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Walter Benjamin e o Direito: Uma apresentação teórica à edição

Walter Benjamin and the Law: a theoretical introduction to the dossier

Resumo

Este artigo faz uma apresentação teórica dos textos deste número especial sobre Walter Benjamin e o Direito. Inicialmente, buscamos reconstituir brevemente a ênfase recente nos textos de Benjamin em torno do direito. Posteriormente, fizemos breves comentários sobre os textos que buscam introduzir alguns dos debates teóricos em que estão inseridos, alguns de seus aspectos importantes, ou mesmo discutir algumas escolhas editoriais.

Palavras-chave:
Walter Benjamin; Direito; Crítica

Abstract

This article makes a theoretical presentation to the texts presented in this special issue on Walter Benjamin and Law. Initially, we sought to briefly reconstruct the recent emphasis on Benjamin's texts that address law. Subsequently, we made brief comments on the texts that tries to introduce some of the theoretical debates in which they are inserted, some of its important aspects, or even discuss some editorial choices.

Keywords:
Walter Benjamin; Law; Critique

I

Apesar de ser relativamente conhecido em diversos campos das Ciências Humanas hoje, a obra de Walter Benjamin não teve um impacto significativo durante sua vida, a não ser em um círculo mais ou menos restrito de amigos (que incluíam importantes intelectuais do século XX, como Bertolt Brecht, Theodor Adorno, Hannah Arendt e Gershom Scholem) e em alguns pequenos espaços. Contrastado com a projeção de se tornar o maior crítico literário alemão de seu tempo (Br II, p. 505), sua vida talvez esteja mais próxima daquilo que alguns considerariam um “fracasso”. Entretanto, é preciso ler historicamente os sentidos desse “fracasso”, como faz Jeanne Marie Gagnebin: “Os fracassos afetivos, políticos e profissionais de Benjamin não são devidos tanto a uma 'falta de sorte', mas - talvez como toda 'falta de sorte' - significam e denunciam os entraves para uma possível felicidade, num mundo onde o primado da produção capitalista conduz à destruição o ser vivo” (GAGNEBIN, 2018GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: Os cacos da história. São Paulo: N-1 edições, 2018., p. 75). Fracassos frutos também dos significados sócio-históricos de suas convicções (KONDER, 1999KONDER, Leandro. Walter Benjamin: O marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999., p. 15), enquanto intelectual independente judeu e de esquerda (primeiramente anarquista e depois marxista), em um quadro muito pouco favorável a esse tipo de posição1 1 Para aproximações à biografia de Walter Benjamin traduzidas para o português, ver: (SCHOLEM, 2008; WITTE, 2017). Para uma breve introdução à vida do autor, ver (GAGNEBIN 2007, p.205-212; SELIGMANN-SILVA, 2019, p. 7-22). Em outras línguas, conferir: (FULD, 1979; EILAND & JENNINGS, 2014). Como materiais introdutórios à obra de Walter Benjamin disponíveis ao leitor brasileiro, são importantes: (GAGNEBIN, 2018 [1982]; KONDER, 1999 [1989]; LÖWY, 2005). .

É sobretudo em torno dos dilemas postos pelo maio de 1968 que a obra de Walter Benjamin torna-se conhecida para um público mais amplo (PRESSLER, 2005PRESSLER, Gunter. Benjamin, Brasil: A recepção de Walter Benjamin, de 1960 a 2005: um estudo sobre a formação da intelectualidade brasileira. São Paulo: Annablume, 2005., p.63-65)2 2 Em seus estudos sobre a recepção de Benjamin no Brasil, o autor procura indicar também a particularidade da introdução de seus escritos no país. Segundo Pressler, a recepção do ensaio sobre “A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” se deu de forma mais intensa no Brasil (PRESSLER, 2001, p.3), onde foi traduzido em 1968 e já tinha sido objeto de discussões feitas por Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, do que na Europa. (para a recepção na Europa, ver: SCHOTTKER, 2012, p. 90 e ss). . Sua obra é recuperada não apenas para enfrentar alguns destes dilemas, mas também no meio de uma miríade de disputas sobre o significado do seu legado. É neste período que se formarão os debates que marcarão a recepção do pensamento de Benjamin de forma mais intensa em seus primeiros anos: a difícil relação entre materialismo histórico e teologia judaica em seus escritos; as formulações sobre estética, modernidade e filosofia da história; a teoria da tradução; as reflexões sobre a memória e etc.

Apesar de algumas aproximações por parte de comentadores (MARCUSE, 1965MARCUSE, Herbert. “Nachwort”. In: BENJAMIN, Walter. Zur Kritik der Gewalt und andere Aufsätze. Frankfurt: Suhrkamp, 1965.; ARENDT, 1970; AGAMBEN, 1970__________. Sui limiti della violenza. Nuovi Argomenti, n.17, 1970, p.159-173.; KAMBAS, 1984KAMBAS, Chryssoula. “Walter Benjamin lecteur des ‘Refléxions sur la violence’”. In: Cahiers Georges Sorel, n.2, 1984, p. 71-89.) com ênfase principalmente no ensaio Zur Kritik der Gewalt3 3 O termo alemão Gewalt é de difícil tradução para o português, podendo remeter ao que conhecemos como violência, poder e força. Isso leva Willi Bolle a traduzi-lo por “Crítica da Violência - Crítica do Poder” (1986), na primeira versão disponível do ensaio em português no Brasil. A amplitude semântica do termo é discutida brevemente no ensaio de Sami Khatib presente neste dossiê. A partir de agora, quando for feita referência ao ensaio de Benjamin no curso deste texto, será mencionado o título da tradução de Bolle. Esta tradução traz a ambiguidade semântica do termo já para o título, e com isso chama a atenção para um importante problema teórico desenvolvido por Benjamin. , é a partir dos anos 1990 que se abre um campo mais vasto de discussões em torno dos textos de Walter Benjamin que tangenciam o direito. A recuperação dos escritos de Benjamin para um esforço de se pensar criticamente o direito acabam indo na contramão da proclamação conservadora do fim da história e da exaltação da acumulação neoliberal atrelada à ênfase a um caráter supostamente agregador dos direitos humanos que pretensamente nos afastaria da barbárie pretérita. Hoje, com a ascensão em escala global de forças abertamente autoritárias por dentro dos Estados liberais, não somente o fracasso desse discurso ufanista é escancarado, mas os escritos de Benjamin sobre o fascismo e que enfatizam o caráter violento do direito tornam-se assunto de renovado interesse nos diferentes campos das Ciências Humanas.

Apesar destas discussões terem se ampliado nos últimos anos 15 anos no Brasil, este debate ainda é pouco sistematizado, mesmo em outras línguas4 4 As aproximações a esse esforço de sistematização e formulação temática estão acessíveis em geral em alemão. (HAVERKAMP, 1994; NOOR, 2012). . A proposta do presente dossiê é articular contribuições, a partir de diferentes abordagens, sobre interseções possíveis entre a obra de Walter Benjamin e o direito. O dossiê procura reunir neste número textos de referência publicados em outras línguas, em geral inéditos em português e especialmente traduzidos para este número, assim como contribuições inéditas.

Uma observação teórico-metodológica importante para a compreensão da proposta de articulação dos artigos reunidos: as contribuições de Benjamin ao direito não se resumem ao momento em que mobiliza explicitamente o termo “direito”, ou que envolva teorizações sobre normas ou áreas específicas do campo. Esse tipo de crença termina por nos manter, talvez inconscientemente, presos aos entraves epistêmicos do positivismo jurídico, ao imaginar que o direito se encerra na descrição normativa ou na definição de seu conceito. Esse tipo de clausura epistemológica é estranha ao pensamento de Benjamin, caracterizado por uma ruptura permanente com as divisões disciplinares dos saberes (por isso comentadoras e comentadores tem extrema dificuldade ao classificá-lo, seja como filósofo, teórico da arte, homem de letras, ou mesmo como um “crítico” em sentido mais amplo). Seus escritos sobre a política, a pedagogia, a cultura, a teologia, a linguagem e a história podem conter pistas importantes a serem investigadas em abordagens que se pretendam críticas no direito e para além dele.

A proposta de ruptura com o modelo tradicional de pensamento jurídico está na própria forma de seus escritos, marcadamente fragmentária, e que recorre com frequência aos aforismos, aos comentários críticos e ao ensaio como forma de expressão/intervenção. O autor transita em um terreno em geral estranho à sistemática típica do meio jurídico. Alguns desses movimentos são identificados por Cornelia Vismann em um artigo presente neste dossiê, dedicado à forma-comentário em Benjamin e sua diferença em relação ao comentário jurídico clássico.

