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A Uberização dos Antecedentes Criminais: impedimentos laborais e legitimações jurídicas

The Uberization of Criminal Records: work impediments and legal legitimacies

Resumo

Esta investigação utiliza o método de análises de decisões para examinar o posicionamento do Tribunal de Justiça de Sergipe, entre 2020 e 2022, sobre a recusa das empresas que oferecem o serviço de transporte via aplicativo de efetivar ou de permanecer em seu cadastro com motoristas que respondem a processos criminais sem decisões transitadas em julgado. A análise das decisões parte de alguns marcos teóricos estratégicos, como o conceito de cidadania sacrificial e da economicização do direito, do neoliberalismo enquanto uma racionalidade e um processo profundo, do capitalismo como vigilância. Como resultado, identificou-se que o TJSE priorizou a autonomia contratual, a liberdade para pautar critérios objetivos de segurança, o desalinhamento dos motoristas com o Termo e as Condições para uso em detrimento dos princípios da presunção de inocência e da função social do contrato. Para problematizar este cenário o artigo ainda questiona sobre a (des)proteção dos dados pessoais dos trabalhadores por aplicativo, a falta de transparência na utilização de novas tecnologias para coletar dados referentes a processos criminais em andamento como forma de reiterar velhas exclusões sociais ou laborais. Por fim, conclui-se sobre a aproximação dos fundamentos manejados pelo Tribunal de Justiça de Sergipe com as novas exigências econômicas da gestão neoliberal, tal como a redução do pacto constitucional em benefício da autonomia empresarial, tanto sobre a descartabilidade dos sujeitos, como sobre a captação irregular de seus dados pessoais.

Palavras-chave:
Capitalismo de vigilância; Neoliberalismo; Liberdade contratual; Dados pessoais; Uberização

Abstract

This investigation uses the method of decision analysis to analyze the positioning of the Sergipe Court of Justice, between 2020 and 2022, about the refusal of companies that offer transportation service via app to effect or cancel to remain in their registry with drivers who respond to criminal proceedings without final and unappealable decisions. The analysis of the decisions is based on some strategic theoretical frameworks, as based on the concepts of sacrificial citizenship and the economization of law, neoliberalism as a rationality and a deep process, and capitalism as surveillance. As a result, it was identified that the TJSE prioritized the contractual autonomy, the freedom to guide objective safety criteria, the misalignment of drivers with the Term and Conditions for use over the principles of the presumption of innocence and the social function of the contract. To problematize this scenario, the article also questions about the (un)protection of workers' personal data by app, the lack of transparency in the use of new technologies to collect data regarding ongoing criminal cases as a way to reiterate old social or labor exclusions. Finally, it concludes on the approximation of the grounds handled by the Sergipe Court of Justice with the new economic demands of neoliberal management, such as the reduction of the constitutional pact in favor of corporate autonomy, both on the disposability of subjects and on the irregular capture of their personal data.

Keywords:
Surveillance capitalism; Neoliberalism; Contractual freedom; Personal data; Uberization

Introdução1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

“Subiu a construção como se fosse máquina”

Chico Buarque.

Este artigo examina o posicionamento judicial do Tribunal de Justiça de Sergipe nos casos em que se discute a recusa das empresas que ofertam o serviço de transporte particular através de aplicativos de efetivar ou de manter em seu cadastro motoristas que respondem a processos criminais em andamento, sem possuírem certidão de antecedentes.

Discute-se, por um lado, em que medida tal técnica de controle exercida pelas plataformas reflete uma violação de direitos dos motoristas, em especial às garantias da presunção de inocência e da proteção de dados pessoais, e, por outro, como o posicionamento do Tribunal de Sergipe tem permitido que tal relação eminentemente privada se autorregule, ratificando práticas discriminatórias.

Os motoristas, além de toda a documentação que são obrigados a fornecer, sujeitam-se à análise de dados de natureza criminal [coletados em bases de dados digitais, sem seu conhecimento], como simples apontamentos criminais de ações penais em curso de diversas bases institucionais, como aquelas que concentram informações de processos judiciais. A partir disso, as empresas se valem desse material para julgar se aqueles candidatos atendem ao perfil “desejado” pela empresa.

Esses empreendimentos normalmente estão previstos nos Termos de Uso a que os motoristas devem aderir quando iniciam a prestação desses serviços. Por exemplo, a Plataforma Uber descreve seus procedimentos de verificação no “U-check”2 2 “A Uber conta com diferentes modalidades de verificação de parceiros e usuários para proporcionar uma experiência tranquila para todos. Todos os parceiros passam por um processo de cadastro de várias etapas antes de aceitar a primeira viagem que envolve checagem de apontamentos criminais e análise da CNH. De tempos em tempos, o app pede, aleatoriamente, para que eles tirem uma selfie antes de aceitar uma viagem ou de ficar on-line para verificação de sua identidade. Os usuários são verificados via cartão de crédito ou têm seus dados de CPF e data de nascimento checados em uma base do governo. Além disso, pode ser necessário também apresentar uma foto do documento de identidade”. Disponível em: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/. Acesso em: 11 out. 2022. e a 99, na cláusula 3.23 3 “Termos de Uso Motorista/Motociclista Parceiro: 3.2. Após receber a documentação de cadastro, a empresa 99 efetuará uma análise e poderá aceitar ou recusar a solicitação de cadastro do Motorista/Motociclista prestador de serviços. A 99 também poderá realizar a checagem de antecedentes criminais e quaisquer outras verificações que considerar oportunas ou que sejam exigidas pela legislação aplicável”. Disponível em: https://99app.com/legal/termos/motorista/?_time=1637120731⟨=pt-BR&location_country=BR. Acesso em: 11 out. 2022 do documento.

Essa estratégia, que vem sendo chancelada pelo Poder Judiciário, pode induzir algumas reflexões em face do quadro normativo contemporâneo. É preciso perceber que, nesse empreendimento de controle, amostras iniciais apontam para a existência de uma robusta intervenção sobre dados pessoais. Por isso, é importante compreender a natureza de tais dados; se há a transparência necessária nesse processamento; e se, de algum modo, isto não implica em reiterações de discriminações e exclusões.

Além disso, é necessário verificar quais os argumentos, interesses e discursos em que se respalda essa prática, em especial pelo fato de que, diante dela, o Estado-juiz tem adotado uma postura intencionalmente abstencionista, o que tem permitido que práticas discriminatórias sejam tradadas como estabelecidas dentro de relações eminentemente privadas que se autorregulam, portanto sem margem de intervenção pública.

Após um detalhado levantamento sobre todos os processos judiciais que envolveram a matéria no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, percebeu-se uma sensível mudança de fundamentação nos discursos utilizados e, consequentemente, na legitimação ou não da referida prática empresarial.

Em um primeiro grupo de decisões, apresentadas e esmiuçadas posteriormente, os clássicos fundamentos da função social do contrato e da presunção de inocência sustentavam uma tentativa judicial de evitar a discriminação de motoristas. Em um segundo e posterior grupo de decisões, entretanto, enunciados como a liberdade contratual e a livre iniciativa da empresa em formatar critérios de segurança para o serviço fornecido passaram a sedimentar o discurso de legalidade da prática de barragem das empresas4 4 Após a realização dessa investigação em 2022, aprovada para a publicação em 2023, foi enviado o Projeto de Lei Complementar nº 12/2024 ao Poder Legislativo, em março de 2024, que visa regulamentar o trabalho de motoristas por aplicativo. Nesse sentido, a presente pesquisa não abarcou o respectivo projeto. Contudo, vale registrar que embora o Projeto tenha buscado garantir a defesa do motorista, reitera a autonomia contratual e a preponderância das cláusulas dos “Termos de Uso” para bloqueios, suspensões e, principalmente, exclusões do motorista. Como será desenvolvido nessa investigação, os “Termos de Uso” chegam a lesar direitos constitucionalmente garantidos, como a presunção de inocência, prática legitimada nas decisões judiciais do recorte selecionado em defesa da “autonomia contratual”. .

