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Andanças da Inquisição no Brasil

Inquisition’s adventures in Brasil

Resumo

Concebido como a segunda parte de uma aula sobre Inquisição moderna (a primeira está publicada em Capítulos de Política Criminal, Rio, 2022, ed. Revan, pp. 71 ss), o texto contém um estudo dos procedimentos da Inquisição portuguesa, particularmente das disputas relacionadas à (in)suficiência da testemunha única e à ignorância em que os acusados eram mantidos acerca da identidade das testemunhas e das circunstâncias de seus depoimentos, ressaltando-se as funções místicas então atribuídas à confissão. Registradas três aculturações que favoreceram o transplante da mentalidade inquisitorial sobre os povos originários e mais tarde sobre as culturas africanas para cá desterradas, o texto se detém sobre as quatro Visitações que o Santo Ofício empreendeu no Brasil. Por fim, confissões e delações produzidas nessas Visitações fornecem a matéria prima para conhecermos nossas blasfêmias e as atividades de nossos feiticeiros, adivinhos e curandeiros, com a observação de que a perseguição a esses últimos sobrevive nos dias de hoje.

Palavras-chave:
Política criminal; Inquisição; Visitações; Blasfêmias; Adivinhos; Curandeiros

Abstract

Conceived as the second part of a class on modern inquisition (the first class has been published in Capítulos de Política Criminal, Rio, 2022, ed. Revan, pp. 71 ss), the text contains a study on the procedures of the Portuguese inquisition, especially of the disputes related to the (in)sufficiency of the sole witness and to how its identity and the circumstances of their testimony were kept from the accused, all the while highlighting the mystic functions attributed to the confession. Acknowledging three acculturations that favored the transplant of the inquisitorial mentality into the native populations and later to the exiled African cultures, the text dwells on the four Visitations to Brazil undertaken by the Holy Office. Finally, confessions and denounces produced during those Visitations provide the raw material to unravel our blasphemies and the activity of our sorcerers, fortune tellers and healers, noting that persecution to the latter survives to this day.

Keywords:
Criminal policy; Inquisition; Visitations; Blasphemies; Fortune tellers; Healers

1. Introdução. Marcos temporais

Ao contrário do que se passou na América latina de fala castelhana, para onde a Inquisição se expandiu criando três tribunais (em Cartagena, Lima e México), não tivemos instalado no Brasil-colônia um tribunal. Tivemos, sim, algumas Visitações entre o final do século XVI e meados do XVIII, sobre as quais nos deteremos mais tarde, e muitas inquirições, desenvolvidas pela justiça episcopal ordinária e remetidas - por vezes, junto com o acusado preso - ao Tribunal de Lisboa, cuja jurisdição alcançava todo o território brasileiro. Não foi por falta de empenho. O primeiro Visitador, Heitor Furtado de Mendonça, propôs que se estabelecesse aqui um tribunal, do qual ele próprio seria membro1 1 Gonsalves de Mello, José Antônio, Gente da Nação, p. 169. . Mais importante, por três vezes, ao longo do século XVII (em 1621, 1639 e 1671) reis de Portugal solicitaram sua instalação2 2 Pieroni, Geraldo, Os Excluídos do Reino, p. 68. . É possível que a significativa presença de cristãos-novos na economia colonial, da gestão de engenhos ao comércio, tenha desaconselhado a medida, que poderia acarretar uma fuga de capitais similar àquela ocorrida na metrópole a partir das conversões forçadas dos judeus e das subsequentes perseguições.

Os Visitadores, se dispunham de plenas atribuições para investigar os delitos submetidos à jurisdição do Santo Ofício, exerciam escassa competência para julgá-los, restrita a blasfemos, bígamos e “outros de culpas menores”, devendo nos casos graves remeter acusado e autos de inquirição a Lisboa3 3 Gonçalves de Mello (p. 169) transcreve o despacho do Conselho Geral que restringiu a competência do Visitador Heitor Furtado de Mendonça. Este historiador, compulsando cerca de cinquenta processos julgados na Visitação, sugeriu a existência de um tribunal em Olinda; mas a concomitância dos julgamentos com a Visitação e a presença do Visitador entre os juízes do “tribunal” não parecem sufragar-lhe a sugestão (cf. Gente da Nação, pp. IX ss e 167 ss). Mesmo em Portugal, quando a visita era realizada pelo próprio Inquisidor em distrito de sua jurisdição territorial, sua competência era restrita aos “casos leves, que não chegarem a mais que de leve suspeita (...) que não requeiram prisão nem pena corporal” (Reg. 1613, II, VI - p. 621). . Não deixaram, por certo, de encenar alguns autos-de-fé, nos quais reconciliados faziam abjuração de levi (a única permitida para Visitadores) e as penas mais duras eram os açoites; nada de fogueira. Os casos graves eram julgados na metrópole.

