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Controle racial militarizado: desvelando as dinâmicas subculturais de significado que facilitam a atuação policial propensa à violação de direitos humanos

Resumo

O presente artigo discute o controle racial militarizado, com foco direcionado para as dinâmicas subculturais de significado que facilitam a atuação policial propensa à violação de direitos humanos. O texto utiliza uma pesquisa bibliográfica e emprega a metodologia triádica da Criminologia Cultural e a literatura crítica da intelectualidade negra contemporânea para enfrentar a atuação policial militar racista em três níveis de análise: micro, meso e macro, contemplando o primeiro plano existencial e fenomenológico do crime, as dinâmicas subculturais de negociação de status e a sua inserção em estruturas de maior escopo, como a permanência do poder colonial que visa o domínio e o controle racial, a insegurança ontológica na modernidade tardia e a realidade racista brasileira. Ao final da análise, foi possível concluir que, mediante performances encenadas para si próprios e para terceiros, os policiais militares engajados em práticas racistas de violação de direitos humanos reconstroem a própria imagem em termos de autoestima e pertencimento ao grupo, de forma que um processo de formação e identificação que em si mesmo é violador de direitos humanos contribui decisivamente para que os integrantes da subcultura policial militar(izada) naturalizem e se tornem propensos a encenar práticas racistas de violação de direitos humanos, por meio das quais eles adquirem uma série de recompensas subjetivas que conferem propósito e significado às suas vidas.

Palavras-chave:
Polícia Militar; Racismo; Direitos Humanos; Criminologia Cultural

Abstract

This article discusses militarized racial control, focusing on the subcultural dynamics of meaning that facilitate police action prone to human rights violations. The text uses bibliographical research and employs the triadic methodology of Cultural Criminology and the critical literature of contemporary black intelligentsia to face racist military police action at three levels of analysis: micro, meso, and macro, contemplating the existential and phenomenological foreground of crime, the subcultural dynamics of status negotiation and structures of greater scope, such as the permanence of colonial power aimed at racial domination and control, ontological insecurity in late modernity and the Brazilian racist reality. At the end of the analysis, it was possible to conclude that, through performances staged for themselves and for third parties, military police officers engaged in racist practices of violation of human rights rebuild their image in terms of self-esteem and belonging to the group, so that a process of formation and identification, which in itself violates human rights, contributes decisively to members of the militarized police subculture becoming prone to staging racist practices that violate human rights, through which they acquire a series of subjective rewards that give purpose and meaning to their lives.

Keywords:
Military Police; Racism; Human Rights; Cultural Criminology

Introdução

Este artigo discute, problematiza e contextualiza as subculturas policiais militarizadas, com foco direcionado para as ideologias, os símbolos, as hierarquias e os fluxos de significado que nelas transitam e que contribuem, no plano individual, para uma atuação racista propensa a violações de direitos humanos e abordagens discriminatórias, por meio do emprego de uma série de técnicas de neutralização. Tais mecanismos de adesão subjetiva e reconhecimento grupal contribuem para a materialização de um controle social racista, mediante o qual os participantes da subcultura se empoderam e reconstroem a própria imagem em termos de expressividade, excitação, autoestima e pertencimento.

Desse modo, o presente estudo busca interpretar e lançar novas luzes sobre a atuação policial violenta a partir de uma leitura delineada pela Criminologia Cultural, que pressupõe uma análise fundamentada em uma metodologia que considera três níveis (macro, meso e micro), onde serão estudados os símbolos, as ideologias, os significados e as técnicas de neutralização que são utilizadas dentro da subcultura da polícia militar. Essa estrutura triádica de análise visa produzir uma síntese abrangente de aspectos localizados no nível micro do primeiro plano do crime (KATZ, 1988KATZ, Jack. Seductions of crime: Moral and sensual attractions in doing evil. 1988.) com processos de nível meso - como as teorias de subculturas e “transgressão aprendida” - e estruturas macro, como o capitalismo no contexto da modernidade tardia e questões vinculadas à governança e ideologia. Nesse sentido, o artigo investiga quais são as técnicas de neutralização (SYKES; MATZA 1957SYKES, Gresham M.; MATZA, David. Techniques of neutralization: A theory of delinquency. American sociological review, v. 22, n. 6, p. 664-670, 1957.) utilizadas na subcultura da polícia militar, bem como de que maneira os símbolos, imagens e significados que são produzidos na respectiva subcultura incidem na atuação policial racista e contribuem para ela, conferindo propósito, sentido e identidade aos participantes.

Com esse objetivo, a primeira seção irá abordar a transformação identitária dos indivíduos ingressantes na instituição e a circulação de ideologias, como a da “guerra contra o crime”, que se pauta em racionalidades binárias, responsáveis por dividir o mundo em dois polos: os que devem e merecem ser protegidos e aqueles que conformariam supostas ameaças ao seu bem-estar. Com base nessa linguagem, os indivíduos são preparados para combater o “inimigo” e lhes é introduzido o ethos guerreiro, exigido para garantir a sobrevivência e composto pela masculinidade hipertrofiada, a coragem e a força, dentre outras características.

Na segunda seção, a abordagem contempla os aspectos macro que influenciam o primeiro plano do controle do crime, no qual serão enfrentadas forças culturais maiores que incidem sobre questões existenciais e de expressividade, fundamentais para a compreensão das sensibilidades e subjetividades que são compartilhadas na atuação policial ostensiva, racista e propensa a violar direitos humanos. O objetivo consiste em compreender a influência que os significados e ideologias supramencionados exercem sobre os integrantes da subcultura da polícia militar, bem como indagar se eles podem ser considerados como propulsores e facilitadores de abordagens racistas e violentas. Nesse sentido, será feita uma abordagem dos processos de alterização (YOUNG, 2002) existentes.

Nos dois trechos seguintes serão enfrentadas questões de relevo histórico e étnico-racial que perfazem um poder colonial, típico de um controle social militarizado e racista, bem como aspectos expressivos e existenciais que merecem atenção, como a tortura, a vontade de representação e a busca por excitação em uma sociedade mortificada pelo tédio, que conformam mecanismos para a obtenção de recompensas subjetivas que justificam, perante os participantes da subcultura, a violação de direitos humanos da população negra.

Por fim, a última seção irá analisar algumas técnicas de neutralização utilizadas dentro da subcultura como forma de minimizar a responsabilidade dos atores que violam direitos humanos e exercem um controle social racista. Com essa intenção, serão problematizadas a economia moral de ilegalidades, a negação da vítima e das lesões, a criminalização racial e, por fim, a vontade de representação de troféus como forma de obtenção de recompensas institucionais e subjetivas nas performances militarizadas.

(Trans)formação e serventia identitária do ser policial militar: símbolos, ideologias e significados produzidos, negociados e circulados na subcultura

Para que seja possível compreender o funcionamento subcultural e as técnicas de neutralização utilizadas na atuação policial racista, é imprescindível que seja feito um exame acerca da construção identitária dos policiais militares e da sua respectiva serventia. Isso porque, há uma carga fluida de símbolos, significados e valores culturais que incidem diretamente na atuação cotidiana destes indivíduos.

A abordagem aqui utilizada emprega os subsídios da Criminologia Cultural, envolvendo a influência macro da estrutura, que inclui questões estruturais de longa duração, ideológicas e de governança, bem como os fatores de nível meso, que relacionam e conectam as atuações, modos de agir e scripts de comportamento que circulam e são aprendidos dentro da subcultura. Com base nessa análise, será possível pensar na forma pela qual determinados atos são neutralizados subjetivamente por parte dos indivíduos que estão engajados na subcultura. Por fim, no contexto micro, objetiva-se compreender as dinâmicas que estimulam o ator a se envolver em práticas violentas e racistas ou a renunciá-las, para destacar como a subcultura leva a construções identitárias, que direcionam o comportamento dos indivíduos que pertencem ao grupo e conformam internamente as atribuições e negociações de significado do agir violento e racista.

No que já foi definido como “seletividade policizante”, percebe-se que os futuros policiais militares pertencem aos setores mais vulneráveis socialmente e passam por um processo de formação que em si mesmo é violador de direitos humanos, sendo chamados a vigiar e a reprimir, inclusive de modo subterrâneo, paralegal e visivelmente seletivo, pessoas que pertencem aos mesmos grupos sociais e étnico-raciais dos quais eles se originam (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal Brasileiro - I. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 56-57). Parte significativa da formação dos policiais militares envolve a assimilação de ideologias de “guerra contra o crime” que transferem para um ambiente de atuação civil dinâmicas, valores e significados típicos de conflitos armados em larga escala. Isso significa que desde a entrada do indivíduo na instituição, ocorre um processo de construção de identidade que objetiva formar um “guerreiro” apto a enfrentar as adversidades encontradas em ambientes de hostilidade, típicos das zonas de conflitos armados (FRANÇA; FARIAS, 2015FRANÇA, Fábio Gomes; DE FARIAS GOMES, Janaína Letícia. " Se não aguentar, corra!": um estudo sobre a pedagogia do sofrimento em um curso policial militar. Revista brasileira de segurança pública, v. 9, n. 2, 2015.). Nesse sentido, são forjadas identidades militarizadas que carregam consigo características como agressividade, masculinidade hipertrofiada, autoconfiança, essencialismos demonizantes do outro e um senso de pertencimento à corporação, dentre outras, que fornecerão as bases para a edificação de um ethos guerreiro.