Essa guinada nos fundamentos utilizados, principalmente ao afastar o princípio constitucional da presunção de inocência, ao lastrear cláusulas contratuais que vão de encontro com a sedimentada tese do Supremo Tribunal Federal em caso análogo5 5 Em 2021, no Recurso Extraordinário nº 1307053, o Supremo Tribunal Federal assentou a seguinte tese: “violam o princípio da presunção de inocência o indeferimento de matrícula em cursos de reciclagem de vigilante e a recusa de registro do respectivo certificado de conclusão, em razão da existência de inquérito ou ação penal sem o trânsito em julgado de sentença condenatória” (BRASIL, 2021). , permite um importante diálogo entre a opacidade das novas tecnologias (BRUNO, 2018BRUNO, Fernanda. Visões maquínicas da cidade maravilhosa: do centro de operações do Rio à Vila Autódromo. In: BRUNO, F. et al. (Org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo. Boitempo, 2018, p. 239-256., p. 244), os sacrifícios exigidos para o pleno funcionamento delas (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018., p. 34) e a absorção pelo Judiciário de uma particular concepção de liberdade do neoliberalismo: a liberdade de ser sujeitado à cartilha empresarial contemporânea, com suas “boas práticas”, “segurança de rede”, “autonomia contratual” etc.

Analisar o contraste dessas decisões tornou mais evidente o quanto os contornos do contrato social, sob o qual se assentara a modernidade e a respectiva regulação jurídica, encontram-se cada vez mais invertidos. O corpo político/jurídico deixa de proteger o corpo social, enquanto este, fragilizado, passa a se sacrificar em prol do bom funcionamento da economia.

Sob a ótica do empreendedorismo, não é nem o estado, nem são as empresas, quem vivencia mais diretamente os efeitos adversos desse processo. São os indivíduos (motoristas), com os seus direitos (de primeira e segunda geração) sacrificados para o funcionamento da racionalidade econômica neoliberal. O direito ao trabalho é negado a esses sujeitos enquanto se passa uma sensação de que o serviço de transporte é composto por pessoas “seguras”, “confiáveis”, pessoas que nunca tiveram seus nomes relacionados ao sistema penal. Nas costas de motoristas sacrificados por critérios inconstitucionais é que se constrói um simulacro de segurança e de controle sobre os serviços prestados.

Apesar de o recorte de decisões aqui utilizado se referir a processos nos quais os sujeitos não possuíam antecedentes criminais, cabe demarcar a necessidade de um amplo debate, não passível de ser acomodado nos limites dessa investigação, sobre a constitucionalidade da mitigação do direito ao trabalho para os sujeitos que possuem antecedentes criminais. Isso porque, essa recriminalização possui o condão de fortalecer a concepção de que esses sujeitos são “naturalmente perigosos”, “portadores de uma personalidade pouco estruturada” (WACQUANT, 2003WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 15), portadores de uma violência que a qualquer momento pode vir à tona durante a prestação do serviço de transporte. Teses estas levantadas pela escola positivista da criminologia em meados do século XIX e que formataram, nas décadas seguintes, uma série de práticas eugênicas de expulsão, de aprisionamento em massa de indivíduos “anormais” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Editora: WMF Martins Fontes, 2010., p. 19) que se não fossem passíveis de correção, precisavam ser contrapostos a formas cada vez mais severas e cruéis de tratamento (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004RUSCHE, George; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 282). Portanto, a limitação desta discussão àqueles que não possuem antecedentes criminais não leva, de maneira alguma, à conclusão contrária.

Com essas convicções prévias, partiu-se da hipótese de que essa prática empresarial, chancelada discursivamente pelo Estado-juiz, insere-se no quadro neoliberal. Contribui, assim, para a reprodução de exclusões sociais, para o fortalecimento de antigos discursos opressivos, como, por exemplo, a concepção de que trabalhadores que respondem a qualquer ação penal teriam uma maior “tendência”6 6 Termos como “tendência”, “disposição”, “propensão” foram incisivamente defendidos e utilizados pela criminologia positivista e o racismo científico do fim do século XIX e início do século XX (SCHWARCZ, 1993, p. 28; CARVALHO; DUARTE, 2017). No Brasil, entre os principais autores dessas correntes, destacam-se os nomes de: Nina Rodrigues, Sílvio Romero e Francisco José de Oliveira Vianna (ALMEIDA, 2019, p. 29). a atos ilícitos, logo, seria essencial proteger os usuários, afastando-os desses indivíduos “perigosos”.

Conjecturou-se também que havia incongruências entre tal intrusão das plataformas de aplicativo e o sistema jurídico de proteção de dados em vigor, além de incompatibilidades com o princípio da presunção de inocência. Estas hipóteses foram testadas no percorrer do estudo científico.

Em atenção ao método de análise de decisões utilizado (FREITAS; LIMA, 2010FREITAS, Roberto; LIMA, Thalita Moraes. Metodologia de análise de decisões. Universitas Jus, v. 2, 2010.) e ao recorte institucional exigido por ele, optou-se por colher acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ/SE)7 7 As decisões do TJ/SE se aparentavam interessantes em face dos objetivos delineados. O discurso lá disposto se mostrou bastante nítido para a pretensão de análise jusfilosófica com aportes de crítica ao modelo neoliberal. A seleção também se deu pelo fato de que um tribunal busca uniformizar e estabilizar a jurisprudência sobre o assunto. Por isso, convinha verificar se havia de fato uniformidade e qual o sentido argumentativo que vem sendo massificado por aquele órgão jurisdicional. sobre o assunto, tanto devido a uma exploração inicial com alguns motoristas que foram rejeitados/impedidos, como também pelo bom conhecimento sobre a plataforma desse Tribunal e os seus mecanismos de busca.

Para tanto, procedeu-se com a seleção dos termos ou “palavras-chave” que seriam utilizados para a consulta jurisprudencial pelo sítio do próprio Tribunal. Escolheu-se as seguintes: “motorista aplicativo AND processo criminal”. A busca se deu em 11 de outubro de 2022, quando, ao todo, foram encontrados 9 (nove) acórdãos de apelação. Apesar de não ter sido utilizado qualquer recorte temporal, essas decisões estavam concentradas nos últimos dois anos, entre 2020 e 2022, fato que atesta a atualidade e indispensabilidade dessa investigação.

As decisões foram extraídas na íntegra e organizadas em um banco de dados. Depois, realizou-se leitura atenta sobre as partes dos acórdãos, de modo a compreender os casos e excluir aqueles que eventualmente não se enquadrassem no objeto de estudo. Após esse tratamento preliminar, iniciou-se a análise da argumentação desenvolvida pelos desembargadores. Destacaram-se e se organizaram os principais conceitos, valores, institutos e princípios constantes das narrativas decisórias.

Com esse material em mãos, passou-se à pesquisa bibliográfica e documental. Em relação às fontes, foram enfrentados livros, artigos científicos e as legislações mais pertinentes relativas ao tema. Alguns conceitos contribuíram para uma análise crítica mais incisiva sobre a conduta do Tribunal de Justiça de Sergipe que ao mesmo tempo a enxergasse como entrelaçada com outras dinâmicas e conjunturas percebidas globalmente no funcionamento da racionalidade liberal.

Partiu-se do conceito de cidadania sacrificial e da economicização de direitos pautados por Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018.) que delineia como a conversão neoliberal de sujeitos em empresários de “si mesmo” carrega consigo um processo de captura sobre os direitos protetivos e de transformação da cidadania em uma doação que deve ser completa e inquestionável às pautas e cláusulas contratuais (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018., p. 06).

Além disso, o sentido dado ao neoliberalismo nessa investigação buscou ampliar a concepção dele apenas como um sistema econômico/político, já que, como pautado por Pierre Dardot e Christian Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.; 2018), esse se torna uma racionalidade que alcança todas as esferas da vida. Torna-se uma fonte justificativa determinante em relação à conduta dos governantes e dos governados (DARDOT; LAVAL, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 15).

A utilização de dados pessoais e comportamentais como matéria-prima para a produção de riqueza em um constante e ágil controle, apontado por Soshana Zuboff (2021ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021., p. 22), em sua definição sobre o capitalismo de vigilância, cumpriu aqui um papel fundamental. A partir dessa foi tensionada a (des)proteção dos dados dos motoristas de aplicativo enquanto se estabeleceu reflexões acerca do processo de uberização do trabalho revestido em termos camuflantes das violações jurídicas, como “parceiros”, “colaboradores”, “associados” (ANTUNES, 2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 61).

Tudo isso serviu de base para uma abordagem crítica sobre a prática decisória do TJ/SE a respeito do banimento de motoristas de aplicativos em razão da coleta de dados de processos criminais não transitados em julgado.

