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Jeanne Marie Gagnebin e a crítica de Walter Benjamin ao direito

Resumo

Entre a produção da filósofa Jeanne Marie Gagnebin dedicada ao pensamento de Walter Benjamin, são dois os textos em que a autora parece trabalhar mais diretamente com as reflexões de Benjamin sobre o direito: “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin” e “Estado de exceção: entre catástrofe e necropolítica”. Estes textos discutem os fundamentos teórico-políticos e históricos da crítica feita pelo pensador alemão ao direito. Este artigo realiza um breve comentário destes textos, e, além disso, pretende indicar, baseado nestes textos e em outros momentos de sua obra, que a forma pela qual Gagnebin interpreta a filosofia da história de Walter Benjamin nos traz elementos importantes para a tarefa (ainda inacabada) de construir uma percepção crítica sobre o direito e principalmente sobre o regime de histórico a ele subjacente. É com base nessa proposta que o artigo é dividido em 3 partes. A primeira pretende comentar os dois ensaios mencionados previamente; a segunda a diferenciar a proposta de leitura sugerida por Gagnebin de algumas interpretações influentes da obra de Walter Benjamin no campo da teoria e da filosofia do direito; e, por fim, discutir como a interpretação proposta pela pensadora suíço-brasileira dos textos de Benjamin sobre o direito está baseada em uma leitura mais integrada da crítica histórica proposta pelo autor.

Palavras-Chave:
Jeanne Marie Gagnebin; Walter Benjamin; Direito; Crítica; Tempo

Abstract

Among the production of the philosopher Jeanne Marie Gagnebin dedicated to Walter Benjamin’s thought, there are two texts in which Gagnebin seems to work more directly with Benjamin’s reflections on law: “Myth, Law and Justice in Walter Benjamin” and “State of exception: Between catastrophe and necropolitics”. These texts discuss the theoretical-political and historical foundations of the critique of Law made by the German philosopher. This article intends to realize a brief comment on these texts; and also to indicate, based on these texts and other moments in her work, that how Gagnebin interprets Walter Benjamin's philosophy of history brings us important elements for the task (still unfinished) to build a critical perception on law and especially on the historical regime underlying it. Based on this proposal, this article is divided into 3 parts. The first aims to comment the essays previously mentioned; the second to differentiate the reading suggested by Gagnebin from some influential interpretations of Walter Benjamin's work in theory and philosophy of law; and the third to discuss how the interpretation proposed by the Swiss-Brazilian thinker of Benjamin's texts on law is based in a more integrated reading of the historical criticism proposed by the German philosopher.

Keywords:
Jeanne Marie Gagnebin; Walter Benjamin; Law; Critique; Time

I1 1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada no “Colóquio Narrativas Silenciadas: Jeanne Marie Gagnebin lê Walter Benjamin”, organizado pelo Grupo de Pesquisa “Filosofia Crítica do Direito e Literatura” na UFPA. Agradeço a Ricardo Dib Taxi pelo convite.

A filósofa suíço-brasileira Jeanne Marie Gagnebin se autodefine como pertencente à geração de maio de 1968, uma geração que segundo ela se constrói a partir da possibilidade de ser de esquerda sem acreditar no dogma do progresso e é crítica ao stalinismo, como dito pela mesma em uma entrevista (GAGNEBIN, 2009__________. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009.a, p.113). É no interior dessa geração que ocorre uma primeira recepção de Walter Benjamin por um público mais amplo (PRESSLER, 2005PRESSLER, Gunter. Benjamin, Brasil: A recepção de Walter Benjamin, de 1960 a 2005: um estudo sobre a formação da intelectualidade brasileira. São Paulo: Annablume, 2005., p.63-65; GAGNEBIN, 2011a, p. 285; GAGNEBIN, 2021, p. 5), marcada à época por intensas disputas. Recepção essa que ia além de um círculo relativamente estreito e restrito que teve contato com a obra de Benjamin enquanto o autor estava vivo e no momento imediatamente posterior à sua morte. A autora, que chega ao Brasil em finais dos anos 1970, ocupa um lugar próprio na recepção da obra de Walter Benjamin no país (PRESSLER, 2005; CHAVES, 2013CHAVES, Ernani. “Característica de Walter Benjamin, por Jeanne Marie Gagnebin”. Cadernos Benjaminianos, Número Especial, Belo Horizonte, 2013, p. 13-25., p.15-16; 2018, p.98 e ss) 2 2 A autora publicou recentemente um ensaio sobre a recepção de Benjamin no Brasil, com ênfase maior nos temas e nas conjunturas que marcam a recepção do autor no Brasil dos anos 60 até hoje (GAGNEBIN, 2021). , como intérprete, professora, editora e também como tradutora.

Entre sua ampla produção dedicada ao pensamento de Walter Benjamin, são dois os textos em que a autora parece trabalhar mais diretamente com a crítica do autor ao direito, discutindo seus fundamentos teórico-políticos e históricos. São eles o texto “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin” republicado no dossiê sobre “Walter Benjamin e o Direito” na Revista Direito e Práxis, e inicialmente publicado como “Mito e culpa nos escritos de juventude de Walter Benjamin” em seu livro “Limiar, aura e rememoração: Ensaios sobre Walter Benjamin”. E também o ensaio “Estado de excepción: entre catástrofe y necropolítica”, publicado na coletânea “Estado de excepción en Argentina y Brasil: Una perspectiva desde la Teoría Crítica”, organizada por Miguel Vedda, Renato Franco e Antônio Zuin publicada na Argentina pela Editora Herramienta. Ambos os textos são profundamente entrelaçados entre si. O primeiro deles permitindo um panorama dos escritos de juventude (e sua repercussão nos escritos tardios) de Benjamin onde as relações entre mito e culpa são objeto de discussão. E o segundo realiza um comentário sobre as relações entre direito, violência e estado de exceção a partir do conhecido ensaio sobre a crítica da violência e do debate contemporâneo gerado sobre a oitava das teses “Sobre o Conceito de História”.

Entretanto, estes textos não limitam as possíveis contribuições da autora em relação ao direito. É preciso ir além das clausuras epistemológicas típicas do positivismo jurídico ou de teorias que limitam as reflexões sobre o direito aos momentos em que o termo é enunciado ou que se teorize em torno de normas. Caso este movimento seja proposto, poderemos identificar em outros momentos da obra da filósofa contribuições que tratam o tema de forma mais breve ou indireta, ou que tenha repercussões sobre o direito. Seus escritos sobre memória (cf. em geral GAGNEBIN, 2006__________. Lembrar, Escrever, Esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006.) e/ou que incidem no debate conjuntural sobre a política de transição no Brasil (GAGNEBIN, 2010, p. 177-186; ainda mais diretamente em GAGNEBIN, 2014, p. 251-263 e GAGNEBIN, 2021, p. 9-23); sobre a crítica (GAGNEBIN, 1980, p. 219-230; GAGNEBIN, 2014, p. 75-95); ou sobre a experiência histórica (GAGNEBIN, 1994, p.7-19; GAGNEBIN, 2014, p. 197-216) terminam por permitir diálogos possíveis com objetos trabalhados no direito, mesmo que em frequente contraponto às suas apreensões dominantes. Ou acabam por discutir os fundamentos do regime histórico no qual este está posto.