A falta de um tribunal instalado não travou o zelo inquisitorial na colônia. O pioneiro réu, entre os residentes no Brasil, foi Pero do Campo Tourinho, donatário da Capitania de Porto Seguro, acusado em 1546 de blasfêmias heréticas. A inquirição, empreendida pelo vigário da vila de Porto Seguro e por dois juízes ordinários, ocupou-se da resistência do donatário a guardar (interditando trabalho e produção) dias santificados (“nos ditos dias mandava trabalhar toda sua gente e rreprendia asparamente ao padre”), afirmando que tais interdições proviriam de pedidos das “mancebas dos byspos e arcebyspos”, escarnecendo de santos (como santo Antônio não lhe indicasse o destino de escravos fugidos, teria afirmado que “lhe porya uma candea de m...”) e ainda teria dito “do Papa e cardeaes que todos heram bugirrões sodomytygos, tiranos que por dinheiro casauam e descasauavam a quem queryam”4 4 Cf. Britto, Rossana G., A Saga de Pero do Campo Tourinho, p. 139. Um apêndice documental ao estudo do caso transcreve a inquirição e o processo inquisitorial, cujo desfecho se desconhece. Os trechos citados integram capítulos acusatórios e não confissão. . Preso e encaminhado a Lisboa junto aos autos, Tourinho não mais retornaria ao Brasil. À distância, o caso parece um golpe desfechado por adversários políticos sob pretexto religioso.

Mais do que pelos processos que envolveram gente importante na ocasião ou mais tarde, e por isso obtiveram ou obteriam repercussão (como por exemplos o do padre Vieira, no século XVII, o de Antonio José da Silva e o de José Bonifácio de Andrada e Silva no século XVIII ou, já no início do século XIX, os de Manuel Inácio da Silva Alvarenga5 5 Um dos fundadores da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, preso em 1794 pelo Conde de Resende na devassa conhecida por Conspiração dos Letrados. Um dos delatores já mesclava ao lesa-majestade investigado narrativas que envolveriam a competência da Inquisição (“dizendo que a Escritura mentia quando afirmava que Moisés descendo do monte derretera um novilho de ouro”). Cf. Autos da Devassa - Prisão dos Letrados, p. 46. e de Hypolito José da Costa) mais do que por esses devemos interessar-nos pelos volumosos procedimentos contra réus anônimos, que fornecem um padrão do controle penal que se pretendia exercer sobre o cotidiano da população colonial. Casos de bigamia foram delatados, seja à justiça episcopal ordinária, seja aos Visitadores; mais de uma centena de acusados por este crime foram submetidos a processo e julgamento6 6 Vainfas, Ronaldo, Trópico dos Pecados, p. 253. . Entre 1700 e 1730, segundo pesquisa de Lina Gorenstein Ferreira da Silva, 392 moradores do Rio de Janeiro (164 mulheres e 228 homens) foram objeto de denunciação por heresia judaica, dos quais 271 presos e processados7 7 Heréticos e Impuros, p. 22. .

O Regimento da Inquisição de 1613 previa que se instalasse “nas Capitanias do Brasil um comissário e um escrivão de seu cargo”, bem como “os familiares que o Inquisidor-Geral ordenar”8 8 Reg. 1613, tít. I, II (p. 616). . Como sempre, os fatos haviam se antecipado ao legislador, porque em fevereiro de 1579 o bispo da Bahia, dom Antônio Barreiros, já fora designado comissário. Da mesma forma, como anotado por Sonia Aparecida de Siqueira, já em 1594 registra-se a presença de um familiar, João Manoel, que efetua uma prisão em nome do Visitador Heitor Furtado de Mendonça9 9 A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, p. 517, nota 48. . Contudo, a rede de oficiais do Santo Ofício no Brasil só conheceria uma expansão significativa - ligada aos privilégios e isenções concedidos - no século XVIII10 10 Cf. Feitler, Bruno, Poder episcopal e ação inquisitorial no Brasil, pp. 33 ss; Rodrigues, Aldair Carlos, Poder Eclesiástico e Inquisição no Século XVIII Luso-brasileiro: Agentes, Carreiras e Mecanismos de Promoção Social, pp. 120 ss. .

