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A essência da forma jurídica como entrave à agroecologia

Resumo

Contextualizando historicamente o advento dos problemas ambientais atuais como frutos da apropriação e exploração do ser humano sobre a natureza e sobre o próprio ser humano no modo de produção capitalista, este trabalho apresenta a agroecologia como alternativa sustentável a esse modelo por operar numa lógica externa a do capital. Nesse contexto, objetiva-se verificar de que maneira a essência da forma jurídica opera como entrave à agroecologia. Para tanto, adota-se como método o materialismo histórico-dialético e a seguinte forma de exposição: 1. Apresenta-se a agroecologia como meio de satisfação das necessidades humanas que preserva o equilíbrio da relação metabólica entre seres humanos e natureza, relação esta que foi afetada pelo desenvolvimento do capitalismo, especialmente no que diz respeito à agricultura. 2. Partindo da visão de Marx do direito como forma social que possui uma aparência e uma essência, o segundo capítulo apresenta a forma jurídica aparente da agroecologia no direito positivado em normas brasileiras; e 3. Aborda-se a essência da forma jurídica e de que maneira esta atua como entrave à agroecologia. Concluiu-se que antes de qualquer outro empecilho para implementação da agroecologia em larga escala, deve-se ter em mente que não será a mera criação legislativa a solucionar a crise ecológica hoje, pois as leis ambientais existentes são mera aparência do direito cuja essência busca a manutenção do sistema capitalista insustentável.

Palavras-chave:
Agroecologia; Aparência; Capitalismo; Essência; Forma jurídica

Resumo

Contextualizando historicamente o advento dos problemas ambientais atuais como frutos da apropriação e exploração do ser humano sobre a natureza e sobre o próprio ser humano no modo de produção capitalista, este trabalho apresenta a agroecologia como alternativa sustentável a esse modelo por operar numa lógica externa a do capital. Nesse contexto, objetiva-se verificar de que maneira a essência da forma jurídica opera como entrave à agroecologia. Para tanto, adota-se como método o materialismo histórico-dialético e a seguinte forma de exposição: 1. Apresenta-se a agroecologia como meio de satisfação das necessidades humanas que preserva o equilíbrio da relação metabólica entre seres humanos e natureza, relação esta que foi afetada pelo desenvolvimento do capitalismo, especialmente no que diz respeito à agricultura. 2. Partindo da visão de Marx do direito como forma social que possui uma aparência e uma essência, o segundo capítulo apresenta a forma jurídica aparente da agroecologia no direito positivado em normas brasileiras; e 3. Aborda-se a essência da forma jurídica e de que maneira esta atua como entrave à agroecologia. Concluiu-se que antes de qualquer outro empecilho para implementação da agroecologia em larga escala, deve-se ter em mente que não será a mera criação legislativa a solucionar a crise ecológica hoje, pois as leis ambientais existentes são mera aparência do direito cuja essência busca a manutenção do sistema capitalista insustentável.

Palavras-chave:
Agroecologia; Aparência; Capitalismo; Essência; Forma jurídica

Introdução1 1 Este artigo é uma síntese da dissertação da primeira autora apresentada e aprovada junto à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

A crise ecológica ameaça hoje toda a vida no planeta, caracterizando-se sobretudo pelo processo de aquecimento global, pela extinção de espécies animais e vegetais em razão do uso extensivo de agrotóxicos, monoculturas e transgênicos que colocam em risco a biodiversidade e a saúde humana. Concomitantemente, a produção legislativa ambiental, nas esferas internacional e nacional, também aumenta, assim como os discursos envolvendo o desenvolvimento sustentável.

Tal quadro evidencia as contradições existentes acerca da própria proteção ambiental desempenhada pelo direito. Do outro lado, existem práticas e vivências que buscam preservar uma relação harmônica com o meio ambiente, desenvolvendo outras formas de produzir sustentáveis, destacando-se a agroecologia.

Nesse contexto, este artigo tem por objetivo verificar de que maneira o direito (forma jurídica) atua como entrave à agroecologia. Busca-se responder ao seguinte problema de pesquisa: Pode a forma jurídica ser um entrave à agroecologia?

Trata-se de uma tentativa de aproximação com o método do materialismo-histórico e a pesquisa parte de autores com orientação essencialmente marxista porque é essa orientação que permite contextualizar historicamente o advento dos problemas ambientais atuais como frutos da apropriação e exploração do ser humano sobre a natureza e sobre o próprio ser humano no modo de produção capitalista. Acredita-se que pensar soluções para os problemas ambientais é repensar o modelo civilizatório atual, pois como afirmava Marx, esse modo de produção esgota tanto o homem quanto a natureza.

Para responder ao problema apresentado, o artigo se divide em três capítulos. Inicialmente, apresenta-se a agroecologia como meio de satisfação das necessidades humanas que preserva o equilíbrio da relação metabólica entre seres humanos e natureza, relação esta que foi afetada pelo desenvolvimento do capitalismo, especialmente no que diz respeito à agricultura. Em seguida, partindo da visão de Marx do direito como forma social que possui uma aparência e uma essência, o segundo capítulo apresenta a forma jurídica aparente da agroecologia no direito positivado em normas brasileiras. Por fim, aborda-se a essência da forma jurídica a partir de Pachukanis a fim de verificar de que maneira esta atua como entrave à agroecologia.

1. Agroecologia: entre a ruptura e a interação metabólica

Antes de aprofundar a análise da agroecologia especificamente, mostra-se necessário partir da categoria da “ruptura metabólica”, criada por Marx e melhor desenvolvida posteriormente por John Bellamy Foster. Isso requer, contudo, uma breve análise da compatibilidade entre o diálogo entre Marx e a ecologia.

A evidência de que a agroecologia supera a racionalidade capitalista focada no lucro pode ser extraída da análise da obra de Marx realizada por John Bellamy Foster, na qual o autor demonstra como o pensamento marxiano, sobretudo em sua fase mais madura, é profundamente marcado por uma visão de mundo ecológica que deriva de sua concepção materialista da história e da natureza. Em que pese a existência de correntes que alegam a impossibilidade de uma abordagem da questão ecológica a partir de Marx por considerá-lo deveras “produtivista”, Vanessa de Castro Rosa evidencia seus equívocos, já que “o tema sempre esteve presente em sua obra [de Marx], o fato é que sua abordagem da natureza não era biológica, mas sim social, histórica, política e econômica” (ROSA, 2018, p. 40).

Essa abordagem da questão ecológica a partir de Marx, para Foster, não se resume em “enxertar a Teoria Verde em Marx, ou Marx na Teoria Verde”, como faz o Ecossocialismo, pois, a partir de uma investigação sistemática da obra de Charles Darwin e de Justus von Liebig, bem como de sua crítica ao malthusianismo, Marx elaborou o conceito de “falha metabólica” (ou “ruptura metabólica”) que evidencia sua visão ecológica da relação entre seres humanos e natureza (FOSTER, 2005FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 10). Aliás, desde o princípio de sua obra, antes do nascimento da moderna consciência ecológica, Marx denunciava a espoliação do meio ambiente e a conexão entre a alienação do trabalho e alienação dos seres humanos em relação à natureza (FOSTER, 2005, p. 23).

Concordando com a afirmação de Bensaïd de que “Marx não é um anjo verde, um pioneiro da ecologia que desconhece a si mesmo. No entanto, embora compartilhe frequentemente o entusiasmo produtivista do seu tempo, não adere sem reservas às ilusões do progresso” (apudSILVA, 2018SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. Marx, produtivista ou precursor da ecologia? A sempre renovada questão. Rev. Direito Práx. [online]. 2018, vol.9, n.3, p.1735-1752. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179- set. 89662018000301735&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 07 set. 2020
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, online), Maria Beatriz Oliveira da Silva conclui que o marxismo é uma referência possível e necessária para a compreensão da crise ambiental hoje vivenciada que “não é, como querem alguns, um dado externo e independente da lógica de funcionamento do sistema, mas o resultado de um processo que, como afirmava Marx, explora e esgota tanto o trabalhador quanto a natureza” (SILVA, 2018, online).

Nesse sentido, como demonstra Foster, o método desenvolvido por Marx permite examinar as contradições do modo de produção capitalista e, consequentemente, da própria crise ambiental, a exploração do trabalho humano e sua relação com a natureza. Não se pode compreender com plenitude a obra de Marx sem entender sua concepção materialista, não só da história, mas da própria natureza, pois o pensamento social de Marx está intrinsicamente atrelado a uma visão de mundo ecológica (FOSTER, 2005FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.).

Além disso, a teoria de Marx acerca da relação homem-natureza é muito mais apropriada para abordagem da crise ambiental por evidenciar as contradições e dinâmicas da relação social e econômica entre homem e natureza e o lugar ocupado pela natureza no sistema capitalista, pois “somente compreendendo o funcionamento do capitalismo e sua relação com a natureza é possível entender a relação entre ser humano e meio ambiente” (ROSA, 2018, p. 36).

