suas práticas em algum lastro de legalidade, ainda que bastante rarefeito, é o que explica a profusão de dispositivos normativos com o intuito de racionalizar o uso puro e simples da força bruta contra os opositores políticos.

O uso instrumental do direito enquanto forma de controle social e político por um poder autoritário certamente não foi uma invenção brasileira, mas teve destaque especial na ditadura brasileira, que prezou por formas de escamotear o arbítrio por trás da aparência de normalidade das instituições jurídicas. A manipulação das leis, materializada por uma combinação peculiar de repressão judicial e extrajudicial, constituiu a tônica do processo de endurecimento político operado pelo regime instaurado em 1964 (TELES, 2014TELES, Janaína. Ditadura e repressão: paralelos e distinções entre Brasil e Argentina. Taller (Segunda Época). Revista de Sociedad, Cultura y Política en América Latina, Vol. 3, N° 4, 2014.).

Muitas vezes, o texto legal não passava de ficção inteiramente ilusória, sem qualquer correspondência com a realidade. Em outros momentos, a mudança jurídica teve por objetivo inaugurar um novo flanco dentro do qual a repressão podia operar imune a controles de outros poderes ou das críticas da opinião pública.

Assim, no que se refere ao controle moral, a constitucionalização da escalada repressiva, verificada no pós-1968, vem tanto formalizar os atos que já vinham sendo praticados sem amparo, quanto lançar as bases para potencializar uma restrição ainda maior das liberdades públicas. O ponto de partida de toda esta discussão remete ao texto constitucional, que prescrevia o seguinte:

Art. 153.

§ 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” (grifo nosso) (BRASIL, 1969).

Importante frisar que tal exceção sobre “publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” ao final deste parágrafo não existia originalmente na Constituição de 1967, tendo sido adicionada ao texto por meio da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, que coroou, no topo do ordenamento jurídico, o processo de fechamento político da ditadura no final da década de 60.

Em 1970, Alfredo Buzaid, catedrático da Faculdade de Direito da USP, ex-reitor da mesma universidade e então Ministro da Justiça do governo Médici, escreveu uma das mais detalhadas e consistentes argumentações jurídicas e políticas para dar concretude à “defesa da moral e dos bons costumes” com base nesse dispositivo constitucional. Essa fórmula tão vaga e indefinida, talvez e por conta mesmo de sua indeterminação, tenha sido a mais perfeita síntese do programa conservador da ditadura no campo dos costumes, entretenimento, propaganda e censura.

Buzaid sabia manejar bem as estruturas normativas para conferir, ao sabor da conveniência de cada conjuntura, o conteúdo concreto do operador ideológico do regime. Recorrendo ao direito comparado, inclusive situando algumas experiências internacionais sobre o tema, com citação de autores estrangeiros de regimes autoritários europeus, sem deixar de sublinhar a especificidade da ditadura brasileira, sua análise esmiúça todo o conjunto de normas constitucionais e infraconstitucionais que desenham a regulação moral e sexual então vigente.

Este pequeno livro, editado pelo próprio Ministério da Justiça, consistiu em verdadeiro texto de intervenção para justificar as crescentes restrições do regime impostas à liberdade de pensamento e de manifestação, conferindo racionalidade e sustentação jurídica às posições dos setores mais vinculados à “linha-dura”.

O ponto de partida de sua exposição é o referido parágrafo 8o do art. 153, que prescrevia uma regra geral, ainda que ficcional e sem lastro senão aparente na realidade, no sentido de que estariam garantidas as liberdades de pensamento e informação, sendo que a publicação de livros, jornais e periódicos não dependia de licença da autoridade. Contudo, logo após a enunciação da regra, no mesmo, uma ressalva é feita: “não serão, porém, toleradas [...] as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes”.