Young discute como uma cultura de machismo, na qual é mobilizado um único recurso, a força física, é típico de subculturas articulada em torno de “poderes” masculinos e “respeito” (YOUNG,1999YOUNG, Jock. The Exclusive Society: Social Exclusion, Crime and Difference in Late Modernity. London: Sage, 1999., p. 12). Dessa forma, a subcultura funciona como uma solução coletiva para um problema compartilhado de status, situação que encontra paralelo na hipermasculinidade que caracteriza a subcultura policial militar(izada). O senso de pertencimento a determinada subcultura fornece uma espécie de segurança ontológica (YOUNG, 1999) para os indivíduos, pois ao reconhecer que existem identidades semelhantes, que compartilham dos mesmos valores, ideologias e racionalidades, são atenuadas as inseguranças que permeiam a vida. Dessa forma, a participação em determinada subcultura não só proporciona um apurado senso de identidade, mas também, formas de visualizar o mundo e de se encontrar nele, atribuindo sentido e propósito à existência individual.

Essa sensação de pertencimento faz com que indivíduos assimilem uma noção de dever de proteção daquele grupo, das causas que ele defende e das pessoas que o compõem. Mesmo que, para alcançar essa proteção, seja necessário colocar em risco a própria vida. Predomina a ideia de defesa de um determinado propósito, o que tornaria honrosa qualquer tentativa de proteção, ainda que as chances de sucesso fossem modestas. Esse significado que o indivíduo incorpora dentro grupo adquire proporções sacro (COTTEE; HAYWARD, 2011COTTEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e) motives: The existential attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011, p. 973), sendo que, tudo aquilo que se opor a ele - sejam racionalidades, atitudes ou até mesmo aqueles que forem considerados como risco para o grupo e para os ideais por ele defendidos - tornam-se profanos, devendo ser combatidos e eliminados.

A partir dessa racionalidade binária, os essencialismos ganham força e fornecem a segurança identitária que os indivíduos aspiram no contexto pluralista tardo-moderno, no qual surgem colapsos identitários diante da hibridização cultural, fornecendo espaço para que os processos de alterização emerjam de forma a buscar a superioridade do self diante da inferiorização dos outsiders (FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2019FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Criminologia cultural: um convite. Belo Horizonte: Letramento, 2019., p. 86-88). A divisão do mundo entre o “nós” e o “eles” demonstra uma cisão subjetiva (KHALED, 2021, p. 49) que pode ser percebida na subcultura da polícia militar, pois, existem rituais de passagem de um grupo para o outro através de experiências que estimulam a construção do ethos guerreiro nos ingressantes na carreira (FRANÇA; FARIAS, 2015FRANÇA, Fábio Gomes; DE FARIAS GOMES, Janaína Letícia. " Se não aguentar, corra!": um estudo sobre a pedagogia do sofrimento em um curso policial militar. Revista brasileira de segurança pública, v. 9, n. 2, 2015., p. 143). Essa situação constrói e fortifica o senso de identidade e de pertencimento, a partir do momento em que os indivíduos deixam de fazer parte do mundo civil e passam a fazer parte do mundo militar(izado), adotando os valores organizacionais nas ações cotidianas (LEIRNER, 1997LEIRNER, Piero de Camargo. Meia-volta, volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 71-111, 1997., p.18). Com isso o indivíduo é inserido em um lugar de exclusividade, no qual ocorre uma personificação do dever funcional, surgindo uma necessidade de contribuir com a missão sagrada do grupo de fornecer a proteção àqueles que não pertencem a este círculo, mas que são considerados dignos de cuidado, mesmo que, para que se garanta essa proteção, seja necessário o extermínio das ameaças e de todos aqueles que a representam. De acordo com Góes (2017GÓES, Luciano. Pátria exterminadora: O projeto genocida brasileiro. Revista Transgressões, v. 5, n. 1, p. 53-79, 2017., p. 20), dentro das academias de polícia, os recrutas negros e provenientes de classes vulnerabilizadas são treinados mais para executar do que para criminalizar os semelhantes, diante da construção de racionalidades binárias entre bons e perversos, tornando-os menos propensos a vislumbrar uma identificação. Embora existam características pessoais e sociais semelhantes, elas não serão destacadas, fazendo com que ocorram processos de essencialização ao hipervalorizar as características coletivas da subcultura da qual se faz parte, neste caso, a militar(izada). Desse modo, a vinculação identitária não é dada por características biológicas e/ou étnico-raciais, mas por características que consolidam o pertencimento ao grupo por questões relacionadas a valores e racionalidades que são aprendidos nas academias de polícia. Logo, se mostra pertinente compreender o processo de transição do mundo civil para o militar(izado), que carrega consigo deslocamentos de cunho pessoal, identitário e ideológico, já que uma nova personalidade é assumida no curso do processo de formação e formatação.

O ethos guerreiro é alimentado durante a transição do mundo civil para o militar(izado) através de atividades que, além de pautarem-se na humilhação, introjetam nos indivíduos racionalidades militarizadas e hierarquizadas, nas quais predominará um senso de masculinidade hipertrofiada - que é típico da guerra - já que essas características, segundo Cottee e Hayward (2011COTTEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e) motives: The existential attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011, p. 978), são hipervalorizadas a ponto de consagrarem-se como habilidades reverenciadas dentro de certas subculturas. Dessa forma, a incumbência de realização de determinada tarefa ou função torna-se motivo de orgulho para os “guerreiros”, uma vez que existe uma importância simbólica tanto para o self quanto para o grupo incumbido de uma missão, pois os imbuídos possuem uma retidão ideológica e de caráter (MUNIZ, 1999MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 1999. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado)-Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro., p.13), além de que o próprio ato da incumbência pressupõe a confiança na capacidade, já que se considera a máxima de que “missão dada é missão cumprida”.

Neste sentido, constrói-se a visão de que a subclasse criminalizável é uma exemplificação do “outro” considerado diferente, que possui normas defeituosas por contraporem aquelas consideradas normais dentro da subcultura. E é exatamente neste contraste que são apresentadas as questões criminais como barbáries incivilizadas praticadas ou na iminência de serem praticadas por inimigos. Nessa tentativa de definição do outro, busca-se definir também as principais problemáticas que fazem dele outro, de forma essencializada (YOUNG, 2003YOUNG, Jock. Merton with energy, Katz with structure: The sociology of vindictiveness and the criminology of transgression. Theoretical Criminology, v. 7, n. 3, p. 389-414, 2003., p.395). Por essa lógica, busca-se encontrar os demônios. E não raro, eles são localizados nas regiões suburbanas, distantes do centro da cidade, por meio de estoques de imagens lombrosianas que orientam a ação policial e de seletividade espacial criminalizante (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal Brasileiro - I. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 55). Ocorre que essa é uma visão limitada, pois os “marginais” estão incluídos culturalmente através dos meios de comunicação, do contato com o modo de vida dos centros através das relações de trabalho, dentre outras formas de inclusão (YOUNG, 2003, p.395) embora exista um processo concomitante de exclusão, que é parte integrante de uma sociedade bulímica e que afeta diretamente a forma de controle, como será retratado na próxima seção.

Os reflexos das incertezas da modernidade tardia no primeiro plano do crime

Nesta seção a análise se desloca para os fatores de fundo (macro) que influenciam o primeiro plano do crime, com foco direcionado para as práticas racistas de violação de direitos humanos perpetradas por policiais militares e as sensações e emoções que gravitam ao redor delas. Segundo Jack Katz, o crime, a criminalidade e a justiça criminal podem ser compreendidos como uma série de performances contestadas em diferentes teatros da vida cotidiana. O autor considera que viver como um fora-da-lei temido, ser respeitado como policial ou sobreviver como vítima de violência, são performances, dirigidas a persuadir sensualmente uma ou outra audiência, bem como aos próprios praticantes (KATZ, 1988KATZ, Jack. Seductions of crime: Moral and sensual attractions in doing evil. 1988., p.4). Por outro lado, uma análise que contempla o nível micro não dispensa fatores de nível macro. Pelo contrário, ela deve situar o primeiro plano fenomenológico e existencial discutido por Katz dentro de forças culturais maiores, estruturas de grande escopo e dados relevantes de conjuntura, bem como aspectos de longa duração, como o racismo estrutural, o colonialismo e a escravidão. Para a Criminologia Cultural, é possível conjugar em um único estilo de análise a estrutura e o sujeito, de modo que “fatores antecedentes ou estruturais por certo permanecem presentes em meio a esse primeiro plano do crime - agora, porém, entendidos em tensão dialética com seus significados e emoções emergentes, em vez de como previsores ou causas dele” (FERRELL; HAYWARD, 2018, p.19).