Nos limites deste artigo, gostaria de realizar um breve comentário aos ensaios sobre o mito e sobre o estado de exceção. E, além disso, indicar, baseado nestes textos e em outros momentos de sua obra, que a forma pela qual a autora interpreta a filosofia da história de Walter Benjamin nos traz elementos importantes para a tarefa (ainda inacabada) de construir uma percepção crítica sobre o direito e principalmente sobre o regime sócio-histórico a ele subjacente. É com base nessa proposta que o artigo é dividido em 3 partes. A primeira é dedicada ao comentário dos dois ensaios anteriormente mencionados; a segunda a diferenciar a proposta de leitura sugerida por Gagnebin de algumas interpretações influentes da obra de Walter Benjamin no campo da teoria e da filosofia do direito; por fim discuto como a leitura proposta pela filósofa suíço-brasileira dos textos de Benjamin sobre o direito está ancorada em uma leitura mais integrada da crítica histórica proposta pelo autor.

II

Jeanne Marie Gagnebin inicia o ensaio “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin” indagando sobre o conjunto de fragmentos reunidos no livro “Dialética do Esclarecimento”, de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Reconhecendo a importância - e atualidade - deste livro para se pensar o passado e o presente, a autora pergunta-se pela influência de Walter Benjamin nesta conhecida obra que marca a filosofia e a teoria social no século XX. Mais especificamente, a autora parte da hipótese da presença das reflexões benjaminianas sobre o mito na “Dialética do Esclarecimento”. Ao mesmo tempo sugere também um deslocamento teórico, ao ver no conceito de mito em Walter Benjamin uma influência maior da tradição judaica do que da grega, havendo, portanto, uma distinção em relação ao que parecem sugerir Adorno e Horkheimer, sobretudo no primeiro ensaio da “Dialética” quando discutem a “Odisseia” de Homero como ponto de partida para indagar a presença do mito na modernidade.

Justamente por sugerir este movimento, a autora comenta ao longo do texto alguns dos principais ensaios de Walter Benjamin em que se dedica a elaborar sobre o conceito de mito. Sua ênfase recai sobre as relações estabelecidas pelo crítico alemão, sobretudo entre 1916 e 1922, entre mito e direito. Segundo Gagnebin, em Benjamin “o mito é colocado como fundamento conceitual para entender as noções de ‘culpa’ e ‘castigo’” (GAGNEBIN, 2020, p. 1938), vistas como manifestações do domínio mítico que culminam na redução da vida à mera vida natural, movimento que opera-se também no interior das instituições jurídicas. Em 1916 no ensaio “Sobre a Linguagem em Geral e Sobre a Linguagem dos Homens”, Benjamin vê na perda da comunicabilidade o sinal da emergência da abstração típica da linguagem judicante, sendo que “essa monstruosa ironia é o sinal da origem mítica do direito” (BENJAMIN, 2011BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem (Org., apr. e notas de Jeanne Marie Gagnebin. Tradução de Ernani Chaves e Susana Lages). São Paulo: Editora 34, 2011., p. 69; GS II, p. 154). Já em “Destino e Caráter”, de 1919, o autor é bem mais incisivo ao descrever as consequências desse entrelaçamento entre o jurídico e o mítico. Problematizando a submissão dos seres humanos a uma ordem onde a temporalidade do destino se sobressai, Benjamin afirma que:

“Felicidade e bem aventurança, assim como a inocência, conduzem para fora da esfera do destino. Mas uma ordenação cujos únicos conceitos constitutivos são os de infelicidade e culpa, e dentro do qual não há nenhuma via pensável de libertação (pois na medida em que uma coisa é destino, ela é infelicidade e culpa [...] Cabe então procurar um outro domínio no qual única e tão somente a infelicidade e a culpa são válidas; uma balança, na qual bem-aventurança e inocência se encontram demasiado leves e se elevam no ar. Essa balança é a do direito. Este erige as leis do destino, da infelicidade e da culpa à condição de medida da pessoa” (BENJAMIN, 2011BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem (Org., apr. e notas de Jeanne Marie Gagnebin. Tradução de Ernani Chaves e Susana Lages). São Paulo: Editora 34, 2011., p. 93; GS II, p. 174).

Logo após essa passagem fulminante, Benjamin identifica no aparelho administrativo típico do judiciário a materialização desta tendência, que imprime no sujeito um nexo de culpa posta e pressuposta da qual não pode se libertar, e no qual as forças do destino e de determinação deste se sobressaem. Diz Benjamin que “o juiz pode entrever o destino onde quiser; cada vez que pune, ele deve, ao mesmo tempo, às cegas, ditar um destino - destino no qual o homem jamais é atingido, mas apenas a mera vida nele que, em virtude da aparência, participa da culpa natural e da infelicidade” (p.94; GS II, p. 175). Esta é a primeira vez que aparece o conceito de mera vida no pensamento de Benjamin. Este conceito reaparecerá no ensaio sobre Crítica da Violência/Poder3 3 A expressão alemã Gewalt pode ser traduzida em português por violência, poder e em alguns contextos por força. Cf: (BENJAMIN, 1986; BENJAMIN, 2011, KHATIB, 2020, p. 1875-1877); , e ganha notoriedade contemporânea na reinterpretação feita por Giorgio Agamben (2002__________. Homo Sacer I - O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.), apesar das advertências filológicas de Jeanne Marie Gagnebin feitas neste texto. Deixando de lado nesse momento a discussão filológica, é importante ressaltar que Benjamin vê nessa redução do ser humano à vida natural, o sinal da reatualização das forças do mito4 4 É interessante notar que no ensaio sobre a crítica da violência/poder embora o argumento político seja bastante influenciado pelo anarco-sindicalismo de Sorel, Benjamin não incorpora deste a centralidade da construção de um novo mito como fundamento de uma teoria política que, do seu ponto de vista, estaria à altura das tarefas postas à classe trabalhadora naquele tempo (SOREL, 1992, p. 143-171). Benjamin manterá a associação feita em textos anteriores do mítico ao jurídico, formulando o conceito de violência mítico-jurídica à qual são contrapostas as 3 formas da Gewalt discutidas no final do texto - a pura, a divina e a revolucionária. O conceito de mito está presente na recepção conservadora e reacionária da obra de Sorel, tanto em Mussolini como em Francisco Campos, o teórico do Estado Novo brasileiro. sobre o sujeito. Por isso Gagnebin, na reconstrução proposta do pensamento de Benjamin, indica que o conceito de mito é associado a uma “concepção de vida e de destino que sempre ameaça, sob formas diversas, as tentativas humanas de agir histórica e livremente” (GAGNEBIN, 2011b__________. “‘Über den Begriff der Geschichte’ von Jeanne Marie Gagnebin”. In: Benjamin Handbuch: Leben - Werke - Wirkung (Hg. Burkhardt Lindner). Stuttgart/Weimar: Verlag J.B. Metzler, 2011, p. 284-300., p. 9).

Na edição da Revista Direito e Práxis, a filósofa sintetiza o argumento no resumo:

“A crítica ao mito não é, então, somente uma crítica de certo momento vivido pela humanidade, mas significa a crítica de uma concepção de vida e de destino que sempre ameaça voltar sob diversas formas, em particular na transformação da coerção mítica em edifício de regras e de castigos que o Direito encarna, mas que não pode ser confundido com a justiça (GAGNEBIN, 2020a__________. “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin”. Revista Direito e Práxis, vol. 11, n.3, 2020a, p. 1934-1945., p. 1935)”.