A crítica ao direito em Walter Benjamin, que está presente em diferentes momentos de sua trajetória (VIEIRA, 2016VIEIRA, Rafael B. Walter Benjamin: O direito, a política e a ascensão e colapso da República de Weimar (1918/9-1933). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2016.), é profundamente vinculada ao questionamento radical do regime de historicidade que está no cerne da modernidade capitalista. A crítica proposta pelo autor recorrentemente vai além de uma comparação formal entre normas e casos (SAFATLE, 2008SAFATLE, Vladimir. Cinismo e Falência da Crítica. São Paulo: Boitempo, 2008., p.26), que por mais que possa ser importante em momentos situados e contextos específicos, é insuficiente para o questionamento das desigualdades estruturais (de gênero, de raça, de classe...) que atravessam a sociedade burguesa em sua configuração atual e o próprio direito enquanto forma de regulação histórica.

II

Três ensaios presentes neste dossiê - um deles, de Werner Hamacher, na seção de tradução - procuram discutir com maiores detalhes o ensaio de Benjamin “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, escrito provavelmente entre o final de 1920 e o início de 1921. Este é o mais conhecido e comentado de seus escritos quando se enfatiza o direito na obra de Benjamin. De fato, nele o tema aparece explicitamente e é trabalhado com maiores detalhes fazendo referência ao contexto histórico e à influentes correntes do pensamento jurídico de seu tempo (o texto menciona diretamente o jusnaturalismo e o juspositivismo, e indiretamente incide no debate sobre o institucionalismo e o decisionismo). O restante de sua produção sobre o direito não o retoma na mesma extensão, e este tende a aparecer de forma mais indireta ou de passagem, no conjunto de uma obra marcadamente ensaística e fragmentária que dificulta os esforços de apreensão dos termos de Benjamin. A “Crítica da Violência - Crítica do Poder” é de fato um escrito incontornável, mas não inicia e nem encerra as contribuições do autor sobre o direito. Nos últimos anos, diferentes propostas de interpretação têm se dedicado a identificar a recorrência do tema na trajetória do autor. Optamos por reunir 3 leituras que darão ênfase a este ensaio, embora ele seja comentado de forma lateral em outros textos.

Sami Khatib vem construindo há mais de uma década o argumento solidificado no artigo presente neste dossiê, que se insere também nas pesquisas de sua tese de doutorado (KHATIB, 2013__________. ‘Teleologie ohne Endzweck’: Walter Benjamins Ent-stellung des Messianischen. Marburg: Tectum Verlag, 2013.). O texto “Para uma política dos ‘meios puros’: Walter Benjamin e a questão da violência” foi revisto e ampliado especialmente para este número, e trata-se de uma interpretação detalhada e cuidadosa das principais categorias e distinções conceituais propostas por Benjamin em “Crítica da Violência - Crítica do Poder”.

Khatib inicia seu texto abordando uma abordando uma questão importante para a compreensão deste conhecido ensaio de Benjamin. O autor reconstrói os sentidos do termo alemão Gewalt que pode ser traduzido em português simultaneamente para o que conhecemos como violência, poder e força - dentre outras possibilidades abordadas por Khatib no texto. Não se trata de um preciosismo retórico, pois essa amplitude semântica faz parte da própria construção de seu argumento. Benjamin pretende demonstrar como a violência, o poder e a força se arriscam mutuamente no funcionamento concreto e cotidiano do direito. No próprio recurso ao termo há um enfoque que procura problematizar, por exemplo, o conceito de sanção, fundamental às teorias positivistas do direito. Benjamin parece colocar em xeque uma certa legitimidade pressuposta neste conceito, ao identificar na origem e materialização da norma jurídica a violência/poder/força, e o caráter cindido da ordem social dominante na qual incide o direito e o origina. O poder, a violência e a força transbordam permanentemente o direito, o que demonstraria o limite de concepções que acreditam ser possível encerrá-las na ordem jurídica. Benjamin enxerga o direito preso na dialética entre uma violência que o põe e o conserva, sendo necessário ir além destas.

Em seu artigo, Khatib recupera algumas passagens em que são deixadas pistas para a elaboração de uma teoria da ação política em diálogo com o ensaio sobre a “Crítica da Violência - Crítica do Poder”. A crítica de Benjamin procura problematizar o caráter instrumental da violência presente no direito, que a vê com um meio para um determinado fim (justo, no caso do jusnaturalismo, ou legítimo, no caso do juspositivismo). Para o autor, é necessário desenredar a ação humana de uma lógica presa à relação entre meios e fins, onde os fins justificam os meios, e que passado, presente e futuro são orientados por uma concepção de história que toma a linearidade do tempo e o progresso como norma - conceito que Benjamin critica pelo menos desde a conferência de 1915, “A vida dos estudantes”. Seria preciso, portanto, discutir as possibilidades da ação humana que não obedeçam a essa lógica, e as potencialidades de uma medialidade despida de uma finalidade teleológica. Para dar conta deste desafio, Khatib elabora uma hipótese explicativa para as complexas categorias formuladas por Benjamin para pensar este problema (meios puros, violência pura, divina e revolucionária).

III

Judith Butler em seu ensaio “Crítica, Coerção e Vida Sagrada na Crítica da Violência de Walter Benjamin” desenvolve sua interpretação deste conhecido ensaio de Benjamin. O texto foi originalmente publicado em 2006, e foi revisado posteriormente para transformar-se em um dos capítulos de seu livro “Caminhos Divergentes: Judaicidade e crítica do sionismo”, publicado em português pela Editora Boitempo. A tradução deste artigo amplia as possibilidades de cotejamento deste e do capítulo dedicado a Walter Benjamin no livro, permitindo perceber continuidades, aprofundamentos e diferenças entre um e outro. Além disso, o artigo procura interpretar o mais conhecido ensaio sobre o direito de Walter Benjamin.

Desde o início, Butler reconhece as dificuldades do ensaio “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, para trabalhar em torno de suas ambiguidades e questões. Seu interesse principal é pelos problemas do ensaio, a partir de uma leitura detalhada e da reconstrução das múltiplas diferenciações existentes no mesmo. É em torno da distinção e ao mesmo tempo da articulação entre violência instauradora e mantenedora do direito, que Butler procura identificar a dimensão radical da crítica de Benjamin ao direito, e seu vínculo com a defesa do vivente (que se distingue da mera vida reiteradamente produzida no direito e através dele). O artigo adentra no delicado terreno da interpretação do mandamento “Não matarás” mencionado por Benjamin na “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, elaborando a partir disto alguns traços gerais de uma teoria ética sobre a violência. Algumas das perguntas levantadas, inclusive sobre a violência, neste ensaio serão importantes para o desenvolvimento posterior de textos mais recentes (BUTLER, 2015__________. Relatar a si mesmo: Crítica da Violência Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.; BUTLER, 2020).