Assim, no mesmo dispositivo, constava, por um lado, a regra da liberdade de expressão do pensamento, e, por outro, uma exceção que restringia como “intolerável”13 13 Para Buzaid, lançando a defesa da censura prévia, “adotou a Constituição um novo conceito - o de intolerabilidade. A intolerabilidade é uma idéia ampla, que abrange tanto a função repressiva quanto a função preventiva, ou, melhor dizendo, visa muito mais a impedir a publicação do que simplesmente a punir os que transgridem o mandamento constitucional”. (BUZAID, 1970, p. 28). a difusão de publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes, “considerando-as tão atentatórias à segurança nacional quanto a propaganda de guerra, da subversão da ordem e dos preconceitos de religião, raça ou classe” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 6).

Segundo Buzaid, duas são as causas de tal proibição: a primeira delas reside no fato de tais publicações representarem “um mal que deve ser combatido com rigor, eficácia e perseverança”, afinal, “a medicina as condena[va] por seus efeitos deletérios sobre as pessoas e as nações”, sendo que a Itália, por exemplo, havia dado “um passo fundamental na luta contra a imoralidade, porque admitiu não só a repressão dos atos, mas especialmente o uso de meios preventivos”; por sua vez, a segunda causa dizia respeito ao fato de que “os agentes do comunismo internacional se serv[ia]m da dissolução da família para impor o seu regime político; para tanto busca[vam] lançar no erotismo a juventude, que facilmente se desfibra e perde a dignidade”. Para Buzaid, que então se servia dos dizeres de um expoente do pensamento católico leigo e conservador daquele momento, Gustavo Corção, “o conselho vem de Lenin: ‘desmoralizem a juventude de um país e a Revolução está ganha’”. Não se sabe bem de que obra foi tirada a referida citação, mas Buzaid avança em suas famigeradas conexões entre “pornografia”, “dissolução da família” e “dominação da juventude” como “meios empregados pelos marxistas” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 10). Para tanto, ele encontra exemplos em documentos do Maio de 1968 francês que dissociam sexualidade de reprodução e que se levantam contra a repressão sexual.

Nesta perspectiva, a propaganda em favor da plena liberdade sexual carregaria, necessária e implicitamente, “um plano de ação revolucionária que correspond[eria] aos propósitos de agitação marxista-leninista”. Para combater tamanha ameaça, o ordenamento jurídico se desvelava como um instrumento fundamental de repressão e prevenção. Para o jurista, a norma insculpida no texto constitucional “não [tinha] caráter programático, nem constitu[ía] mera recomendação ao legislador ordinário para que edit[asse] normas tendentes a reprimir crimes contra a moral e os bons costumes”, já que estes estariam definidos na legislação infraconstitucional (Lei de Imprensa, Código Penal e Lei de Segurança). No entanto, como tais dispositivos legais não são suficientes “para impedir a divulgação de publicações imorais”, o legislador constituinte de 1969 decidiu impor “uma proibição formal e categórica” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 14).

Além disso, no que se referia às demais proibições de propaganda da guerra, da subversão da ordem, do preconceito religioso, étnico e de classe, “estas proibições fôram enunciadas em um único parágrafo, uma após outra e todas de modo peremptório, categórico e absoluto”. Assim sendo, a subversão política e o atentado à moral seriam equivalentes no perigo que representavam à ordem social, considerando-se, portanto, “tão deletéria a subversão da ordem como a publicação de obras pornográficas”. Por esta razão, a Constituição não teria feito distinção de “grau, importância ou gravidade”, tratando-as igualmente e “havendo-as por contrárias à segurança nacional. Logo, o que a Constituição declarou intolerável, aplica-se de imediato, independentemente de regulamentação particular. A norma constitucional é, pois, auto-executável” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 15)

Sobre a objeção de que inexistisse uma conceituação exata de “matéria contrária à moral e aos bons costumes”, o próprio Buzaid reconhecia que “nem a Constituição, nem o Decreto-lei, nem a Portaria a defin[ia]m”. Contudo, ponderava ele que, “quando a lei não formula uma definição, compet[ia] à doutrina elaborá-la” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 20).