Esta passagem é rica de significados e temas a serem abordados. É importante indicar que a autora assinala aspectos importantes principalmente do direito moderno, no uso da precisa metáfora do edifício. O direito propriamente moderno forma-se no interior de densas transformações sócio-históricas, atravessado pelos processos de acumulação primitiva de capital (MARX, 2013MARX, Karl. O capital: Crítica da Economia Política. Vol I: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., cap. 24), pela dinâmica da colonização europeia e pela emergência da forma política estatal propriamente moderna (TILLY, 1992). Nesta dinâmica altamente conflitiva, sob o arranjo político transitório do absolutismo monárquico, eliminam-se processualmente a multiplicidade de fontes jurídicas características do mundo medieval (HELLER, 1968HELLER, Herman. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968., p. 157-172), estabelecendo o monopólio de produção da legislação ao redor do Estado. Forja-se nesse processo uma burocracia propriamente moderna (WEBER, 1985WEBER, Max. “Origem do capitalismo moderno”. In: Os pensadores (Max Weber). São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 121-178., p. 159-167), com um corpo de funcionários ligados ao Estado distribuídos espacialmente e destinados a garantir a unidade territorial, legislativa e política recém-estabelecida. O exército permanente, uma criação também moderna atrelada às guerras territoriais do sistema de poder europeu, compõe este corpo de funcionários ligados ao Estado, ao qual se soma o poder de polícia moderno para garantir a ordem interna.

A metáfora do edifício capta bem estes movimentos, pondo-os em relação com essa ameaça do passado mítico que tende a se reatualizar sob distintas formas para se sobrepor aos desejos de felicidade e emancipação humanas, sob o primado da produção (e da religião, diz Benjamin) capitalista que consolida sua hegemonia no período posterior às revoluções burguesas. Algumas perguntas provocativas: De que maneira o direito moderno comporta em si a atualização da angústia do domínio do mito, e a projeção de um movimento de secularização feita por Weber do qual faz parte a racionalidade típica do direito moderno não deixa de ser em certo sentido problemática? Ou, sendo mais provocativo, a partir de Adorno e Horkheimer, como a racionalidade instrumental típica do esclarecimento não está imersa ela mesma em elementos míticos que nos põe diante de formas renovadas de violência e barbárie?

No texto sobre o estado de exceção, Gagnebin realiza uma leitura mais próxima do ensaio sobre a Crítica da Violência/Poder. Aqui é retomada a discussão sobre as relações entre direito e violência, que marcam o texto de Benjamin. Segundo a autora, o núcleo do texto de Benjamin é “uma concepção do direito e do jurídico como território estreitamente ligado ao exercício da violência, e não como um território objetivo e neutro que almejaria punir e corrigir as injustiças. Entre ‘Recht’ [direito] e ‘Gerechtigkeit’ [justiça] as relações são de oposição, não de complementação” (GAGNEBIN, 2020b__________. “Estado de excepción: entre catástrofe y necropolítica”. In: Estado de excepción en Argentina y Brasil: Una perspectiva a partir de la Teoría Crítica. Buenos Aires: Editorial Herramienta, 2020b, p. 15-33., p. 21). A violência articulada e administrada pelo direito é um componente fundante no estabelecimento, manutenção e organização de uma ordem social desigual. Benjamin retoma ao longo do texto ironicamente uma frase de Anatole France para questionar a igualdade formal típica do direito, quando é afirmado que as leis “proíbem igualmente aos pobres e aos riscos dormir debaixo das pontes”. Como observa Gagnebin, Benjamin estabelece um jogo semântico para aproximar Recht e Vorrecht em um trecho de seu ensaio, identificando no direito [Recht] moderno a herança do direito de prerrogativa [Vorrecht] que remete ao privilégio dos reis e dos grandes. O problema teórico principal aqui é enfatizar como o direito não se dissocia do exercício do poder nessa ordem desigual, e compõe uma de suas formas de expressão.

Esta imbricação põe o direito em uma permanente zona de indiscernibilidade em que a diferenciação deste com o exercício do poder e da violência carece de solidez. Os momentos em que um “excesso” se revela com nitidez na verdade apenas demonstram para Benjamin que trata-se de um problema mais profundo que uma análise superficial tende a ignorar. Para tanto, o crítico alemão irá recorrer a diferentes fenômenos históricos da Europa daquele tempo, como a resposta do Estado às greves proletárias, a guerra, a pena de morte, o poder de polícia e alguns outros. O chamado “Estado de Direito” convive com uma zona de anomia que faz parte do seu modo regular de funcionamento, identificável à olhos nus a depender de quais sujeitos e quais fenômenos está diante. Esta zona de anomia compõe sua existência, mas pode ser criada e visivelmente afirmada quando o que está em jogo é “manter a ordem”, momento este em que quaisquer distinções coerentes entre o direito, sua negação, a violência e o exercício do poder são postas em xeque.

Segundo Jeanne Marie Gagnebin “já se perfila aqui [no ensaio de 1921] uma questão que beira a definição do estado de exceção quando o Estado, se sentindo ameaçado, recorre à instauração de uma nova forma de violência” (GAGNEBIN, 2020b__________. “Estado de excepción: entre catástrofe y necropolítica”. In: Estado de excepción en Argentina y Brasil: Una perspectiva a partir de la Teoría Crítica. Buenos Aires: Editorial Herramienta, 2020b, p. 15-33., p.21)5 5 Em outro texto, a autora será ainda mais incisiva, quando aponta neste elemento uma característica do próprio Estado como tal, ao expressar-se nos seguintes termos: “Esse espaço de violência parece surgir como o nomos implícito do Estado moderno enquanto Estado de exceção instituído” (GAGNEBIN, 2014, p. 259). . A observação parece precisa, não porque Benjamin já havia lido Schmitt. Mas porque estamos diante de um mesmo solo histórico, marcado ali pelo recurso feito pelo Partido Social Democrata Alemão (SPD) e pelas classes dominantes alemãs ao artigo 48 da constituição de Weimar, que suspendia um conjunto de direitos em situações ditas de exceção, como resposta ao proletariado em luta. O proletariado alemão derrotou em 1920 a extrema-direita que havia tentado implementar o golpe de Kapp6 6 Este episódio históricoé o que provavelmente (EILAND & JENNINGS, 2014, p. 130) origina a nota “Vida e Violência”, hoje desaparecida, e que segundo Benjamin em carta de 17 de abril de 1920 foi “escrita com o coração” (Br. I, p. 237). O mesmo episódio é debatido no fragmento conservado “O direito de usar a violência”, que está na origem do ensaio sobre a crítica da violência/poder/força. ; com a derrota das forças golpistas, o proletariado dá forma conjuntamente a um movimento insurrecional, brutalmente reprimido pelo governo do SPD e pela burguesia alemã (LOUREIRO, 2005LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã, 1918-1923. São Paulo: UNESP, 2005., p. 117 e ss), questão que está na origem do fragmento “O direito de usar a violência” (BENJAMIN, 2020__________. “O direito de usar a violência”. In: Revista Direito e Práxis. Dossiê “Walter Benjamin e o Direito”, vol.11, n.03, 2020, p. 2090-2095., p. 2090-2095; GS VI, p. 104-108 ) e do ensaio sobre a Crítica da Violência/Poder. Para Benjamin, como afirma Gagnebin, “o poder do Estado de Direito se revela como seu secreto poder de exceção” (GAGNEBIN, 2020b, p.29), momento em que a indeterminação entre direito e violência vêm à luz de maneira nítida. A resposta a esses problemas para Schmitt é suspender o direito para conservá-lo e com isso manter a ordem (SCHMITT, 2007SCHMITT, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.). O mesmo solo histórico gera uma resposta absolutamente distinta por parte de Benjamin, que irá formular o conceito de deposição do direito [Entsetzung des Rechts] (GS II, p. 202) expressando a possibilidade de uma ação política que rompe a dialética entre a violência que põe e conserva o direito, inaugurando com isso uma nova era histórica.