Como hipótese inicial sobre o tópico em questão, é possível dizer que as práticas racistas e violadoras de direitos humanos performadas por policiais militares encontram-se diretamente relacionadas a inúmeros fatores que envolvem o primeiro plano do crime, que poderão estimular a ação ou até mesmo desencorajá-la. Em outras palavras, esses fatores contribuem tanto para a prática do ato quanto para a desistência dele (BAGGALEY; SHON, 2020BAGGALEY, Katherine T.; SHON, Phillip C. The Negative Character of Killing in the Narratives of Soldiers and Police. In: Jack Katz. Emerald Publishing Limited, 2020., p. 42). Nesse sentido, considerando o que já foi exposto acerca das questões que envolvem a negociação e criação de significados e de construção identitária do ser policial militar, pressupõe-se a importância de vislumbrar como essas ideologias, forças culturais e significados maiores influenciam na atuação prática destes indivíduos e de que maneira podem ser considerados facilitadores de violências.

Na modernidade tardia, que conforma a atual quadra histórica, existe uma fluidez do mundo cultural que, aliada à intersecção entre o real e o virtual, proporciona uma sensação ampliada de deslocamento e de não pertencimento aos grupos sociais. Segundo Ferrell, Hayward e Young, “o mundo contemporâneo é, de fato, uma combinação movediça de características modernas e pós-modernas, a que, por uma questão de concisão e clareza, nos referimos como modernidade tardia” (2019, p.92). Neste contexto prospera uma forte sensação de insegurança ontológica que irá fluir sobre as questões que envolvem a identidade e o local no qual se está (ou não) inserido (FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2019FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Criminologia cultural: um convite. Belo Horizonte: Letramento, 2019., p.4). Isso faz com que exista uma constante busca por certezas ontológicas, para que momentos de prazer sejam definidos (YOUNG, 2003, p. 391) diante de um cotidiano, por vezes, entediante. Nesse sentido, Fassin argumenta que o cumprimento de leis pode ser monótono, motivo pelo qual uma atuação proativa na busca de suspeitos de forma discriminatória nos bairros desfavorecidos pode funcionar como um corretivo (2019, p.19).

Aliado a isso, considera-se de suma importância destacar que há, de fato, uma constante interpenetração entre os processos de inclusão e de exclusão dos grupos sociais (FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2019FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Criminologia cultural: um convite. Belo Horizonte: Letramento, 2019., p. 91), pois, na medida em que determinados grupos são incluídos culturalmente na sociedade, através da própria globalização e da consequente hibridização cultural, são também excluídos socialmente das condições usufrutuárias dessa inclusão. Este movimento de inclusão e exclusão sucessiva conforma o que Young (2003YOUNG, Jock. Merton with energy, Katz with structure: The sociology of vindictiveness and the criminology of transgression. Theoretical Criminology, v. 7, n. 3, p. 389-414, 2003., p. 394) caracteriza como bulimia social, o que aumenta a sensação de insegurança, desinserção e instabilidade, tanto no plano econômico, quanto no plano identitário.

É nesse contexto que surgem os processos de outrificação, que consistem em tentativas de definir quem são os “diferentes” e as principais problemáticas que os envolvem. Nesse sentido, são construídos grupos outrificados para serem contrastados com o próprio grupo a que se pertence. Em outros termos, busca-se encontrar no outro, os demônios que prejudicam e ao mesmo tempo definem o self. Não raro, esses “demônios” acabam sendo encontrados (ou buscados) nas periferias, dando início aos processos de alterização. Ocorre que, devido a globalização, os limites são transfixados e os “outros” estão presentes no grupo do “nós”, ainda que em condições precarizadas (YOUNG, 2003YOUNG, Jock. Merton with energy, Katz with structure: The sociology of vindictiveness and the criminology of transgression. Theoretical Criminology, v. 7, n. 3, p. 389-414, 2003., p. 393-395).

Quando o próprio discurso da exclusão não considera essa inclusão e, consequentemente, a transfixação de fronteiras entre os incluídos e os excluídos, ele é calcado em uma estrutura binária, que faz parte do processo de criação de barreiras e distinções morais que caracteriza os processos de essencialização. Tais processos, pautados em racionalidade binárias, vinculadas ao mérito e à hierarquia dos indivíduos, funcionam como técnica de neutralização para que atos desproporcionais e até mesmo desumanos ocorram (FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2019FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Criminologia cultural: um convite. Belo Horizonte: Letramento, 2019. p.88).

Essa dinâmica potencializa a proliferação de descontentamentos, que se dão diante da colisão entre as ideias que apoiam um sistema binário - em termos territoriais e identitários - e a realidade que o estrutura. O fato de não haver fronteiras definidas de modo a demarcar - e aprisionar - grupos sociais em um espaço fixo e delimitado, capaz de bloquear a fluidez típica de um mundo tardo-moderno, possibilita o surgimento de estados emocionais como a raiva punitiva e o ressentimento, que irão mirar em direção aos (que algumas classes sociais gostariam que fossem) excluídos. Em outras palavras, tanto as (pseudo)fronteiras quanto os (pseudo)limites não possuem os efeitos imagináveis, já que são facilmente cruzados, não sendo, portanto, capazes de assegurar a exclusividade, somente de promover o ressentimento. Diante dessa crise de identidade, são buscadas formas de reafirmar o núcleo existencial de si mesmo e dos outros. E isso se dá através da utilização de um essencialismo capaz de fazer essas reafirmações (YOUNG, 2003YOUNG, Jock. Merton with energy, Katz with structure: The sociology of vindictiveness and the criminology of transgression. Theoretical Criminology, v. 7, n. 3, p. 389-414, 2003., p. 398).

Com isso a realidade cultural e histórica da existência humana é substituída por uma estrutura artificial de interpretação que, no entanto, é percebida como “natural” por aqueles que dela compartilham.

Essencializações étnico-raciais e poderes coloniais: a construção dos demônios e a tentativa de reestabelecimento de certezas identitárias

Da mesma forma que os indivíduos são essencializados, as regiões das quais eles são provenientes e as suas características étnico-raciais também o são (FASSIN, 2019FASSIN, Didier. La fuerza del orden: una etnografía del accionar policial en las periferias urbanas. Siglo XXI Editores, 2019., p.183). E de fato isso visivelmente ocorre, sendo perceptível que as abordagens policiais acontecem, com maior frequência, nos corpos negros e em regiões consideradas perigosas ou “notórias” pelos altos índices de criminalidade. Em tais zonas inexiste policiamento preventivo, que é reservado para as regiões mais ricas, mas há uma espécie de licença informal para que poderes paralegais subterrâneos sejam exercidos pela polícia, além de conformarem terreno fértil para que essencialismos territoriais, biológicos e culturais aflorem.

Essas abordagens policiais em determinados lugares e corpos privilegiados ocorrem porque há um racial profiling que seleciona previamente os alvos através da criação de perfis padronizados de suspeitos, que se delineiam no racismo institucional e se travestem de uma espécie de tirocínio policial, que é muito respeitado e vangloriado dentro da subcultura, por estar relacionado com a capacidade que os policiais supostamente possuem de vislumbrar e identificar as condutas e pessoas suspeitas. Ou seja, existem determinadas subjetividades que permeiam a suspeição e abrem margem para abordagens policiais discricionárias. Ocorre que, esse tirocínio policial se baseia em critérios diretamente relacionados à raça e à classe social dos indivíduos, que, para fins de legitimação dessas abordagens seletivas, são identificados como procedimento padrão ou de rotina (DUARTE; AVELAR; GARCIA, 2018DUARTE, Evandro Piza; DA SILVA AVELAR, Laís; DE DEUS GARCIA, Rafael. Suspeitos? Narrativas e expectativas de jovens negros e negras e policiais militares sobre a abordagem policial e a discriminação racial em Brasília, Salvador e Curitiba. Revista Quaestio Iuris, v. 11, n. 04, p. 3316-3336, 2018., p. 3323-3327).