Diante da dificuldade de conceituação, ele transcreveu dois longos e confusos trechos de dois penalistas italianos, Vincenzo Manzini e Giuseppe Maggiores, que apontavam que a moralidade pública seria a consciência ética de um povo em um dado momento histórico e que os bons costumes seriam aquela parte da moralidade pública que se refere à relação sexual. Sem adaptar quaisquer das definições ao caso brasileiro, Buzaid concluiu que “não [havia] mister outras especulações científicas ou filosóficas para concluir-se, tautologicamente, que o obsceno [era] contrário à moral e aos bons costumes” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 23).

Apesar de citar autores vinculados à cultura penal fascista, ele tentava claramente afastar-se de eventuais acusações de complacência com o autoritarismo, frisando que ao contrário da “Rússia marxista”, da “Alemanha hitlerista” e da “Itália fascista”, países que haviam colocado a imprensa a serviço de seus regimes políticos, “no Brasil, o Estado interv[inha] no domínio da moral pública em nome dos princípios cristãos, reprovando o ultraje ao dêcoro, a dissolução da família e o desfibramento da juventude” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, pp. 28/29).

Assim, em nome dos princípios cristãos, do decoro público, da família e da salvaguarda da juventude, tudo parecia ser legal e permitido. Até mesmo uma modalidade de “repressão preventiva” como a censura prévia que viria em seguida.

Ao lado do Decreto n. 20.943 de 1946 e da Lei n. 5.538 de 1968, o tripé regulatório da censura14 14 Kushnir sugere esta expressão que é interessante por agrupar a parte mais relevante do arcabouço legal ordinário, mas acaba por perder de vista o mencionado art. 153, parágrafo 8o, da Constituição que nos parece o vértice principal de um sistema normativo (KUSHNIR, 2004, p. 81). foi completado pelo Decreto-Lei n. 1.077, de 26 de janeiro de 1970, assinado pelo Presidente Médici e por seu Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, durante o recesso do Poder Legislativo, com o objetivo justamente de regulamentar a execução do artigo 153, § 8º, parte final, da Constituição da República, provendo as autoridades públicas de mais instrumentos para a efetivação da censura com respaldo legal.

O preâmbulo deste diploma do início de 1970 é bastante ilustrativo das motivações morais conservadoras do endurecimento legislativo então em curso. Para parcela significativa da comunidade de informações, os temas morais eram duplamente ameaçadores: primeiro, porque afrontavam o que se poderia considerar como uma dimensão ética do pacto social imposto pela ditadura e, depois, porque também representavam uma das artimanhas dos “subversivos” para atacar a integridade do país e a segurança nacional.

Nessa linha, uma série de “considerandos” foi aposta logo de início, justificando a medida com os riscos implicados na divulgação de “publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” para a “família”, os “valores éticos”, a “mocidade”. Assim, em última instância, os ataques que “estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade Brasileira” seriam fruto de um autêntico “plano subversivo, que [punha] em risco a segurança nacional” (BRASIL, 1970b).

Tendo em vista este diagnóstico de constantes ameaças à pureza moral por todos os lados, era preciso dispor de ferramentas de controle incidentes sobre os diversos meios e suportes de comunicação que veiculavam mensagens tidas como “subversivas”, tais como revistas, televisão, livros, teatro, cinema etc.

Conforme esclarecia Buzaid, fazia-se necessário controlar não apenas as diversões públicas, mas também as publicações. Para ele, afinal, “não teria sentido fiscalizar previamente diversões e espetáculos públicos e permitir que medrassem livremente publicações pornográficas” (BUZAID, 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970, p. 33).

Neste sentido, logo em seu art. 1o, o Decreto-Lei 1.077 reforçava o disposto na parte final do § 8º do art. 153 da Constituição Federal, ressaltando que “não ser[iam] toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que [fossem] os meios de comunicação”. Por sua vez, o art. 7o preceitua expressamente que a proibição “aplica[va]-se às diversões e espetáculos públicos, bem como à programação das emissoras de rádio e televisão” (BRASIL, 1970b).