O contexto histórico é fundamental para entender esse texto, como insiste a autora em diferentes momentos (GAGNEBIN, 2007__________. “Walter Benjamin, um ‘estrangeiro de nacionalidade indeterminada, mas de origem alemã’”. In: Leituras de Walter Benjamin (Org. Márcio Seligmann-Silva). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2007, p.205-212., p. 207; 2014, p. 54; 2020b, p. 16-17 e p.19-20), uma observação infelizmente menosprezada por muitos comentadores deste ensaio, dotados de uma perspectiva tendente a encará-lo a partir de uma pretensa “pureza” filosófica que tem foco sobretudo em sua linguagem e coerência interna e que secundariza (ou mesmo despreza) seu contexto.

Em ambos os comentários a autora procura chamar a atenção da radicalidade da crítica histórica proposta por Benjamin em seus textos em que o direito é abordado. E essa busca por uma outra experiência histórica distinta daquela que rege o modo de produção capitalista é o que conecta estes textos de juventude com seus escritos tardios. É importante chamar a atenção para o parágrafo final de “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin”, quando a autora encerra o texto com um deslocamento brusco, indo além dos comentários sobre as relações entre mito e direito nos textos escritos por Walter Benjamin entre 1916 e 1922, e ao mesmo tempo retomando-os. A filósofa interpreta os escritos de Benjamin sobre Kafka dos anos 1930, e indica tanto a retomada dos temas de juventude em seus escritos tardios, como aponta a presença da crítica da Gewalt na abordagem proposta pelo ensaísta berlinense da obra do escritor tcheco. Sob uma aparentemente singela “última observação”, Gagnebin elabora uma instigante observação sobre a forma pela qual Walter Benjamin lê Kafka. É importante citar esta longa passagem:

“Benjamin lê os textos de Kafka como a elaboração literária lúcida, em sua ironia e em sua desesperança, desse enredamento fatal na ordem do direito, como se o caminho do direito pudesse levar ao reino da justiça e da liberdade. Dito de outra maneira: nos romances e nas novelas de Kafka, ressurgem as forças do mito através da descrição labiríntica dos edifícios da legalidade (ressurgem até as forças “pantanosas”, segundo a expressão de Bachofen, de uma idade pré-mítica). K., no Processo, confunde essa legalidade com uma busca por justiça - talvez essa confusão seja sua culpa secreta que sempre recoloca em movimento a engrenagem do direito e do castigo. Com efeito, somente a abolição dessa ordem mítica, que renasce sob a roupagem enganadora do direito, ou seja, a recusa em se conformar a suas regras, permitiria a K. deixar uma vida medíocre e convencional, sem generosidade nem liberdade, e alcançar a justiça e a inocência. Nos textos de Kafka, a verdadeira liberdade está confinada a figuras tão destituídas de poder que não precisam do direito para mantê-lo. São as personagens prediletas dos tolos, dos ajudantes, dos atores do teatro de Oklahoma ou mesmo das crianças que não querem dormir e correm de noite, sem alvo, na estrada. Elas são leves e brincalhonas em oposição a tantas outras figuras curvadas sob o peso da culpabilidade e da lei, paralisadas ou mesmo lentamente mortas pela inscrição mítica da sentença em suas costas como os condenados da novela “Na colônia penal”. Justamente porque não têm poder, os tolos de Kafka não conseguem liberar nem ajudar seus companheiros em apuros. Mas são o sinal inequívoco, ainda que utópico, de que o reino da liberdade - isto é, também de uma reconciliação messiânica com as forças da Natureza - seria um reino sem necessidade de dominação, a possibilidade de uma felicidade humana que não precisaria de regras míticas ou jurídicas para assegurar sua permanência” (GAGNEBIN, 2020a__________. “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin”. Revista Direito e Práxis, vol. 11, n.3, 2020a, p. 1934-1945., p. 1943-1944).

III

Esta passagem, atravessada por referências judaicas (a “reconciliação messiânica com as forças da natureza”) e materialistas (a categoria “reino da liberdade” parece remeter às páginas finais do livro terceiro de “O Capital”, uma das poucas passagens em que Marx elabora sobre o comunismo (MARX, 2017__________. O capital: Crítica da Economia Política. Vol III: O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 882-883)), explicita a hipótese de leitura proposta por Gagnebin do antijuridicismo de Benjamin - antijuridicismo este também marcado pelo contato com as correntes antinômicas da cultura judaica7 7 No caso de Benjamin, a partir de suas conversas com Scholem desde os anos 10, o autor toma contato com as correntes da mística judaica desenvolvidas após a expulsão dos judeus da Espanha, durante o processo de formação do Estado moderno, principalmente o lurianismo e o sabatianismo. Segundo Scholem, a crítica judaica à lei e ao Estado é radicalizada no sabatianismo, que para o autor tem componentes que o aproxima de um certo “anarquismo religioso” (SCHOLEM, 2008, p.343). Já Judith Butler, em “Caminhos Divergentes”, recorre à Benjamin e a outros autores de origem judaica para discutir a possibilidade de uma crítica do direito e do Estado a partir de fontes e correntes judaicas, e com isso questionar o monopólio da judaicidade reivindicada pelo sionismo, e criticar a intervenção do Estado de Israel na Palestina. (cf BUTLER, 2017, p. 11-13 e p. 75-102). . Esta hipótese vai na contramão de leituras influentes da obra de Benjamin no campo do direito. Será dada uma breve ênfase nas implicações que isto tem na teoria e filosofia do direito, embora existam recepções da obra do crítico alemão que caminham por rumos diferentes nos debates sobre o assim chamado “direito à memória” (como desdobramento do campo da justiça de transição) e na criminologia, e com menos incidência nas discussões sobre a teoria da constituição.

As conferências de Derrida reunidas no livro “Força de Lei: o fundamento místico da autoridade” são importantes no percurso que torna relativamente conhecido no decorrer dos anos 90 e 2000 o ensaio de Benjamin sobre a crítica da violência, que até então, embora comentado por importantes nomes da filosofia do século XX como Marcuse, Arendt e Agamben, não havia tido uma repercussão mais ampla entre intérpretes. Os textos presentes neste livro foram preparados por Derrida para um colóquio organizado pelo movimento norte-americano conhecido como Critical Legal Studies, e posteriormente reelaborados pelo autor. No segundo destes textos, Derrida oferece uma leitura detalhada do ensaio de Benjamin sobre a crítica da violência, apesar de alguns erros factuais e do que Agamben chama educadamente de um “singular mal-entendido” (AGAMBEN, 2002__________. Homo Sacer I - O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002., p. 72) que marca as aproximações feitas no texto com a solução final e que está presente também no post-scriptum do livro - algo que Seligmann-Silva identifica como uma crítica “injusta e precipitada” (SELIGMANN-SILVA, 2007SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Walter Benjamin: O estado de exceção entre o político e o estético”. In: Leituras de Walter Benjamin (Org. Márcio Seligmann-Silva). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2007., p. 224).