Tais essencialismos conformam uma grade interpretativa sobre o território habitado por essas pessoas, considerado de modo equivalente a campos devastados ou ocupados, representando áreas percebidas como zonas de guerra. Isso se relaciona com demonstrações simbólicas de poder, que remetem a estruturas e forças culturais de longa duração. Elas refletem as manifestações do poder colonial, reproduzidas por uma sistemática desumanizante que estrutura a agência policial, mantendo inalteradas sua ideologia e função racistas, manifestadas em suas atuações cotidianas, isto é, a tutela de um Estado antinegro, através de uma manipulação subjetiva massificada voltada à reprodução e garantia de valores, ideais e ideias coloniais, assentada na ideologia maniqueísta cristã fundacional. Essa ideologia prega: 1) a existência ontológica de inimigos perigosos; 2) uso indiscriminado da violência para garantir a segurança do “cidadão de bem”; e, 3) demonstrar aos “marginais” que suas irresignações em relação às (des)ordens racistas, bem como a negação e aceitação passiva de sobreviver em constante estado de violação não serão toleradas.

No entrelaçamento desses fatores, é fundado um sistema punitivo antinegro gerenciado por (e para) uma cultura colonizante de cariz demonizante, que agencia de modos diversos o princípio do bem e do mal (BARATTA, 2011), que deve ser deslocado da construção abstrata do nós e eles, para o cruzamento de violências raciais, cuja concretude se apresenta sem máscaras, demonstrando quais são os corpos outrificados e por quê. Assim, sem ignorar outras premissas coloniais, é preciso atentar para a ideologia cristã como matriz da cultura punitivista, manifestada desde a benção cristã como legitimação primeira da escravização negra e que determina, desde antes de nossa fundação, a construção racializada de polaridades que expressa a salvação da branquitude (e de uma parcela negra embranquecida) e a condenação ao extermínio da negritude (CESAIRE, 2010CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre a negritude. Belo Horizonte: Nandyala, 2010.).

Tais funções cumprem os ditames da ordem racista que (pré)determina que tudo (as coisas, sobretudo corpos coisificados) e todos fiquem em seus devidos lugares. A construção e demarcação de fronteiras, físicas ou simbólicas, que retratam a divisão entre humanos e inumanos, civilizados e primitivos, bom e mau, dentre outras dicotomias, reflete a ideologia branca que, em seu narcisismo congênito, repele toda diversidade, pois só encontra sentido na oposição, no conflito, no extermínio do diferente por questões fenotípicas que a branquitude transformou, através de seu método científico (racismo científico) em desigualdade e, logo, concebeu em termos de inferiorização e outrificação.

Nessa dinâmica colonial, entre as manifestações do poder racial (branquitude) e resistência (negritude) se aloja o princípio da exclusão recíproca (FANON, 1968FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1968., p. 28-29), já que não há conciliação possível entre um mundo cindido, compartimentado, onde pertencer ou não a determinada raça imprime direitos excludentes, decorrentes da cidade do colono ou da cidade do colonizado, “uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada, uma cidade de negros”, mantida em constante estado de submissão e inibição pela força, pelos soldados, os porta-vozes e guarda-costas do colonizador. Como expressa Fanon, a explosão do mundo colonial é compreensível, necessária e inevitável, alinhando posturas individuais e coletivas, pois os povos condenados à sobrevivência não se satisfazem em resistir às tentativas de genocídio, tendo em vista a força de cosmologias que tecem uma cultura pluriversal (RAMOSE, 2011RAMOSE, Mogobe. Sobre a legitimidade e o estudo da filosofia africana. In: Ensaios Filosóficos, Volume IV, 2011.) que demanda existência plena, pautando uma política anticolonial de reconhecimento das violências vivenciadas, reparação e reconstrução do mundo sobre fundamentos não brancos, não desumanizantes, não excludentes, ou seja, uma reconstrução do próprio conceito de humanidade, já que são epistemologias ancestrais, de matriz africana ou indígena, não apenas contrárias aos princípios brancos, mas opostos a eles e ao sustentáculo que dão a esse projeto de mundo.

Não é por outro motivo que as margens colonizadas foram construídas não apenas como gigantescas instituições de sequestro (ZAFFARONI, 1991), mas como lugares onde a morte negra ultrapassa o direito de matar para se institucionalizar como um direito estatizado de assegurar a supremacia branca colonizante, assegurando a preservação do “direito natural” de autopreservação de sua superioridade, característica da necropolítica que instituiu um estado de exceção da humanidade negra sobre a inimizade racial em termos pharmakologicos, como leciona Achille Mbembe (2017, p. 82), mobilizando inúmeras formas de eliminação do direito à resistência, insurgência e insubmissão que se materializa em organizações que no Brasil, incorporaram movimentos quilombistas que desestruturaram a geopolítica colonial mais básica (e ainda vigente), inaugurando uma tríade que não deixará jamais a Casa Grande dormir em paz e abalando a Senzala com o alcance da liberdade.

O sucesso do empreendimento colonial foi assegurado, portanto, no sequestro, aprisionamento e genocídio de corpos negros, sistemática racista que não se limita ao aspecto físico, pois, para neutralizar e esvaziar os movimentos insurgentes foi fundamental sequestrar, aprisionar e exterminar a identidade originária dos povos africanos escravizados, um processo que agenciou genocídio cultural, epistemicídio e embranquecimento. Assim, impediu-se a conscientização do complexo radical de violências direcionadas à população negra diaspórica, sua politização, organização e reação, minimizando riscos e controlando ameaças ao mundo branco quando há o rompimento das prisões ideológicas que consolidam processos de sociabilidade resilientes e crentes na salvação de um deus branco. O processo de sociabilidade branca, portanto, alinha cultura da punição de corpos negros com a cultura cristã que, antes de mais nada, se revela como instrumento de salvação de corpos brancos que manuseiam a violência colonial sem serem condenados ao inferno (criação branca como imprescindível instrumento de controle a partir do medo (in)consciente), para criarem seus rebanhos, e ganhar almas para seu senhor, num sistema de compra e venda genocida que embranquece corpos que nem de longe são a imagem e semelhança do seu (suposto) criador.

A violência racial, sagrada em sociedades necropolíticas, revela seu caráter divino em salvar as almas dos “messias” (genocidas/torturadores) ao expiar os pecados originais dos inferiorizados e suas almas não evoluídas (não brancas) em nome de seu deus, portanto, sem remorso ou qualquer culpa (que se dissolve, quando existente, com um simples pedido de perdão). Além disso, como a violência é estrutural e estruturante de todas as agências de controle, o reconhecimento social em terras colonizadas decorre do uso da violência, uma vez que o “case de sucesso” é o colonizador (senhor), fazendo com que muitos colonizados sonhem em sê-lo, em ter as mesmas coisas que ele, o poder objetificante, exercitado por práticas desumanizantes que decorrem da criatividade senhorial ilimitada em produzir dor.

Portanto, a violência é condição e essência do ser colonizador, inata ao sistema punitivista colonial, coerente e decorrente da ideologia cristã em sua missão de salvar a humanidade pintada de branca dos males do mundo dicotomizado e disputado entre céu e inferno a partir de sua própria lógica, branca e branqueante, de depotencializar políticas emancipatórias contracoloniais como pressupostos de sua segurança e continuidade de uma cultura de desarme popular, muito condizente com um país “laico” como o Brasil.

A contenção e domínio sobre o processo constitutivo da negritude brasileira, resultante do processo de (re)conhecimento do ser negro, assim, é a condição “natural” para segurança da branquitude e de seu modal de sociedade, laboratórios de violências com objetivos de subjugação de corpos desviantes dos padrões e valores coloniais. Seja no nível individual ou coletivo, a reconfiguração de subjetividades domináveis se opera por meio da imprescindível cooptação de corpos igualmente negros cuja aceitação do processo de sociabilização colonial embranquecida, conferem-lhes um sentimento de “pertencimento”, igualdade e comprometimento de defesa da estrutura antinegra brasileira, cujas violências não são reconhecidas por tais indivíduos, reprodutores do mantra “todos somos iguais” (muitas vezes complementado por “aos olhos de Deus”).