Butler recorre a Benjamin, e isso se explicita na própria proposta do livro “Caminhos Divergentes”, também para pensar sobre a trajetória de alguns intelectuais judeus do começo do século XX críticos da violência de Estado5 5 Em “Caminhos divergentes”, Butler afirma “Se eu conseguir mostrar que existem recursos judaicos para a crítica da violência de Estado, da subjugação colonial das populações, da expulsão e da despossessão, terei conseguido mostrar que uma crítica da violência de Estado israelense é, pelo menos, possível - e talvez até eticamente obrigatória. Se eu mostrar, além disso, que alguns valores judaicos de coabitação com os não judeus são parte da própria substância ética da judaicidade dispórica, será possível concluir que os compromissos com a igualdade social e a justiça social têm sido parte fundamental das tradições judaicas seculares, socialistas e religiosas” (p.11). Apesar da ênfase em autores e autoras de origem judaica no livro, os problemas teóricos formulados vão além desta tradição cultural específica (p.13). Além destes pontos, Butler ressalta a importância de se questionar a pretensão de monopólio do sionismo sobre a judaicidade. Na abertura de um dos capítulos sobre Benjamin, menciona ainda que: “Talvez mais importante que a ambivalência de Benjamin em relação ao sionismo fosse sua crítica da violência do Estado e suas ideias sobre história e opressão. Neste capítulo e no próximo, tento entender como Benjamin se baseia em fontes judaicas e não judaicas para oferecer (a) uma crítica da violência do direito - o tipo de violência que os Estados cometem precisamente por meio de sua estrutura jurídica - e (b) uma crítica daquelas formas de história progressiva segundo as quais um ideal se realizaria com o passar do tempo - uma perspectiva com implicações críticas claras para o sionismo” (BUTLER, 2017, p.75). A dimensão imediatamente conjuntural é também explicitada na parte final do texto, escrita para o livro (p.97-102). e que viam com desconfiança essa própria forma política, em um tema que ganhará contornos dramáticos com a ofensiva posterior do Estado de Israel sobre a Palestina. Uma parcela dessa intelectualidade judaica radical, da qual Benjamin faz parte6 6 Sobre expressões relevantes do pensamento judaico libertário do começo do século XX e a particularidade de Benjamin nessa constituição, ver o excelente e didático ensaio de Löwy “Messianismo Judeu e Utopias libertárias na Europa Central” em (LÖWY, 2008, p. 131-188). , ou recusa a criação de um Estado com apenas uma nacionalidade ou rejeita explicitamente a forma-Estado. Seu argumento era político, em geral influenciado pelo pensamento libertário comunista, socialista ou anarquista, mas também baseado em uma interpretação das fontes e correntes da história judaica7 7 No caso de Benjamin, a partir de suas conversas com Scholem desde os anos 10, o autor toma contato com as correntes da mística judaica desenvolvidas após a expulsão dos judeus da Espanha, durante o processo de formação do Estado moderno, principalmente o lurianismo e o sabatianismo. Segundo Scholem, a crítica judaica à lei e ao Estado é radicalizada no sabatianismo, que para o autor tem componentes que o aproxima de um certo “anarquismo religioso” (SCHOLEM, 2008b, p.343). .

IV

Os textos a seguir trabalham com a “Crítica da Violência - Crítica do Poder” conectada a outros textos em que o vínculo com o direito é em geral menos óbvio ou menos explorado. Jeanne Marie Gagnebin procura identificar em seu artigo a influência de alguns conceitos benjaminianos na “Dialética do Esclarecimento” de Theodor Adorno e Max Horkheimer, que se insere nas reflexões em torno do Instituto de Pesquisa Social (do qual Benjamin foi bolsista nos anos 30 e em torno do qual se gesta um movimento intelectual posteriormente conhecido como Escola de Frankfurt). Não somente uma articulação incomum entre referências judaicas e marxistas, tal como expressa nas teses “Sobre o Conceito de História”, marca este livro. Segundo a autora, a hipótese de Adorno e Horkheimer sobre a presença do mito na modernidade sob a forma de um modelo de racionalidade instrumental e fetichista8 8 Referindo-se ao positivismo (algumas delas poderiam ser estendidas também ao positivismo jurídico) enquanto ápice da racionalidade instrumental, os autores afirmam que: “Na redução do pensamento a uma aparelhagem matemática está implícita a ratificação do mundo como sua própria medida. O que aparece como triunfo da racionalidade objetiva, a submissão de todo ente ao formalismo lógico, tem por preço a subordinação obediente da razão ao imediatamente dado. Compreender o dado enquanto tal, descobrir nos dados não apenas suas relações espaço-temporais abstratas, com as quais se possa então agarrá-las, mas ao contrário pensá-las como a superfície, como aspectos mediatizados do conceito, que só se realizam no desdobramento de seu sentido social, histórico, humano - toda a pretensão do conhecimento é abandonada. Ela não consiste no mero perceber, classificar e calcular, mas precisamente na negação determinante de cada dado imediato. Ora, ao invés disso, o formalismo matemático, cujo instrumento é o número, a figura mais abstrata do imediato, mantém o pensamento firmemente preso à mera imediatidade. O factual tem a última palavra, o conhecimento restringe-se à sua repetição, o pensamento transforma-se em mera tautologia. Quanto mais a maquinaria do pensamento subjuga o que existe, tanto mais cegamente ela se contenta com essa reprodução. Desse modo, o esclarecimento regride à mitologia da qual jamais soube escapar. [...] No mundo esclarecido a mitologia invadiu a esfera profana. [...] Sob o título dos fatos brutos, a injustiça social da qual esse provêm é sacramentada hoje como algo eternamente atingível e isso com a mesma segurança com que o curandeiro se fazia sacrossanto sob a proteção de seus deuses. [...] Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 34, 35 e 38). , presente no primeiro capítulo e ao longo da Dialética, remete às reflexões sobre mito e história em alguns textos da juventude de Walter Benjamin.

Para discutir isso, são reconstruídos um conjunto de textos de Walter Benjamin escritos entre 1916 e 1922 onde as relações entre mito, direito e história são objeto de discussão. Em escritos como “Destino e Caráter”, “Crítica da Violência - Crítica do Poder” e “As afinidades eletivas de Goethe” Jeanne Marie Gagnebin destaca como a permanência das forças destrutivas do mítico terminam por mutilar os desejos de emancipação, felicidade e liberdade históricas. A existência torna-se sinônimo de uma vida culpada e culpável9 9 A problematização do conceito jurídico-religioso-moral de culpa é um tema recorrente nestes ensaios de Benjamin. É importante sinalizar que o termo alemão Schuld pode ser traduzido para o português tanto como culpa quanto como dívida. Benjamin inspira-se em Nietzsche para jogar com essa ambivalência semântica (NIETZSCHE, 2009), e isso aparece nitidamente no fragmento “O capitalismo como religião”. sob essas condições, ativando as engrenagens do direito e da culpabilização generalizada e pressuposta que transforma a vida em “mera vida” (categoria que a autora procura diferenciar do que Giorgio Agamben entende por “vida nua”).

No parágrafo final, é realizado um deslocamento brusco em relação aos textos de 1916-22 para remeter o leitor aos textos de Walter Benjamin sobre Kafka. Por que esse deslocamento aparentemente brusco é promovido? Em uma primeira camada de significados ela poderia indicar a retomada de certos temas do “jovem” Benjamin em seus escritos tardios. Em uma segunda camada, esse deslocamento termina por apresentar a crítica da violência/força/poder como um assunto central na leitura proposta por Benjamin do universo kafkiano, no qual o direito e o exercício do poder são imbricados e indissociáveis. Em traços que lembram a caracterização de Kafka feita por Benjamin, que identifica no escritor tcheco a capacidade de condensar reflexões complexas que são deixadas de passagem na narrativa para lembrar o que é geralmente esquecido pela tradição (BENJAMIN, 1994__________. Mágia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas Vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1994., p.156; GS II, p. 429), a autora anuncia como uma singela “última observação” um comentário denso e instigante. Discutindo os personagens destituídos de poder como um dos momentos em que se expressa uma frágil esperança na obra de Kafka, formula uma imagem impactante, ao estilo de Benjamin, que associa referências materialistas - a categoria “reino da liberdade” parece remeter ao terceiro livro de “O Capital” (MARX, 2017MARX, Karl. O capital: Crítica da Economia Política. Livro III. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 882-883) - com a “reconciliação messiânica com as forças da natureza”, tal como presentes nas Teses. Ao relacionar o “reino da liberdade” a uma hipótese de leitura antijurídica do pensamento de Benjamin, nitidamente explicitada no último parágrafo, a autora se situa na contramão de algumas leituras relativamente influentes do autor que procuram propor alguma forma de reconstrução do campo do direito que dialogam com a crítica promovida no ensaio de 1921 e em outros escritos (DERRIDA, 2007DERRIDA, Jacques. Força de Lei: O fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007 [publicação original: 1990]. [1990]; MENKE, 2019MENKE, Christoph. Direito e Violência: Estudos Críticos. São Paulo: Saraiva, 2019 [publicação original: 2012]. [2012]; FISCHER-LESCANO, 2017FISCHER-LESCANO, Andreas. Força de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017 [publicação original 2013]. [2013]).