Curiosamente, o Brasil se livraria da Inquisição mais de uma década antes que Portugal. É que, pelo Tratado de Comércio e Navegação celebrado entre o príncipe Regente D. João e Jorge III, rei da Grã-Bretanha, em fevereiro de 1810 - na conjuntura do traslado da família real diante da invasão napoleônica - Portugal se comprometeu a não introduzir a Inquisição no Brasil11 11 Delgado de Carvalho, Carlos, História Diplomática do Brasil, p. 16; Cardoso de Oliveira, José Manoel, Actos Diplomáticos do Brasil, v. I, p. 70. O artigo XII daquele tratado prescrevia que os súditos do império britânico não fossem “perseguidos e molestados por causa de sua religião”. . Já em Portugal, só em março de 1821, ao influxo da revolução liberal de 1820, é que as cortes consideraram o tribunal inquisitorial incompatível com as bases da Constituição12 12 Bethencourt, Francisco, História das Inquisições, pp. 377 e 388. .

2. As regras do jogo: os Regimentos e as Constituições Primeiras

Como não poderia ser diferente nos tempos do direito comum europeu continental, a regulamentação dos procedimentos inquisitoriais tem suas raízes no direito canônico, dinamizado por numerosas bulas papais, e no direito régio13 13 Sobre isto, Vasconcelos de Saldanha, António, Do Regimento da Inquisição portuguesa: notas sobre fontes de direito. . Aqui trataremos brevemente dos Regimentos da Inquisição portuguesa para o estrito fim de observar certas características do procedimento inquisitorial. Documentos normativos setoriais14 14 Como a “Instrução que hão de guardar os comissários do Santo Ofício da Inquisição nas coisas e negócios da fé e nos demais que se oferecerem”, com a qual se defrontou Aldair Carlos Rodrigues na Torre do Tombo (Poder Eclesiástico e Inquisição no Século XVIII Luso-brasileiro: Agentes, Carreiras e Mecanismos de Promoção Social, p. 121, nota 226). , relevantes para muitos outros fins, aqui não nos interessam. As escaramuças diplomáticas que suspendiam a vigência ou alteravam regras, de iniciativa do pontífice ou do rei, como os perdões gerais outorgados por Roma aos conversos portugueses ou a interferência de Felipe IV em 162815 15 Sobre os perdões papais Mattos, Yllan de, A Inquisição Contestada, p. 38 (cf. bibliografia indicada na nota nº 6); também, Siqueira, Sônia Aparecida de, A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, p. 507; sobre a interferência, aliás inócua, de Felipe IV, Santiago de Faria, Ana Caldeira Cabral, O Regimento de 1640 e a Justiça Inquisitorial Portuguesa, pp. 6 ss. , só nos interessam quando estiver em debate alguma das características do procedimento inquisitorial que desejamos destacar. Depois da breve visita aos Regimentos16 16 O Regimento de 1552 foi outorgado pelo cardeal infante D. Henrique; o de 1613, por D. Pedro de Castilho; o de 1640, que teve a maior vigência, por D. Francisco de Castro; e o de 1774 pelo Cardeal Da Cunha. Sobre sua elaboração e estrutura, o indispensável estudo de Siqueira, Sônia Aparecida, A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, com farta bibliografia. Sobre um anteprojeto de Regimento elaborado por Mello Freire não nos deteremos. Todos os Regimentos e o anteprojeto Mello Freire em cuidadosa edição, precedida de importante estudo, de José Eduardo Franco e Paulo de Assunção, As Metamorfoses de um Polvo. , examinaremos outra fonte muito influente, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.

Se hoje a seletividade dos sistemas penais, particularmente nas sociedades de classes, é ciosamente ocultada pelos discursos legitimantes do poder punitivo, nos primeiros séculos modernos a escritura jurídica não se pejava de registrá-la em pormenores, preservando posições estamentais e privilégios. Os Inquisidores, quando viessem pessoas à Mesa, mandariam “dar cadeiras de espaldas” a algumas (“cônegos de Sé, Vigários, Priores, Fidalgos, Desembargadores, Licenciados e Bacharéis”, entre outras), “e a mais pessoas darão cadeira rasa”17 17 Reg. 1613, tít. V, III (p. 657). . A burguesia mercantil estaria sentada desconfortavelmente, mas foi lembrada no dispositivo que determinava a remessa dos autos ao Conselho Geral: ao lado dos “Fidalgos e pessoas de qualidade” encontramos agora “mercadores muito ricos”18 18 Reg. 1613, tít. IV, LIV (p. 649). . No Regimento de 1640 o privilégio de foro (somente o Conselho poderia prender e julgar) era conferido a clérigos em geral, “a pessoa secular a quem, conforme a este Regimento, se deve dar cadeira de espaldas” e a “mercador de grande cabedal”19 19 Reg. 1640, liv. II, tít. IV, 5 (772). . Tal privilégio compensaria o desconforto, se não tivéssemos tantas dúvidas sobre a eficácia dessa norma, em radical contraste com o alvo preferencial das inquirições ibéricas: o patrimônio de mercadores conversos bem sucedidos. Uma delação “quando o denunciado for pessoa notável e de qualidade” (dado perante o qual desde logo a delação “não parece verossímil”) não deve ser registrada “em Livro”, e sim “se escreverá em um caderno de lembrança para se fazer diligência”20 20 Reg. 1613, tít. V, X (p. 660). . Também a verificação da procedência das informações antes de ligar-se a engrenagem punitiva constituía privilégio de alguns.