Essa tática de aniquilação da negritude e de fortalecimento da branquitude que segue hegemônica através de seus dogmas e com seu discurso de igualdade potencializado (apesar de cada vez mais falso), reflete uma resposta do sistema de controle racial que usa e manipula corpos negros para capturar e dissuadir outros corpos negros do confronto, inclusive pela produção incessante de dor para demonstrar o poder desumanizante e enviar o recado: vidas negras nunca importaram! A velha e sempre eficiente tática da construção de capitães do mato, responsáveis pela neutralização do potencial quilombista, cumprindo a profecia de Willie Lynch: “O escravo depois de doutrinado desta maneira permanecerá nesta mentalidade passando-a de geração em geração”. Das “ceias de camarão” (BATISTA, 2003BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 141), passando pela criminalização legalizada das rodas negras no pós abolição (com fins de impedir qualquer centelha quilombista), pela construção do elemento suspeito (o corpo negro que desordena espaços e descumpre as ordens da inexistência de direitos à subcidadania) chegando à guerra racista chamada de “contra as drogas” - que resulta em chacinas pelo cumprimento de penas de morte paralelas e encarceramento da massa negra -, e “erros judiciais” pelo reconhecimento fotográfico de acusados a partir de “álbuns” (de figurinhas carimbadas), a corporação policial demonstra que segue fiel à sua natureza antinegra, cumprindo ordens de um Estado necropolítico, afinal, “o direito soberano de matar não está sujeito a qualquer regra nas colônias. Lá, o soberano pode matar a qualquer momento ou de qualquer maneira.” (MBEMBE, 2019MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2019., p. 36). Para Mbembe (2019MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2019., p. 36), “a guerra colonial não está sujeita a normas legais e institucionais. Não é uma atividade codificada legalmente”. Como observou o autor, nas colônias “cada inimigo morto faz aumentar o sentimento de segurança do sobrevivente” (MBEMBE, 2016, p. 142). Pois, em uma guerra, o fato de adentrar as instalações dos inimigos, propagar o caos, dizimar vidas e sair vitorioso é, por si só, considerado um ato de bravura por parte dos responsáveis. Em tais situações prosperam as subjetividades que se relacionam com o ethos guerreiro, possibilitando que o indivíduo alcance uma posição glorificada dentro da subcultura por enfrentar os inimigos e comprovar a posse de características que são hipervalorizadas dentro do grupo como masculinidade, força e coragem, dentre outras.

Por outro lado, os elementos de identificação subcultural negra são reinterpretados como indícios criminais, que fornecerão bases sólidas para os processos essencialistas da atuação policial discriminatória e violadora de direitos humanos. Dentre os critérios que compõem a atitude suspeita está a cor dos indivíduos e a forma como eles reagem ao contato visual com a polícia. Além dos critérios biológicos, destacam-se os critérios culturais que remetem à raça, já que características culturais relacionadas à negritude também se constituem em objeto de suspeita. Com base em tais fundamentos, prospera uma predileção por corpos negros, que são mais submetidos à abordagem policial através dos denominados procedimentos de rotina que, na maioria das vezes, ultrapassam os limites da legalidade e utilizam degradação física e psicológica. Situações como essa ocorrem cotidianamente e provocam sentimentos de medo e de insegurança nas populações vulnerabilizadas e negras (DUARTE; AVELAR; GARCIA, 2018DUARTE, Evandro Piza; DA SILVA AVELAR, Laís; DE DEUS GARCIA, Rafael. Suspeitos? Narrativas e expectativas de jovens negros e negras e policiais militares sobre a abordagem policial e a discriminação racial em Brasília, Salvador e Curitiba. Revista Quaestio Iuris, v. 11, n. 04, p. 3316-3336, 2018., p. 3323-3324). Como aponta Góes (2017GÓES, Luciano. Pátria exterminadora: O projeto genocida brasileiro. Revista Transgressões, v. 5, n. 1, p. 53-79, 2017., p. 20) “se para os brancos a presença policial significa segurança, para os negros é completamente ao contrário, representando alto risco de morte”. Dessa forma, parece plausível e quase inevitável que a reação ao fazer contato visual com a polícia seja diferente entre brancos e negros, uma vez que os últimos serão percebidos como se estivessem “sempre” em atitude suspeita. Não é segredo que a atuação policial em geral opera com níveis elevados de seletividade social e étnico-racial, em uma distribuição autoritária da criminalização secundária que demonstra a continuidade entre as políticas de repressão da população negra adotadas desde os anos iniciais do Brasil republicano e o ilegal estado de coisas atual, no qual ainda circulam retóricas autoritárias provenientes de uma tradução com ênfase racista de Lombroso, efetuada por Nina Rodrigues. Trata-se de um fenômeno que intensifica ainda mais o espaço de arbitrariedade do controle social racista e cujos efeitos são verdadeiramente perversos. O conceito de raça é insustentável cientificamente, mas isso não muda o fato de que o racismo é um artifício cultural cujos efeitos na realidade são esmagadores. O racismo não é somente um dado cultural de realidade que estrutura uma leitura de mundo enviesada e repleta de preconceitos, também é um local onde se articulam interdições, naturalizações e compromissos tácitos, que visam enclausurar corpos negros em situações de vulnerabilidade social e invisibilizar suas demandas de expansão de cidadania.

O caminho do badass: Tortura, vontade de representação, excitação e (re)construção da subjetividade

Nesta seção a análise é deslocada de questões macro para questões micro, com a intenção de elucidar os significados que estão em jogo durante a prática de performances racistas de violação de direitos humanos por policiais militares. A inserção no mundo militar(izado), se dá por meio de uma pedagogia do sofrimento, que exige uma (re)construção da subjetividade de acordo com o ethos guerreiro. Nesse sentido, é ilustrativa a descrição feita por Katz da trajetória de alguém que se torna um badass1 1 A tradução mais aproximada do termo na língua portuguesa seria fodão. e que consiste em um processo social no qual se desenvolve uma autoridade sobre os demais e se adquire transcendência, com a transformação moral do mundo da lógica, racionalidade e utilitarismo para o caos. O badass pretende adentrar o universo moral, visual e espacial dos demais e evocar um sentimento de caos iminente (KATZ, 1988KATZ, Jack. Seductions of crime: Moral and sensual attractions in doing evil. 1988., p.87). Ele procura se tornar alguém cuja identidade se conforma ao sentido do momento (KATZ, 1988, p. 233).

Pode ser dito que o badass se torna alguém propenso a cruzar todos os limites, inclusive aqueles que mais flagrantemente violam direitos humanos. Não raro, a tortura física e psicológica é considerada como um expediente subterrâneo justificado para combater a “criminalidade”. A tortura é uma prática abjeta e intolerável, ainda não banida do mundo contemporâneo e muitas vezes aceita como necessária para a obtenção de determinadas informações, particularmente em cenários subterrâneos nas quais indivíduos em situação de vulnerabilidade social são submetidos ao arbítrio policial. Mas a tortura não é simplesmente um meio para um determinado fim. Ela costuma estar carregada de significado. Muitas vezes atos de tortura ocorrem porque um superior hierárquico demanda que tais atos sejam praticados, mas também, existem alguns sentimentos que se fazem presentes no íntimo de quem os executa e que revelam a excitação existente, independentemente de requisição (YOUNG, 2007YOUNG, Jock. The vertigo of late modernity. Sage, 2007., p. 161-163). O ato de torturar não se esgota na sua dimensão física, pois também implica no exercício de um poder simbólico sobre determinado corpo, objetificando-o. Quando isso ocorre, a autonomia passa de um indivíduo, que se torna submisso, para o torturador, que se empodera e ganha recompensas subjetivas com a submissão de outros ao self. Em tais casos acontece um reforço externo à identidade, o que fornece um sentimento de segurança ontológica, aliada à sensação de controle da situação, de controle da própria vida e da vida da pessoa que está submissa, conformando o que pode ser definido como uma troca simbólica, na qual está em jogo negociação (e imposição) de significados. Essa dinâmica ganha impulso e potência quando se trata de pessoas que foram ou são submissas à outras. Dessa forma, subjugar alguém pode empoderar o agente, o que significa retomar uma parcela da segurança ontológica e recapturar a autoestima arranhada pela própria submissão a superiores hierárquicos. É um espaço de reafirmação de certezas e seguranças em um mundo e, neste caso, em uma subcultura que, por si só, é incapaz de solucionar a sensação de insegurança ontológica, que integra, mas o faz violentando os próprios ingressantes e que facilita (e estimula) o cometimento de violência.

Para além disso, quando se trata da atuação policial e de sua inserção em narrativas racistas de “guerra contra o crime”, é importante levar em consideração outras questões que contribuem para a construção de uma autoimagem embrutecida. Existe uma expectativa pública e midiática de punitividade e confronto com a “criminalidade” que demanda preenchimento. Nesse sentido, a atuação policial violenta dá concretude aos processos de alterização e demonização do outro, criando uma ilusão efêmera de segurança ontológica em um mundo tardo moderno que por definição retira toda e qualquer forma de segurança ontológica. Como passa a existir uma expectativa de “consumo” de tais narrativas, isso faz com que proliferem atuações policiais espetaculares, capazes de gerar imagens para que os canais midiáticos produzam e circulem significado sobre a questão criminal. Tais imagens mediadas fluem na cultura e fornecem entretenimento ao público, que passa a experimentar indiretamente a enxurrada de adrenalina que faz parte desse tipo de atuação, aliada à contenção daqueles que são considerados descartáveis e indesejáveis para a sociedade, proporcionando assim, uma dupla saciedade à população. Uma sociedade saciada constrói os próprios heróis e os guerreiros, muitas vezes, procuram a guerra para fazer a diferença e consagrarem-se como heróis.