Marx, para Foster, sempre tratou a natureza como uma extensão do corpo humano, isto é, como “corpo inorgânico” do homem, pois a relação que é claramente orgânica transcende fisicamente, estendendo, na prática, os próprios órgãos dos seres humanos, que produzem a relação histórica com a natureza em grande parte produzindo os seus meios de subsistência. A natureza, contudo, entra diretamente na história do homem sendo mediada não só através da produção, mas também de maneira mais direta por meio dos instrumentos, isto é, dos produtos que permitiam à humanidade transformar a natureza de modos universais (FOSTER, 2005FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 107).

O trabalho e o processo de produção formam, segundo Marx, uma relação metabólica entre os seres humanos e a natureza, pois é através do trabalho que os homens produzem seu modo de vida e seus meios de subsistência. O modo de produção capitalista gera, contudo, uma fenda irreparável no metabolismo entre a humanidade e a terra. Além disso, essa falha teria uma tendência a se ampliar, de modo a comprometer as condições naturais de existência humana (COSTA NETO, 2018COSTA NETO, Canrobert Penn Lopes. De Marx à agroecologia: a transição sociotécnica na reforma agrária brasileira. São Paulo: Cia do eBook, 2018., 232). Vanessa de Castro Rosa (2018, p. 47) bem destaca que a crítica ecológica de Marx decorre da própria lógica de funcionamento do modo de produção capitalista que caracteriza uma exploração negativa da natureza como mercadoria a ser regida pelo valor de troca, sujeitando a terra a privatização e a expropriação.

O esgotamento da fertilidade do solo está ligado, assim, à agricultura capitalista de produção em larga escala que retira os nutrientes do solo e não os repõe, prejudicando, em longo prazo, a sustentabilidade do sistema e rompendo com o metabolismo entre homem e natureza. A superação, pois, dessa falha metabólica envolveria a própria eliminação do antagonismo entre cidade e campo, a dispersão mais equilibrada da população, a integração de indústria e agricultura e a restauração e melhoria do solo através da reciclagem dos nutrientes do solo.

Para Marx, a agricultura só pode ocorrer em larga escala desde que mantidas as condições de sustentabilidade, o que ele acreditava ser impossível na agricultura capitalista, pois "A moral da história [...] é que o sistema capitalista corre no sentido inverso a uma agricultura racional, ou que uma agricultura racional é incompatível com o sistema capitalista” (FOSTER, 2005FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 232). Em última análise, a falha metabólica “jamais poderia ser superada ou corrigida pelo desenvolvimento incessante das forças produtivas no capitalismo, pois estas tinham sua origem na própria falha metabólica” (COSTA NETO, 2018COSTA NETO, Canrobert Penn Lopes. De Marx à agroecologia: a transição sociotécnica na reforma agrária brasileira. São Paulo: Cia do eBook, 2018., 248).

Essa sustentabilidade do sistema só poderia ocorrer quando o homem socializado, numa sociedade de produtores associados, governar o metabolismo humano com a natureza de modo racional, “submetendo-o ao seu próprio controle coletivo em vez de ser dominado por ele como um poder cego; realizando-o com o mínimo gasto de energia e em condições mais dignas e apropriadas à sua natureza humana" (FOSTER, 2005FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 223).

É esse uso racional da terra pode ser observado na agroecologia, objeto do presente estudo. Ao contrário do sistema predatório do agronegócio que monopoliza a produção no atual sistema capitalista, o sistema de produção agroecológico parte de realidades e necessidades locais, a depender de cada sociedade e de cada ecossistema. É um campo de saber transdisciplinar que envolve ecologia e agronomia de modo a compreender o funcionamento dos agroecossistemas em suas dimensões sociais, ecológicas e culturais (ROSA, 2018, p. 62).

A agroecologia encontra base no pensamento ecológico de Marx por proporcionar mecanismos para compreensão da exploração ambiental e da relação metabólica existente entre seres humanos e natureza. Trata-se de um sistema produtivo agrícola de base cooperativa que utiliza métodos agronômicos não capitalistas e não exploratórios e, por isso, diferencia-se das demais propostas “sustentáveis”. Nesse sentido, “o conceito central do pensamento marxiano que diferencia a agroecologia das demais práticas agrícolas sustentáveis e ecológicas é a relação metabólica entre seres humanos e natureza” (ROSA, 2018, p. 116-118).

De fato, relacionamento entre seres humanos e natureza restou profundamente modificado a partir do avanço do capitalismo que acarretou a industrialização da agricultura. Essa agricultura moderna industrial, símbolo da Revolução Verde, modificou severamente os modelos de produção até então existentes, substituiu historicamente as formas de manejo tradicionais camponesas, vinculadas às culturas locais, implementando uma “modernização” que dissolve a clássica relação comunitária na qual os valores de uso prevaleciam sobre os valores de troca (GUZMÁN, 2001, p. 35).

A Revolução Verde “somente beneficiou os ricos fazendeiros, que dispunham de dinheiro para comprar o pacote tecnológico de maquinário pesado, assim, apenas eles eram beneficiados, com o aumento da produtividade e dos lucros, enquanto os pequenos produtores foram alijados do processo” (ROSA, 2018, p. 17). No mesmo sentido, Santilli observa que as políticas de modernização impostas pela Revolução Verde deram ao espaço rural um tratamento uniforme, desconsiderando as peculiaridades de cada local e modo de produção, motivo pelo qual as diferenças entre os modelos patronal e familiar foram acentuadas, o que veio a provocar, por outro lado, a concentração e a especulação fundiárias, o êxodo rural e a marginalização da agricultura familiar (SANTILLI, 2009, p. 61).

Uma das principais características dessa modernização é a excessiva dependência de monoculturas, de agrotóxicos e de sementes transgênicas. A agricultura moderna é, portanto, marcada por dois grandes momentos: o primeiro relacionado com a Revolução Verde, marcado pela mecanização e o uso intensivo de agrotóxicos; e o segundo caracterizado pelo desenvolvimento das modificações genéticas em sementes pela biotecnologia (ALTIERI, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2012., p. 34-36).

A agroecologia, por outro lado, teria origem nos conhecimentos e práticas dos povos indígenas e campesinos da Mesoamérica, estudados por meio da análise dos “agroecossistemas” indígenas do desenvolvimento rural realizado, sobretudo, por Miguel Altieri, considerado o autor que melhor delineou o conceito contemporâneo de Agroecologia na América Latina, bem como seu maior difusor. A obra de Altieri marca uma crítica da “revolução verde” e da inadequação desta para os campesinos (ROSA, p. 60-61).

A ideia central da agroecologia, para Altieri, é desenvolver agroecossistemas com a mínima dependência de agroquímicos e energia externa, indo além de práticas agrícolas alternativas, configurando uma verdadeira ciência que se baseia na aplicação da Ecologia no manejo de agroecossistemas sustentáveis. O autor define agroecossistema como “as comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustíveis e outros produtos para consumo e utilização humana” (ALTIERI, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2012., p. 105).

A agroecologia surge como um novo enfoque científico que visa a dar suporte a uma transição de estilos de agriculturas sustentáveis a partir de determinados princípios na construção de agriculturas de base ecológica ou sustentáveis. Usa-se o termo “agricultura de base ecológica”, primeiramente para distingui-lo do modelo de agricultura convencional ou agroquímica e de estilos de agricultura que estão surgindo a partir de novas correntes, como a “Intensificação Verde”, a “Revolução Verde Verde” ou a “Dupla Revolução Verde”. Em segundo lugar, o termo também é utilizado para distinguir a agroecologia dos demais modelos de agricultura alternativa (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 8).

Isso porque a agroecologia tem sido frequentemente confundida com um modelo de produção alternativo, o que, muitas vezes, prejudica o entendimento da Agroecologia como “ciência que estabelece as bases para a construção de estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável” (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 5-6). Assim, em que pese a existência dessas agriculturas alternativas nos mais diversos países (como agricultura orgânica, biológica, natural, ecológica, biodinâmica, permacultura, entre outras), cada uma segue uma filosofia, princípios, tecnologias, normas e regras, segundo as correntes a que estão aderidas. Contudo, esses modelos não alcançam as orientações mais amplas do enfoque agroecológico (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 8).

Para tanto, a agroecologia fornece uma metodologia para o manejo e tratamento de agroecossistemas de forma sustentável, pois integra princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos. Dentre esses princípios ecológicos, encontram-se: a) Aumentar a ciclagem de biomassa e otimizar a disponibilidade e o fluxo equilibrado de nutrientes; b) Assegurar solo com condições favoráveis para o crescimento das plantas, particularmente por meio do manejo da matéria orgânica e do incremento de sua atividade biológica; c) Minimizar as perdas decorrentes dos fluxos de radiação solar, ar e água por meio do manejo do microclima, da captação de água e da cobertura do solo; d) Promover a diversificação inter e intraespécies no agroecossistema, no tempo e no espaço; e) Aumentar as interações biológicas e os sinergismos entre os componentes da biodiversidade promovendo processos e serviços ecológicos chaves (ALTIERI, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2012., p. 106).