V

O texto de Maria Izabel Varella dialoga proximamente com o de Jeanne Marie Gagnebin, dando ênfase às relações entre mito e direito nos escritos de Walter Benjamin de 1916 até 1922. Varella destaca nesse movimento, junto a Gagnebin e Cláudia Castro (2011CASTRO, Cláudia. A alquimia da crítica: Benjamin e As afinidades eletivas de Goethe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.), o longo e complexo ensaio escrito por Benjamin em 1922 sobre as “Afinidades Eletivas”, de Goethe. Benjamin identifica no romance de Goethe a incapacidade dos personagens de afirmarem seu amor para além das convenções sociais e jurídicas, e com isso vêem “os poderes míticos da lei” (BENJAMIN, 2009__________. Ensaios reunidos: Escritos sobre Goethe. São Paulo: Editora 34, 2009., p.21; GS I, p. 130) incidirem sobre suas relações condenando-as ao naufrágio - e “tão somente no naufrágio ele se torna um relacionamento jurídico”. O mito aparece como um fundo de violência, como diz Gagnebin lembrada por Varella, e de submissão a um destino “natural” que impede construções humanas mais autênticas, o agir ético e a afirmação do próprio desejo dos personagens. A submissão ao destino aproxima a vida humana a uma vida natural (vista como natureza), e esta passa a prevalecer sobre a história, por isso Benjamin retoma o conceito de destino, em torno do qual gira o ensaio “Destino e Caráter”. O destino não afeta a vida das plantas (BENJAMIN, 2009, p.31; GS I, p. 138), mas a vida submetida às forças do destino termina por tornar-se uma vida natural, que é sinônimo também de uma vida culpada. Varella recupera este ensaio para discutir o nexo pelo qual o direito torna a vida culpada, reduzindo-a à mera vida e à vida natural.

Só que além de expandir a hipótese de Gagnebin, seu texto adota um caminho diferente na parte final. Isto porque se Jeanne Marie enfatiza a ressonância da crítica de Benjamin ao mito e ao direito nos escritos sobre Kafka, Maria Izabel Varella irá identificar como isso está presente no conhecido ensaio sobre o “Narrador”. Um tema subjacente ao ensaio de Varella é a forma pela qual a pretensão de estabilização/transformação controlada presentes no direito moderno se atrelam ao processo de esvaziamento da experiência identificado por Benjamin. A garantia/reprodução das relações sociais (também raciais e de gênero) presentes na norma jurídica submetem a historicidade moderna ao triunfo da vivência (Erlebnis) do indivíduo preso aos limites estreitos da sociabilidade burguesa em detrimento de qualquer experiência (Erfahrung) coletiva que sobreviviam na figura do narrador tal com Leskov e Benjamin o entendiam. O declínio da experiência diagnosticado por Benjamin está intimamente associado à hegemonia do tempo vazio e homogêneo que será criticado nas teses “Sobre o Conceito de História”.

VI

O texto de Enzo Traverso “’Relações Perigosas’: Walter Benjamin e Carl Schmitt no crepúsculo de Weimar” presente neste dossiê é um trecho do livro “A ferro e fogo: A guerra civil europeia (1914-1945)” (TRAVERSO, 2007TRAVERSO, Enzo. A ferro e fuoco: La Guerra civile europea 1914-1945. Bolonha: Il Mulino, 2007.), ainda inédito em português. O debate entre o crítico berlinense e o jurista renano sobre a teoria da soberania e do estado de exceção remete a uma confrontação intelectual sobre os fundamentos do direito, e é objeto de diferentes estudos desde fins dos anos 80, amplificado nos anos 90 e que se expande nos anos 200010 10 Em tom apenas exemplificativo, é possível consultar: TAUBES, 1987, p.18-30; WEBER, 1992, p.5-18; AGAMBEN, 2002, p. 71-75 [1995]; HEIL, 1996; BREDEKAMP, 1999; DYMETMAN, 2002; AGAMBEN, 2004, p. 81-98 [2003]; MULLER, 2003; LÖWY, 2005, p. 83-86; SELIGMANN-SILVA, 2007 [2005]; DE WILDE 2006. Para algumas aproximações, verificar ainda: DERRIDA, 2007 [1990]; AGAMBEN, 2007 [1992], p. 261-281; BERCOVICI, 2008, p. 343-344. . No direito, as produções no Brasil sobre as disputas intelectuais na República de Weimar costumam ser hegemonizadas pela contraposição entre o liberalismo de Kelsen e o conservadorismo (posteriormente fascista) schmittiano, apesar dos recentes esforços de deslocar olhares para autores importantes que também se confrontaram com Schmitt como Hermann Heller (BERCOVICI, 2004BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente - Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.), Franz Neumann (RODRIGO-RODRIGUEZ, 2006RODRIGUEZ, José Rodrigo. O direito liberal para além de si mesmo: Franz Neumann, o Direito e a Teoria Crítica. Tese (Doutorado). Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Campinas, 2006. 189 f.; SILVA, 2019SILVA, Marcus Vinícius Giraldes. A teoria do não-direito e considerações sobre a ordem legal da ditadura militar brasileira. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2019. 314p., p. 72-133) e outros. É sobretudo com a influente interpretação de Giorgio Agamben sobre a “luta de gigantes acerca de um vazio” (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004 [publicação original em 2003]., p. 81-98) que é atribuída maior relevância no Brasil às percepções de Benjamin sobre a crise e o colapso de Weimar11 11 É importante notar que no fim dos anos 90 Anne Dymetman defendeu uma tese de doutorado orientada por Francisco de Oliveira na USP sobre a República de Weimar que perpassou pela disputa entre Benjamin e Schmitt (DYMETMAN, 2002). Essa tese, posteriormente transformada em livro em 2002, apesar de sua relevância, acabou não tendo o mesmo impacto que o livro de Agamben. .

O texto de Traverso é importante por contextualizar o debate entre Walter Benjamin e Carl Schmitt na história intelectual do período e dos dilemas postos por aquela conjuntura específica. Muitas vezes este debate é lido sob o registro de uma espécie de “escândalo intelectual”, que termina por dificultar a apreensão de seu teor. Para além disso, não são incomuns as leituras que terminam por elaborar enunciados gerais e abstratos para aproximar ambos os autores (ao perceber em ambos a crítica ao liberalismo, o estudo de fenômenos extremos ou a atração pela teoria da soberania), terminando por secundarizar que estes temas são construídos a partir de pressupostos, fundamentações e caminhos radicalmente diferentes. É nesse sentido que a contribuição de Traverso é essencial, ao ler esse debate em seus termos, sob o prisma do antagonismo político e intelectual, historizando-o no período do entreguerras europeu onde se situa. Traverso argumenta que não somente compreensões distintas sobre o direito marcam esse debate, mas que a percepção de ambos sobre o “estado de exceção” incorpora também um debate antagônico sobre revolução e contrarrevolução. No Brasil, uma diferenciação mais detalhada entre os autores também tinha sido objeto de um ensaio cuidadoso de Márcio Seligmann-Silva, que se afasta de determinadas aproximações exageradas para enfatizar que a leitura recíproca que vale como inspiração é tomada por um distanciamento crítico pelo qual os interlocutores procuram inverter o teorema do outro (SELIGMANN-SILVA, 2007SELIGMANN-SILVA, Márcio. Walter Benjamin: O estado de exceção entre o político e o estético. In: Leituras de Walter Benjamin (Org. Márcio Seligmann-Silva) . São Paulo: FAPESP/ Annablume, 2007 [publicação original do ensaio: 2005]., p.228-229).

VII

Alexis Álvarez procura em seu artigo mapear pontos de contato entre a realidade latino-americana, e a trajetória e obra de Walter Benjamin. Essa reconstrução é articulada a partir das técnicas de montagem com as quais o próprio Benjamin trabalhou em alguns momentos de sua obra em diálogo com as vanguardas artísticas de seu tempo (entre elas, o dadaísmo), para fazer emergir daí as perguntas sobre a colonização. Nesse sentido, o artigo de Álvarez se insere nas propostas de leitura12 12 Ver, entre outras: (BOLLE, 2009, p. 216-245; KRANIAUSKAS, 1997, p.149-164; LÖWY, 2013, p.265-277). Stuart Hall, um dos teóricos de referência dos chamados estudos pós-coloniais, identifica na leitura de Benjamin uma das fontes importantes de seus primeiros escritos, marcados pela tentativa de articular as reflexões sobre cultura e classe social (HALL, 2003, p. 428). Günter Pressler também chama a atenção para a influência de Benjamin em alguns autores e algumas autoras que discutem a colonialidade e seus efeitos (PRESSLER, 2005, p.61, nota 8). que mobilizam os escritos do autor berlinense para ler criticamente os processos de colonização.