As imagens permitem inúmeras possibilidades performativas na mediascape contemporânea. Para Appudarai, as linhas entre as paisagens realistas e fictícias estão cada vez mais borradas (APPUDARAI, 1996, p. 35). Em outras palavras, a rua roteiriza a tela e a tela roteiriza a rua. Não existe linearidade: a linha entre o virtual e o real é borrada de modo profundo e irrevogável (HAYWARD; YOUNG, 2012HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Cultural criminology: some notes on the script. In: Theoretical Criminology, v. 8, n. 3, 2012. p. 259-285.). Nesse sentido, a saturação da vida cotidiana por diferentes tipos de mídia e tecnologias de mídia sugere que qualquer distinção nítida entre “crime” e “imagens do crime” faz parte do passado. No seu lugar, existe um mundo no qual eventos criminais, suas imagens mediadas, bem como as percepções dos demais sobre o crime incessantemente se retroalimentam e amplificam umas às outras. Se “real” sugere consequências reais e efeitos reais, a cultura do crime é hoje tão real quanto o próprio crime; talvez, como apontam os criminologistas culturais, elas estejam se tornando indistinguíveis. Dentro desse contexto surge uma vontade de representação, especialmente em um mundo globalizado, onde a fluidez da comunicação possibilita uma ampla divulgação das imagens e, consequentemente, uma ampla consagração heroica e uma ampla demonização dos inimigos. Para Majid Yar, o sujeito de hoje não mais apenas interpreta ou assiste a representações produzidas em outros lugares, mas se torna, ela ou ele próprio, a fonte daquelas representações (2012, p.248).

Sob essa perspectiva, é plausível considerar que muitas vezes atos que violam direitos humanos da população negra podem ser praticados por força de uma vontade de representação, para que determinadas audiências consagrem os responsáveis como heróis, possibilitando assim, recompensas subjetivas e consequentemente, um reforço da própria autoestima, já que no momento da consagração, há uma sensação de acolhimento por parte de uma sociedade que costuma desconfiar da polícia. Essa dinâmica é impulsionada pelo fato de que qualquer espécie de concessão feita ao criminalizado passou a ser interpretada como uma manifestação de desprezo diante do sofrimento da vítima, o que dinamizou o surgimento de estratégias cada vez mais agressivas de “combate” ou “guerra” contra a criminalidade. Conforme apontou Garland, os novos arranjos do controle do crime envolveram uma série de custos sociais, como a intensificação das divisões sociais e raciais; o reforço dos processos criminogênicos; a alienação de muitos grupos sociais; o descrédito da autoridade legal; a redução da tolerância civil; a tendência ao autoritarismo (2008, p.429).

Para Yar, a “vontade de representação” pode ser vista como um novo tipo de induzimento causal à violação de leis e regras. Pode ser que, na nova era midiática, os termos do questionamento criminológico necessitem ser por vezes revertidos: em vez de perguntar se a “mídia” instiga o crime ou o medo do crime, nós devemos indagar como a própria possibilidade de mediar-se a si mesmo a uma audiência, por meio de autorrepresentação, pode estar vinculada com a gênese do comportamento criminoso (YAR, 2012YAR, Majid. Crime, media and the will to representation: Reconsidering relationships in the new media age. In: Crime, media, culture. Vol. 8. Issue 3. 2012., p.246). Os mesmos questionamentos podem, evidentemente, ajudar a elucidar um dos componentes que está por trás das violações de direitos humanos da população negra, motivo pelo qual iniciativas como a instalação de câmeras em uniformes de policiais podem coibir performances violentas pois subtraem do protagonista o controle e a condição de autor, cada vez mais valorizada em um contexto no qual prolifera nas redes sociais uma espécie de ostentação dos símbolos de corporações policiais, com participantes de tais subculturas posando com armas de fogo de forma expressiva e estilizada, em uma espécie de negociação pública de reconstrução da identidade. Para Ferrell, o estilo define as categorias nas quais as pessoas vivem e as comunidades das quais fazem parte, servindo como um meio visível para negociar status, para construir tanto a segurança quanto a ameaça, e para se engajar em atividade criminal (FERRELL, 2004_____________. The Only Possible Adventure: Edgework and Anarchy. In: LYNG, Stephen (Ed.). Edgework: The Sociology Of Risk Taking. Londres: Routeledge, 2004.). Episódios de violência efetivamente reproduzem poder e desigualdade, codificando-os nos circuitos da vida cotidiana. São performances de poder e dominação, encenadas para várias audiências como conquistas simbólicas, mediante um trabalho comunicativo que degrada a identidade da vítima, impondo a ela uma série de significados indesejados que permanecem mesmo após a violência ter cessado (FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2019, p.13).

Outro aspecto a ser considerado é aquele que envolve a excitação de se colocar em risco e praticar ilegalidades. Lyng considera que o caráter sedutor de muitas atividades criminais pode decorrer de particulares sensações e emoções geradas pelo alto nível de risco dessas atividades (LYNG, 2004LYNG, Stephen. Crime, edgework and corporeal transaction. In: Theoretical criminology. v. 8(3): 359-375. 2004.). Pensado de acordo com essa perspectiva, o conceito de edgework com conotação criminal demonstra como, dentro de um evento criminal, questões de estigma, honra e respeito podem se tornar poderosos - ainda que passageiros - ímpetos para comportamentos violentos, desbravadores e corajosos. É inegável que uma parte significativa do trabalho policial é permeada pela adrenalina. Como demonstra Muniz (1999MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 1999. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado)-Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro., p. 17), os policiais possuem expectativas de ameaças ampliadas, especialmente porque estão acostumados a viver em situações de risco, incerteza e intensidade. E são exatamente essas situações de adrenalina que acabam funcionando como elementos compensadores do tédio e da monotonia que se fazem presentes em outros aspectos do trabalho, que poderiam ser definidos como burocráticos e entediantes. Mediante a prática de violências, o sujeito pode ter uma excitação imediata através da enxurrada de adrenalina que a recebe ao se submeter, de forma voluntária, a determinados riscos - inclusive de morte - e retomar o controle ao escapar deles de forma ilesa (FERRELL, 2010FERRELL, Jeff. Tédio, crime e criminologia: um convite à criminologia cultural. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 18. N. 82. 2010., p. 346-350). Nesse sentido, parece viável pensar a atuação policial violenta como uma forma de edgework devido à assunção de riscos e às enxurradas de adrenalina que são proporcionadas. E, por se tratar de situações que envolvem riscos, violência, e fortes emoções, elas proporcionam uma excitação que se relaciona de maneira direta com a busca por segurança ontológica, proporcionando assim, um significado existencial diante dessa assunção de riscos e busca por adrenalina (FERRELL; HAYWARD; YOUNG 2019, p. 107-108).

Técnicas subculturais de neutralização, economias de troféu e performances racistas de violação de direitos humanos

A última seção deste artigo retrata as técnicas de neutralização que são utilizadas dentro da subcultura militar(izada) como forma de minimizar e/ou diminuir a autorresponsabilidade diante da prática de violações racistas de direitos humanos. Inicialmente, é importante esclarecer que a utilização de tais técnicas não significa que os indivíduos rejeitam explicitamente o ordenamento jurídico, nem os valores culturais dominantes. Pelo contrário, os aceitam e os têm internalizados dentro da própria subjetividade e da subcultura. Contudo, embora exista uma internalização, os agentes violam essa estrutura normativa e conseguem preservar uma imagem positiva de si próprios perante o sistema, neutralizando a situação e qualificando os próprios imperativos como necessários ou aceitáveis, dada a situação de fato em que se encontram (SYKES; MATZA, 1957SYKES, Gresham M.; MATZA, David. Techniques of neutralization: A theory of delinquency. American sociological review, v. 22, n. 6, p. 664-670, 1957., p.666-667). É como se as técnicas de neutralização fossem causas de justificação não reconhecidas pelo sistema normativo, mas aceitas na subcultura como excludentes do comportamento que seria reprovável perante a cultura hegemônica. Algumas dessas técnicas remetem diretamente ao texto clássico de Sykes e Matza, com especial destaque para a negação da condição de vítima, que pode decorrer dos processos de demonização e alterização, que vão negar a corpos negros a condição de sujeitos de direito, atribuindo a eles um status de merecedores de dano. Nessa dinâmica, aqueles que legalmente deveriam fornecer proteção assumem o lugar de vingadores, colocando as eventuais vítimas na posição de infratores essencializados. Embora o texto de Sykes e Matza não tenha sido pensado explicitamente para retratar a prática de ilegalidades por agentes de estado, os argumentos parecem pertinentes para ilustrar tais práticas que são em si mesmas, criminosas. A negação dos condenadores é outra técnica que pode ter importância, uma vez que os discursos de defesa dos direitos humanos e de denúncia de práticas racistas e violentas costumam ser interpretados como narrativas coniventes com a criminalidade e fomentadoras de impunidade. Seguindo a trilha de Sykes e Matza, é possível argumentar que técnicas de neutralização contribuem para reduzir a efetividade dos controles normativos que visam enclausurar o exercício da força policial dentro dos limites da legalidade.