Em consonância com a metodologia traçada, o artigo se desenvolveu em três tópicos. O primeiro retratou o material colhido da análise de decisões do tribunal sergipano. O segundo representou a articulação entre tais constatações empíricas e o arcabouço teórico-crítico levantado. O terceiro, por fim, apresenta reflexões ou inflexões sobre o cenário normativo à luz da Lei Geral de Proteção de Dados.

I - Coleta e tratamento das decisões do TJSE: de eficácia horizontal de direitos fundamentais à autonomia privada

“Tijolo com tijolo num desenho mágico”

A partir do mecanismo de consulta de jurisprudência do Tribunal de Sergipe8 8 O Tribunal de Justiça do estado de Sergipe foi escolhido tanto pelo contato anterior dos autores com essa demanda judicial, como pelo potencial desse conjunto de decisões operar como uma amostra de uma rede de decisões formada por Tribunais de Justiça de outros estados, já que tanto estas, como decisões dos Tribunais Superiores, são tomadas como parâmetros de fundamentação pelo judiciário sergipano. (TJ/SE), utilizando-se das palavras-chave “motorista aplicativo” e “processo criminal”, foram localizados 09 (nove) acórdãos ao total. Todos eles anunciados entre os anos de 2020 e 2022, notadamente em razão da contemporaneidade crescente do serviço de transporte por aplicativo e do lapso até as esperadas demandas chegarem ao segundo grau do Poder Judiciário.

Ao aplicar o recurso de análise da forma sistematicamente descrita acima, encontraram-se determinados fundamentos decisórios. Para uma melhor leitura, correlacionaram-se as razões de decidir ao contexto fático de cada caso, descrevendo, ainda, o número do processo, e efetivo dispositivo:

APELAÇÃO CÍVEL CONTEXTO FÁTICO FUNDAMENTOS DISPOSITIVO 202000827872 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Função social do contrato - Eficácia horizontal do Princípio da dignidade da pessoa humana - Dever de igualdade e não discriminação - Violação a direito social Improvimento do recurso de apelação da Plataforma para manter a sentença de procedência dos pedidos do motorista de ser reestabelecido na plataforma do aplicativo; indenizado por lucros cessantes e danos morais 202100803097 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Boa-fé e Função social do contrato - Ausência de garantia de contraditório e ampla defesa ao motorista - Ausência de prova da existência de processo criminal Provimento do recurso de apelação do motorista, para reformar integralmente a sentença, dando procedência aos pedidos de indenização por dano material e moral 202100825771 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 Descumprimento dos Termos e Condições de uso - Reconhecimento de não condenação em processo criminal (presunção de inocência) - Plataforma agiu pautada em elementos objetivos para a segurança dos usuários - Autonomia privada e liberdade de contratação da empresa - Licitude da ausência de notificação prévia Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de recredenciamento e indenização por danos morais 202100729304 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Princípio da autonomia da vontade e boa-fé objetiva contratual - Plena autonomia e liberdade para definir o perfil de motorista desejado Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de recredenciamento e indenização por danos morais 202100830960 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Conhecimento das regras contratuais pelo motorista - Direito da Plataforma de realizar averiguações que possam comprometer a segurança de seus clientes - Atividade privada sujeita a regras próprias - Liberdade contratual Provimento do recurso da plataforma para reformar a sentença, julgando totalmente improcedentes os pedidos de recredenciamento e indenização por danos morais 202100821454 Descredenciamento arbitrário e sem notificação prévia de motorista por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 Descumprimento dos Termos e Condições de uso - Análise do motorista é direito e dever da Plataforma - Autonomia privada e liberdade de contratação da empresa - Direito de encerrar a parceria por conveniência e oportunidade Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de recredenciamento e indenização por danos morais 202100737874 Solicitação de cadastro de motorista negado por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos requisitos dos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Liberdade contratual - Legitimidade da postura da Plataforma, como forma de resguardar a reputação da empresa e do aplicativo, como a segurança e comodidade dos passageiros Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de credenciamento e indenização por danos morais 202200704630 Solicitação de cadastro de motorista negado por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos requisitos dos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Preocupação da Plataforma com a segurança de seus consumidores - Liberdade contratual - Empresa é proprietária da plataforma digital e tem liberdade de escolha Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de credenciamento e indenização por danos morais 202200724506 Solicitação de cadastro de motorista negado por figurar como réu em processo criminal, em descumprimento aos requisitos dos Termos e Condições da Plataforma e da Lei 13.640/2018 - Liberdade contratual e autonomia da vontade - Poder-dever decorrente da livre autonomia para contratação - Regras da livre iniciativa, da atividade econômica no mercado de transporte Improvimento do recurso do motorista, para manter a sentença de improcedência dos pedidos de credenciamento e indenização por danos morais

Nos dois primeiros acórdãos, princípios e regras protetivas foram invocados para tutelar a relação jurídica em questão, confirmando a absorção jurisprudencial do neoconstitucionalismo e da constitucionalização das relações privadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (BRASIL, 2020; BRASIL, 2021b).

No primeiro acórdão são apontadas: a função social do contrato; a eficácia horizontal do princípio da dignidade da pessoa humana; dever de igualdade e não discriminação (BRASIL, 2020). Na segunda, não se perde de vista a fundamentação mediante direitos protetivos, porém com maior ênfase em princípios processuais: boa fé e função social do contrato; ausência de garantia de contraditório e ampla defesa ao motorista; ausência de prova da existência de processo criminal (BRASIL, 2021b).

Quando abordados todos os processos em um sentido analítico, constata-se que, em um segundo momento, há uma mudança de argumentação, na medida em que os fundamentos jurídicos escolhidos para a construção da norma de decisão deixam de ser aqueles constitucionais de tutela da parte vulnerável na relação jurídica, situando-se nos postulados da autonomia e liberdade contratual. Essa tendência foi detidamente analisada em um tópico específico desta investigação, por isso, aqui se limita a citar os principais discursos levantados. São eles: a) descumprimento dos Termos e Condições de uso por parte do motorista; b) a plataforma teria agido pautada em elementos objetivos para a segurança dos usuários, mesmo sem haver alguma condenação transitada em julgado referente aos motoristas; c) a autonomia privada e a liberdade de contratação da empresa; d) a licitude da ausência de notificação prévia; e) a boa-fé objetiva contratual; f) o direito de encerrar a parceria por conveniência e oportunidade (BRASIL, 2021c; BRASIL, 2021d; BRASIL, 2022a; BRASIL, 2022b; BRASIL, 2022c; BRASIL, 2022d; BRASIL, 2022e).

O próximo tópico, pautado na amostra colhida, objetiva aprofundar essas modificações no referencial argumentativo. Busca compreender a participação da forma-jurídica na racionalidade econômica da gestão neoliberal, examinar como novos contornos jurídicos legitimam e tentam estabilizar as intrínsecas tensões econômicas.

II - Neoliberalismo e cidadania sacrificial: corpos rejeitados em favor da segurança pessoal e da saúde econômica

“Seus olhos embotados de cimento e tráfego”

Os dados acima são um paradigma da modelagem político-econômica traçada nos últimos anos. A fundamentação jurisprudencial arquitetada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, na verdade, vai ao encontro da racionalidade já cultivada há um tempo pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Poder Legislativo, como bem perceberam José Gediel e Lawrence de Mello (2020GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet de. Autonomia Contratual e Razão Sacrificial: Neoliberalismo e Apagamento das Fronteiras do Jurídico. Revista Direito e Práxis, v. 11, p. 2238-2259, 2020., p. 2244). O direito, quando pensado como uma superestrutura da forma político-econômica (MASCARO, 2013MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 43), estaria a cimentar a operacionalização e o funcionamento dos mandamentos da governança neoliberal.

Esse arquétipo contemporâneo vem substituindo as insuficientes feições de Welfare State até então implementadas, para descentralizar e mitigar o poder estatal em relação a práticas políticas e empresariais (TEIXEIRA, 2018TEIXEIRA, Marilane Oliveira. A crise econômica e as políticas de austeridade: efeitos sobre as mulheres. In: Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil. São Paulo: Autonomia Literária, 2018. p. 281-300., p. 283). Aprofunda-se a miopia do Poder Público em setores eminentemente privatistas, instituindo-se pontos cegos para atos negociais problemáticos e para procedimentos lesivos ou excludentes (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018., p. 15-21).