Derrida, embora reconheça uma certa dimensão antijurídica de algumas categorias do texto (DERRIDA, 2007DERRIDA, Jacques. Força de Lei: O fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p.128), ao apropriar-se do mesmo sugere caminhos diferentes de Gagnebin (e em certo sentido de Benjamin). Ao indicar que o termo alemão Gewalt pode significar violência e autoridade legítima, sua pergunta no texto gira em torno da possibilidade e da impossibilidade de distinção entre o poder legítimo e a violência originária (DERRIDA, 2007, p. 10). O autor procura fundar uma teoria da justiça a partir da experiência da aporia, sendo essa experiência plena impossível, pois a aporia seria algo que não se experimenta integralmente. A possibilidade da justiça seria assim estabelecida junto à sua impossibilidade de experimentação plena. Sendo o direito o elemento do cálculo e a justiça do incalculável, a justiça “exige que se calcule o incalculável” (p.27) para fundar nessa aporia a possibilidade improvável da justiça.

Com isso, elabora junto a esse movimento uma teoria da decisão, vislumbrando impactos sobre a figura concreta do juiz, em que, para Derrida: “para que uma decisão seja justa e responsável, é preciso que, em seu momento próprio, se houver um, ela seja ao mesmo tempo regrada e sem regra, conservadora da lei e suficientemente destruidora ou suspensiva da lei para dever reinventá-la para cada caso” (p.44). Essa decisão, marcada pelo paradoxo, está sempre diante do indecidível, sendo assim perenemente precária. O indecidível coloca a possibilidade de decisão diante do que é estranho e heterogêneo ao cálculo da regra, que deve, entretanto, ser feita, e assim “entregar-se à decisão impossível, levando em conta o direito e a regra” (p.46). Esse indecidível aporético também tem diante de si a urgência da decisão que marca a interrupção da deliberação jurídica, e, portanto, decide com seus riscos e responsabilidades.

A conferência de Derrida tem impacto imediato8 8 A conferência de Derrida dá origem a uma coletânea que irá discutir suas hipóteses (HAVERKAMP, 1994), e também marca um conhecido ensaio de Werner Hamacher sobre a crítica da violência/poder/força de Benjamin (HAMACHER, 2020; originalmente publicado em 1994). nas leituras sobre este ensaio de Benjamin, e estabelece parâmetros importantes ao debate alemão atual. Christoph Menke em 2012 publica “Recht und Gewalt” (traduzido em português como “Direito e Violência”), um influente e representativo texto que marca a recepção de Benjamin no debate jurídico alemão contemporâneo. O autor vê o direito em uma constante tensão, em que ao mesmo tempo que é oposto à violência ao pôr fim à repetição violenta da vingança, também a exerce sobre o corpo e a alma dos sujeitos. Sua proposta é compreender a verdade de ambas as afirmações, procurando elaborar o que seria uma fundamentação possível sob outros marcos distintos dos atuais, de um direito ao mesmo tempo autorreflexivo, aberto à diferença, que contém em si seu outro, e é relutante contra si próprio. Menke extrapola em algumas partes o argumento de Derrida9 9 Derrida reconhece o direito como campo do cálculo e da violência, buscando na exterioridade da justiça um elemento para pensá-lo. Menke traz essa tensão para dentro do campo do direito, para tentar reconhecer uma dimensão violenta e não-violenta dentro do próprio direito, concepção que não está presente neste texto de Derrida. , incorporando à reflexão do filósofo francês um conjunto outro de referências, mas conserva a proposta10 10 Derrida ocupa um papel decisivo na proposta de reconstrução do direito defendida por Menke (cf também MENKE, 2019, p. 109 e ss). de encarar essa tensão como um paradoxo. Segundo o autor, trata-se de buscar a lacuna da unidade entre direito e violência, normatividade e destino, e ver nos paradoxos existentes nessa unidade a oportunidade de libertação. Com isso, pretende oferecer uma hipótese de leitura da noção de “deposição do direito” de Benjamin não como uma separação crítica, mas como contraposição ao conceito schmittiano de suspensão (MENKE, 2019MENKE, Christoph. Direito e Violência: Estudos Críticos. São Paulo: Saraiva, 2019., p.55-56, p.58-59)11 11 Menke aqui dialoga com a reconstrução feita por Agamben do debate entre Benjamin e Schmitt. Agamben lança a hipótese de que Schmitt teve contato com o ensaio sobre a crítica da violência/poder, a partir do estudo das leituras feitas pelo jurista católico alemão no começo dos anos 1920, e a partir dessa leitura escreve a “Teologia Política” como resposta (AGAMBEN, 2004, p. 83-84). Menke extrapola essa hipótese para ver no conceito benjaminiano de 1921 uma contraposição ao conceito de Schmitt de um livro que só será publicado em 1922. . Em sua leitura, ao formular a noção de deposição do direito, Benjamin teria em mente uma privação do poder do direito, que paradoxalmente ao mesmo tempo o liberta. A deposição seria então um programa de “autorreflexão do direito: depor o Direito não significa continuar a aplicá-lo sem mais nem menos, nem suprimi-lo definitivamente, mas sim refletir sobre ele, ou seja, executá-lo com relutância” (MENKE, 2019, p.18).

Andreas Fischer-Lescano, a partir de Menke e estabelecendo contato com Derrida, publica no ano seguinte Rechtskraft (traduzido em português como “Força de Direito”). O autor procura distinguir conceitualmente a violência/poder [Gewalt] do direito, e simultaneamente reconstruir uma teoria baseada em uma força [Kraft] de direito legítima e que “aponta para um direito novo e distinto” (FISCHER-LESCANO, 2017FISCHER-LESCANO, Andreas. Força de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., p.75). Para Fischer-Lescano as teorias que tentam negar a violência/poder existentes no direito são frágeis, sendo necessário avançar para uma compreensão do direito capaz de refletir sobre as relações de racionalidade e arracionalidade, razão e sentimento, poder e força em seu funcionamento cotidiano (p.20). Em seu argumento, procura ressaltar a importância de um direito que se compreenda como unidade da diferença entre força e validade jurídica: “O direito deve sensibilizar-se para as situações em que a força jurídica transforma-se em violência, em que ele próprio subjuga as forças humanas e obsta violentamente seu desenvolvimento” (p.22-23). Em diálogo com a reconstrução de Menke da tragédia na Grécia Antiga, afirma que “o direito precisa reconhecer a tragédia de si mesmo” (p. 50). O autor também vê, com Menke, na possibilidade do direito de refletir sobre si mesmo de forma ultrajante, aquilo que aponta para o direito o caminho da relutância contra si mesmo (p.120). Para Fischer-Lescano, “o direito deve comportar-se responsivamente à força pra poder entender e modificar o mecanismo pelo qual a reprime” (p.23), tornando possível liberar uma força normativa que reivindique para si legitimidade, ainda que esta esteja diante de um paradoxo perenemente constitutivo marcado pela possibilidade de se converter em violência/poder [Gewalt].