Conclui-se que a agroecologia configura um conjunto de princípios que podem orientar a produção agrícola rumo à sustentabilidade por meio de práticas que buscam reconstruir o metabolismo equilibrado existente entre meio ambiente e seres humanos. É justamente por centralizar no equilíbrio entre esse metabolismo que a agroecologia se apresenta como modelo alternativo à agricultura capitalista moderna. Por outro lado, justamente por operar numa lógica externa ao capital, encontra no atual modo de produção diversos entraves para sua implementação.

2. Agroecologia como direito: a forma jurídica aparente

Abordar a agroecologia como um meio de satisfazer as necessidades humanas que chegou a ser enunciado constitucionalmente sob fundamento do “valor e princípio da sustentabilidade” requer uma abordagem crítica ao próprio direito e aos modelos clássicos de sustentabilidade que ocultam a raiz dos problemas ambientais e retiram o foco do capitalismo no debate sobre a crise ecológica.

Para tanto, parte-se da concepção marxista de direito como conjunto de relações sociais que se desdobram a partir da circulação de mercadorias no capitalismo. Segundo Pazello, com base em Marx, o direito: “[...] é uma relação social, com sua especificidade como relação jurídica, que garante a circulação de mercadorias equivalentes por intermédio de proprietários iguais entre si. Eis a forma essencial (porque específica) do direito baseada nas relações econômicas capitalistas (forma fundante)” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 210).

As formas sociais, para Marx, possuem uma “aparência” e uma “essência” que nem sempre apresentam correspondência na realidade concreta (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 139). Nesse sentido, justamente por ser mais uma das formas resultado das relações sociais humanas, o direito também possui uma aparência e uma essência.

As normas jurídicas, assim como os demais elementos do mundo jurídico, são “meras aparências, fenômenos, formas de manifestação”, aquilo que se diz ser o direito. Na realidade, possuem também uma essência que só pode ser observada através da análise da totalidade das relações sociais, pois: “Sem uma apreensão de totalidade das relações sociais, entendidas em sua historicidade, as relações jurídicas se perdem nas mais superficiais teses de teoria do direito” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 139-140).

A partir do quadro normativo existente hoje no Brasil, pode-se argumentar que a agroecologia encontra fundamentos dentro deste sistema jurídico para ser vista como direito (em sua aparência). Essa aparência, contudo, não coaduna com sua essência de forma jurídica das relações capitalistas, pois, conforme afirmou Marx em sua “Crítica ao Programa de Ghota” (MARX, 2013MARX, Karl. Crítica ao Programa de Ghota. Obras seletas. Centaur Editions, e-book, 2013. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Obras-Karl-Marx-ebook/dp/B00AQUANZQ. Acesso em: 05 out. 2020.
https://www.amazon.com.br/Obras-Karl-Mar...
, e-book, posição 3319-3337), o direito, por mais “igualitário” que seja, continua sendo um direito da desigualdade, ou seja, as normas jurídicas, por mais benéficas que aparentem ser ao meio ambiente, à sustentabilidade ou à agroecologia, continuam sendo formas jurídicas que visam garantir operabilidade à exploração ilimitada da natureza proporcionada pelo capitalismo.

A legislação brasileira não reconhece expressamente um “direito à agroecologia” nos moldes da interpretação que o texto constitucional e os tratados internacionais proporcionam. Ao contrário, a análise das normas que serão expostas é importante porque possibilita que se visualize o caráter aparente da forma jurídica, bem como o movimento de captação e enfraquecimento da pauta agroecológica através de normas e políticas públicas brasileiras.

Das normas acima mencionadas serão aprofundadas algumas em específico: o Estatuto da Terra, a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei de agrotóxicos, a Política Agrícola, a lei da Reforma Agrária, a lei da agricultura orgânica e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Inicialmente será apresentado o conteúdo dessas normas e o contexto no qual foram aprovadas para, em seguida, realizar-se uma análise crítica desse arsenal jurídico.

Em termos de legislação sobre agricultura, o Estatuto da Terra (Lei n° 4.504/64), norma mais antiga das citadas anteriormente, desde 1964 prevê que “É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social” (art. 2º), entendendo por desempenho integral da função social o atendimento simultâneo pela propriedade rural dos seguintes critérios: a) favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores e suas famílias, b) manutenção de níveis satisfatórios de produtividade; c) conservação dos recursos naturais; e d) a observância das disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem (BRASIL, 1964). O Estatuto da Terra de 1964 ainda define que a Reforma Agrária “visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio” (BRASIL, 1964).

Trata-se de legislação fruto de movimentação social cujo descontentamento com a divisão de terras no Brasil vinha crescendo desde o período colonial, acarretando à aprovação do Estatuto na metade do século passado, que, segundo Schmitz e Bittencourt, “representou, na verdade, uma tentativa de esvaziamento da luta pela reforma agrária, pois não se tocou no latifúndio, e colocar as mãos nesse tipo de propriedade significava enfraquecer as bases políticas do clientelismo rural e das oligarquias políticas” (SCHMITZ; BITTENCOURT, 2014SCHMITZ, Arno Paulo; BITTENCOURT, Mauricio Vaz Lobo. O Estatuto da Terra no confronto do pensamento econômico: Roberto Campos versus Celso Furtado. Economia e Sociedade, Campinas, v. 23, n° 3 (52), p. 577-609, dez. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ecos/v23n3/0104-0618-ecos-23-03-0577.pdf. Acesso em: 01 out. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/ecos/v23n3/010...
, p. 05).

A Lei 6.938/1981 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil surgiu sobretudo em razão da pressão internacional tendo em vista que a pauta ambientalista passou a ganhar cada vez mais espaço a partir da década de 1970 (MILARÉ, 2007MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. E. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 308-309). Essa norma é considerada por muitos autores como o grande marco em termos de proteção ambiental no Brasil2 2 É possível observar o entusiasmo em relação a Política Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, nos posicionamentos de Granziera (2011, p. 73) ou Milaré (2007, p. 307). e como fruto da amplitude que o debate sobre as questões ambientais atingiu em nível nacional como influência do movimento que vinha ocorrendo internacionalmente.

A Lei de Agrotóxicos (n° 7.802/89), por sua vez, estabelece que os agrotóxicos só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados no Brasil após registro prévio e desde que estejam “de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura” (BRASIL, 1989). Além disso, determina que cabe à autoridade competente tomar as medidas necessárias, sob pena de responsabilidade, caso as organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos. Vale destacar ainda que ficam proibidos no Brasil o uso de agrotóxicos “cujas características causem danos ao meio ambiente” (BRASIL, 1989).

Trata-se de legislação fruto da crescente oposição dos movimentos defensores de uma agricultura alternativa, livre de agrotóxicos e adubos químicos. Esses movimentos, liderados por José Lutzemberger, Sebastião Pinheiro, Ana Primavesi ou Adilson Paschoal, eram compostos em sua maioria por técnicos que acreditam ser suficiente realizar a regulamentação e disseminar o “uso correto” dos agrotóxicos. Aliás, foi nesse contexto que restou modificada a nomenclatura legal de “defensivo agrícola” para “agrotóxico” (CARVALHO; NODARI; NODARI, 2017CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de; NODARI, Eunice Sueli; NODARI, Rubens Onofre. “Defensivos” ou “agrotóxicos”? História do uso e da percepção dos agrotóxicos no estado de Santa Catarina, Brasil, 1950-2002. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.1, jan.-mar. 2017, p.75-91. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v24n1/0104-5970-hcsm-24-1-0075.pdf. Acesso em: 01 out. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v24n1/010...
, p. 12).

Outro marco importante seria a chamada “política agrícola” regulada pela Lei n° 8.171/1991. Desta, vale a pena destacar dois artigos centrais, o art. 2º que dispõe sobre os pressupostos da política agrícola brasileira e o art. 3º que traz os objetivos dessa política. No que diz respeito pressupostos da política agrícola brasileira elencados por citada lei, encontra-se estabelecido que os recursos naturais devem ser utilizados de modo a cumprir a função social e que o processo de desenvolvimento agrícola deve ser capaz de proporcionar à população campesina o acesso aos serviços essenciais (como saúde, educação, segurança pública, transporte etc.).

Trata-se de legislação decorrente do art. 189 do novo texto constitucional e art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória, sendo fruto, portanto, de regulamentação exigida pela Constituição e, por isso, também influenciada pelo espírito presente no país à época. O período também foi marcado pela atuação de movimentos em prol da agricultura familiar, sendo inclusive contemporânea a regulamentação, por exemplo, da aposentadoria do trabalhador rural como fruto da luta por direitos desses trabalhadores (Lei nº 8.213/91). Além disso, Da leitura dos artigos 2° e 3° da norma citada (BRASIL, 1991), observa-se ainda a tentativa do legislador de compatibilizar na letra da lei os interesses de mercado, a produtividade e a rentabilidade da produção agrícola com a função social e econômica da propriedade.