De acordo com Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018.), a racionalidade neoliberal atual tem sido capaz de operar mudanças na produção de sujeitos, mediante um novo uso da categoria da liberdade. A autora assinala que o sujeito tem atuado como capital humano e a liberdade tem se convertido em empreendedorismo, refletindo, não apenas aquela abstenção do Estado da primeira modernidade, como também o compromisso desse sujeito com o bem-estar geral (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018., p. 40-41).

O neoliberalismo, nesse sentido, se apoia em um esquema valorativo que justifica o sacrifício de todo e qualquer cidadão em nome de uma economia saudável e flexível. Ele, enquanto mero capital humano, simples engrenagem de um sistema complexo, pode ter seus direitos reduzidos ou excluídos como forma de preservar ou viabilizar o crescimento econômico da nação ou, em sentido mais particular e concreto, da empresa da qual faz parte (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, v. 378, 2018., p. 33).

Apesar de analisarem o (neo)liberalismo por formas diversas, Zygmunt Bauman (2021BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.) e Ricardo Antunes (2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020.), convergem quanto às principais diferenças entre as relações de trabalho no fordismo, no toyotismo e na precariedade das relações laboriais modernas. No fordismo, havia uma maior correlação de forças entre o trabalhador e o capital, principalmente pela organização dos movimentos sociais e dos sindicatos. Embora o trabalho fosse mais mecanizado e quase sempre implicasse em múltiplas violências físicas e psíquicas, era maior regulamentado, regido por direitos protetivos (ANTUNES, 2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 81).

No toyotismo, por volta da década de setenta, inicia-se um processo de flexibilização das relações de emprego, somado a um discurso interior de participação, colaboração e gestão horizontal. No Brasil, o ingresso dessa forma de produção vai ser mais explícito a partir da década de oitenta, com a privatização de empresas nacionais, a reestruturação produtiva e abertura às indústrias estrangeiras por parte dos empregadores (ALEMANY, 2019ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito Penal). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019., p. 306). Nesse período conhecido pela redução das vagas geradas pelo setor industrial (ANTUNES, 2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 122; ALEMANY, 2019, p. 306) e pelo aumento do setor de serviços, iniciam-se as diversas tentativas de degradação dos direitos sociais do trabalho (ANTUNES, 2020, p. 81).

Essa decomposição vai se consolidar na era da globalização informática, das startups, na qual as empresas se tornam livres para se hospedarem onde bem quiserem. Por essa razão, as agendas políticas estatais de desenvolvimento precisam criar condições mais e mais atrativas para as empresas, notadamente as regiões mais pobres. Esses favorecimentos normalmente consistem em desregulação, em desmantelamento de leis e estatutos, de modo a deixar o capital mais livre e o mercado de trabalho, por sua vez, bastante flexível, vulnerável e sem poder de insurgência (BAUMAN, 2021BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 184-189).

Categorias abertas e maleáveis como autonomia privada e liberdade contratual caem como uma luva para que o direito reverbere essa racionalidade (LAVAL; DARDOT, 2018DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. El ser neoliberal. Barcelona: Editora Gedisa, 2018., p. 23). Elas são o espaço perfeito para que se encaixe uma líquida argumentação9 9 Como aponta o jurista e Ministro Mauricio Godinho Delgado, embora a prestação de serviços, na atualidade, tenha adquirido novas características e sido posta sob uma nova linguagem, a grande parte das relações ditas independentes e “parceiras”, guarnecem em seu núcleo uma explícita relação de subordinação. “É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será incompatível, porém, com uma intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral. Havendo ordens cotidianas, pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro, desaparece a noção de autonomia, emergindo, ao revés, a noção e realidade da subordinação” (DELGADO, 2011, p. 572). inclinada a justificar o sacrifício do sujeito em prol da coletividade ou, ainda, do bom serviço prestado pela empresa. Tudo isso, é claro, degringola em privilégios e lucros para setores e grupos empresariais (GEDIEL; MELLO, 2020GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet de. Autonomia Contratual e Razão Sacrificial: Neoliberalismo e Apagamento das Fronteiras do Jurídico. Revista Direito e Práxis, v. 11, p. 2238-2259, 2020., p. 2254).

Os chamados empreendedores, que podem ser enquadrados, de modo geral, na categoria dos profissionais da uberização (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Questões do trabalho, Estudos Avançados, v. 34, n. 98, jan-apr, 2020. Disponível: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/?lang=pt. Acesso em 15 nov., 2022.
https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLz...
, p. 112), são incluídos em uma ficcionalização jurídico-formal impermeável aos direitos trabalhistas. São livres para se doarem, sem direitos, sem garantias, sem limites de horas às empresas de aplicativos. Tornam-se a classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 66). Sob as suas costas é jogada a responsabilidade em salvar os sonhos não concretizados da gestão neoliberal. Uma economia recheada por superávits positivos, baixas taxas de desemprego e mínimas reivindicações do corpo social, já que este conviveria harmoniosamente com essa pontual intervenção do estado na economia. A realidade, porém, é diversa. Nessa economia dita profícua, no sucesso dos serviços de transporte via aplicativo, restam assentados o barateamento do trabalhador, a exclusão de seus benefícios laborais, o desamparo em casos de acidentes e problemas de saúde, tudo isso somado a altas jornadas de trabalho (ANTUNES, 2020, p. 141).

O fato é que, embora a situação fática desses trabalhadores se subsuma na relação empregatícia definida na Consolidação das Leis Trabalhistas, as legislações recentes, que seguem a onda neoliberal, têm constituído novas abstrações jurídicas destinadas a desfazer tal subsunção; incluem a relação uberizada para excluí-la das delimitações protetivas e garantistas (BIANCHI; MACEDO; PACHECO, 2020BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, [S. l.], v. 6, n. 10, p. 134-156, 2020.).

Nessa zona constituída de vulnerabilidade, o princípio jurídico da autonomia privada pode trafegar livremente e aniquilar os resquícios de direitos e garantias que eventualmente sejam atiçados. A cartela de direitos laborais, arduamente conquistados com o tempo, como férias, décimo terceiro, intervalo intrajornada e interjornada, é completamente desconsiderada, afinal, desprovida de significado nessa relação jurídica em particular.

Se tais direitos, tão valiosos no cenário laboral, podem ser ofuscados pelo império da liberdade contratual, o que dizer de garantias constitucionais como a presunção de inocência, como a proteção de dados pessoais? A lógica de economicização de direitos parece ir muito mais adiante, pois, quando há essa disrupção entre o modo de regulação e o regime de acumulação (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019., p. 199), até mesmo categorias e cláusulas revestidas de constitucionalidade são atingidas e moduladas.

Esse tipo de impedimento, a partir dos apontamentos criminais, existiria caso houvesse uma escassez na mão-de-obra necessária para o funcionamento das empresas de aplicativo? Diante do cenário aqui debatido, da maximização da eficiência econômica das instituições sociais, como o sistema jurídico e as suas regulações, aponta-se para uma resposta negativa.

O modo como o capital circula e se soma na atualidade é diferente dos sistemas de produção anteriores. Certos setores laborais, que estão uberizados, contam com uma ampla disponibilidade de trabalhadores. O sistema econômico capitalista, então, exige uma seleção criteriosa, porém opaca e parcial, por meio da qual determinados corpos possam empreender e outros não. A tecnologia viabiliza esse livre e fácil controle de dados e, de outro lado, essa moldura político-econômica faz com que instituições garantes - como o Judiciário - virem as costas para violações de direitos dos trabalhadores.

A racionalidade neoliberal que se insere nas decisões analisadas do Tribunal de Justiça de Sergipe retoma a importância sobre as teorias críticas que durante as diversas crises do liberalismo clássico apontaram a incumbência da forma-jurídica para a estabilização e o sequenciamento da reprodução do capital (MASCARO, 2013MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 31; PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 140). No entanto, diante da amplitude e a da incursão das novas tecnologias sobre quase todos os dados que revestem os sujeitos no presente, impossíveis de serem previstas por esses marcos teóricos, tece-se um exame pontual no tópico seguinte.