Estes excertos não deixam dúvidas, portanto, de que nenhuma das formas de expressão do pensamento ou meio de comunicação estariam, assim, imunes à interpelação da censura, incluindo-se também as publicações estrangeiras que deveriam ser fiscalizadas quando da entrada em território nacional.

Em sua justificativa, Buzaid se valia da estratégia de desqualificar as publicações eróticas e pornográficas, retirando-lhes qualquer aura de arte ou de literatura. Para ele, “as obras pornográficas, as revistas imorais e as criações obscenas [...] não [eram] literatura, não [eram] obra de arte, não [eram] esplendores da inteligência. Representa[vam], ao contrário, degradações do espírito, condenadas pela legislação penal” (1970, p. 42).

Contudo, um dos pontos mais polêmicos e controversos da intervenção governamental na seara cultural foi instituído, justamente, por este Decreto-Lei. Tratava-se de uma modalidade de controle que ficou conhecida como “censura prévia” por levar em conta que publicações fossem proibidas mesmo antes de serem dadas a público. Assim, o artigo 2o do Decreto-Lei garantia ao Ministro da Justiça, por meio do Departamento de Polícia Federal, a prerrogativa de “verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente” (grifo nosso) à moral e aos bons costumes. E em caso de que o Ministro atestasse a configuração de violação à moralidade pública por uma obra, mesmo que em sede de apreciação administrativa e sem qualquer garantia de defesa ou de contraditório, ele “proibir[ia] a divulgação da publicação e determinar[ia] a busca e a apreensão de todos os seus exemplares”, conforme previa o art. 3o (BRASIL, 1970b)

Em seu libelo em defesa da moral e dos bons costumes, inclusive com a repressão preventiva, Buzaid afirmou que “o objetivo do Govêrno não [era] de exercer o controle da inteligência brasileira, sufocar-lhe o espírito criador ou restaurar a mesa censória dos tempos coloniais”, acrescentando que

a preocupação do Govêrno consisti[a] em banir do mercado as publicações obscenas, que avilta[ssem] e degrada[ssem] a juventude, bem como proibir terminantemente que os agentes do comunismo internacional se servissem do rádio e da televisão para exercer através de programas insidiosos influência subliminar no seio das famílias

Afinal, “[era] por meio dos periódicos, rádio e televisão que o comunismo internacional atua[va] sobre o povo, invandindo sub-repeticiamente os lares” (1970, p. 19). Assim, o argumento central para uma medida draconiana era justificado não apenas pela necessidade de evitar o mal conforme escreveu o jurista: “numa época de guerra revolucionária, (...) a legislação não poderia contentar-se com reprimir o mal; tem necessidade, a bem da segurança, de evitá-lo. E foi o que fêz (1970, p. 25).

Não é preciso ressaltar os ônus e prejuízos que decorriam de tais penalidades de busca e apreensão para os autores e editores das publicações. Além de não poderem mais vender o material, os exemplares já impressos e distribuídos em pontos de venda eram retirados de circulação e incinerados às custas do próprio autor ou editor, que pagava, assim, a conta da destruição de seu próprio trabalho e investimento. Sem contar a multa em que incorria o responsável pela obra, que consistia em “valor igual ao do preço de venda da publicação” (art. 5o, inciso I) (BRASIL, 1970b).

Por esta razão, diversos periódicos e editoras enfrentaram dificuldades por conta do estrangulamento financeiro que tais penalidades, sempre arbitrariamente aplicadas, provocaram. A grande maioria das empresas deste ramo eram pequenas, com situação financeira já precária e com produção em escala modesta. O transtorno que a proibição de uma obra implicava, com todos os transtornos e custos decorrentes de tal condição, poderia significar a inviabilização da atividade empresarial a médio e longo prazo, como de fato ocorreu com diversas publicações.