A lei da Reforma Agrária (n° 8.629/93) determina que a propriedade rural que não cumprir a função social, no Brasil, é passível de desapropriação. A lei também define o que se entende por “propriedade produtiva” e estabelece os mesmos parâmetros constitucionais já mencionados anteriormente pelo Estatuto da Terra no que se refere ao cumprimento da função social da propriedade. Determina ainda que “Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas” (BRASIL, 1993).

Assim como a Política Agrícola, trata-se de legislação impulsionada pela Constituição de 1988 que assumiu compromisso com a Reforma Agrária nos artigos 184 e seguintes (BRASIL, 1988). A aprovação de tal norma também se deu com importante participação e luta dos movimentos populares como o MST em busca da concretização das conquistas reconhecidas constitucionalmente (MST, 2020, online).

A lei n° 10.831/2003 que dispõe sobre a agricultura orgânica no Brasil foi fruto do crescimento do movimento em prol da produção orgânica, bem como pela crescente demanda de consumo desse tipo de produto (MUÑOZ; GÓMEZ; SOARES; JUNQUEIRA, 2016, online)3 3 A legislação estabelece o seguinte conceito: “Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente” (BRASIL, 2003). .

Dentre as finalidades da agricultura orgânica estão elencadas, dentre outras: a) a oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes intencionais; b) a preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados em que se insere o sistema de produção; e c) promover um uso saudável do solo, da água e do ar, e reduzir ao mínimo todas as formas de contaminação desses elementos que possam resultar das práticas agrícolas (BRASIL, 2003).

Por fim, quanto à legislação sobre agroecologia, destaca-se o Decreto 7.794/12 que implementa a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) prevendo como objetivo a “transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis” (BRASIL, 2012).

Como o próprio site do PNAPO menciona, “o decreto surgiu pela preocupação da sociedade civil e das organizações sociais do campo e da floresta sobre a necessidade de se produzir alimento em quantidade e qualidade necessárias, com o menor impacto possível ao meio ambiente e à vida” (BRASIL, 2020, online). Dentre as definições trazidas pelo decreto se encontram:

  • I - produtos da sociobiodiversidade - bens e serviços gerados a partir de recursos da biodiversidade, destinados à formação de cadeias produtivas de interesse dos beneficiários da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que promovam a manutenção e valorização de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, para gerar renda e melhorar sua qualidade de vida e de seu ambiente;

  • II - sistema orgânico de produção - aquele estabelecido pelo art. 1º da Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, e outros que atendam aos princípios nela estabelecidos;

  • III - produção de base agroecológica - aquela que busca otimizar a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, eficiência econômica e justiça social, abrangida ou não pelos mecanismos de controle de que trata a Lei nº 10.831, de 2003, e sua regulamentação; e

  • IV transição agroecológica - processo gradual de mudança e práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica (BRASIL, 2012).

As diretrizes PNAPO estabelecidas no art. 3º do decreto englobam: a) a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional, do direito humano à alimentação adequada e saudável, por meio da oferta de produtos orgânicos e de base agroecológica isentos de contaminantes que ponham em risco a saúde; b) a promoção do uso sustentável dos recursos naturais, observadas as disposições que regulem as relações de trabalho e favoreçam o bem-estar de proprietários e trabalhadores; c) a conservação dos ecossistemas naturais e recomposição dos ecossistemas modificados, por meio de sistemas de produção agrícola e de extrativismo florestal baseados em recursos renováveis, com a adoção de métodos e práticas culturais, biológicas e mecânicas, que reduzam resíduos poluentes e a dependência de insumos externos para a produção; d) a promoção de sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura e do extrativismo florestal; e) a valorização da agrobiodiversidade e dos produtos da sociobiodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, especialmente àquelas que envolvam o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas; f) a ampliação da participação da juventude rural na produção orgânica e de base agroecológica; e g) a contribuição na redução das desigualdades de gênero, por meio de ações e programas que promovam a autonomia econômica das mulheres (BRASIL, 2012).

Em termos de legislações estaduais vale destacar que, pelo que se pode observar da pesquisa realizada por Vanessa de Castro Rosa, as leis do Mato Grosso do Sul, Espírito Santos e Paraíba foram pioneiras em diferenciar a agroecologia das demais modalidades como agricultura orgânica, assim como as legislações de Sergipe e do Paraná que “reconheceram a agroecologia como sistema de agricultura socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável”, mais ampla que as demais modalidades justamente por englobar as dimensões social, econômica e ambiental. As demais legislações estatais brasileiras, de forma geral, abordam a produção agroecológica de forma indireta ou como medida para alcançar outros objetivos, como o combate à seca, alimentação escolar e incentivo à agricultura familiar (ROSA, 2018, p. 127-128).

Após todos os dispositivos legais mencionados até agora que aparentam buscar o equilíbrio entre o desenvolvimento da agricultura no Brasil e a proteção ambiental, mostra-se, no mínimo, curioso o fato de a agricultura orgânica e a agroecologia estarem previstas por lei e decreto como métodos capazes de obter produtos saudáveis e preservar a biodiversidade. Em outras palavras, estaria o legislador brasileiro reconhecendo que a agricultura, ao contrário do que a própria legislação nacional estabelece, é predatória ao meio ambiente e à saúde humana? Esta questão será aprofundada no terceiro capítulo, ficando por enquanto a indagação.

Pode-se perceber duas posturas a partir das normas estudadas: a) uma postura “idealista” daqueles que acreditaram que a mera existência de uma norma com conteúdo favorável (ao meio ambiente ou à reforma agrária etc.) seria marco suficiente para alterar a dinâmica da realidade; e b) por outro lado, uma postura “cínica” por parte da agricultura hegemônica e do legislador que podem argumentar que os modelos coexistem já que o legislador positivou as demandas ambientais e meios alternativos de produção agrícola, enfraquecendo os movimentos sob argumento de que a pauta já teria sido atendida.

Além disso, conforme observa Vanessa de Castro Rosa, no Brasil, a agroecologia foi regulamentada inicialmente pela Instrução Normativa n° 7/99 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o qual abordou a agroecologia como uma derivação do conceito global de orgânico, o que, segundo a autora, “prejudica sua compreensão e sua consolidação no meio jurídico” (ROSA, 2018, p. 126). Como discutido inicialmente nesta pesquisa, a Agroecologia não se confunde nem se restringe à agricultura orgânica. A lei n° 10.831/03 que regulamenta a agricultura orgânica no Brasil, contudo, recai neste equívoco (ROSA, 2018) ao estabelecer que: “O conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial abrange os denominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, permacultura e outros [...]” (BRASIL, 2003). O Decreto n° 7.794/12 que estabelece a Política Nacional de Agroecologia não traz um conceito jurídico claro de agroecologia, mas apenas uma tentativa de diferenciação em relação a produção orgânica ao conceituar sistema orgânico de produção e produção de base agroecológica (ROSA, 2018), conforme citado anteriormente.

Ademais, um aspecto importante a ser destacado a partir das normas escolhidas para aprofundamento é o de que a maior parte delas é fruto da luta de movimentos sociais, de pressões internacionais e em razão do surgimento de uma nova demanda de mercado por produtos alternativos. Nesse sentido, as conquistas no campo da produção agrícola orgânica ou agroecológica contam com a força da luta por segurança e soberania alimentar4 4 Sobre o assunto vale destacar que “[...] a garantia de Soberania Alimentar, para além do direito à alimentação, mas com ela intimamente interligada, é um conceito multidimensional que, na sua dimensão jurídico-política, expressa-se na luta dos povos pelo direito de escolha quanto à forma como organizarão os meios de acesso, produção e consumo de alimentos. E, no que tange à produção e ao acesso aos recursos produtivos, pauta-se pela sustentabilidade, na medida em que toma por base modelos produtivos agroecológicos” (GUERRA, 2020, p. 28). de organizações como a Via Campesina, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A própria gênese do conceito de Soberania Alimentar está intimamente conectada com o tema da agroecologia e com as lutas campesinas (GUERRA; SILVA, 2022, online).

O MST, por exemplo, que inicialmente surgiu como um movimento camponês que possuía como objetivos principais a luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no Brasil, atualmente, tem reivindicado também a necessidade de uma relação produtiva harmônica entre seres humanos e o meio ambiente, de modo a consagrar a soberania alimentar do povo brasileiro (MARTINS, 2019MARTINS, Adalberto Floriano Greco. A produção ecológica de arroz e a Reforma Agrária Popular. São Paulo: Expressão Popular, 2019.).

A agroecologia é hoje uma pauta muito importante para o MST e, segundo Borsatto (2011BORSATTO, Ricardo Serra. A agroecologia e sua apropriação pelo movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) e assentados de reforma agrária. 2011. 319 f. Tese (Doutorado) - Curso de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011., p. 66-67), exerce dois papeis importantes para o movimento: o de resistência e de superação. O primeiro se manifesta como resposta ao modelo de agricultura convencional e o segundo na possibilidade de construir um novo modelo para o campo, centrado na valorização do ser humano e demais formas de vida e na soberania alimentar. Assim, “para o MST a Agroecologia não é um fim, mas uma estratégia para alcançar uma sociedade mais justa e solidária” (BORSATTO, 2011BORSATTO, Ricardo Serra. A agroecologia e sua apropriação pelo movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) e assentados de reforma agrária. 2011. 319 f. Tese (Doutorado) - Curso de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011., p. 66-67).