Álvarez identifica contribuições possíveis do autor para pensar uma epistemologia dos massacrados pela colonização latino-americana, na contramão do historicismo tende a exaltá-la ou silenciar sobre as violências históricas contidas no processo, dentre elas as cometidas contra os povos originários e os seres humanos trazidos do continente africano para serem escravizados nas Américas. Ao mesmo tempo, são levantados dilemas que a teorização de Benjamin sobre a história coloca, ao perguntar sobre como se daria a transmissão da experiência colonial. Com isso, procura abordar a importância e os limites de Benjamin para lidar com os efeitos objetivos e subjetivos do processo de colonização. Ao mesmo tempo introduz, a partir de Spivak (SPIVAK, 2010SPIVAK, Gayatri C. Pode o Subalterno falar? Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.), uma questão teórica externa à obra de Benjamin para analisá-la.

O artigo ainda procura enfrentar o impacto destas questões nas reflexões de Walter Benjamin sobre a justiça, subjacente nas Teses e no ensaio sobre o Narrador. Em alguns momentos de sua obra as elaborações sobre a justiça são feitas a partir de sua distinção em relação ao direito. Seus primeiros esboços datam do fragmento sobre a categoria de justiça preservado nos diários de Scholem (SCHOLEM, 1995__________. Tagebücher 1913-1917. Frankfurt: Jüdischer Verlag, 1995., p.401-402), elaborado durante sua estadia em Munique quando, nas palavras de Álvarez, “terá uma primeira aproximação com a cultura mesoamericana”. A distinção entre direito e justiça reaparecerá em textos importantes como “Destino e Caráter”, “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, nos ensaios sobre Karl Kraus (GS II, p. 334-367) e Franz Kafka (principalmente BENJAMIN, 1994__________. Mágia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas Vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1994., p.163-164; GS II, p. 436-438), e em algumas cartas, gerando interpretações opostas entre seus comentadores, onde será enfatizada ou uma contraposição radical (GAGNEBIN, 2020; 2020b, no prelo; AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004 [publicação original em 2003]., p. 98) ou uma diferenciação que origina a possibilidade de uma relação (DERRIDA, 2007DERRIDA, Jacques. Força de Lei: O fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007 [publicação original: 1990]., p. 43-58). Em seu artigo, Álvarez traz as considerações de Benjamin sobre a justiça para o cerne da discussão sobre a experiência colonial.

VIII

Em “Benjamin como comentador”, Cornelia Vismann (1961-2010) procura discutir a especificidade do comentário como forma na obra de Walter Benjamin. Após a rejeição de sua tese de livre docência sobre o drama barroco alemão em 1925, Benjamin abandona as perspectivas de inserção nas universidades alemãs e radicaliza a dimensão crítica e ensaísta de seus escritos (GAGNEBIN, 2018GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: Os cacos da história. São Paulo: N-1 edições, 2018., p. 47). Seu diálogo com o movimento comunista se intensifica, assim como com as vanguardas artísticas de seu tempo - como o surrealismo e o dadaísmo. O autor intensifica sua rejeição à sistemática acadêmica alemã tradicional, e seus escritos passam a adquirir a forma fragmentária ou aforística, recorrendo frequentemente às montagens e imagens de pensamento voltadas a chamar o leitor ao concreto, enfatizando aspectos em geral poucos realçados da realidade. Sua veia ensaística é intensificada e a dimensão política de seus escritos passa a ser cada vez mais explícita. Segundo Willi Bolle, é a partir da segunda metade dos anos 1920 que a atividade de Benjamin como um crítico militante se sobressai (BOLLE, 1984__________. Tableaux Berlinois (Walter Benjamin e a cultura da República de Weimar). Tese (Livre-Docência). Departamento de Letras da FFLCH/USP. São Paulo, 1984.; 1986, p. 10).

Para Benjamin, não basta combater a burguesia servindo-se acriticamente dos meios de expressão convencionais. É preciso subverter e superar suas formas. As formas não são terrenos neutros dos quais podemos nos servir livremente apenas imprimindo a elas um conteúdo revolucionário. A própria forma é também conteúdo, e esta dialética é um dos objetos privilegiados de reflexão da obra tardia de Benjamin. Essa proposta estética e política de Benjamin, que é mais nítida em seus escritos sobre a arte, é trazida para discutir o direito por Cornelia Vismann.

No texto “Benjamin como comentador”, a autora ressalta a preocupação de Benjamin com o gênero do comentário e sua relação com a crítica. Vismann nos recorda que o comentário como gênero não se desenvolveu dentro da literatura, mas dentro do âmbito do direito. Seu primeiro exemplar seria o Digesto de Justiniano, e na atualidade os comentários oficiais acerca das leis mais importantes seguem tendo um papel importante no sistema jurídico alemão. A autora ressalta que a única regra que define o gênero do comentário é que se espera dele que se limite a explicar com outras palavras o conteúdo do texto sobre o qual se comenta. Se bem que sob o disfarce do comentário o conteúdo das leis tem sido renovado, se mantém sempre o texto original como referência autorizada. É assim que a única regra que o comentário tem que obedecer para se qualificar como comentário inscreve em sua forma um modo autorizado. A forma do comentário é oposta à crítica. Vismann assinala que mesmo as tentativas de criar comentários alternativos repetem esta lógica, já que por mais que alterem o conteúdo do comentário seguem constituindo o texto comentado como de referência.

Para Vismann, a pergunta que Benjamin se faz em vários âmbitos de seus escritos é: como é possível a crítica na forma do comentário? Ela sugere dois modos empregados por Benjamin em seus comentários voltados a subverter a lógica autorizada do comentário: Benjamin elege textos para comentar que não pertencem ao cânone de “textos dignos de serem comentados”, ou comenta sobre aspectos de textos clássicos geralmente considerados como marginais. Benjamin vai além, e ao procurar dialeticamente interromper a lógica funcional do comentário, volta-o contra a autoridade para esvaziá-la, inaugurando a possibilidade da crítica como comentário. Essa crítica volta-se não somente para o conteúdo da lei ou do texto comentado, mas à forma da linguagem jurídica tradicional: ele põe em questão sua linguagem, seus rituais, sua retórica, suas imagens e as forças/violências/poderes que atuam sob estas formas. As reflexões de Vismann sobre Benjamin como comentador, e a relevância de sua prática literária para o comentário jurídico agregam um aspecto importante para a contribuição de Benjamin aos estudos críticos do direito para além da “Crítica da Violência - Crítica do Poder”.

IX

São frequentes os estudos voltados a identificar o impacto das reflexões de Benjamin para se pensar as cidades no capitalismo avançado. O autor acompanha as transformações da Paris do Segundo Império (1852-1871) a partir da poesia de Baudelaire, e no trabalho mais amplo sobre as “Passagens” recolhe uma monumental coleção de rastros e fragmentos de forma a apresentar uma imagem instigante da “capital do século XIX”. Nas propostas de elaborar uma fisionomia da metrópole moderna, como lembra Willi Bolle (1994BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole Moderna: Representação da história em Walter Benjamin. São Paulo: EdUSP, 1994.), Berlim e Moscou também foram objetos centrais de suas preocupações, assim como o cotidiano retratado de outras cidades em “Imagens de Pensamento”, “Rua de Mão Única” ou mesmo em suas cartas.

GabrielaAzevedo, em livro publicado em 2019AZEVEDO, Gabriela. Cidade e Política: Reforma urbana e exceção no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2019., procurou recorrer a determinadas categorias de Benjamin formuladas nas análises sobre a Reforma feita por Haussmann na Paris do Segundo Império para entender a Reforma Urbana vivida na cidade do Rio de Janeiro entre 2009 e 2014, seus escombros e suas barricadas, às vésperas dos assim chamados “grandes eventos” (AZEVEDO, 2019AZEVEDO, Gabriela. Cidade e Política: Reforma urbana e exceção no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2019.). No texto presente neste dossiê, levanta uma hipótese ousada ao discutir a possibilidade de um método para se pensar as cidades a partir das obras do autor. Se, como Benjamin lembra no prefácio à “Origem do Drama Barroco Alemão”, “método é caminho indireto, é desvio [Umweg]” (BENJAMIN, 1984__________. Origem do drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984. Tradução: Sergio Paulo Rouanet., p. 50; GS I, p. 208), como pensá-lo junto aos rastros, ruínas e farrapos deixados nas cidades e encobertos por uma historiografia dominante cúmplice da barbárie? A autora procura trabalhar com estas questões, assim como mobilizar algumas categorias de Benjamin em suas potencialidades e limites para refletir sobre a realidade periférica brasileira e mais particularmente do Rio de Janeiro, indagando sobre a existência ou não de um flâneur na cidade.