Uma releitura contemporânea dos argumentos dos autores pode auxiliar a desvelar outras dinâmicas que concorrem para a neutralização e consequentemente, para uma preservação de autoimagem positiva por parte de policiais que violam direitos humanos. Dentre essas técnicas de neutralização merece destaque a construção de uma economia moral de ilegalidades (KHALED JR, 2021, p.100) fundada na perspectiva de uma cruzada contra o mal e a consequente construção de um ethos guerreiro dentro da subcultura, que conduz os indivíduos a uma busca incessante pela “proteção” da sociedade por meio da eliminação daqueles que são considerados como seus inimigos. Conjugada com a vontade de representação, o desejo de glória e o pertencimento à fraternidade (FERRELL; HAYWARD; YOUNG; 2019FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Criminologia cultural: um convite. Belo Horizonte: Letramento, 2019., p. 196), bem como com a inserção na retórica racista de “guerra contra o crime”, essa técnica ilustra como a prática de violências pode ser uma forma de demonstrar à população e aos próprios companheiros de farda, que o indivíduo está disposto a se engajar em situações de risco extremo em nome da causa, mesmo que para isso tenha que enfrentar as sanções decorrentes da violação de regras do próprio sistema normativo.

No âmbito do pertencimento à fraternidade e da exibição pública por meio do que foi anteriormente definido como vontade de representação, parte significativa dessa dinâmica consiste no emprego de atuações e consequentemente dos frutos destas, como troféus, de forma a demonstrar determinadas habilidades relacionadas à dominação e até mesmo à morte (LINNEMANN, 2017LINNEMANN, Travis. Proof of death: Police power and the visual economies of seizure, accumulation and trophy. Theoretical Criminology, v. 21, n. 1, p. 57-77, 2017., p.68-69). Nesse contexto, os troféus não se limitam a representação através de imagens de policiais com armas, drogas e dinheiro apreendidos, mas também, representam a prerrogativa que o Estado detém no que tange à busca, à apreensão e à acumulação da propriedade privada dos indivíduos. Essa forma de exercício de poder também pode ser observada através da utilização de corpos humanos e, em especial, de corpos negros como troféus, como denuncia Linnemann. Essa leitura possibilita interpretar a utilização do poder policial como um poder do soberano tanto sobre a vida quanto sobre a morte. Dessa forma, fotos e vídeos de troféus (sejam eles corpóreos ou incorpóreos) demonstram e visibilizam a violência estatal e o poder policial de apreender, caçar, capturar e até mesmo de matar com a finalidade de imposição de uma ordem social. A utilização de troféus é ainda mais recorrente em uma sociedade capitalista tardia precária (LINNEMANN, 2017, p. 123-124) na qual o exercício de violência pode ser uma forma de resolução de instabilidades identitárias. Conforme Katz (1988KATZ, Jack. Seductions of crime: Moral and sensual attractions in doing evil. 1988., p. 109), o exercício de violência faz parte da construção da imagem do “badass”. E não se trata de sadismo nem de utilitarismo, mas da busca de determinados significados ontológicos como o de representação de uma superioridade diante dos demais. O badass possui um desejo de demonstração do caos, buscando tornar-se tão intimidante, objetivando ganhar respeitabilidade, que passa a assumir essa característica durante todo o tempo em todas as situações da vida, perpetuando esse significado e consequentemente essa identidade no tempo e no espaço. Dessa forma, o autor destaca o que chama de “righteous slaughter2 2 A expressão poderia ser traduzida como “matança, abatimento ou execução justa”. : a motivação por trás de homicídios impulsivos que - de modo aparentemente paradoxal - são cometidos porque, do ponto de vista do agressor, a vítima viola valores fundamentais. As pessoas muitas vezem matam para defender o que consideram “bom” e assim justificam as suas ações, desconsiderando as consequências legais dos seus atos. Por meio da violência, o agressor define e defende a sua respeitabilidade (KATZ, 1988KATZ, Jack. Seductions of crime: Moral and sensual attractions in doing evil. 1988.). Conforme menciona Katz, para que o “righteous slaughter” ocorra, devem existir motivos fundantes que sejam capazes de justificá-lo, como por exemplo, a existência de valores pró sociais. Além disso, para que o ato seja cometido, faz-se necessário a (trans)formação de alguns sentimentos que estimulem a prática do ato. A humilhação deve ser o primeiro sentimento a ser experimentado, que se transformará em raiva a fim de que sejam percorridos os caminhos até o próprio ato. A humilhação se transformará em raiva a partir do momento em que os agentes que eventualmente irão matar forem sucessivamente rebaixados e degradados ontologicamente, motivo pelo qual o processo de formação violador de direitos humanos da polícia militar pode ser pensado como um facilitador de violações de direitos humanos. Dessa forma, o ato de matar também é uma vingança: uma forma de reequilibrar-se moralmente diante das degradações ontológicas sofridas. Matar pode ser considerado como um projeto ontológico moral, pois é a partir dele que se recupera a moral e a respeitabilidade perdidas (KATZ, 1988, p.22). Para além disso, matar pode ser um sinal de apreço dentro da subcultura, de correspondência às expectativas da sociedade e de contribuição para uma cruzada contra o mal, de modo que muitos são as diferentes correntes de significado que contribuem para uma atuação militarizada e racista propensa à violação de direitos humanos. Introjetada a crença em uma guerra, onde existem dois lados inimigos, atirar pode significar sobreviver. E sobreviver significa matar em um território propício para morrer. Desta forma, a partir do momento em que disparos são efetuados, durante operações policiais, os autores sentem-se glorificados por não terem morrido, já que para atirar é preciso estar vivo. Logo, atirar passa a proporcionar um sentimento de poder sobre a vida e sobre a morte: um troféu. Essa simbologia de poder e de glória que provém dos disparos de arma de fogo, pode ser observada em diversas práticas, como por exemplo dar tiros para o alto como forma de comemoração e contra o chão - na morte - como forma de respeito e honraria. Em qualquer uma dessas formas, o tiro materializa o significado de homenagem, sobretudo ao poder. Essa vontade de representação está diretamente relacionada ao desejo de glória, que faz com que os atores se disponham a praticar ações violentas a fim de proteger aquilo que é considerado dentro da subcultura como sagrado. Os atos violentos são praticados em nome dessa causa e é exatamente isso que provoca um sentimento relacionado à identificação enquanto ser deste indivíduo. Ou seja, trata-se de uma reinvindicação simbólica de si mesmo. É a oportunidade para a “aquisição” ou consolidação de uma determinada identidade sobre o que se é e qual a própria representação dentro do mundo, a partir do lugar em que se está inserido. Dessa maneira, o estado de “glória” é alcançado por determinadas identidades, que são consideradas merecedoras de honrarias, podendo ser atribuído tanto a alguém que praticou determinado ato de forma violenta quanto a alguém que morreu por determinada causa (COTTEE; HAYWARD, 2011COTTEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e) motives: The existential attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011, p. 973).