O MST é considerado o maior produtor agroecológico brasileiro porque possui a maior produção de arroz orgânico da América Latina (MST, 2020). Além disso, o movimento ganhou visibilidade internacional, sendo inclusive mencionado por autores ecossocialistas internacionais:

[...] Para criar tal civilização ecológica no mundo contemporâneo seria necessário um impulso radical (no sentido da raiz) que emanasse do fundo da sociedade - fora do reino dos interesses instalados. Esta inversão das relações sociais dominantes de produção exige uma longa revolução que emana do movimento de massas da humanidade. As realidades atuais estão, portanto, dando origem a um proletariado ambiental nascente, definido por sua luta contra condições ambientais e econômicas opressivas, e levando a um caminho revolucionário de desenvolvimento humano sustentável. Amplos movimentos ambiental-proletários neste sentido já são evidentes em nosso tempo - desde o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Brasil, o movimento camponês internacional La Via Campesina [...] (CLARK; FOSTER, 2021, online)5 5 Tradução das autoras. .

Em suma, no que diz respeito à aparência da agroecologia no direito positivado em normas, concorda-se com Vanessa de Castro Rosa quando esta conclui que “sob a perspectiva legal a agricultura agroecológica não é direcionada como contraposição ao agronegócio e seu modelo industrial de agricultura” (ROSA, 2018, p. 129). Esse quadro também evidencia a incorporação ideológica e alteração de sentido na confusão normativa existente entre agroecologia e agricultura orgânica.

Além disso, a possível postura cínica do legislador brasileiro também se observa no fato de que, sob a perspectiva legal, sequer o agronegócio é visto como danoso ao meio ambiente. Ao contrário, todas as legislações mencionadas dão a aparência de que a produção agrícola no Brasil harmoniza perfeitamente equilíbrio ambienta, desenvolvimento econômico e justiça social. Isso não é, contudo, o que se verifica na realidade, conforme já restou pincelado no primeiro capítulo ao abordarmos a insustentabilidade do atual modelo de agricultura capitalista e como se tentará comprovar no terceiro capítulo ao abordar os entraves à agroecologia.

Nesse contexto, é de suma relevância o fortalecimento da pauta agroecológica e sua defesa por movimentos sociais como o MST cujas práticas sociais sinalizam para a resistência à exploração e expropriação pelo capital e para à construção de uma nova forma de sociabilidade e relacionamento com o meio ambiente natural por meio da agroecologia. É a partir da luta de movimentos como o MST que se pode defender um “uso tático do direito”, como se aprofundará a seguir.

3. A essência da forma jurídica como entrave à agroecologia

Conforme exposto anteriormente, no capitalismo, as formas e estruturas sociais possuem uma “aparência” e uma “essência” que nem sempre apresentam correspondência na realidade. A “aparência” é o modo como as coisas se apresentam, aquilo que se diz que determinado fenômeno ou coisa é, é aquilo que se tende a naturalizar, mas que, de fato, não se verifica. A “essência”, por outro lado, é o que as coisas e fenômenos de fato são ou como atuam em profundidade.

O direito, por ser também uma forma social no capitalismo, fruto das relações e ações humanas, também apresenta uma aparência e uma essência. Como abordado no segundo capítulo, a norma jurídica seria a aparência do direito, aquilo que se diz que o direito é (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 139-140).

O breve panorama normativo relacionado à agroecologia que foi apresentado permite concluir que, no Brasil, a agroecologia como direito pode ser analisada em dois aspectos: num primeiro momento, aparenta possuir vasto fundamento constitucional e internacional no princípio da sustentabilidade. Num segundo momento, aparenta possuir fundamento nas mais diversas normas do ordenamento brasileiro que se relacionam com agricultura, política agrícola, reforma agrária, meio ambiente, dentre outros aspectos correlatos. Ou seja, a partir do quadro normativo existente hoje no Brasil, pode-se argumentar que a agroecologia encontra fundamentos dentro deste sistema jurídico para ser vista como direito. Essa aparência do direito, contudo, não coaduna com a essência do direito.

A essência do direito será abordada a partir de Pachukanis, especialmente pelo fato de que autor é considerado o mais importante pensador do direito na história do marxismo. A leitura de Pachukanis se dá em conjunto com a leitura de outros importantes autores que partiram ou trabalham com os escritos de Pachukanis, como Alysson L. Mascaro e Ricardo Prestes Pazello, dentre outros, que auxiliarão a pensar a essência do direito a partir de Pachukanis e Marx.

A teoria geral do direito, explica Pachukanis, pode ser definida como os conceitos jurídicos fundamentais e mais abstratos (a exemplo das definições de “norma jurídica”, “relação jurídica”, “sujeito de direito” etc.) e, portanto, aplicáveis a todos os ramos do direito independentemente do conteúdo concreto das normas jurídicas. O direito, assim, opera através dessas definições abstratas e gerais, seja qual for a matéria ou conteúdo objeto de regulação (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 67-68).

A partir disso, Pachukanis observa que os autores marxistas, ao abordar os conceitos jurídicos, analisam o conteúdo concreto das normas em determinada época, isto é, “aquilo que as pessoas consideram o direito em dado estágio de desenvolvimento” (2017, p. 72). Ou seja, costuma-se analisar o direito a partir daquilo que aparenta ser, sem, contudo, analisar a totalidade que envolve a própria regulamentação jurídica como forma em si.

Essa prática no estudo do direito possui como principal defeito, segundo Pachukanis, o fato de que “é incapaz de abarcar o conceito de direito em seu movimento real, revelando todas as inter-relações e ligações internas” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 74). Dessa forma, assim como Marx iniciou suas pesquisas não pela reflexão sobre o conceito de economia, mas pela análise das categorias mercadoria e valor, Pachukanis parte da análise de categorias da teoria geral do direito para analisar o próprio direito (tais como sujeito de direito e relação jurídica).

Além disso, adota um conceito de “ideologia” como a aparência dos fenômenos, o que pode ser extraído, por exemplo, do seguinte trecho: “Toda ideologia morre junto com as relações sociais que a engendram. Contudo, esse desaparecimento definitivo é precedido por um momento em que a ideologia, sob o ataque a ela dirigido por sua crítica, perde a capacidade de encobrir e ocultar as relações sociais a partir das quais se desenvolveu” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 80). Em outras palavras, o desaparecimento da aparência só pode ocorrer a partir do momento que a essência começa a ser revelada.

Essa revelação deve se iniciar a partir do estudo das definições mais simples, pois, segundo Pachukanis, é possível, partindo do simples para o complexo, construir a totalidade concreta, não como “um todo caótico e difuso”, mas como “unidade rica de determinações e relações de dependências internas” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 81). Seria assim, segundo o autor, que Marx revelou o profundo vínculo existente entre a forma do direito e a forma da mercadoria na sociedade capitalista.

Tendo em vista que o direito não é só aparência, não existe apenas nas teorias dos juristas, mas possui uma história real que se desenvolve por meio de relações sociais nas quais as pessoas entram não por espontânea e consciente vontade, mas porque assim as compeliu as condições de produção. Ou seja, o homem se transforma em sujeito de direito, para Pachukanis, por força da mesma necessidade em razão da qual o produto se transforma em mercadoria. A relação jurídica é, portanto, produto do desenvolvimento da sociedade (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 83-85).

A partir disso, Pachukanis introduz em sua obra “Teoria Geral do Direito e Marxismo” a constatação de que “do mesmo modo que a riqueza da sociedade capitalista assume a forma de uma enorme coleção de mercadorias, também a sociedade se apresenta como uma cadeia ininterrupta de relações jurídicas”. As categorias jurídicas exprimem, em sua aparente universalidade, a existência da sociedade burguesa produtora de mercadorias, pois “a relação jurídica entre os sujeitos é apenas outro lado das relações entre os produtos do trabalho tornados mercadorias” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 85, 97).

Dessa forma, ao contrário dos juristas dogmáticos para os quais não existiria nada além da norma, a relação jurídica é a categoria central para análise do direito, segundo Pachukanis, pois nela se realiza o movimento real do direito. A norma, por outro lado, seria apenas “uma abstração sem vida”. Em outras palavras: o direito como um fenômeno social não se esgota na norma (escrita ou não), pois essas normas ganham significado a partir da existência da economia mercantil-monetária. Pachukanis (2017, p. 97-98) não visualiza o direito como produto do Estado, pois, para ele, o poder estatal confere clareza e estabilidade à estrutura jurídica, mas os pressupostos dessa estão arraigados nas relações materiais de produção da vida em sociedade.

O desenvolvimento dos conceitos jurídicos fundamentais, para o autor, não apenas oferece a forma do direito e sua essência, mas permitem refletir acerca do processo de desenvolvimento histórico real da sociedade, especialmente a burguesa, pois “Só a sociedade burguesa capitalista cria todas as condições necessárias para que o momento jurídico alcance plena determinação nas relações sociais” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 75).