Embora a discussão sobre o chamado direito à cidade pareça hoje consolidada, essa institucionalização por vezes se dá a partir do afastamento do sentido atribuído ao termo pela abordagem original de Lefebvre (LEFEBVRE, 2009LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2009.). Recuperando Benjamin, Azevedo termina por reposicionar os termos do debate clássico e contemporâneo, indicando a complexidade e precariedade sobre a qual as relações entre direito e experiência na cidade são construídas.

X

Michael Löwy é uma referência fundamental na hipótese de leitura do pensamento de Benjamin como caracterizado por uma articulação singular de três fontes principais: o romantismo, o marxismo e o messianismo judaico (LÖWY, 2005__________. Franz Kafka, sonhador insubmisso. Tradução de Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005., p. 9-32; 2013, p.7-19). O texto presente neste dossiê avança nesta hipótese, dando ênfase ao escrito mais conhecido de Benjamin, as teses “Sobre o conceito de história”. Em outros momentos de sua trajetória, Löwy fez comentários breves, mas instigantes, sobre os textos de Benjamin que abordam diretamente o direito no começo dos anos 20 (LÖWY, 2008, p. 166-168 ; LÖWY, 2016), assim como de seu embate com Carl Schmitt presente nas teses (LÖWY, 2005, p. 83-86). É possível que os impactos mais profundos das reflexões de Benjamin sobre o direito estejam em seu livro “Franz Kafka, sonhador insubmisso”, traduzido para o português por Gabriel Cohn (2005b) e bastante marcado pela proposta de leitura da obra do escritor tcheco feita pelo crítico alemão.

A presença de seu ensaio neste dossiê tem como objetivo instigar duas discussões importantes. A primeira delas, diz respeito às potencialidades abertas de articulação entre a filosofia da história de Benjamin, objeto de Löwy no ensaio, e a crítica do direito. A filosofia da história de Benjamin, e a concepção de tempo a ela subjacente que enfatiza a ruptura, a interrupção e o átimo, auxiliam a pôr em questão as orientações de regularidade, reprodutibilidade, constância e estabilização - solidificados no conceito de segurança jurídica - típicas do direito moderno. A crítica ao progresso, um dos objetos centrais de Benjamin nas teses comentadas por Löwy, já estão presentes no ensaio de 1921 a que nos referimos anteriormente, ao problematizar a relação entre meios e fins presente nas teorias hegemônicas do direito e na própria estrutura formal da norma jurídica. A articulação entre a filosofia da história de Benjamin e a crítica ao direito é feita em alguns escritos (BARBOSA, 2007; VIEIRA, 2012__________. Exceção, Violência e Direito: Notas sobre a crítica ao direito a partir de Giorgio Agamben. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2012., cap.1), e o texto de Löwy pode contribuir para a potencialização desta discussão.

A segunda dessas discussões diz respeito à retomada contemporânea dos escritos de Benjamin sobre o fascismo, objeto da parte final do ensaio de Löwy. Estes escritos vem sendo discutidos por alguns intérpretes (KHATIB, 2018KHATIB, Sami. “Society and Violence”. In: The Sage Handbook of Frankfurt School Critical Theory (Org. Werner Bonefeld et al.). Newbury Park: Sage, 2018, p.607-624., p.621-623; REBUÁ, 2019REBUÁ, Eduardo. Benjamin Insólito. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2019., p. 109-142; LÖWY, 2019__________. A revolução é o freio de emergência: Ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Autonomia Literária, 2019., p. 109-123), e podem oferecer importantes pistas para se compreender a ascensão contemporânea da extrema-direita e do neo-fascismo no Brasil e em outros espaços do mundo. Segundo Löwy, Benjamin identifica os aspectos do fascismo relacionados aos processos de modernização e sua particularidade na materialização da acumulação capitalista. Benjamin contrapunha-se, desta forma, ao que chamava de marxismo vulgar, que enfatizava uma dimensão pretensamente pré-moderna ou efêmera do fenômeno. Em textos de teor mais conjuntural, o autor tem se dedicado a analisar as formas de expressão contemporâneas do neofascismo (LÖWY, 2015, p.652-664; 2020), enquanto o trecho final do ensaio presente neste dossiê dedica-se a uma teorização sobre a filosofia da história do fascismo a partir das críticas de Benjamin presente nas teses.

XI

O dossiê é concluído com três textos na seção de tradução. O primeiro é o fragmento 76 de Walter Benjamin, “O direito de usar a violência/poder/força”, um texto incompleto e aparentemente uma resenha crítica do texto homônimo do jurista alemão Herbert Vorwerk. Conforme mencionado nos comentários da tradutora Juliana Lugão, o texto é escrito em um contexto específico: a tentativa de um golpe de extrema-direita em 1920, que passa para a história como o putsch [golpe] de Kapp, respondido por uma insurreição operária e uma greve geral que teve a adesão de mais de 12 milhões de trabalhadores/as, a maior greve geral até então vista na Alemanha (LOUREIRO, 2005LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã, 1918-1923. São Paulo: UNESP, 2005., p. 117), que derrota o movimento golpista. Vorwerk escreve um artigo sobre o contexto em que procura, a partir do ângulo do positivismo jurídico, discutir a legalidade do recurso à violência. Se ambos tem acordo na oposição ao putsch de Kapp, o fazem de maneiras muito diferentes. Subjaz ao texto de Benjamin o questionamento de Vorwerk por ter dado ênfase à legalidade em geral e desconsiderado de seu campo de visão a especificidade e complexidade do movimento grevista (FENVES, 2011FENVES, Peter. The messianic reduction: Walter Benjamin and the shape of time. California: Stanford University Press, 2011., p. 217) que foi quem de fato derrotou as forças de extrema-direita. Benjamin procura problematizar com isso algumas teses do jurista alemão, dialogando em termos filosóficos com alguns dilemas da greve operária no período, um dos temas que constituirão o chão histórico do ensaio “Crítica da Violência - Crítica do Poder”.

O texto, que não havia sido traduzido anteriormente para o português, tem um papel importante nas reflexões de Benjamin em torno do direito. Geralmente é considerado por comentadores um material preparatório para o ensaio Crítica da Violência - Crítica do Poder”, o que é correto, uma vez que contém algumas das linhas gerais do texto efetivamente publicado em 1921. Entretanto, também é dotado de especificidades conceituais, em temas que não reaparecerão nos mesmos termos em ”Crítica da Violência - Crítica do Poder”, como por exemplo a reflexão sobre a luta pela existência [Kampf ums Dasein] (Benjamin parece ter em mente contextualmente a luta do movimento operário) transbordarem e irem além da luta pelo direito [Kampf ums Recht13 13 Uma referência possível ao conhecido livro homônimo de Ihering. ] e do próprio Estado de Direito [Rechtstaat].

É um fragmento que explicita sua aproximação durante esse período com o anarquismo (cf também GS VI, p. 98-100), feita também através das leituras de intelectuais como Gustav Landauer e Georges Sorel e das conversas com seu amigo Gershom Scholem. Em 1924, a partir de uma conjunção complexa de fatores (VIEIRA, 2016VIEIRA, Rafael B. Walter Benjamin: O direito, a política e a ascensão e colapso da República de Weimar (1918/9-1933). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2016., p. 132-138), Walter Benjamin engaja-se no marxismo. Esse engajamento, entretanto, não faz com que abandone as referências da teologia judaica - e do antinomismo judaico - e seu diálogo com o anarquismo (LÖWY, 2008__________. Romantismo e messianismo. São Paulo: Perspectiva, 2008., p.169; 2016; 2019, p. 65-76).

XII

A resenha de Walter Benjamin do livro de Marcel Brion “Bartolomé de las Casas. ‘Padre de los índios’” foi traduzida por Alexis Álvarez e por Hannah Franzki como anexo ao artigo de Álvarez, que coloca esta resenha em perspectiva, articulando-a com outros momentos de sua obra. Este texto foi publicado em português em uma coletânea dos escritos de Benjamin selecionada por Michael Löwy para a Editora Boitempo (BENJAMIN, 2013__________. Walter Benjamin, crítico da civilização. In: BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo, 2013, p.7-19., p. 171-172; GS III, p. 180-181), e aparece agora em acesso aberto, voltada também para os leitores e leitoras da revista que compreendem espanhol.