Neste sentido, a autorrepresentação é de suma importância para que os indivíduos ganhem o reconhecimento e o respeito dos demais. Em um mundo tardo-moderno, não é suficiente possuir atitudes que são consideradas gloriosas. Elas precisam ser demonstradas utilizando-se da economia visual, devendo ser compartilhadas de forma pública. Percebe-se, portanto, que o trabalho policial vai muito além de tarefas a fim de promover o bem e garantir a segurança social, pois inclui também o fato de exercer poder sobre determinados grupos de pessoas. E é por isso que os tiros de troféu são capazes de demonstrar o poder policial e, consequentemente, uma brutalidade legal (LINNEMANN, 2017LINNEMANN, Travis. Proof of death: Police power and the visual economies of seizure, accumulation and trophy. Theoretical Criminology, v. 21, n. 1, p. 57-77, 2017., p.61). O fato de exibir, de forma ritualística, determinado troféu por parte do poder policial, deixa nítida a existência de relações binárias entre o caçador e a caça. A utilização de tecnologias e armamentos pesados e os próprios tiros de troféu, demonstram a afirmação do poder de caça por parte do Estado e a consequente diminuição e inaceitabilidade da possibilidade de sofrer humilhação, apenas praticá-la, pois existe uma cultura política-institucional que considera de forma positiva a utilização de humilhação e dominação sobre determinados corpos e, em especial, corpos negros. Dessa forma, para que seja possível possuir um reconhecimento dentro do meio, é necessário utilizar esses elementos culturais intrínsecos às formas de atuação, como maneira de se sentir parte integrante do grupo (LINNEMANN, 2017, p.61). Também merece destaque a técnica de neutralização descrita por Sykes e Matza como “apelo a lealdades maiores” uma vez que os valores da subcultura passam a predominar sobre os limites impostos pela legalidade (SYKES; MATZA, 1957SYKES, Gresham M.; MATZA, David. Techniques of neutralization: A theory of delinquency. American sociological review, v. 22, n. 6, p. 664-670, 1957., p.669-670). É de se ressaltar que pertencer a subcultura e desejar a representação se relaciona também com a busca de uma autoafirmação. Embora existam divergências quanto a própria atuação por parte da sociedade, os pertencentes ao grupo acreditam que adotam uma postura correta. Eles acreditam nisso e reproduzem essas crenças dentro do grupo, como visto na primeira seção, o que torna atraente o lifestyle, já que os combatentes passam a ser reconhecidos como heróis no grupo (COTTEE; HAYWARD, 2011COTTEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (e) motives: The existential attractions of terrorism. Studies in Conflict & Terrorism, v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011, p. 974).

As dinâmicas supramencionadas consolidam um fluxo constante de criminalização racial, que funcionará também como uma espécie de técnica de neutralização, pois coloca os corpos negros sob constante suspeita. Dessa forma, sua rotulação como ameaças potenciais os leva a adquirir, conforme menciona Góes (2017GÓES, Luciano. Pátria exterminadora: O projeto genocida brasileiro. Revista Transgressões, v. 5, n. 1, p. 53-79, 2017., p. 4), um ethos de não humano, demonstrando a existência sobreposta de um poder colonial que era (e é exercido, através do poder discricionário da polícia) sobre os corpos negros, especialmente ao considerá-los “elementos suspeitos”, renegando a humanidade existente ao caracterizá-los como elementos, objetificando-os e, legitimando assim, práticas autoritárias travestidas de busca pela segurança da sociedade e dos “seres humanos” que a compõem.

Considerar a criminalização racial como técnica de neutralização se relaciona diretamente com a busca pelo reconhecimento e prestígio dentro da subcultura. Pois, é uma forma de confirmar a assertividade do tirocínio policial. Além disso, trata-se de uma maneira de buscar transmitir para a sociedade uma ideia de segurança e combate ao crime, já que, de acordo com Duarte, Avelar e Garcia, há uma associação, por parte da sociedade, entre corpo negros e criminalidade. Ou seja, se constrói a ideia de que indivíduos negros são sempre suspeitos de possíveis crimes, o que é mais intenso quando se trata da reprodução de padrões de suspeição pelas instituições responsáveis pela segurança, constituindo assim, a suspeição policial (DUARTE; AVELAR; GARCIA, 2018DUARTE, Evandro Piza; DA SILVA AVELAR, Laís; DE DEUS GARCIA, Rafael. Suspeitos? Narrativas e expectativas de jovens negros e negras e policiais militares sobre a abordagem policial e a discriminação racial em Brasília, Salvador e Curitiba. Revista Quaestio Iuris, v. 11, n. 04, p. 3316-3336, 2018., p.3321-3322).

Dessa forma, é perceptível que a criminalização racial está diretamente relacionada com as outras técnicas de neutralização mencionadas, com as economias de troféu e a economia moral de ilegalidades, bem como com a vontade de representação, porque ela não se limita a transmitir uma noção de proteção à sociedade, mas busca convencer que, ao eliminar as ameaças e, inclusive, as futuras ameaças - quando se trata de extermínio de jovens - se estará garantindo segurança. A partir dessa lógica, delineada pelo racismo, se nega a vítima, já que ela adquire status de elemento suspeito e se negam as lesões que nela são cometidas. Essas técnicas de neutralização são constituídas no campo essencialista que transforma em arena de guerra as favelas brasileiras e/ou os corpos favelizados que ultrapassam as fronteiras que lhes são impostas. Não é por acaso que existe um desejo grande de autorrepresentação, pois a exposição dos troféus das caças mortas está diretamente relacionada com uma masculinidade violenta que se pauta na representação do poder e na delimitação de espaços entre o ser humano e o animal. Essas caçadas devem ser demonstradas como troféus sob pena de serem negadas, desacreditadas, descredibilizadas, já que a demonstração do poder de um corpo sobre o outro fortalece uma política de reprodução da dominação de um sobre o outro (LINNEMANN, 2017LINNEMANN, Travis. Proof of death: Police power and the visual economies of seizure, accumulation and trophy. Theoretical Criminology, v. 21, n. 1, p. 57-77, 2017., p.67-68) e a polícia possui essa necessidade de dominação. Desta maneira, observa-se que essa vontade de representação está diretamente relacionada com as identidades militarizadas que são construídas no curso da formação dos policiais. Tais valores circulam e são negociados na subcultura até serem absorvidos e postos em prática, de forma a consagrar o ethos guerreiro e praticar a violência através de uma racionalidade binária refratária a direitos humanos e propensa a exercer um controle social racista.

Considerações finais

Por meio de pesquisa bibliográfica e da metodologia triádica da Criminologia Cultural, foi possível concluir que, mediante performances encenadas para si próprios e para terceiros, os policiais militares engajados em práticas racistas de violação de direitos humanos reconstroem a própria imagem em termos de autoestima e pertencimento ao grupo. Parte significativa dessa dinâmica consiste em técnicas de neutralização. Tais técnicas circulam e são compartilhadas dentro do grupo, por força de influência direta dos valores culturais e das racionalidades que são introduzidas nos indivíduos que fazem parte deste círculo social, conferindo propósito e significado às suas existências. Essas técnicas são utilizadas pelos membros da subcultura para minimizar a autorresponsabilização pelos próprios atos, o que lhes permite preservar uma imagem positiva de si mesmos, embora muitas vezes pratiquem violências e violações de direitos humanos, fora dos limites das funções e poderes estabelecidos legalmente. Dentro dessa subcultura ainda prospera um racismo antinegro, fundamentado na ideologia cristã e entrelaçado às necessidades coloniais de segurança por meio da eliminação da resistência negra, articulado na construção de inimigos demoníacos para legitimar o uso de violências desumanizantes à título de salvar a sociedade. As performances policiais militarizadas refazem os passos da conversão e manipulação da violência para salvar almas embranquecidas, invocando o deus cristão que abençoa as novas cruzadas civilizatórias (como a guerra racista (mal)dita contra às drogas). Entre a condenação da negritude e a beatificação da branquitude, a violação de direitos humanos reconstrói a própria imagem narcísica em termos de autoestima e pertencimento ao grupo militar(izado), que se consolida enquanto instrumento de controle e eliminação da reação de quem sempre foi alvo de violências desumanizantes, mesmo que tal reflexo não seja tão diferente dos corpos negros que integram a corporação responsável pela manutenção da ordem racial e tutela do Estado necropolítico. No dinamismo de ilegalidades tornadas legais, aceitáveis e vitais para a estrutura racial, a cultura punitivista colonial, gestada pela ideologia cristã a partir da demonização do outro, é transmitida pela agência policial, desde sua concepção, a seus agentes, mobilizados e mobilizando uma subcultura militar(izada) antinegra e estruturada em troféus, como necessidade de reconhecimento social, garantindo em vários aspectos a segurança da branquitude. Desse modo, o que é considerado ilegal ou reprovável perante outras instâncias torna-se algo valorizado dentro do subsistema cultural no qual o agente está inserido, fazendo com que ele conquiste apreço, admiração e espaço na hierarquia subcultural a que se vincula, sendo reconhecido como herói dentro da subcultura e até mesmo fora dela.

Em última análise, ao rastrear os fluxos de negociação de significado subcultural, foi possível constatar que um processo de formação e identificação que em si mesmo é violador de direitos humanos contribui decisivamente para que os integrantes da subcultura policial militar(izada) naturalizem e se tornem propensos a encenar práticas racistas de violação de direitos humanos, por meio das quais eles adquirem uma série de recompensas subjetivas que conferem propósito e significado às suas vidas.

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  • 1
    A tradução mais aproximada do termo na língua portuguesa seria fodão.
  • 2
    A expressão poderia ser traduzida como “matança, abatimento ou execução justa”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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