Nesse sentido, pode-se, inclusive, observar como a associação entre o primado da Constituição e o desenvolvimento das relações de produção capitalistas não é ocasional (2020, online), visto que as noções de Estado e de Direito (como hoje são concebidas) se estabeleceram a partir das transformações políticas e econômicas do século XIX, impulsionadas pelas Revoluções Liberais, estão intimamente conectadas com o advento das relações de produção capitalistas (PALAR; BUENO; SILVA, 2020PALAR, Juliana Vargas; BUENO, Igor Mendes; SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. O primado da Constituição como fator de desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Rev. Direito Práx. [online]. 2020, v.11, n° 2, p. 911-943. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179- set. 89662020000200911&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 07 set. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, online).

Vale salientar que Pachukanis menciona ainda que, para Marx, o estudo das formações mais desenvolvidas de formas sociais permite o entendimento das formações anteriores e, por isso, a forma jurídica, em que pese ter surgido em determinado estágio da história humana, permaneceu em um estado embrionário por muito tempo (pois não se diferenciava completamente de outras esferas como os costumes e a religião), atingindo seu pleno desenvolvimento apenas na sociedade burguesa a partir da qual pode ser concebido como “categoria histórica correspondente a um ambiente social definido, construído pela contradição de interesses privados” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 85-86).

Assim, uma das premissas e a causa do desenvolvimento da forma jurídica, para Pachukanis, é o antagonismo dos interesses privados, pois o momento jurídico da regulamentação do comportamento das pessoas começa onde têm início as diferenças e oposições de interesses, marca essencial da sociedade burguesa baseada nos interesses individuais (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 95).

Toda relação jurídica, para o autor, é uma relação entre sujeitos, daí a centralidade da categoria “sujeito de direito” em sua análise, o qual considera como o átomo da teoria jurídica, o elemento mais simples a ser analisado e por meio do qual a investigação do todo deve iniciar. Isso porque a análise da forma do sujeito de direito derivaria diretamente da forma mercadoria, pois a sociedade capitalista é uma sociedade de proprietários de mercadorias (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 119).

Nessa sociedade, ainda que a mercadoria manifeste valor independentemente da vontade do sujeito que a produz, a realização do processo de troca depende de atos voluntários, motivo pelo qual surge a relação entre pessoas enquanto indivíduos que dispõem de produtos. Assim, ao mesmo tempo, um produto do trabalho adquire propriedade de mercadoria (e se torna o portador de um valor) e o homem adquire um valor de sujeito de direito (e se torna portador de direitos) (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 120).

Tornam-se centrais no direito as categorias de “sujeito de direito” e “contrato” que correspondem às categorias da economia política (os portadores das mercadorias e o ato de troca). Segundo Alysson L. Mascaro, a reprodução do capitalismo se estrutura por meio de formas sociais específicas que viabilizam essa sociabilidade. Na sociedade capitalista, apresentam-se como centrais as categorias como valor, mercadoria e subjetividade jurídica. O contrato surge então como “liame” entre os sujeitos que trocam mercadorias (dentre elas a própria força de trabalho), mas para que o vínculo seja contratual e não uma mera imposição de força unilateral, surgem formas específicas e necessárias no campo jurídico e político:

Para que possam contratar, os indivíduos são tomados, juridicamente, como sujeitos de direito. Ao mesmo tempo, uma esfera política a princípio estranha aos próprios sujeitos, com efetividade e aparatos concretos, assegura o reconhecimento da qualidade jurídica desses sujeitos e garante o cumprimento dos vínculos, do capital e dos direitos subjetivos (MASCARO, 2013MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 20).

Especificamente sobre a forma Estado, Mascaro argumenta que este possui um caráter de “terceiro” em face da própria dinâmica da relação entre capital e trabalho e que não é apenas um aparato de repressão, mas sim de constituição social, pois “A existência de um nível político apartado dos agentes econômicos individuais dá a possibilidade de influir na constituição de subjetividades e lhes atribuir garantias jurídicas e políticas que corroboram para a própria reprodução da circulação mercantil e produtiva” (MASCARO, 2013MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 19).

Na mesma linha, Palar, Bueno e Silva (2020PALAR, Juliana Vargas; BUENO, Igor Mendes; SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. O primado da Constituição como fator de desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Rev. Direito Práx. [online]. 2020, v.11, n° 2, p. 911-943. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179- set. 89662020000200911&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 07 set. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, online), ao abordarem a conexão entre a ideia de primado da Constituição e o desenvolvimento do capitalismo, mencionam dois elementos que evidenciariam esta ligação: a) o respaldo à forma política; e b) a autenticação da forma jurídica. O respaldo à forma política na Constituição se dá porque ela sustenta a separação entre economia e política, de modo que as normas jurídicas “garantem que o Estado não se confunda diretamente com a sociedade civil, seja com um indivíduo ou com alguma classe, fração, ou grupo social” (2020, online). Já a autenticação da forma jurídica se dá quando a Constituição consagra a igualdade, a liberdade e autonomia da vontade, como direitos fundamentais do indivíduo, estabelece o núcleo da subjetividade jurídica, elemento essencial das relações de produção capitalistas baseadas na compra e venda da força de trabalho e sua consequente transformação em mercadoria, a ser livremente negociada no circuito de trocas:

Ao individualizar e igualizar a todos os agentes produtivos neste circuito de livre compra e venda da força de trabalho, ela também contribui com o processo ideológico de escamoteamento dos mecanismos de exploração embutidos nessas relações. A autenticação ocorre porque ela atribui uma veracidade à noção de que as relações de troca de mercadorias decorrem da vontade de seus possuidores, quando, na verdade, elas consistem em uma relação de exploração. Como esse processo se desenvolve por meio da legalidade, pode-se afirmar que também ocorre a autenticação, no sentido de tornar essa relação legal (PALAR; BUENO; SILVA, 2020PALAR, Juliana Vargas; BUENO, Igor Mendes; SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. O primado da Constituição como fator de desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Rev. Direito Práx. [online]. 2020, v.11, n° 2, p. 911-943. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179- set. 89662020000200911&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 07 set. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, online).

A subjetividade jurídica existe, portanto, para que os contratos (conexão entre os que trocam mercadorias) ocorram com aparência de uma troca de equivalentes entre sujeitos livres. Essa aparência se dá, inclusive, nos contratos de trabalho, pois a força de trabalho nada mais é no capitalismo do que uma mercadoria. A aparência de troca de equivalente entre sujeitos de direito livres oculta a extração da mais-valia no processo produtivo (BUSNELLO, 2018BUSNELLO, Ronaldo. Crítica da economia política ao direito do trabalho. Itajaí: Ed. Univali, 2018.). É por isso que, para Marx, qualquer direito é um direito da desigualdade, pois existe para garantir a troca de equivalentes mercantis (PAZELLO, 2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 16). Aqui, vale destacar as palavras do próprio Pachukanis:

Assim, o sujeito de direito é um possuidor de mercadorias abstrato e ascendido aos céus. Sua vontade, entendida no sentido jurídico, tem um fundamento real no desejo de alienar ao adquirir e adquirir ao alienar. Para que esse desejo se efetive, é indispensável que a vontade do possuidor de mercadorias vai ao encontro de um desejo de outro proprietário de mercadorias. Juridicamente, essa relação se expressa na forma do contrato ou do acordo entre vontades independentes. [...] O ato de troca, consequentemente, constitui o momento mais essencial tanto da economia política quanto do direito (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 127).

Sendo o direito uma forma social específica do capitalismo, a extinção das categorias do direito burguês significaria a extinção do direito em geral, ou seja, “o desaparecimento gradual do momento jurídico nas relações humanas”. Pachukanis ressalta, todavia, as palavras de Marx, segundo o qual a nova sociedade comunista carregaria por algum tempo as marcas herdadas da sociedade burguesa. Portanto, o direito (e com ele o Estado, pressuposto para imposição do direito) seria extinto apenas quando eliminada a forma da relação de equivalência, “quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital”, isto é, quando extinta a realidade na qual um trabalhador precisa calcular se trabalhou mais ou menos que outro ou se recebeu mais ou menos (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 78).

A transição para o comunismo desenvolvido, para Marx, segundo Pachukanis, não se daria por novas formas de direito, “mas como a extinção da forma jurídica em geral, como uma extinção dessa herança da época burguesa que se destina a sobreviver à própria burguesia” (2017, p. 79).

Essa extinção do direito, contudo, não é uma questão a ser aprofundada neste momento, já que o próprio Marx assume que na transição para uma sociedade comunista, as formas sociais da sociedade capitalista seriam mantidas por determinado período. A questão central aqui parece ser a seguinte: a essência do direito (forma jurídica necessária à operabilidade da sociedade capitalista e a ela vinculada) se apresenta como um dos entraves à concretização da agroecologia como prática produtiva e como direito (aparência), pelos seguintes motivos:

  1. A agroecologia opera numa lógica diversa da lógica capitalista (como abordado no primeiro capítulo), pois busca manter o equilíbrio na relação metabólica entre seres humanos e meio ambiente.