Iii - A (des)proteção de dados no capitalismo de vigilância: (in)visibilidade do controle digital

“Ergueu no patamar quatro paredes flácidas”

Pode-se notar o que estava em jogo nas decisões analisadas por variados enfoques. Para essa análise jurídico-científica, porém, optou-se por confrontar a prática empresarial consentida pelo Poder Judiciário com a temática da proteção de dados pessoais. Neste tópico, pretendeu-se verificar de que modo a racionalidade neoliberal se articula com o capitalismo de vigilância e, dessa maneira, esvazia o teor de normas que, cogentemente, se aplicariam a esse contexto.

É indiscutível que as Plataformas Digitais, para fazerem o controle de motoristas credenciados e candidatos ao credenciamento, valem-se de dados pessoais por eles fornecidos. Em um primeiro momento, não há problema em tal fiscalização sobre a qualidade e a segurança do serviço a ser prestado. Essa operação, entretanto, não pode ser fundada em pressupostos discriminatórios. Além disso, não são todos os dados que estão disponíveis à coleta e tratamento. Porém, diante da opacidade desse controle, não se conhece a profundidade e a frequência dessa apuração. Há um mascaramento dos processos de tratamento e processamento de dados perante a sociedade e as instituições em geral.

Como redigido por Rafael Garcia (2022GARCIA, Rafael de Deus. Processo penal e algoritmos: o Direito à privacidade aplicável ao uso de algoritmos no policiamento. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2022., p. 159) em sua tese doutoral, as novas tecnologias de controle possuem algumas características que precisam ser levantadas. A primeira se refere à invisibilidade, não se conhece os termos, a profundidade, a frequência de seu controle. Se para a eficácia do poder disciplinar (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Editora: WMF Martins Fontes, 2010., p. 133) este precisava ser a todo momento visualizado, os novos controles, ainda que sempre presentes, atuam mediante a invisibilidade. A segunda característica é uma diversa linguagem utilizada, os seus códigos e acessos são restritos a uma camada muito pequena de empresas e programadores. Por fim, a temporalidade é um atributo que permite a constante produção de dados, de vigilância, de inspeção. Assim, por exemplo, logo após a introdução de algum processo penal nas plataformas judicias referente a algum motorista cadastrado, as empresas de transporte por aplicativo são rapidamente notificadas. É sobre esse conjunto de particularidades que se entende a opacidade desse controle.

De acordo com o art. 5º da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), em síntese, dado pessoal é a informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável e o tratamento deste é a operação que se refere à coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração (BRASIL, 2018b).

Todas essas atividades, diz a mesma lei no art. 6º, devem observar a boa-fé e alguns outros princípios que, ao fim e ao cabo, buscam restringir a sua incidência sobre a intimidade e a privacidade do titular. Entre esses preceitos, estão a não discriminação e a transparência (incisos IX e VI, respectivamente). O primeiro determina a impossibilidade de realizar tratamento para fins discriminatórios negativos ou abusivos. O segundo, por sua vez, garante ao titular informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento (BRASIL, 2018b). Esses conceitos-chaves são suficientes, em um primeiro momento, para analisar a questão levantada.

Os motoristas habilitados ou que buscam se habilitar nas plataformas, ao se submeterem à avaliação, necessariamente, comprovam a inexistência de antecedentes criminais. Não há necessidade de provarem, contudo, que não sofrem processos criminais. Entrar na discussão jurídico-criminal desses conceitos foge do objetivo deste curto artigo. É suficiente, não obstante, mencionar que o antecedente criminal pressupõe uma sentença penal condenatória transitada em julgado, o que, obviamente, não ocorre quando se é réu de um processo criminal, em atenção ao princípio constitucional da presunção de inocência. A lei nº 13.640/2018, que regulamenta o transporte remunerado privado individual de passageiros, referência normativa para os termos e condições de uso das plataformas, exige apenas, nesse ponto, certidão negativa de antecedentes criminais (BRASIL, 2018a)10 10 “Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais”. . Nos processos judiciais que envolvem as empresas de transporte por aplicativo aqui analisados, entretanto, o fato de simplesmente responder como réu em uma ação penal em andamento já é bastante para descadastramentos ou negativas de cadastramento nas plataformas digitais11 11 Isso não significa, porém, que a proibição ou descadastramento de motoristas das plataformas seja devido caso eles possuam antecedentes criminais. Esse raciocínio, ou melhor, essa negação do direito ao trabalho àqueles que têm antecedentes, continua questionável do ponto de vista sistemático normativo. Para esta pesquisa, não obstante, é crucial evidenciar que, mesmo em uma leitura meramente gramatical do ordenamento, a construção da argumentação judicial não se sustenta. E isso deixa claro que essa fuga da norma se dá para, por meio de amplíssimos princípios contratuais privados, prestigiar valores do neoliberalismo. Portanto, a inferência tida neste trabalho não se contradiz com a que se possa ter diante de suportes fáticos distintos, como os de motoristas com antecedentes criminais. Contudo, o pano de fundo para tal discussão seria diverso. .

Portanto, a existência de processos criminais pendentes em nome dos motoristas não é um dado cedido espontânea, livre e conscientemente. Aliás, eles nem mesmo sabem dessa exigência, que exorbita das normas a que poderia ter acesso. As empresas desse gênero, sim, mineram esses dados, entendendo-os como valorosos para o sucesso de seu empreendimento.

Essa é uma tática de controle bem conveniente nesta complexa formatação do capitalismo de vigilância, onde tudo que compete ao comportamento humano é conhecido e moldado (ZUBOFF, 2021ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021.). Na era do Big Data, os dados de indivíduos são vistos como ativos rentáveis, que, uma vez tratados, possibilitam vê-los como consumidores, entrevendo ou predizendo seus desejos; ou até como potenciais criminosos, mediante análises racionais que frequentemente dão eco a processos decisórios de discriminação (FORNASIER; KNEBEL, 2021FORNASIER, Mateus de Oliveira; KNEBEL, Norberto Milton Paiva. O titular de dados como sujeito de direito no capitalismo de vigilância e mercantilização dos dados na Lei Geral de Proteção de Dados. Revista Direito e Práxis, v. 12, p. 1002-1033, 2021., p. 1010-1012).

Essas decisões são articuladas obscuramente, conflitando com a diretriz de transparência prevista na LGPD. Uma das principais características do capitalismo de vigilância é a opacidade da visão algorítmica (GARCIA, 2022GARCIA, Rafael de Deus. Processo penal e algoritmos: o Direito à privacidade aplicável ao uso de algoritmos no policiamento. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2022.). Cada vez mais os sujeitos têm menores controles sobre como são adquiridos seus dados e quais os destinos fornecidos a eles (BRUNO, 2018BRUNO, Fernanda. Visões maquínicas da cidade maravilhosa: do centro de operações do Rio à Vila Autódromo. In: BRUNO, F. et al. (Org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo. Boitempo, 2018, p. 239-256., p. 244).

Nesse sistema de controle digital, torna-se mais expresso o fato de os algoritmos carregarem em si uma textura diversa, isto é, uma linguagem, mas também uma dinâmica institucional e temporal de produção de dados e de controle ainda não conhecida (GARCIA, 2022GARCIA, Rafael de Deus. Processo penal e algoritmos: o Direito à privacidade aplicável ao uso de algoritmos no policiamento. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2022., p. 158). A sua linguagem é atravessada por dispositivos computacionais que recortam os dados, interligam-nos e produzem informações que nem os próprios sujeitos que inicialmente tiveram seus dados capturados ou cedidos a conhecem por completo.

Aquela vigilância panóptica que Foucault (2014FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 194-195) havia identificado nas instituições modernas - nas fábricas, por exemplo -, em que o indivíduo se sabia vigiado e se empenhava para se vigiar, não mais se reproduz em sua integridade. Como notou Bauman (2021BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 148-153) ao analisar a transição entre a modernidade sólida e líquida, o poder, controle e vigilância se exercem livre e instantaneamente, com fluidez, sem que o dominado os possa perceber. Para isso, a tecnologia contribui significativamente, é verdade. O universo cibernético potencializa a vazão de informações das bases institucionais, de modo que elas passam a ser geridas fora do âmbito estritamente público descontroladamente (GARCIA; DUARTE, 2021GARCIA, Rafael de Deus; DUARTE, Evandro Charles Piza. Compreendendo algoritmos aplicados ao sistema de justiça criminal: ilegibilidade, acesso, compreensão, verdade e computabilidade no “eu” identificado por algoritmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 183, p. 199, 2021.).