São variadas as críticas que poderiam ser feitas a essas teorizações, mas importa aqui sublinhar que essas interpretações são distintas da forma pela qual Jeanne Marie Gagnebin lê os textos de Walter Benjamin sobre o direito. Um caminho legítimo, que certamente poderia ser adotado, é indicar, partindo dos textos de Benjamin que abordam o problema jurídico, de que forma a filósofa os lê de maneira mais próxima. Se os autores mencionados acima procuram estabelecer uma ponte, ainda que mais sutil e relutante em alguns casos, entre o direito e a justiça, a autora (GAGNEBIN, 2020a__________. “Mito, Direito e Justiça em Walter Benjamin”. Revista Direito e Práxis, vol. 11, n.3, 2020a, p. 1934-1945., p. 1935; GAGNEBIN, 2020b; GAGNEBIN, 2021, p. 21-23) parece manter-se mais próxima de Benjamin para diferenciá-los de maneira mais decidida. Esta diferenciação perpassa seus escritos de juventude, desde um fragmento de 1915-16 preservado por Scholem (SCHOLEM, 1995__________. Tagebücher 1913-1917. Frankfurt: Jüdischer Verlag, 1995., p.401-402), os textos entre 1916/1922 comentados por Gagnebin, e reaparece no texto sobre Karl Kraus, no final de seu ensaio sobre Kafka de 1934 e em outros momentos. Mas irei adotar uma outra direção, um desvio, sem ignorar esta questão, e perguntar pelo fundamento desta diferença de interpretação. Na hipótese que defendo neste texto, esta diferença se alicerça na leitura mais integrada feita pela filósofa suíço-brasileira da crítica histórica de Benjamin, e isso tem repercussões na forma de ler seus escritos sobre o direito. É a partir disso que podemos interpretar, ao meu modo de ver, a enigmática, e ao mesmo tempo central, afirmação que abre o último parágrafo da crítica da violência, quando Benjamin afirma que “A crítica da violência/poder é a filosofia de sua história” (BENJAMIN, 1986__________. Documentos de Cultura - Documentos de Barbárie: Escritos Escolhidos (Org. de Willi Bolle. Tradução de Willi Bolle et al.). São Paulo: Cultrix, 1986., p.174; BENJAMIN, 2011, p. 155; GS II, p. 202).

IV

Jeanne Marie Gagnebin é uma das intérpretes responsáveis por uma reconstrução cuidadosa da crítica do conceito moderno de progresso feita por Walter Benjamin. Esse conceito, que atinge seu apogeu no oitocentismo europeu, geralmente está associado a uma interpretação baseada no desenvolvimento histórico em direção a um fim ideal determinado, no qual a esfera dos meios é encarada como um momento temporal do estágio do caminhar em direção a esse fim. O presente passa a ser visto como um momento da marcha histórica progressiva que se realiza no futuro, vendo na atualidade um estágio. Essa concepção recai, para a autora e para Benjamin, em um modelo temporal homogêneo e vazio, estabelecido como uma série de pontos semelhantes num fluxo indefinido (GAGNEBIN, 2018GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: Os cacos da história. São Paulo: N-1 edições, 2018., p.64).

No direito, esses traços aparecem nitidamente em teorias que irão falar nas gerações de direitos sucessivas (a primeira geração correspondente aos direitos civis e políticos, a segunda aos direitos sociais, a terceira aos direitos humanos e culturais e tantas classificações quanto “etapas” históricas de um percurso estabelecido) como um caminho inexorável da humanidade. O término dessa projeção seria entendida como o momento em que os seres humanos alcançariam o estágio final do progresso como a situação que marcaria a efetivação futura do ideal presente na projeção normativa, de forma gradual e sucessiva. Esse tipo de discurso que aposta na existência de uma corrente histórica linear e imutável (o “progresso”), faz com que se apague dessa discussão os embates históricos concretos, o conflito de classes, racial e de gênero, e do sujeito histórico que o materializa.

Entendendo o tempo de tal maneira, essa concepção de história é orientada a partir de percepções que falam de um hipotético progresso contínuo da 'clareza' e da 'inteligência', aonde a emancipação se daria de acordo com o próprio desenvolvimento dessa marcha, que incluiria gradualmente os atores, até o momento idealizado em que é garantida à totalidade dos sujeitos essa construção. O presente estaria garantido como sacrifício em prol de um fim (da história) já estabelecido. Na crítica de Jeanne Marie Gagnebin, ao analisarmos o tempo a partir de critérios de sucessão cronológica, a interpretação da história daí derivada ganha ares de uma relação causal de necessidade a se realizar, na qual se expressa a tendência de naturalização do percurso como um todo (GAGNEBIN, 2009__________. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009., p.96). Em outro texto, a autora afirma que para além dos limites teóricos realçados por Benjamin a este tipo de perspectiva, o crítico berlinense sabia que no limiar da Segunda Guerra as teorias históricas que terminam por postular uma sensação de estabilidade e um otimismo conformista se revelavam nitidamente ilusórias (GAGNEBIN, 2011, p. 290) diante do fascismo e de um mundo à beira da catástrofe.

Essa visão do tempo faria com que o passado tivesse uma imagem eterna e imutável pautada pela irrevogabilidade e pela naturalização da dominação passada como custo necessário do caminhar futuro. Também o futuro aparece projetado diante de uma direção irreversível, deixando de perceber que a construção da história se dá pela ação dos seres humanos diante das estruturas sociais existentes, e não por leis abstratas e inalcançáveis. As imagens idealizadas do futuro tem um sentido estratégico para aqueles que dominam: um sentido sempre protelatório, condenado a adiar continuamente os aspectos decisivos do presente onde se travam as lutas concretas, em prol de um instante no decorrer de um caminhar homogêneo. É retirado da ação histórica qualquer caráter de urgência para deslocá-la a um papel que se submeta à triunfante marcha da história, não deixando muitas escolhas para que sujeitos coletivos intervenham na história contestando seus rumos, a não ser resignar-se diante da situação ideal projetada.

Em poucos campos das ciências humanas esse tipo de discurso talvez se reproduza com tanta facilidade quanto no direito. No direito, o tempo é geralmente encarado como rotina administrativa, não deixando muitas alternativas que não sejam a re-produção controlada do estabelecido, sob o primado da tão falada, entre juristas, “segurança jurídica”. O direito não se dissocia de uma pretensão não só de garantir, como Benjamin informa em sua crítica, mas de organizar a ordem cindida vigente.

No plano sócio-histórico, o tempo é reduzido a um mecanismo de regulação da dimensão fenomênica (BARBOSA, 2007, p.59). As tendências imersas na modernidade de transformar o direito em técnica impessoal e abstrata coadunam com esse tipo de orientação do primado da estabilidade, da orientação do tempo como rotina administrativa, em que as ações são diluídas no curso de um processo previsível e regular. A previsibilidade, a repetição, o curso impessoal da lei fazem parte desse tipo de tendência que além de reproduzir uma percepção problemática do tempo, tem como principal consequência a ocultação sobre qual realidade o direito garante o funcionamento. Esse tipo de racionalidade pretende preparar e prever as mudanças a partir de seus procedimentos internos evitando assim as instabilidades do que lhe escapa.