O texto se inicia com uma denúncia do processo de colonização: “A história colonial dos povos europeus começa com o escandaloso processo da Conquista, que converte o mundo recém-conquistado em uma câmara de torturas”. Benjamin continua: “A colisão da soldadesca espanhola com os vastos tesouros de ouro e prata da América criou um espírito de época que ninguém pode trazer ao presente sem horror”. Uma das características formais da obra tardia de Benjamin, um filósofo de formação que transita pela teoria da arte e que é profundamente marcado pelo movimento surrealista (LÖWY, 2006__________. La estrella de la mañana: Surrealismo y marxismo. Buenos Aires: El cielo por assalto, 2006. [Tradução: LÖWY, Michael. Estrela da Manhã: Surrealismo e Marxismo. São Paulo: Boitempo, 2018]., p.41-56), é um certo tipo de escrita imagética14 14 Benjamin identifica essa característica também na obra de Kafka (GS II, p.677-678), e elaborou sobre as chamadas imagens de pensamento (BENJAMIN, 1987, p. 135 e ss; GS IV, p. 305 e ss) e no curso de sua obra tardia sobre as imagens dialéticas (BENJAMIN, 2018, v.2, p.766-780 e p.788) em diálogo com o surrealismo em seus esforços de renovação do materialismo histórico. . O autor procura retirar o leitor de sua zona de conforto a partir da formulação na escrita de imagens impactantes, que chamam o leitor ao texto, mas que também o levam a indagar sobre o seu contexto. Estas imagens com frequência nos questionam sobre o passado presente no presente, na urgência do tempo-agora [Jetztzeit] de que fala nas teses. O autor parece realizar/construir um movimento argumentativo singular nas duas primeiras frases. Na primeira o autor formula uma imagem impactante que desloca o leitor para o “novo” mundo latino-americano transformado “em uma câmara de torturas”. Na segunda, questiona o leitor sobre como olhar para essa imagem sem horror - uma imagem capaz de sintetizar muitos eventos da colonização, e que provavelmente produziu em Kafka um horror semelhante que o levaria a escrever “Na colônia penal”15 15 Modesto Carone escreve que “seu tema submerso é provavelmente a sequela do colonialismo europeu nos trópicos” (CARONE, 2011, p.63). .

As conhecidas teses “Sobre o conceito de história” são escritas em um contexto histórico muito preciso (EILAND & JENNINGS, 2014EILAND, Howard & JENNINGS, Michael. Walter Benjamin: A critical life. Massachusetts: Harvard University Press, 2014., p. 647-663; LÖWY, 2005__________. Franz Kafka, sonhador insubmisso. Tradução de Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005., p.33-40), mas ao mesmo tempo retomam e reúnem rascunhos e anotações que Benjamin havia escrito nos últimos 12 anos, presentes no trabalho sobre as “Passagens” e em outros textos. Uma das mais impactantes destas teses, a sétima, trata da construção da dominação atual também como herdeira da dominação passada, onde “todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão”. Essa dominação se materializa, entre outros objetos e relações, nos chamados bens culturais. O materialista histórico deve observá-los com distanciamento, uma vez que “têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror”. Após isso formula sua conhecida frase segundo a qual nunca houve “um monumento de cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. Para além de uma possível coincidência semântica e retórica, nas interseções entre a dominação do passado e a do presente, uma questão que parece ser legítima poderia ser formulada a partir daí: seria a barbárie colonial na América Latina uma das referências históricas que dão forma às imagens impactantes da tese VII?

A curta resenha que trata do livro sobre Las Casas é um dos momentos em que a América Latina atravessa a obra e a trajetória de Walter Benjamin, e alguns destes momentos são cuidadosamente reconstruídos no artigo de Álvarez presente neste dossiê. Neste e em outros textos de Benjamin é possível identificar uma certa sensibilidade anti-colonial, anti-imperialista e anti-racista, apesar de serem perceptíveis também limites na abordagem destes temas. Mais importante do que comentários esparsos sobre a história latino-americana ou possíveis aproximações biográficas com o continente, o autor levanta questões a respeito de uma urgente e necessária epistemologia dos vencidos que possa estar atenta à barbárie colonial, e que nos remete à importância ainda atual de escrita da (e de ação sobre a) história, a contrapelo.

XIII

O último texto incluido neste dossiê é uma tradução nova, diretamente do alemão para o português pela primeira vez, do texto “Afformativ, Streik” deWerner Hamacher(1949-2017), originalmente publicado em 1994. Uma tradução anterior da versão inglesa do texto foi publicada como um capítulo do livro “A Filosofía de Walter Benjamin: Destruição e Experiência”, esgotado há mais de 20 anos. O texto de Hamacher oferece uma leitura bastante lúcida do ensaio sobre a “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, razão pela qual nos pareceu importante torná-lo nuevamente acessível em português.

O texto é baseado em uma conferência dada por Hamacher em 1990 na Cardozo Law School. Um ano antes, Jacques Derrida (professor de Hamacher durante seus estudos em Paris) havia apresentado sua leitura da “Crítica da Violência - Crítica do Poder” na mesma instituição, um texto que logo foi publicado como “Força de Lei: O fundamento místico da autoridade” (DERRIDA, 2007DERRIDA, Jacques. Força de Lei: O fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007 [publicação original: 1990]. [1990]). É particularmente interesante a interpretação de Hamacher do que Benjamin chama de violencia divina ou destituição [Entsetzung16 16 Optamos aqui por nos referir à tradução de Andreja Bole ao texto de Hamacher, presente neste dossiê. Tomamos como referência também a tradução de Willi Bolle na “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, que traduz Entsetzung por destituição. Entretanto, a tradução por deposição, ou mesmo como suspensão é possível em alguns casos. ] no que é provavelmente a parte mais enigmática do texto. Derrida, na segunda parte de sua fala se apressa em declarar a destituição [Entsetzung] do direito demandada por Benjamin como “inaceitável”, sugerindo que o regime nazista seria uma manifestação histórica da mesma. Hamacher, sem distanciar-se de Derrida explicitamente, propõe uma leitura distinta que entende a destituição do direito como “evento aformativo” que interrompe o circuito das duas formas de violência vinculadas ao direito: a violência que instaura o direito e a que o mantém. Hamacher traduz a análise de Benjamin à linguagem da teoria dos atos de fala, descrevendo a instauração de qualquer ordem jurídico-política como ato performativo. Se qualquer ordem jurídico-política está presa à lógica da instauração e consequentemente entrelaçada com a violência, o sistema jurídico não pode ser nunca o lugar de realização da justiça. Logo após discutir dois dos exemplos mencionados por Benjamin (a greve geral e a linguagem) que podem ser entendidas como manifestações do que seria uma violencia pura (isto é, não direccionada a nenhum fim), Hamacher introduz o conceito de “aformativo”. Contrário aos atos performativos com os quais vem se impondo as ordens jurídico-políticas, o evento aformativo de-põe, destitui, suspende. Atua sem criar. A suspensão do direito mítico, entendido como evento aformativo, não inicia uma ordem nova que supera o ciclo mítico da violencia que instaura o direito e a que o mantém, senão interrompe sem impor algo novo, ainda que seja em um instante e em uma área particular. É assim que a leitura de Hamacher de “Crítica da Violência - Crítica do Poder” ressoa com as teorias políticas pós-fundacionais que definem a política não em termos de uma produção de sociedade, mas as que localizam propriamente o político na suspensão deste processo.