  2. Ainda que a aparência do direito (apresentada no segundo capítulo) o anuncie como protetor do meio ambiente e das práticas sustentáveis, a natureza nunca deixará de ser considerada objeto na sociedade capitalista, pois é a partir da exploração insustentável dos recursos naturais e humanos que permite a acumulação do capital sem limites, como evidenciam os problemas ambientais hoje vivenciados.

  3. É da ruptura metabólica na relação entre seres humanos e natureza teorizada por Marx e reforçada por Foster que surge essa insustentabilidade do capitalismo.

  4. Sendo o direito, em essência, uma forma jurídica específica da sociedade capitalista, configura também um entrave à agroecologia na medida em que busca a manutenção do próprio capitalismo insustentável.

Tendo em vista que a crítica ao direito parte da crítica ao modo de produção capitalista e que o direito é visto por Marx como relação jurídica (forma social) específica do capitalismo, Pazello questiona: qual então é o espaço do plano normativo no fenômeno jurídico? (PAZELLO, 2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 14). O próprio autor responde, como abordado no segundo capítulo, que o aspecto normativo do direito é visto por Marx como a aparência do fenômeno jurídico. Esse caráter de aparência das normas jurídicas se confirma, por exemplo, ao analisarmos a legislação exposto no capítulo 2 desta pesquisa, especialmente o Estatuto da Terra, a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei de agrotóxicos, a Política Agrícola, a lei da Reforma Agrária, a lei da agricultura orgânica e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

Todas essas normas possuem relevantes disposições direcionando o desenvolvimento da agricultura no Brasil a valores como justiça social, proteção ambiental e o uso da terra capaz de gerar progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país. O Estatuto da Terra chega a assegurar a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social e a gradual extinção do latifúndio (BRASIL, 1964). A Lei de Agrotóxicos (n° 7.802/89) estabelece que os agrotóxicos danosos ao meio ambiente estariam ficam proibidos no Brasil (BRASIL, 1989).

Ora, essas previsões evidenciam, por si só, que as normas jurídicas são mera aparência do direito, caso contrário, a edição de leis protetivas ao meio ambiente solucionaria os problemas ambientais hoje vivenciados.

Além disso, já foi mencionado o fato de que a agricultura orgânica e a agroecologia são previstas por lei e decreto no Brasil como métodos capazes de obter produtos saudáveis e preservar a biodiversidade. Ou seja, numa interpretação a contrario sensu, significa dizer que os outros métodos de cultivo não são capazes de gerar produtos saudáveis e preservar a biodiversidade? Estaria o legislador brasileiro reconhecendo que a agricultura latifundiária e monocultora, ao contrário do que a própria legislação nacional estabelece, é predatória ao meio ambiente e à saúde humana?

De fato, no Brasil, a proteção ambiental na legislação é mera aparência do fenômeno jurídico (bem aplicada do ponto de vista do capital porque aplicada seletivamente na realidade), pelo que se pode ver dos inúmeros agrotóxicos liberados nos últimos anos pelo Poder Público. Só no período correspondente à pandemia de Coronavírus no Brasil, em 2020, o governo liberou mais de 118 agrotóxicos (GRIGORI, 2019GRIGORI, Pedro. Apicultores brasileiros encontram meio bilhão de abelhas mortas em três meses. Agência Pública. 7 Mar. 2019. Disponível em: https://apublica.org/2019/03/apicultores-brasileiros-encontram-meio-bilhao-de-abelhas-mortas-em-tres-meses/. Acesso em: 18 ago. 2020
https://apublica.org/2019/03/apicultores...
). Das 150 substâncias aprovadas em 2020 apenas 2 substâncias são inéditas, ambas biológicas e utilizadas na agricultura orgânica. As demais são polêmicas no que se refere aos danos ambientais e à saúde humana causados. Por exemplo, o Fipronil, que consta dentre os aprovados, foi responsável pela morte de mais de 500 milhões de abelhas em 2019 (GRIGORI, 2019), motivo pelo qual a substância é inclusive banida na União Europeia. O Clorpirifós e o Clorotalonil já foram relacionados, respectivamente, a neurotoxicidade para o desenvolvimento humano e a carcinogenicidade, segundo informações do próprio site da Agência nacional de vigilância sanitária - ANVISA (BRASIL, 2020).

No mesmo sentido, Vanessa de Castro Rosa ressalta que, em que pese a existência de todo acervo legislativo ambiental e em prol da reforma agrária, a concentração fundiária no Brasil está cada vez maior. Os campos brasileiros estão, assim, cada vez mais marcados por muita desigualdade. Ainda segundo a autora, a lei da política agrícola brasileira teria sido “pensada para atender aos interesses do mercado” (ROSA, 2018, p. 123). Isso porque, conforme Gladstone Leonel Júnior, em que pese a previsão de elementos sociais na legislação, estes servem apenas como dissimulação (aparência) para garantir os privilégios econômicos dos setores ruralistas no Brasil (LEONEL JÚNIOR, 2016LEONEL JÚNIOR, Gladstone. Direito à agroecologia: a viabilidade e os entraves de uma prática agrícola sustentável. Curitiba: Prismas, 2016., p. 33).

A crítica marxiana ao direito diz respeito ao fato de que, mesmo a melhor das aparências das normas jurídicas (como, por exemplo, as normas trabalhistas protetivas ao trabalhador ou as normas ambientais em prol da sustentabilidade ou da agroecologia) asseguram, por sua essência, a desigualdade material e a exploração humana e da natureza por ser parte da estrutura do modo de produção capitalista. Esta é a essência do direito como entrave à agroecologia.

Mas o que fazer então com o arsenal de normas jurídicas existentes? Como salienta Pazello, Marx não desprezou tais aspectos, ao contrário, deu destaque a eles na medida do seu interesse pela regulamentação da jornada de trabalho (PAZELLO, 2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 14-19):

Aqui está o sentido forte da crítica marxiana ao direito: a relação jurídica, como essência da forma jurídica, exige a existência de uma relação social que se baseie em um acordo de vontades materialmente desiguais, mesmo que formalmente equivalentes. Logo, a luta por direitos, mesmo aqueles esculpidos nas mais bem redigidas das legislações ou dos precedentes judiciais, implica, no modo de produção capitalista, assegurar esta desigualdade material. Sendo assim, quando o movimento dos trabalhadores se dá conta disto não pode fazer outra coisa senão ancorar o seu futuro em uma luta fora da ordem. De outro lado, contudo, como o futuro pertence ao desenvolvimento da história e é muito penosa a inanição no tempo presente, a luta dentro da ordem não perde toda a sua significância. Por isso, a luta pela jornada normal de trabalho ou, como avistamos hoje, pela redução da jornada de trabalho, é ao mesmo uma intervenção no estado real contemporâneo, ainda que não possa ser plenamente realizado, mesmo que sim nominalmente. As conquistas plenas dentro da ordem são necessária e extraordinariamente vitórias que aguçam o que está para além de a ordem, daí serem tão raras (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 191).

Um projeto político marxista para Pazello (2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 19) só pode encarar o uso político do direito em dois formatos: uso estratégico e uso tático, sendo apenas este último coerente com o marxismo. O uso estratégico segue a linha do que escreveram Engels e Kautsky sobre o socialismo jurídico, isto é, caracteriza uma concepção que, abandonando o caráter revolucionário, acredita que a transformação do conteúdo das normas jurídicas seria suficiente para proporcionar a transformação da sociedade burguesa.

O direito numa concepção marxista coerente, todavia, em razão de sua essência como forma jurídica essencial ao capitalismo admitiria, para Pazello (2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 20), apenas um uso tático, isto é, buscando contribuir com o processo revolucionário. Além disso, essa problemática apresenta relevância especialmente no que diz respeito ao momento de transição para outra sociabilidade, tendo em vista a subsistência das formas sociais capitalistas (como o direito) durante esse período.

Isso porque é durante essa transição que se pode realizar da melhor maneira a mediação entre o uso tático do direito e o projeto revolucionário. Nesse sentido, o próprio Pachukanis, segundo Pazello (2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 22), apontaria a possibilidade de uma “utilização revolucionária” do direito como resultado de uma série de fatores:

Pachukanis, todavia, também enfrenta a questão da transição, na qual exsurge a possibilidade da “utilização revolucionária” do direito. Este uso é o resultado de uma espiral de considerações acerca do fenômeno jurídico: a) onde há relações sociais mercantis, há direito; b) o direito se perfectibiliza na sociedade que erige suas relações sociais pela hegemonia da troca mercantil, vale dizer, no capitalismo; c) o processo de ruptura com a sociedade capitalista rumo ao comunismo convive com a forma jurídica, simplesmente porque convive com a forma mercantil; d) os períodos de transição, seja o da “nova economia política” (tal como se deu na Rússia soviética) seja o da socialização e estatização total dos meios de produção (teorizado por Marx, Engels e Lênin), vêem acompanhá-los a forma jurídica, não mais pura, porém reincidente devido ao método da autonomia dos organismos econômicos; e) por ser um fenômeno real, ainda que transitório, a forma jurídica deve ser instrumentalizada conforme os interesses da classe trabalhadora, mas não percebida como um sistema ordenado e “propulsor da história”; e f) justamente por isto, a forma jurídica se desagrega, junto às relações de troca de mercadorias equivalentes, privada ou estatalmente consideradas, e tem vez a extinção do direito, tal como se o conhece (PAZELLO, 2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 22).