O processo inovativo passa a ser comprimido no momento em que instituições são produzidas por meio de instituições num modelo auto-centrado, em que a primazia do procedimentalismo como falsa liberdade torna os atores inseridos nesse processo distantes daquilo que fora normativamente configurado. É evidente que esse processo não é completamente estático, nem no plano teórico nem na prática em que a ação se manifesta para imprimir determinados significados conjunturais àquela forma. Importa aqui ressaltar que existem linhas “porosas” no funcionamento desse ordenamento e que podem até ser relativamente móveis, mas tem fronteiras recorrentemente demarcadas com bastante nitidez. Essas fronteiras se colocam nos próprios limites estruturais estabelecidos, que terminam por responder a determinados postulados de invariância que garantem justamente o seu local no processo histórico como um todo. A imagem do fluxo ou da marcha linear-progressiva tem aqui um espaço decisivo, pois o tempo histórico é tomado como evolutividade irreversível, ainda que a conjuntura o obrigue a estar sempre sendo obrigado a lidar com condições relativamente variáveis de modificação pontual. Dessa maneira, a capacidade ativa e dinâmica dos sujeitos históricos opera simultaneamente com uma tendência a encontrar pesadas comportas que produzem uma contraforça que terminam por reconduzir suas demandas ao estado normal (o estado da norma), já que a normatividade e o fluxo homogêneo são seus valores postos. Esses mecanismos, de mudança controlada, são atuantes diante de um curso histórico geral no qual está inserido e projetado, e o que caracteriza essa projeção é a conservação e a reprodução do que Giacomo Marramao chamou de norma estrutural (e do projeto nela incorporado) (MARRAMAO, 2005MARRAMAO, Giacomo. Poder e secularização - As categorias do tempo. São Paulo: Editora da UNESP, 2005., p.252-256)12 12 Este trecho da obra do autor, com o qual há um diálogo próximo aqui, é importante para uma complexificação da análise do tempo no funcionamento das instituições jurídicas, a partir da crítica feita por Marramao à teoria dos sistemas. .

Gagnebin é uma das responsáveis pela reivindicação, a partir de Benjamin, do conceito de cesura, para dar conta da possibilidade de interrupção histórica. O tempo-agora [Jetztzeit] de Benjamin contrapõe-se a esse tipo de orientação histórica típica do direito moderno, nos colocando diante de uma percepção do tempo que é, nas palavras da autora, simultaneamente o surgimento do passado no presente e evento do instante (GAGNEBIN, 2009__________. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009., p. 97). Ao refletir sobre o tempo-agora, Benjamin elabora sobre uma possibilidade histórica (aqui, o estudo das revoluções dos séculos XIX e XX é central nessa conceitualização) que procura romper com um modelo de desenvolvimento temporal que dá origem a uma concepção reificada de passado, presente e futuro. Gagnebin lembra que a rememoração e mesmo a crítica histórica em Benjamin está indissociavelmente relacionada à tentativa sempre retomada e renovada de pensar aquilo que pedia um outro devir (GAGNEBIN, 2009, p.89), em um tempo que se pode situar no futuro do pretérito (SZONDI, 2009SZONDI, Peter. “Esperança no Passado - Sobre Walter Benjamin”. Revista Artefilosofia, Ouro Preto, n. 6, p.13-25, abr. 2009., p.20). Ao tratar do ensaio sobre a crítica da violência em “História e Narração em Walter Benjamin”, afirma que:

“esse texto fala, sem dúvida, de violência e de soberania, mas igualmente e de maneira conjunta, através da greve geral soreliana, de uma figura radical da interrupção como resistência à engrenagem política e social: aqui também, somente a tentativa de parar o tempo pode permitir a uma outra história vir à tona, a uma esperança de ser resguardada em vez de soçobrar na aceleração imposta pela produção capitalista. A greve geral pára a produção, assim como os relógios em que revolucionários atiram; é o mesmo gesto de interrupção do tempo, de quebra da continuidade histórica. Ele é tanto mais difícil de ser descrito e analisado quanto o discurso histórico tradicional repousa não só num princípio trivial de causalidade, mas também uma ideia de continuidade temporal infinita e regular, ideia que está, aliás, na fonte dessa noção exangue de causalidade” (GAGNEBIN, 2009__________. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009., p. 98).

Esse processo não é isento de riscos. Ele não renuncia à crítica teórica, ao mesmo tempo paciente e urgente, sendo, como lembra a autora, comentário filológico e crítica materialista comprometidos, teórica e politicamente, com os “sem nome” soterrados pela marcha triunfante do progresso (GAGNEBIN, 2014__________. “Esquecer o passado?”. In: Limiar, Aura e Rememoração. São Paulo: Editora 34, 2014, p. 251-263., p. 75-95). Esse gesto de buscar as narrativas silenciadas, como dá título a um Colóquio recente feito em sua homenagem, não deve se esquecer do momento da ação, da práxis na urgência do tempo presente que é o tempo que temos de luta contra o fascismo. No prefácio de 2018 à “Walter Benjamin: os cacos da história”, a autora problematiza certas interpretações melancólicas e complacentes que perdem de vista a reivindicação de urgência que perpassa os escritos de Benjamin (GAGNEBIN, 2018, p.11). Segundo a filósofa, é preciso cuidado para não tornar a obra de Benjamin um “bem cultural” de interesse puramente científico (GAGNEBIN, 2011, p. 286). Em entrevista de 2015, expõe uma preocupação de evitar que Walter Benjamin e sua obra tornem-se um novo fetiche cultural. Segundo ela, é preciso “cuidar do aspecto questionador, inquieto, sim, subversivo de seu pensamento. Todo seu pensamento lutou contra essa fetichização da cultura e da escrita” (GAGNEBIN, 2015)13 13 Em um texto recente dedicado à recepção de Walter Benjamin no Brasil, a autora indica que a partir de um determinado momento da década de 1990 se expandem consideravelmente os estudos e publicações sobre o autor no Brasil, ao mesmo tempo em que a vivacidade dos debates sobre suas ideias em certa medida declinam. Segundo Gagnebin, à medida que o debate sobre a obra de Benjamin se tornou mais acadêmico, a discussão ficou mais melancólica e sem brilho (GAGNEBIN, 2021, p. 8). .

Jeanne Marie Gagnebin, nesse sentido, reivindica a radicalidade da crítica histórica proposta por Benjamin, elaborada a partir da confluência de sua leitura da teologia judaica e da tradição materialista crítica. A autora não deixa de lado o compromisso com o projeto emancipatório e de transformação radical das condições existentes que compunha a primeira geração da Escola de Frankfurt, compromisso este abandonado em grande parte por algumas leituras influentes no campo do direito que a acusam de faltar-lhe uma fundamentação normativa e jurídica. A questão é que a forma como identificavam o problema era profundamente outra, uma vez que, ao menos no caso de Benjamin de maneira mais nítida, a própria forma jurídica era posta em questão.