Não são justificados ou pelo menos explicados os critérios e procedimentos adotados para coletar os processos criminais em que os motoristas são réus. Não se conhece a operação de busca, se há utilização de algoritmos e nem mesmo se essa é uma prática protocolar ou impulsionada por um ou vários fatores circunstanciais. É fato que essas bases de dados são públicas e atualmente, em maioria, virtualizadas. No entanto, tal tratamento de dados, nos termos da LGPD, não pode ser tão obscurecido, pois pode facilmente implicar em processo decisório de exclusão ou inclusão.

Esse é um problema de transparência, lastreado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe nos acórdãos analisados. Como pontua Zuboff (2021ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021., p. 549), a proteção dada pelo Judiciário ao mínimo de privacidade que separava o indivíduo das forças sociais/coletivas, não mais subsiste. A porta da casa, clássica barreira física de proteção, na era digital, violentamente é posta de maneira sempre aberta. Cadeados e fechaduras são facilmente contornados por uma obscura linguagem. E é evidente que essa opacidade se concilia com a persistente exclusão social.

Informações colhidas mediante dados pessoais são utilizadas para classificar e segmentar socialmente os indivíduos. Portanto, essa operacionalização deságua em estereotipização e estigmatização e, consequentemente, afeta a distribuição de oportunidades sociais (BIONI, 2021BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2021., p. 87). Apesar das condições precárias do trabalho uberizado (BIANCHI; MACEDO; PACHECO, 2020BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, [S. l.], v. 6, n. 10, p. 134-156, 2020.), selecionar ubers com determinados caracteres com base em processamento de dados é uma forma de organizar - ou separar - social e espacialmente os corpos. Isso não é nenhuma novidade, aliás. Assim como as Plataformas julgam e o TJSE consente, os corpos supostamente criminosos devem estar fora do tráfego social, das relações sociais e laborais, da comunicação.

Nos casos analisados, são corpos supostamente criminosos, afinal, não foram condenados por sentença penal transitada em julgado12 12 Ainda que seja inconcebível, conforme as teorias críticas criminológicas e como pontuado anteriormente na introdução e na nota de rodapé precedente, que mesmo aqueles que possuem certidões com antecedentes criminais tenham que suportar restrições ao seu direito de trabalhar. . Os dados processuais criminais que denotam a mera condição de réu é um carimbo identificador dos indivíduos que lhes dão destaque e conduz o seu destino, seja em âmbito público ou privado (GARCIA; DUARTE, 2021GARCIA, Rafael de Deus; DUARTE, Evandro Charles Piza. Compreendendo algoritmos aplicados ao sistema de justiça criminal: ilegibilidade, acesso, compreensão, verdade e computabilidade no “eu” identificado por algoritmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 183, p. 199, 2021.). Esse dado configura uma informação que é por si estereotipante e, da forma como utilizada, fundamenta uma decisão discriminatória. No paradigma examinado, os supostos criminosos tiveram seu destino decretado pelas plataformas de aplicativos de transporte e, em um segundo momento, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

A verdade é que não há qualquer preocupação com princípios e garantias fundamentais nesses processos decisórios, pois tais plataformas se camuflam na autonomia privada e liberdade contratual, cartas “curinga” do neoliberalismo. O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal diz expressamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). As empresas, no entanto, pressupõem a culpabilidade para excluir os motoristas réus das plataformas. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por sua vez, nega a eficácia horizontal desse direito fundamental, isto é, nas relações entre particulares, proferindo decisão nitidamente inconstitucional13 13 Como visto, nos dois primeiros acórdãos (processo nº 202000827872 e 202100803097), foi reconhecida a eficácia horizontal do princípio da dignidade humana e do dever de igualdade e não discriminação, para proteger o motorista discriminado. No entanto, as decisões seguintes reverteram completamente o sentido argumentativo, privilegiando a autonomia privada e liberdade contratual. E esse parece ser o entendimento jurisprudencial prestes à consolidação. .

E se o processo for arquivado? E se, ao fim da ação, for provada a inocência do réu? E se a ação for julgada improcedente? Enfim, e se não vier a condenação penal do motorista passada em julgado? Aliás, e mesmo que viesse, e já houvesse cumprido pena, o indivíduo que a estivesse cumprindo em regime aberto, não deveria ter o direito de trabalhar como qualquer outra pessoa?14 14 Esse seria o caso dos motoristas com antecedentes criminais que poderiam ser banidos ou impedidos de participar dos aplicativos de transporte, o que não foi analisado nesta pesquisa por não representar o contexto fático-processual que serviu de apoio para o método de análise de decisões, mas que, sem sombra de dúvidas, justifica uma reflexão crítica à parte, conduzindo o amadurecimento da discussão. O quanto essa marca estereotipante colhida mediante tratamento de dados - enviesado, obscuro e discriminatório - influenciaria na regularidade da prestação de serviços de tais empresas? Essas são perguntas retóricas. Já se sabem as suas respostas.

Na esfera penal, desde 2010, compreende-se que processos em curso, ou até mesmo inquéritos policiais em andamento, segundo a Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça, não podem ser tomados como referência em prejuízo ao réu. Percebe-se, então, que com a legitimação do Judiciário, na seara cível, uma situação bem mais gravosa tem se consolidado: o uso de apontamentos criminais por aplicativos de serviços para a determinação criminal tem sido admitida e lastreada.

A racionalidade neoliberal que se implanta nessas empresas uberizadas e na retórica do Judiciário pode afetar proposições constitucionais de relevo. A constitucionalização das relações privadas, especificamente os efeitos horizontais das disposições constitucionais parecem se distanciar cada vez mais nesse quadro político-econômico vivenciado. Princípios e direitos fundamentais podem muito bem ser relativizados, mitigados ou excluídos de determinada relação privada com base na autonomia, na liberdade contratual.

Não há nenhuma novidade nas intrínsecas relações entre o sistema econômico/laboral e o sistema punitivo com os seus efeitos. Em 1939, Georg Rusche e Otto Kirchheimer, na clássica obra “Punição e Estrutura Social" já destacavam a centralidade do sistema punitivo para regular, por exemplo, a falta ou o excesso de força de trabalho disponível (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004RUSCHE, George; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 64).

Diante das altas taxas de desemprego que corroem o Brasil, da grande oferta de mão-de-obra para atuar como motorista por aplicativo15 15 Um fato corriqueiro, por exemplo, são o(a)s futuras motoristas ingressarem em arriscados financiamentos de automóveis apenas para se entregarem a esse tipo de prestação de serviço. , manejar exclusões fundadas em processos em andamento é, antes de qualquer dito procedimento de averiguação para segurança, um ato de descartabilidade da vida humana, de reiteração a históricas exclusões brasileiras, sócio raciais.

Desenvolver soluções para essa problemática seria uma tarefa extremamente complexa para o objetivo deste estudo científico. Principalmente porque há questões econômicas, sociais, políticas e até culturais que extrapolam o campo jurídico e que merecem análises mais detidas e profundas. Algumas considerações exploratórias, não obstante, podem ser feitas, considerando os resultados alcançados.

Em primeiro lugar, diante da natureza das informações que são extraídas da verificação da existência de processos criminais em nome de motoristas candidatos ao credenciamento ou credenciados às plataformas, tais dados devem ser alçados à categoria de dados pessoais sensíveis. Essa espécie de dado, por sua natureza, revela uma situação de vulnerabilidade do titular, como a orientação sexual, religiosa, política, o seu estado de saúde etc., de modo que o seu tratamento imprudente pode ensejar práticas discriminatórias (BIONI, 2021BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2021., p. 83-85). Classificar tais informações nesse dispositivo tornaria o processo de coleta e análise mais rigoroso e cuidadoso, exigindo, por exemplo, o consentimento específico e destacado do titular, conforme artigo 11 e seguintes da LGPD (BRASIL, 2018).

Além disso, esse processamento deve vir esclarecido nos termos e condições de uso, bem assim todo o encadeamento de atos para a coleta de tais dados sensíveis. Destaque-se que a previsão contratual dessas empresas se limita a antecedentes criminais, o que, como dito, não se confunde com a mera existência de processos criminais. Devem ficar transparentes os critérios de escolha, se aleatória ou motivada, o software ou algoritmo utilizado para tanto, quais as bases de dados, qual a análise que foi feita sobre o processo, o que foi constatado e de que forma, quais os tipos de ação em curso que teriam peso para o bloqueio do motorista etc. Essa seria uma forma de buscar atender, além dos princípios da transparência e não discriminação já referidos, o princípio da finalidade previsto no art. 6º, inciso I, da LGPD (BRASIL, 2018).