Referências Bibliográficas

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  • 1
    Para aproximações à biografia de Walter Benjamin traduzidas para o português, ver: (SCHOLEM, 2008; WITTE, 2017). Para uma breve introdução à vida do autor, ver (GAGNEBIN 2007, p.205-212; SELIGMANN-SILVA, 2019, p. 7-22). Em outras línguas, conferir: (FULD, 1979; EILAND & JENNINGS, 2014). Como materiais introdutórios à obra de Walter Benjamin disponíveis ao leitor brasileiro, são importantes: (GAGNEBIN, 2018 [1982]; KONDER, 1999 [1989]; LÖWY, 2005).
  • 2
    Em seus estudos sobre a recepção de Benjamin no Brasil, o autor procura indicar também a particularidade da introdução de seus escritos no país. Segundo Pressler, a recepção do ensaio sobre “A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” se deu de forma mais intensa no Brasil (PRESSLER, 2001, p.3), onde foi traduzido em 1968 e já tinha sido objeto de discussões feitas por Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, do que na Europa. (para a recepção na Europa, ver: SCHOTTKER, 2012, p. 90 e ss).
  • 3
    O termo alemão Gewalt é de difícil tradução para o português, podendo remeter ao que conhecemos como violência, poder e força. Isso leva Willi Bolle a traduzi-lo por “Crítica da Violência - Crítica do Poder” (1986), na primeira versão disponível do ensaio em português no Brasil. A amplitude semântica do termo é discutida brevemente no ensaio de Sami Khatib presente neste dossiê. A partir de agora, quando for feita referência ao ensaio de Benjamin no curso deste texto, será mencionado o título da tradução de Bolle. Esta tradução traz a ambiguidade semântica do termo já para o título, e com isso chama a atenção para um importante problema teórico desenvolvido por Benjamin.
  • 4
    As aproximações a esse esforço de sistematização e formulação temática estão acessíveis em geral em alemão. (HAVERKAMP, 1994; NOOR, 2012).
  • 5
    Em “Caminhos divergentes”, Butler afirma “Se eu conseguir mostrar que existem recursos judaicos para a crítica da violência de Estado, da subjugação colonial das populações, da expulsão e da despossessão, terei conseguido mostrar que uma crítica da violência de Estado israelense é, pelo menos, possível - e talvez até eticamente obrigatória. Se eu mostrar, além disso, que alguns valores judaicos de coabitação com os não judeus são parte da própria substância ética da judaicidade dispórica, será possível concluir que os compromissos com a igualdade social e a justiça social têm sido parte fundamental das tradições judaicas seculares, socialistas e religiosas” (p.11). Apesar da ênfase em autores e autoras de origem judaica no livro, os problemas teóricos formulados vão além desta tradição cultural específica (p.13). Além destes pontos, Butler ressalta a importância de se questionar a pretensão de monopólio do sionismo sobre a judaicidade. Na abertura de um dos capítulos sobre Benjamin, menciona ainda que: “Talvez mais importante que a ambivalência de Benjamin em relação ao sionismo fosse sua crítica da violência do Estado e suas ideias sobre história e opressão. Neste capítulo e no próximo, tento entender como Benjamin se baseia em fontes judaicas e não judaicas para oferecer (a) uma crítica da violência do direito - o tipo de violência que os Estados cometem precisamente por meio de sua estrutura jurídica - e (b) uma crítica daquelas formas de história progressiva segundo as quais um ideal se realizaria com o passar do tempo - uma perspectiva com implicações críticas claras para o sionismo” (BUTLER, 2017, p.75). A dimensão imediatamente conjuntural é também explicitada na parte final do texto, escrita para o livro (p.97-102).
  • 6
    Sobre expressões relevantes do pensamento judaico libertário do começo do século XX e a particularidade de Benjamin nessa constituição, ver o excelente e didático ensaio de Löwy “Messianismo Judeu e Utopias libertárias na Europa Central” em (LÖWY, 2008, p. 131-188).
  • 7
    No caso de Benjamin, a partir de suas conversas com Scholem desde os anos 10, o autor toma contato com as correntes da mística judaica desenvolvidas após a expulsão dos judeus da Espanha, durante o processo de formação do Estado moderno, principalmente o lurianismo e o sabatianismo. Segundo Scholem, a crítica judaica à lei e ao Estado é radicalizada no sabatianismo, que para o autor tem componentes que o aproxima de um certo “anarquismo religioso” (SCHOLEM, 2008b, p.343).
  • 8
    Referindo-se ao positivismo (algumas delas poderiam ser estendidas também ao positivismo jurídico) enquanto ápice da racionalidade instrumental, os autores afirmam que: “Na redução do pensamento a uma aparelhagem matemática está implícita a ratificação do mundo como sua própria medida. O que aparece como triunfo da racionalidade objetiva, a submissão de todo ente ao formalismo lógico, tem por preço a subordinação obediente da razão ao imediatamente dado. Compreender o dado enquanto tal, descobrir nos dados não apenas suas relações espaço-temporais abstratas, com as quais se possa então agarrá-las, mas ao contrário pensá-las como a superfície, como aspectos mediatizados do conceito, que só se realizam no desdobramento de seu sentido social, histórico, humano - toda a pretensão do conhecimento é abandonada. Ela não consiste no mero perceber, classificar e calcular, mas precisamente na negação determinante de cada dado imediato. Ora, ao invés disso, o formalismo matemático, cujo instrumento é o número, a figura mais abstrata do imediato, mantém o pensamento firmemente preso à mera imediatidade. O factual tem a última palavra, o conhecimento restringe-se à sua repetição, o pensamento transforma-se em mera tautologia. Quanto mais a maquinaria do pensamento subjuga o que existe, tanto mais cegamente ela se contenta com essa reprodução. Desse modo, o esclarecimento regride à mitologia da qual jamais soube escapar. [...] No mundo esclarecido a mitologia invadiu a esfera profana. [...] Sob o título dos fatos brutos, a injustiça social da qual esse provêm é sacramentada hoje como algo eternamente atingível e isso com a mesma segurança com que o curandeiro se fazia sacrossanto sob a proteção de seus deuses. [...] Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 34, 35 e 38).
  • 9
    A problematização do conceito jurídico-religioso-moral de culpa é um tema recorrente nestes ensaios de Benjamin. É importante sinalizar que o termo alemão Schuld pode ser traduzido para o português tanto como culpa quanto como dívida. Benjamin inspira-se em Nietzsche para jogar com essa ambivalência semântica (NIETZSCHE, 2009), e isso aparece nitidamente no fragmento “O capitalismo como religião”.
  • 10
    Em tom apenas exemplificativo, é possível consultar: TAUBES, 1987, p.18-30; WEBER, 1992, p.5-18; AGAMBEN, 2002, p. 71-75 [1995]; HEIL, 1996; BREDEKAMP, 1999; DYMETMAN, 2002; AGAMBEN, 2004, p. 81-98 [2003]; MULLER, 2003; LÖWY, 2005, p. 83-86; SELIGMANN-SILVA, 2007 [2005]; DE WILDE 2006. Para algumas aproximações, verificar ainda: DERRIDA, 2007 [1990]; AGAMBEN, 2007 [1992], p. 261-281; BERCOVICI, 2008, p. 343-344.
  • 11
    É importante notar que no fim dos anos 90 Anne Dymetman defendeu uma tese de doutorado orientada por Francisco de Oliveira na USP sobre a República de Weimar que perpassou pela disputa entre Benjamin e Schmitt (DYMETMAN, 2002). Essa tese, posteriormente transformada em livro em 2002, apesar de sua relevância, acabou não tendo o mesmo impacto que o livro de Agamben.
  • 12
    Ver, entre outras: (BOLLE, 2009, p. 216-245; KRANIAUSKAS, 1997, p.149-164; LÖWY, 2013, p.265-277). Stuart Hall, um dos teóricos de referência dos chamados estudos pós-coloniais, identifica na leitura de Benjamin uma das fontes importantes de seus primeiros escritos, marcados pela tentativa de articular as reflexões sobre cultura e classe social (HALL, 2003, p. 428). Günter Pressler também chama a atenção para a influência de Benjamin em alguns autores e algumas autoras que discutem a colonialidade e seus efeitos (PRESSLER, 2005, p.61, nota 8).
  • 13
    Uma referência possível ao conhecido livro homônimo de Ihering.
  • 14
    Benjamin identifica essa característica também na obra de Kafka (GS II, p.677-678), e elaborou sobre as chamadas imagens de pensamento (BENJAMIN, 1987, p. 135 e ss; GS IV, p. 305 e ss) e no curso de sua obra tardia sobre as imagens dialéticas (BENJAMIN, 2018, v.2, p.766-780 e p.788) em diálogo com o surrealismo em seus esforços de renovação do materialismo histórico.
  • 15
    Modesto Carone escreve que “seu tema submerso é provavelmente a sequela do colonialismo europeu nos trópicos” (CARONE, 2011, p.63).
  • 16
    Optamos aqui por nos referir à tradução de Andreja Bole ao texto de Hamacher, presente neste dossiê. Tomamos como referência também a tradução de Willi Bolle na “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, que traduz Entsetzung por destituição. Entretanto, a tradução por deposição, ou mesmo como suspensão é possível em alguns casos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2020
  • Aceito
    12 Ago 2020
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