Não bastasse o Decreto-lei 1.077, para dar concretude a este e diante das pesadas críticas à censura prévia vindas de diversos setores, o ministro da Justiça Alfredo Buzaid baixou a Portaria 11-B, em 6 de fevereiro de 1970BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes. Brasília: Ministério da Justiça, 1970 e a Instrução n. 1, de 24 de fevereiro de 1970, com o objetivo de deixar claro que estariam subordinadas à verificação prévia tão somente as publicações e exteriorizações que contivessem matéria potencialmente ofensiva à moral e aos bons costumes. Assim, o art. 1o da referida Instrução esclarecia que “est[avam] isentas de verificação prévia as publicações e exteriorizações de caráter estritamente filosófico, científico, técnico e didático, bem como as que não versa[ssem] temas referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes” (BRASIL, 1970c).

Nota-se, assim, que o governo pretendeu aliviar a crítica recebida quanto ao controle prévio das publicações, sem, contudo, renunciar à possibilidade de efetuar tal controle caso entendesse necessário fazê-lo. Tratava-se de uma tentativa de sinalizar um recuo, mas sem efetivamente cassar a prerrogativa do Ministro em apreender previamente obras consideradas potencialmente subversivas.

É importante registrar que, nos termos do art. 6o do Decreto-lei, para além do controle administrativo bastante contundente e ostensivo, poderia também haver, ainda, a intervenção do sistema de justiça (Ministério Público e Judiciário) em relação aos mesmos fatos atentatórios à moral e aos bons costumes, especialmente com fundamento na Lei de Imprensa já mencionada. Agências e instâncias distintas, desta forma, superpunham-se em uma complexa rede de contenção para neutralizar os efeitos deletérios que a livre sexualidade, a pornografia, o erotismo e outras manifestações, consideradas atentatórias à moral e aos bons costumes, provocavam.

5 - Considerações finais

No presente artigo, buscamos reconstituir o estatuto adquirido pela censura moral durante a ditadura civil-militar de 1964, analisando o processo de hiperpolitização que marcou essa atuação censória no campo dos costumes e das artes para questionar uma visão binária que opõe, de maneira simplificadora, as censuras moral e política.

O cuidado com a “moral e os bons costumes”, se antes da ditadura se limitava mais à proteção abstrata da juventude à exposição de conteúdos imorais nos meios de comunicação, passaria a assumir, mais clara e contundentemente, a faceta de um projeto de saneamento e limpeza com status de segurança nacional, durante a ditadura. Isto acabou implicando um empoderamento do SCDP, culminando em sua formatação organizacional de modo mais robusta.

A partir da breve síntese dos principais diplomas normativos que estabeleceram os critérios para o controle político e moral das artes e das comunicações no país, é possível perceber que a ditadura não exerceu sua violência em um contexto de anomia, senão, de uma hipernomia. Isto é, não se tratava apenas de opor um estado de fato ao direito, ou de sobrepor a lei pela força, mas de manipular um emaranhado legislativo e administrativo de acordo com os interesses políticos do regime.

O descompasso entre as linhas regulatórias originárias da censura moral, traçadas na década de 1940, quando a televisão sequer era uma realidade, bem como o cenário emergente de produção cultural em escala industrial, impunha uma permanente dificuldade para efetivar o policiamento ético de uma sociedade em intensa transformação. E embora seja da própria essência do direito um certo atraso em seu encontro com a realidade que pretende normatizar, este descompasso era potencializado em se tratando de um intento de regulação moral de uma área tão dinâmica e em fluxo constante como a cultura.