E, finalmente, se essa clareza e publicidade for garantida aos titulares, será adequado, até mesmo para garantir a lisura do procedimento, garantir-lhes o direito ao contraditório16 16 Como visto nas decisões analisadas, esse direito ao contraditório foi reconhecido nas primeiras, mas, em seguida, completamente desprezado na linha de fundamentação decisória adotada pelos desembargadores do TJSE. . Essa é uma obrigação das operadoras, inclusive, como prevê o artigo 20 da LGDP: “O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses (...)” (BRASIL, 2018). Esses são alguns dos pontos que merecem olhares mais atentos dos juristas e fiscais de aplicação da LGPD.

Se a acessibilidade e a democratização da informação são bandeiras argumentativas apresentadas em defesa da nova era digital, ao que conclui esta investigação, essas conquistas fazem parte apenas da superfície do sistema. Conhecemos o palco, mas não os bastidores. A cartola, não o mágico. As marionetes, não as redes e os objetivos implícitos do controle em ação.

Considerações finais

“Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”

A partir das decisões judiciais apresentadas na primeira parte desta investigação, verificou-se uma mudança no eixo argumentativo do mesmo órgão jurisdicional, para migrar de valores protetivos da pessoa humana até as exigências econômicas empresariais. Nos dois primeiros acórdãos, foi possível constatar os seguintes alicerces na fundamentação: a função social do contrato, a eficácia horizontal do princípio da dignidade da pessoa humana, dever de igualdade e não discriminação. Nos acórdãos seguintes, que mostraram a crescente judicialização daquela relação privada, vê-se que a tese do descumprimento contratual vai ser redirecionada aos motoristas, por não respeitarem os elementos objetivos necessários para a segurança dos usuários. Ademais, são outros fundamentos apontados: a autonomia privada e a liberdade de contratação da empresa, a licitude da ausência de notificação prévia, a boa-fé objetiva contratual, o direito de encerrar a parceria por conveniência e oportunidade.

A violação aos direitos laborais dos motoristas por meros apontamentos criminais se apoia em uma racionalidade neoliberal estruturada, o que, aliás, não é estranho ao sistema jurídico que segue no mesmo caminho de controle/regulação quanto ao uso de aplicativos e formas terceirizadas de trabalho. Nessa formatação econômica-política, o sujeito é visto por uma perspectiva diferente; ele é um capital humano cujo sacrifício pode se justificar em nome de uma economia saudável ou até mesmo da empresa que integra.

Nesse quadro, há a perfeita acomodação das cláusulas abertas utilizadas retoricamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe: a autonomia privada e a liberdade contratual. Essas categorias puderam justificar o sacrifício de direitos dos trabalhadores com bastante facilidade. A uberização, a propósito, é uma ficcionalização, lastreada em práticas concretas, que visa à economicização de direitos. Ela é um constructo moderno que pretender ser impermeável aos direitos trabalhistas arduamente conquistados com o tempo.

No caso analisado, os principais direitos suprimidos foram os direitos ao trabalho, à proteção de dados pessoais e à presunção de inocência. Primeiramente, notou-se que, formalmente, a exigência que se faz aos motoristas é a comprovação de inexistência de antecedentes criminais, o que se diferencia de possuir meros apontamentos criminais. Mas, para uma melhor prestação de serviços, essas plataformas julgam que esse último dado também é importante e deve ser avaliado. Desse modo, procedem com a captura dessas informações, por meio da mineração de dados.

O problema identificado, além da concreta exclusão dos trabalhadores, é que essas escolhas e correspondentes processos decisórios são articulados opacamente, ou seja, sem que haja transparência. Dados como esses, que antes se concentravam apenas no espaço estritamente público, hoje se transbordam em robustos e opacos controles privados, intensificando a vulnerabilidade dos seus titulares.

Não se sabem os critérios e justificativas para essa coleta de apontamentos criminais, muito embora estes dados sejam utilizados para classificar e segmentar socialmente indivíduos. Eles dão ensejo à separação social e espacial de certos corpos, corpos supostamente criminosos, carimbados por uma condição contrária à presunção de inocência, direito fundamental negado taxativamente, um sacrifício que se justifica na racionalidade neoliberal, e que se articula com linhas argumentativas jurisprudenciais, como foi o caso das analisadas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

A partir dessa legitimação judicial, pode-se perceber como o imaginário do “criminoso”, ainda que não classicamente solidificado através de uma sentença transitada em julgado, tem sido manejado, modulado, conduzido para o descarte de vidas humanas, enxergadas como cifras pelo capitalismo em sua gestão neoliberal. Gestão que, neste caso, manipula a noção de risco criminal, sem qualquer base científica ou possibilidade de controle racional.

Esse violento sacrifício de sujeitos, lastreado juridicamente, ultrapassa os direitos e princípios constitucionais fundamentais; os diplomas normativos; as lutas e conquistas dos trabalhadores brasileiros em benefício dos sonhos não realizados e não concretizáveis do neoliberalismo. As amostras aqui analisadas, embora pontuais e recentes, por ser um debate em ascensão no Poder Judiciário, possibilitaram apontar novas estratégias de exclusão sob as velhas violências ao contingente laboral brasileiro, historicamente espoliado. E essas constatações conduzem às seguintes assertivas.

Em primeiro lugar, as informações extraídas da verificação da existência de processos criminais em nome de motoristas candidatos ao credenciamento ou credenciados às plataformas deveriam ser tratadas como dados pessoais sensíveis, na medida em que revelam uma vulnerabilidade dos titulares.

Em razão dos princípios da transparência, finalidade e não discriminação previstos na LGPD, esse processamento de dados deveria ser esclarecido detalhada e exaustivamente nos termos e condições de uso. Além disso, os titulares desses dados, motoristas ou candidatos, deveriam ter direito ao contraditório, a fim de poder justificar eventuais incompatibilidades daquele tratamento de dados. Ademais, a empresa, no mínimo, deveria fundamentar cientificamente a suposta relação entre a existência de meros apontamentos e o pretendido “risco criminal”.

Estas considerações parecem oportunas e pertinentes para se reavaliar o posicionamento adotado pelo TSJE, este que atravessado pela racionalidade neoliberal, tem economicizado direitos ao invocar a autonomia privada e a liberdade contratual como princípios preponderantes frente aos direitos dos trabalhadores por aplicativo. É preciso reavaliar esse quadro, essa realidade. Para tanto, analisar de modo constante e criticamente a materialização dos direitos fundamentais é uma tarefa inicial indispensável enquanto a precariedade, a vigilância e a liquidez forem marcas desse tempo histórico.