Um tema presente em muitas daquelas escaramuças diplomáticas entre o Santo Ofício e o poder de reis e de papas residia no tratamento e avaliação da prova testemunhal, especialmente em dois pontos: a eficácia probatória plena da testemunha única (ou singular) para fundamentar o relaxamento do réu ao braço secular (isto é, sua execução) e a omissão de dados relevantes dos depoimentos e mesmo da identidade das testemunhas ao réu. A admissão do testemunho singular valia-se de fórmula ardilosa, que parecia proibir aquilo que de fato autorizava: “Por uma só testemunha se não procederá à prisão ordinariamente, salvo quando parecer aos Inquisidores que é caso para isso”, e a história revela que quase sempre era caso para isso21 21 Reg. 1552, cap. 23 (p. 581). Fórmula similar no Reg. 1613 (tít. IV, IX - p. 629) repete a presunção de credibilidade dos Inquisidores do Regimento anterior e acrescenta a baixa condição estamental do réu. No Regimento de 1640 o dispositivo é um pouco mais complexo, por explicitar outras “exceções” à “regra” da inadmissibilidade: “marido ou mulher ou parente dentro do primeiro grau de consanguinidade”. Mas o requisito central segue sendo o “bom crédito” da testemunha e a “ordinária condição” do réu (liv. III, tít. IV, 4 - p. 772). . O problema da testemunha singular cujo depoimento é a única revelação disponível do crime reside num embaraço lógico-formal: tal depoimento corporifica a acusação e ao mesmo tempo constitui a prova da acusação, configurando uma petição de princípio registrada pelos clássicos do tema22 22 “Para provar a verdade da imputação não se pode alegar o fato da imputação sem uma censurável petição de princípio” (Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, v. II, p. 226). Por isso, Mittermayer ensinava que “para que o fato em questão pareça completamente demonstrado pela prova testemunhal é mister, pelo menos, o depoimento de duas testemunhas contestes em todas as circunstâncias essenciais” (Tratado da Prova em Matéria Criminal, p. 319). . De algum modo os Inquisidores percebiam tal embaraço, tanto que a testemunha singular era rigorosamente interditada “sendo a culpa de solicitar na confissão, porque nesta em nenhum caso se procederá à prisão por uma só testemunha”23 23 Reg. 1640, liv. II, tít. IV, 4 in fine (p. 772). No mesmo sentido, liv. III, tít. XVIII, 8 e 9 (p. 862). ; para o que aconteceu no escurinho do confessionário, testis unus, testis nullus.

Outra grave questão residia no fato de que, quando o réu ia tomar conhecimento dos depoimentos prestados (“publicação da prova da justiça”), era-lhe sonegada a identidade das testemunhas (“calando o nome delas”), além da data em que haviam deposto, assim como “o lugar onde o delito se cometeu”. Havendo no depoimento referência a cúmplices, “se dirá na publicação que o réu se achava em companhia de certas pessoas de sua nação”, omitidos assim os nomes dos partícipes mencionados pela testemunha (“calando porém as circunstâncias”)24 24 Reg. 1640, liv. II, tít. IX, 1 (p. 787). “Calados os nomes das testemunhas e as circunstâncias por onde as partes possam vir em conhecimento delas” (Reg. 1613, tít. IV, XXXVIII - p. 641). . Essa prática perversa, que levava ao desespero os acusados, instados permanentemente a confessar sem que ao menos soubessem o quê, transformava a contradita das testemunhas numa loteria: como poderia o réu desmerecer a credibilidade do depoimento de uma testemunha cuja identidade desconhecia? Contraditar testemunhas era como um jogo de azar, e essa característica ficou registrada nos textos regimentais: “Quanto às contraditas acertando o réu nas testemunhas que o culpam (...) Não acertando o réu em suas contraditas ...”25 25 Reg. 1552, caps. 44 e 45 (pp. 589 e 590). Também no Regimento de 1613: “Não acertando o réu em suas contraditas com as testemunhas da Justiça, os Inquisidores as não admitirão” (tít. IV, XLV - p. 645). . Acresça-se que até 1774 - examinaremos à parte este último Regimento - os réus só poderiam escolher seus defensores entre aquelas “pessoas de confiança, letras e consciência e sem suspeita de raça de judeu ou mouro” credenciadas pelos Inquisidores para a tarefa26 26 Reg. 1552, cap. 130 (p. 609). . Tal defensor (com quem o defendente só se entrevistava sob fiscalização de “Notário ou de algum oficial do S. Ofício”) tal defensor, no momento em que duvidasse da inocência do réu (“quando vier a conhecer que não tem justiça”27 27 Reg. 1613, tít. XIII, II (cap. 682). ; se “se persuadir que o réu se defende injustamente” 28 28 Reg. 1640, liv. II, tít. VIII, 5 (p. 785). ) deveria desistir da causa, comunicando-o aos Inquisidores.