Não obstante, é importante notar que a aparente inconveniência de uma legislação ultrapassada, repleta de ambiguidades normativas e outras tantas fórmulas genéricas com pouca aderência concreta15 15 Esse fato, como se verá, chegou a incomodar até mesmo censores. Diante da necessidade de atualização da legislação, em abril, de 1974, o Ministro Armando Falcão chegou a criar, por “portaria reservada”, uma comissão encarregada desta tarefa. A referida comissão era integrada por um de seus assessores especiais, por um professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e por Rogério Nunes, então diretor da DCDP. A composição se altera depois de três anos, permanecendo apenas este último incumbido de apresentar uma minuta de anteprojeto. Apesar da urgência requerida pelo ministro, somente em 1979, nas últimas semanas do governo Geisel, é que o trabalho foi apresentado em caráter sigiloso, mas não teve seguimento. Para uma análise detida deste anteprojeto e as possíveis causas de sua paralisação na estrutura administrativa, ver MARCELINO, 2011, p. 34. era, no entanto, uma vantagem para ampliar a margem discricionária das autoridades na aplicação do direito. Isto porque a atividade hermenêutica dos tipos legais reservara ao intérprete uma considerável autonomia em reconstruir a dimensão normativa do texto a ser aplicado, sobretudo quando bastante abstrato e vago como eram as restrições de ordem moral.

Assim, este contexto possibilitaria que a censura usasse e abusasse de um emaranhado com o propósito de legitimar suas ações. A roupagem legal tornou-se fundamental para assegurar a sobrevida a uma atividade tão nitidamente autoritária e antipática como a imposição de sanções à produção cultural e que se arrastaria até 1988, mesmo depois do final da ditadura.