Como Gagnebin afirmou na abertura do Colóquio “Narrativas Silenciadas”, “trata-se, portanto, de pensar uma política de esquerda, de luta de classes e de revolução, mas sem a fé no progresso, no fim da história [...]” (GAGNEBIN, 2021__________. “Sur la réception de Walter Benjamin au Brésil”. Dissonância - Revista de Teoria Crítica, Campinas, Publicação Online Avançada, vol. 1, 2021, p. 1-24., minutos 30 e 31). A autora retoma no momento posterior de sua fala as reflexões de Benjamin sobre a importância de um conceito alargado de classe social para pensar as lutas do seu tempo (e as do nosso). É preciso, portanto, dar conta também da realidade do racismo estrutural e da dominação patriarcal na conformação da sociedade burguesa, em suas particularidades no capitalismo periférico e dependente brasileiro. Problema esse ao qual Benjamin provavelmente se aproxima na oitava tese quando trata de uma “tradição dos oprimidos”. Esse alargamento conceitual tem tanto implicações em relação ao passado, ao ver a dominação do passado e do presente interligadas; como sobre o presente ao conceber a tarefa de libertação do passado como algo que diz respeito à geração atual, uma vez que o inimigo não tem cessado de vencer. Além disso, nos exige ver a co-constitutividade das relações de exploração (objeto de outros escritos de Benjamin e das teses anteriores) e opressão no capitalismo. Parece-me que esta fala da autora no referido colóquio nos põe diante do desafio de pensar algumas destas questões em termos de sujeito histórico e de formas de interromper o atual estado de coisas, que já aparecem ao final de seu texto sobre o estado de exceção (GAGNEBIN, 2020b, p. 30-32) ou na análise de conjuntura proposta em seu texto sobre a recepção de Benjamin no Brasil (GAGNEBIN, 2021, p. 21-23). Estamos, com isso, diante não apenas de um desafio filosófico-político no plano do pensamento, mas de uma tarefa posta na urgência do tempo presente.

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  • SOREL, Georges. Reflexões sobre a Violência. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
  • SZONDI, Peter. “Esperança no Passado - Sobre Walter Benjamin”. Revista Artefilosofia, Ouro Preto, n. 6, p.13-25, abr. 2009.
  • WEBER, Max. “Origem do capitalismo moderno”. In: Os pensadores (Max Weber). São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 121-178.
  • 1
    Uma primeira versão deste texto foi apresentada no “Colóquio Narrativas Silenciadas: Jeanne Marie Gagnebin lê Walter Benjamin”, organizado pelo Grupo de Pesquisa “Filosofia Crítica do Direito e Literatura” na UFPA. Agradeço a Ricardo Dib Taxi pelo convite.
  • 2
    A autora publicou recentemente um ensaio sobre a recepção de Benjamin no Brasil, com ênfase maior nos temas e nas conjunturas que marcam a recepção do autor no Brasil dos anos 60 até hoje (GAGNEBIN, 2021).
  • 3
    A expressão alemã Gewalt pode ser traduzida em português por violência, poder e em alguns contextos por força. Cf: (BENJAMIN, 1986; BENJAMIN, 2011, KHATIB, 2020, p. 1875-1877);
  • 4
    É interessante notar que no ensaio sobre a crítica da violência/poder embora o argumento político seja bastante influenciado pelo anarco-sindicalismo de Sorel, Benjamin não incorpora deste a centralidade da construção de um novo mito como fundamento de uma teoria política que, do seu ponto de vista, estaria à altura das tarefas postas à classe trabalhadora naquele tempo (SOREL, 1992, p. 143-171). Benjamin manterá a associação feita em textos anteriores do mítico ao jurídico, formulando o conceito de violência mítico-jurídica à qual são contrapostas as 3 formas da Gewalt discutidas no final do texto - a pura, a divina e a revolucionária. O conceito de mito está presente na recepção conservadora e reacionária da obra de Sorel, tanto em Mussolini como em Francisco Campos, o teórico do Estado Novo brasileiro.
  • 5
    Em outro texto, a autora será ainda mais incisiva, quando aponta neste elemento uma característica do próprio Estado como tal, ao expressar-se nos seguintes termos: “Esse espaço de violência parece surgir como o nomos implícito do Estado moderno enquanto Estado de exceção instituído” (GAGNEBIN, 2014, p. 259).
  • 6
    Este episódio históricoé o que provavelmente (EILAND & JENNINGS, 2014, p. 130) origina a nota “Vida e Violência”, hoje desaparecida, e que segundo Benjamin em carta de 17 de abril de 1920 foi “escrita com o coração” (Br. I, p. 237). O mesmo episódio é debatido no fragmento conservado “O direito de usar a violência”, que está na origem do ensaio sobre a crítica da violência/poder/força.
  • 7
    No caso de Benjamin, a partir de suas conversas com Scholem desde os anos 10, o autor toma contato com as correntes da mística judaica desenvolvidas após a expulsão dos judeus da Espanha, durante o processo de formação do Estado moderno, principalmente o lurianismo e o sabatianismo. Segundo Scholem, a crítica judaica à lei e ao Estado é radicalizada no sabatianismo, que para o autor tem componentes que o aproxima de um certo “anarquismo religioso” (SCHOLEM, 2008, p.343). Já Judith Butler, em “Caminhos Divergentes”, recorre à Benjamin e a outros autores de origem judaica para discutir a possibilidade de uma crítica do direito e do Estado a partir de fontes e correntes judaicas, e com isso questionar o monopólio da judaicidade reivindicada pelo sionismo, e criticar a intervenção do Estado de Israel na Palestina. (cf BUTLER, 2017, p. 11-13 e p. 75-102).
  • 8
    A conferência de Derrida dá origem a uma coletânea que irá discutir suas hipóteses (HAVERKAMP, 1994), e também marca um conhecido ensaio de Werner Hamacher sobre a crítica da violência/poder/força de Benjamin (HAMACHER, 2020; originalmente publicado em 1994).
  • 9
    Derrida reconhece o direito como campo do cálculo e da violência, buscando na exterioridade da justiça um elemento para pensá-lo. Menke traz essa tensão para dentro do campo do direito, para tentar reconhecer uma dimensão violenta e não-violenta dentro do próprio direito, concepção que não está presente neste texto de Derrida.
  • 10
    Derrida ocupa um papel decisivo na proposta de reconstrução do direito defendida por Menke (cf também MENKE, 2019, p. 109 e ss).
  • 11
    Menke aqui dialoga com a reconstrução feita por Agamben do debate entre Benjamin e Schmitt. Agamben lança a hipótese de que Schmitt teve contato com o ensaio sobre a crítica da violência/poder, a partir do estudo das leituras feitas pelo jurista católico alemão no começo dos anos 1920, e a partir dessa leitura escreve a “Teologia Política” como resposta (AGAMBEN, 2004, p. 83-84). Menke extrapola essa hipótese para ver no conceito benjaminiano de 1921 uma contraposição ao conceito de Schmitt de um livro que só será publicado em 1922.
  • 12
    Este trecho da obra do autor, com o qual há um diálogo próximo aqui, é importante para uma complexificação da análise do tempo no funcionamento das instituições jurídicas, a partir da crítica feita por Marramao à teoria dos sistemas.
  • 13
    Em um texto recente dedicado à recepção de Walter Benjamin no Brasil, a autora indica que a partir de um determinado momento da década de 1990 se expandem consideravelmente os estudos e publicações sobre o autor no Brasil, ao mesmo tempo em que a vivacidade dos debates sobre suas ideias em certa medida declinam. Segundo Gagnebin, à medida que o debate sobre a obra de Benjamin se tornou mais acadêmico, a discussão ficou mais melancólica e sem brilho (GAGNEBIN, 2021, p. 8).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2021
  • Aceito
    07 Abr 2022
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