A luta por direitos, portanto, em que pese a essência da forma jurídica, mostra-se relevante à medida que dá suporte à luta anticapitalista, tornando menos penosa a trajetória de transição para outra sociabilidade:

A transição é um processo de longa duração, que não está adequado a arroubos idealistas de extinções imediatas das formas sociais do capital contra as quais combate. Apesar de seu desiderato, não se trata de ato de mera vontade superar tais formas sociais. Nesse sentido, a transição socialista convive com o direito premido por seu uso político revolucionário (no extremo, a estatização dos setores econômicos, a socialização dos meios de produção e o planejamento central). (PAZELLO, 2018PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde a América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n° 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 jul. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 23).

Essa luta por direitos na sociedade capitalista não é, portanto, suficiente, pois, ainda que benéficos à população e ao meio ambiente e contrários aos interesses do capital (a exemplo, no caso específico deste trabalho, da legislação ambiental), “curam a febre”, mas “não atacam a infecção mais profunda”, pois, como afirmou Marx, as revoluções não são feitas por meio de leis (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 165, 186).

Vale salientar que, ao estudar a relação entre “direito e movimentos sociais”, Ricardo Prestes Pazello propõe o direito insurgente como caminho para evitar tanto uma visão cega do direito (apenas em sua aparência de norma jurídica) quanto a rejeição completa do fenômeno (em razão de sua essência como forma jurídica do capital). Para o autor, o direito insurgente “ao mesmo tempo em que se rebela contra o próprio direito, com ele trabalha de acordo com as necessidades contextuais e geopolíticas que o realizam”. Esse direito insurgente seria, portanto, “um conjunto de relações jurídicas que envolvem, por sua vez, as relações dos movimentos populares, no capitalismo dependente, e que fazem um uso tático do direito, com o horizonte de sua extinção” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. 2014. 545 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., p. 19, 24).

Nesse contexto, tendo em vista os efeitos destrutivos da exploração capitalista ilimitada sobre os recursos naturais que levaram a atual e urgente crise ecológica, em termos ambientais, o uso político das normas jurídicas (isto é, a luta por direitos ambientais, sustentabilidade, agroecologia) se torna relevante na medida em que deve buscar frear os efeitos destrutivos da exploração capitalista sobre a natureza, proporcionando mais tempo para o desenvolvimento das lutas revolucionárias.

Conclusão

A agroecologia foi apresentada como alternativa que fornece bases científicas para o desenvolvimento de sistemas produtivos sustentáveis e independentes do uso de agroquímicos, caracterizando um modelo antagônico ao imposto pela Revolução Verde. Em que pese ser comumente confundida com métodos de produção específicos, como a agricultura orgânica, a agroecologia não se resume a uma prática isolada, mas caracteriza um novo enfoque científico e mais amplo que visa a dar suporte a uma transição de estilos de agriculturas sustentáveis a partir de determinados princípios na construção de agriculturas de base ecológica.

Demonstrou-se como a agroecologia supera a racionalidade capitalista focada no lucro, abordagem realizada especialmente a partir da leitura de Marx feita por John Bellamy Foster, na qual o autor demonstra como o pensamento marxiano, sobretudo em sua fase mais madura, é profundamente marcado por uma visão de mundo ecológica que deriva de sua concepção materialista da história e da natureza. Como argumentado por Foster, o método de Marx permite examinar as contradições do modo de produção capitalista e, consequentemente, da própria crise ambiental, a exploração do trabalho humano e sua relação com a natureza. Mostra-se essencial, portanto, para que se entenda o lugar ocupado pela natureza no sistema capitalista.

O segundo capítulo, conclui-se que as normas estudadas foram aprovadas, sobretudo, como resultados de lutas políticas e apontam para tentativas de inserir dentro do ordenamento brasileiro questões que se relacionam com a agroecologia, como o acesso justo à terra, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a produção sem uso de agrotóxicos etc. Todavia, essas mesmas normas resultam ou em uma postura cínica por parte da agricultura hegemônica ou em uma postura idealista por parte dos juristas e movimentos sociais por eles influenciados. Fala-se em postura cínica porque, com a aprovação da legislação mencionada, os primeiros argumentar pela coexistência de modelos como agronegócio e agroecologia. Por outro lado, fala-se em postura idealista em relação aos segundos que acreditam que a mera aprovação da lei transformará a realidade.

A análise realizada serviu também para evidenciar como, há décadas, a legislação brasileira possui dispositivos prevendo o justo acesso à terra, reforma agrária, a proibição de uso de agroquímicos danosos ao meio ambiente e à saúde humana, bem como a própria desapropriação de latifúndios que descumpram a função social (encontrando-se dentre um dos requisitos para tanto o respeito ao meio ambiente). Contudo, observa-se na realidade uma concentração cada vez maior de terras e poder no Brasil (inclusive com o crescimento da estrangeirização de terras), bem como o aumento do número de agrotóxicos perigosos cujo uso foi permitido pelo Poder Público.

Em seguida, o terceiro capítulo explicitou de que maneira a essência do direito, a partir de Pachukanis, funciona como entrave à agroecologia, respondendo, portanto, ao problema apresentado inicialmente. Buscou-se demonstrar que, antes de qualquer outro empecilho para implementação da agroecologia em larga escala, deve-se ter em mente que não será a mera criação legislativa a solucionar a crise ecológica hoje, pois as leis ambientais existentes são mera aparência do direito cuja essência busca a manutenção do sistema capitalista insustentável. Concluiu-se que a forma jurídica, em sua essência, é um entrave para a agroecologia.

Mas se o conteúdo das normas jurídicas é mera aparência do fenômeno jurídico que, em sua essência, busca a manutenção do sistema atual, o que se pode fazer com esse arsenal jurídico? A partir de Ricardo Prestes Pazello, pensou-se acerca do uso tático do direito como ferramenta capaz de auxiliar a transformação da realidade, sem perder de vista o horizonte revolucionário, já que o direito, por si só, não é o instrumento adequado e suficiente para transformação da sociabilidade capitalista, como ensinou Marx.

Como alternativa para evitar tanto uma visão cega do direito (apenas em sua aparência de norma jurídica) quanto a rejeição completa do fenômeno (em razão de sua essência como forma jurídica do capital), apresentou-se a proposta de Ricardo Prestes Pazello de um direito insurgente, isto é, de um uso tático do direito, mantendo um horizonte revolucionário. Nesse sentido, frente aos efeitos destrutivos da exploração capitalista ilimitada sobre os recursos naturais que levaram a atual e urgente crise ecológica, em termos ambientais, o uso político das normas jurídicas (isto é, a luta por direitos ambientais, sustentabilidade, agroecologia) se torna relevante na medida em que deve buscar frear os efeitos destrutivos da exploração capitalista sobre a natureza, proporcionando mais tempo para o desenvolvimento das lutas revolucionárias.

Por fim, cabe reforçar que uma abordagem crítica, como a aqui realizada, não precisa necessariamente apresentar soluções, pois a simples crítica fundamentada constitui em si um grande avanço, já que, como mencionado neste trabalho, o desaparecimento de toda “ideologia” (num sentido de “aparência” dos fenômenos sociais, como usado por Pachukanis) e das relações sociais que a engendram é precedido de um ataque crítico, pois é essa crítica que a torna incapaz de encobrir e ocultar as relações sociais a partir das quais se desenvolveu. Ou seja, o desaparecimento da aparência só pode ocorrer a partir do momento que a essência começa a ser revelada pela crítica fundamentada na ciência, pois, como ensinava Marx “se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”.

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  • 1
    Este artigo é uma síntese da dissertação da primeira autora apresentada e aprovada junto à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
  • 2
    É possível observar o entusiasmo em relação a Política Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, nos posicionamentos de Granziera (2011GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 73) ou Milaré (2007MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. E. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 307).
  • 3
    A legislação estabelece o seguinte conceito: “Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente” (BRASIL, 2003).
  • 4
    Sobre o assunto vale destacar que “[...] a garantia de Soberania Alimentar, para além do direito à alimentação, mas com ela intimamente interligada, é um conceito multidimensional que, na sua dimensão jurídico-política, expressa-se na luta dos povos pelo direito de escolha quanto à forma como organizarão os meios de acesso, produção e consumo de alimentos. E, no que tange à produção e ao acesso aos recursos produtivos, pauta-se pela sustentabilidade, na medida em que toma por base modelos produtivos agroecológicos” (GUERRA, 2020GUERRA, Clarissa de Souza Guerra. Soberania Alimentar no Brasil: Limites econômicos (geo) políticos e jurídicos nos marcos do capitalismo periférico. 85f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2020., p. 28).
  • 5
    Tradução das autoras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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