Referências bibliográficas

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  • TELES, Janaína. Ditadura e repressão: paralelos e distinções entre Brasil e Argentina. Taller (Segunda Época). Revista de Sociedad, Cultura y Política en América Latina, Vol. 3, N° 4, 2014.
  • 1
    O Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) fazia a censura das “diversões públicas” (teatro, cinema, música, rádio, casas de espetáculo, entre outros) desde os anos 1940. Em 1972, sob gestão do Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, o SCDP tornou-se Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) dentro da estrutura do Departamento de Polícia Federal com função de “direção, coordenação e controle”, conforme previsão do Decreto n. 70.665, de 2 de junho de 1972. Por isso, ao longo deste texto, poderão ser encontradas as duas designações para a censura de diversões públicas.
  • 2
    Esclareceu ele, em seminário realizado em 2012: “em certo momento, classifiquei a censura sobre a imprensa de política, e a censura das diversões públicas de moral. Logo as pessoas diziam: ‘Mas então você acha que a censura do cinema, do teatro, da música etc, não é uma censura política?’. Não é isso. Claro que todo ato é sempre um ato político, mas é preciso distinguir as duas coisas [...]” (FICO, 2012, p. 66).
  • 3
    Afirma ele que “essa distinção chama a atenção para a necessidade de maiores pesquisas sobre fenômenos não explicitamente políticos (em sentido estrito), se quisermos entender globalmente o período que, muitas vezes, tem sido subsumido nesta esfera. De fato, a história do Brasil entre 1964 e 1985 não se restringe à história da ditadura militar” (FICO, 2004c, pp. 37-38).
  • 4
    Para um exame interessante das cartas enviadas para o Departamento de Censura e Diversões Públicas, ver FICO, 2002.
  • 5
    Kushnir também registra este fato: “O órgão fiscalizador da imprensa tinha um caráter secreto, fora do organograma tanto da Polícia Federal quanto do Ministério da Justiça” (2004, p. 105).
  • 6
    Essa advertência é também feita por Marcelino: “Sem dúvida, não se deve desconsiderar que a censura praticada pelo SCDP assumiu uma função política em vários momentos, particularmente no plano teatral e cinematográfico. Até porque, como já dissemos, uma diferenciação restritiva demais entre esse plano e aquele da moralidade corre grande risco de cair na superficialidade” (MARCELINO, 2011, p. 32).
  • 7
    Fico admite que “os militares e civis que estavam no poder durante a ditadura militar, quando se voltaram para a DCDP, procuraram modernizá-la, mantendo a mesma estrutura. E esta começou a sofrer também uma grande politização. As peças, as músicas, os filmes, os programas de televisão eram censurados conforme a tradicional clivagem, de perfil ético e moral - que inspira a censura brasileira desde sempre até hoje -, mas passou a servir aos interesses políticos do poderoso do momento” (FICO, 2012, pp. 70-71).
  • 8
    Fico toma de empréstimo esta expressão para designar o “cimento ideológico” capaz de agregar todas as instâncias repressivas. Ele ainda menciona que, “para muitos analistas, esse papel teria sido desempenhado pela chamada “doutrina de segurança nacional” [...]. Talvez possamos dizer que a ‘utopia autoritária’ seja uma forma menos elaborada e intelectualmente diluída da doutrina. Mas é preciso não perder de vista que a antiga tradição brasileira de pensamento autoritário inspira ambas e que a propaganda anticomunista precede em muito a ditadura militar” (FICO, 2004c, p. 38).
  • 9
    Um excelente estudo que examina essa dimensão específica com fundamentação consistente e lastro empírico pode ser encontrado em COWAN, 2016.
  • 10
    Nessa linha, concordamos com a posição de Marcelino (2011, p. 32): “é notória a conexão, feita por setores afinados com o anticomunismo, entre a adoção de ‘novos’ padrões comportamentais e supostos objetivos de subverter a ordem política. No âmbito do Serviço de Censura de Diversões Públicas, entretanto, essa era uma concepção muito menos difundida (apesar dos recorrentes esforços dos órgãos de informações). E, mesmo no que diz respeito aos grupos sociais que pediam mais censura a determinadas autoridades na década de 1970, ela também era, relativamente, pouco corriqueira. Na maioria dos casos, o que mais parecia incomodar esses segmentos era a chamada ‘revolução de costumes’”.
  • 11
    Soares aponta que “a Censura não atuou de maneira uniforme durante os 21 anos da ditadura. Houve períodos de maior e de menor intensidade” (1989, p. 21).
  • 12
    Para os antigos, foi promovido um Curso Intensivo de Treinamento de Censor Federal, realizado na Academia Nacional de Polícia e com professores de universidades como a UnB e a UFMG. Dentre as disciplinas oferecidas, constavam Comunicação e Sociedade, Filosofia da Arte, História da Arte, História e Técnica de Teatro, Técnica de Cinema, Técnica de Televisão, Legislação Especializada e Segurança Nacional.
  • 13
    Para Buzaid, lançando a defesa da censura prévia, “adotou a Constituição um novo conceito - o de intolerabilidade. A intolerabilidade é uma idéia ampla, que abrange tanto a função repressiva quanto a função preventiva, ou, melhor dizendo, visa muito mais a impedir a publicação do que simplesmente a punir os que transgridem o mandamento constitucional”. (BUZAID, 1970, p. 28).
  • 14
    Kushnir sugere esta expressão que é interessante por agrupar a parte mais relevante do arcabouço legal ordinário, mas acaba por perder de vista o mencionado art. 153, parágrafo 8o, da Constituição que nos parece o vértice principal de um sistema normativo (KUSHNIR, 2004, p. 81).
  • 15
    Esse fato, como se verá, chegou a incomodar até mesmo censores. Diante da necessidade de atualização da legislação, em abril, de 1974, o Ministro Armando Falcão chegou a criar, por “portaria reservada”, uma comissão encarregada desta tarefa. A referida comissão era integrada por um de seus assessores especiais, por um professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e por Rogério Nunes, então diretor da DCDP. A composição se altera depois de três anos, permanecendo apenas este último incumbido de apresentar uma minuta de anteprojeto. Apesar da urgência requerida pelo ministro, somente em 1979, nas últimas semanas do governo Geisel, é que o trabalho foi apresentado em caráter sigiloso, mas não teve seguimento. Para uma análise detida deste anteprojeto e as possíveis causas de sua paralisação na estrutura administrativa, ver MARCELINO, 2011, p. 34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2019
  • Aceito
    05 Nov 2019
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