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  • SERGIPE. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 202100737874. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. APLICATIVO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. RECUSA EM REALIZAR O CADASTRO DO AUTOR NA PLATAFORMA. JULGAMENTO IMPROCEDENTE DA LIDE. RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELA LEI N.º 13.640/2018. EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL EM QUE O AUTOR FIGUROU COMO RÉU. EMPRESA QUE NÃO É OBRIGADA A ACEITAR O CADASTRO DE MOTORISTA, TENDO EM VISTA A LIBERDADE DE CONTRATAR. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA LIBERDADE CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE ILÍCITO PRATICADO PELA REQUERIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. Processo número: 0004133-80.2021.8.25.0001. 1ª Câmara Cível. Relator(a): Cezário Siqueira Neto - Julgado em 18/02/2022, 2022c. Disponível em: https://www.tjse.jus.br/portal/consultas/jurisprudencia/judicial Acesso em: 11 out. 2022.
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  • SERGIPE. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 202200704630. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - APLICATIVO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS - BLOQUEIO DE ACESSO DE MOTORISTA POR NÃO PREENCHER TODOS OS REQUISITOS - EMPRESA ALEGA QUE A PARTE POSSUI ANTECEDENTES CRIMINAIS - DA ANALISE OS AUTOS VERIFICO QUE O APELANTE FOI PACIENTE NO HABEAS CORPUS CRIMINAL DE NÚMERO ÚNICO 0002969-55.1999.8.25.0000, PROCESSO DE Nº 199900303999 TJ/SE - RECUSA JUSTIFICÁVEL - NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS IMPOSTOS PELA PLATAFORMA. - A EMPRESA NÃO É OBRIGADA A CONTRATAR CONFORME ART. 421 DO CC - MERO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL - PREVISÃO CONTRATUAL - INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO [...]. Processo número: 0029041-07.2021.8.25.0001. 1ª Câmara Cível. Relator(a): Ruy Pinheiro da Silva - Julgado em 29/04/2022, 2022d. Disponível em: https://www.tjse.jus.br/portal/consultas/jurisprudencia/judicial Acesso em: 11 out. 2022.
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  • SERGIPE. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 202200724506. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - RECUSA DE FILIAÇÃO DE MOTORISTA EM APLICATIVO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS - UBER - VERIFICAÇÃO DE SEGURANÇA - EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL QUE CONSTA O AUTOR COMO RÉU - AUTONOMIA DA VONTADE - AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO - PRECEDENTES - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - APELO CONHECIDO E DESPROVIDO - UNÂNIME. Processo número: 0005678-29.2021.8.25.0053. 1ª Câmara Cível. Relator(a): Relator(a): Roberto Eugenio da Fonseca Porto - Julgado em 02/09/2022, 2022e. Disponível em: https://www.tjse.jus.br/portal/consultas/jurisprudencia/judicial Acesso em: 11 out. 2022.
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  • ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Editora Intrínseca, 2021.
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
  • 2
    “A Uber conta com diferentes modalidades de verificação de parceiros e usuários para proporcionar uma experiência tranquila para todos. Todos os parceiros passam por um processo de cadastro de várias etapas antes de aceitar a primeira viagem que envolve checagem de apontamentos criminais e análise da CNH. De tempos em tempos, o app pede, aleatoriamente, para que eles tirem uma selfie antes de aceitar uma viagem ou de ficar on-line para verificação de sua identidade. Os usuários são verificados via cartão de crédito ou têm seus dados de CPF e data de nascimento checados em uma base do governo. Além disso, pode ser necessário também apresentar uma foto do documento de identidade”. Disponível em: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/. Acesso em: 11 out. 2022.
  • 3
    “Termos de Uso Motorista/Motociclista Parceiro: 3.2. Após receber a documentação de cadastro, a empresa 99 efetuará uma análise e poderá aceitar ou recusar a solicitação de cadastro do Motorista/Motociclista prestador de serviços. A 99 também poderá realizar a checagem de antecedentes criminais e quaisquer outras verificações que considerar oportunas ou que sejam exigidas pela legislação aplicável”. Disponível em: https://99app.com/legal/termos/motorista/?_time=1637120731⟨=pt-BR&location_country=BR. Acesso em: 11 out. 2022
  • 4
    Após a realização dessa investigação em 2022, aprovada para a publicação em 2023, foi enviado o Projeto de Lei Complementar nº 12/2024 ao Poder Legislativo, em março de 2024, que visa regulamentar o trabalho de motoristas por aplicativo. Nesse sentido, a presente pesquisa não abarcou o respectivo projeto. Contudo, vale registrar que embora o Projeto tenha buscado garantir a defesa do motorista, reitera a autonomia contratual e a preponderância das cláusulas dos “Termos de Uso” para bloqueios, suspensões e, principalmente, exclusões do motorista. Como será desenvolvido nessa investigação, os “Termos de Uso” chegam a lesar direitos constitucionalmente garantidos, como a presunção de inocência, prática legitimada nas decisões judiciais do recorte selecionado em defesa da “autonomia contratual”.
  • 5
    Em 2021, no Recurso Extraordinário nº 1307053, o Supremo Tribunal Federal assentou a seguinte tese: “violam o princípio da presunção de inocência o indeferimento de matrícula em cursos de reciclagem de vigilante e a recusa de registro do respectivo certificado de conclusão, em razão da existência de inquérito ou ação penal sem o trânsito em julgado de sentença condenatória” (BRASIL, 2021).
  • 6
    Termos como “tendência”, “disposição”, “propensão” foram incisivamente defendidos e utilizados pela criminologia positivista e o racismo científico do fim do século XIX e início do século XX (SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., p. 28; CARVALHO; DUARTE, 2017CARVALHO, Salo de; DUARTE, Evandro Piza. Criminologia do Preconceito: Racismo e Homofobia nas Ciências Criminais. São Paulo: Saraiva, 2017.). No Brasil, entre os principais autores dessas correntes, destacam-se os nomes de: Nina Rodrigues, Sílvio Romero e Francisco José de Oliveira Vianna (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019., p. 29).
  • 7
    As decisões do TJ/SE se aparentavam interessantes em face dos objetivos delineados. O discurso lá disposto se mostrou bastante nítido para a pretensão de análise jusfilosófica com aportes de crítica ao modelo neoliberal. A seleção também se deu pelo fato de que um tribunal busca uniformizar e estabilizar a jurisprudência sobre o assunto. Por isso, convinha verificar se havia de fato uniformidade e qual o sentido argumentativo que vem sendo massificado por aquele órgão jurisdicional.
  • 8
    O Tribunal de Justiça do estado de Sergipe foi escolhido tanto pelo contato anterior dos autores com essa demanda judicial, como pelo potencial desse conjunto de decisões operar como uma amostra de uma rede de decisões formada por Tribunais de Justiça de outros estados, já que tanto estas, como decisões dos Tribunais Superiores, são tomadas como parâmetros de fundamentação pelo judiciário sergipano.
  • 9
    Como aponta o jurista e Ministro Mauricio Godinho Delgado, embora a prestação de serviços, na atualidade, tenha adquirido novas características e sido posta sob uma nova linguagem, a grande parte das relações ditas independentes e “parceiras”, guarnecem em seu núcleo uma explícita relação de subordinação. “É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será incompatível, porém, com uma intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral. Havendo ordens cotidianas, pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro, desaparece a noção de autonomia, emergindo, ao revés, a noção e realidade da subordinação” (DELGADO, 2011DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. Ed. São Paulo: LTr, 2011., p. 572).
  • 10
    “Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições:
    I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada;
    II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal;
    III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV);
    IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais”.
  • 11
    Isso não significa, porém, que a proibição ou descadastramento de motoristas das plataformas seja devido caso eles possuam antecedentes criminais. Esse raciocínio, ou melhor, essa negação do direito ao trabalho àqueles que têm antecedentes, continua questionável do ponto de vista sistemático normativo. Para esta pesquisa, não obstante, é crucial evidenciar que, mesmo em uma leitura meramente gramatical do ordenamento, a construção da argumentação judicial não se sustenta. E isso deixa claro que essa fuga da norma se dá para, por meio de amplíssimos princípios contratuais privados, prestigiar valores do neoliberalismo. Portanto, a inferência tida neste trabalho não se contradiz com a que se possa ter diante de suportes fáticos distintos, como os de motoristas com antecedentes criminais. Contudo, o pano de fundo para tal discussão seria diverso.
  • 12
    Ainda que seja inconcebível, conforme as teorias críticas criminológicas e como pontuado anteriormente na introdução e na nota de rodapé precedente, que mesmo aqueles que possuem certidões com antecedentes criminais tenham que suportar restrições ao seu direito de trabalhar.
  • 13
    Como visto, nos dois primeiros acórdãos (processo nº 202000827872 e 202100803097), foi reconhecida a eficácia horizontal do princípio da dignidade humana e do dever de igualdade e não discriminação, para proteger o motorista discriminado. No entanto, as decisões seguintes reverteram completamente o sentido argumentativo, privilegiando a autonomia privada e liberdade contratual. E esse parece ser o entendimento jurisprudencial prestes à consolidação.
  • 14
    Esse seria o caso dos motoristas com antecedentes criminais que poderiam ser banidos ou impedidos de participar dos aplicativos de transporte, o que não foi analisado nesta pesquisa por não representar o contexto fático-processual que serviu de apoio para o método de análise de decisões, mas que, sem sombra de dúvidas, justifica uma reflexão crítica à parte, conduzindo o amadurecimento da discussão.
  • 15
    Um fato corriqueiro, por exemplo, são o(a)s futuras motoristas ingressarem em arriscados financiamentos de automóveis apenas para se entregarem a esse tipo de prestação de serviço.
  • 16
    Como visto nas decisões analisadas, esse direito ao contraditório foi reconhecido nas primeiras, mas, em seguida, completamente desprezado na linha de fundamentação decisória adotada pelos desembargadores do TJSE.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2022
  • Aceito
    02 Jun 2023
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