Aquilo que enlaça e dá sentido a essas disposições e a outras, como as concernentes à tortura - cujo gênero e intensidade eram determinados pelos Inquisidores e a execução supervisionada por médicos29 29 Inquisidores e Deputados definiam “o gênero de tormento que se há de dar e se há de ser esperto, ou não, e quantos tratos há de haver” (Reg. 1613, tít. IV, XLVII - p. 646), escolhendo pois entre o potro e a polé, esta última abandonada, pelos danosos efeitos das quedas de padecentes, no início do século XVIII. “O médico e o cirurgião (...) serão obrigados a assistir ao tormento para nele declararem por juramento se os réus são capazes de o sofrer e em que grau” (Reg. 1640, liv. I, tít. XX, 3º - p. 758). Para que no auto-de-fé não desfilasse pela cidade uma farândola de capengas, se “necessário dar trato esperto nos quinze dias antes do auto, por não irem presos a ele mostrando os sinais do tormento, lho darão no potro” (Reg. 1640, liv. II, tít. XIV, 6 - p. 801). - é a centralidade ocupada pela confissão. “As confissões dos culpados no crime de heresia são o único meio com que podem merecer que com eles se use de misericórdia”30 30 Reg. 1640, liv. II, tít. VII, 1 (p. 779). . Os Regimentos dispensam tratamento diferenciado aos confitentes espontâneos, contra os quais não havia qualquer informação anterior, e aos confitentes “delatos”, ainda que estes ignorassem a prévia delação. Não era por sadismo que partes essenciais dos depoimentos das testemunhas, a começar por sua identidade, eram sonegados aos réus; não era por sadismo que o Inquisidor jamais sugeria ao acusado a resposta que o satisfaria, em audiência de admoestação ou sob tortura, criando situações desesperadoras que explicam a existência do capítulo intitulado "Dos que endoidecem no cárcere”31 31 Reg. 1613, tít. IV, XXXII (p. 638); Reg. 1640, liv. II, tít. XVII (p. 808). . O objetivo geral dessas regras era estimular a confissão e confissão plena, porque a confissão parcial - que o desgraçado não podia saber como complementar - o lançava na classe dos “confidentes diminutos”, que poderiam ser relaxados “à Cúria secular”32 32 Reg. 1640, liv. III, tít. IV, 1 (p. 838). . A confissão adquire, neste quadro, um valor místico que sobrepuja e obscurece seu valor propriamente probatório. Vale recordar que o Concílio de Trento, na metade do século XVI, determinara fosse excomungado (“anathema sit”) quem dissesse “que a absolvição sacramental pelo sacerdote não é um ato judicial”33 33 Concílio de Trento, Sessão XIV, De sanctissimo Poenitentiae sacramento, cânone IX: Si quis dixerit, Absolutionem sacramentalem sacerdotis non esse actum judicialem (...). Cf. Lopez de Ayala, Ignacio, El Sacrosanto y Ecuménico Concilio de Trento, pp. 138-139. . No amanhecer da modernidade a “rainha das provas” viu-se ungida, em sua coroação tridentina, pelo papa Júlio III.

Desta sacramentalização da confissão resultaram dispositivos implacáveis. A oportunidade conferida aos réus de revogarem, em 24 horas, a confissão proferida sob tortura era mais do que inócua, era perigosa, porque para os Inquisidores a revogação equivalia a um “novo indício” que, agregado aos anteriores, autorizavam nova sessão de tormentos34 34 Reg. 1613, tít. IV, XLIX, 1: “acusado pelo novo indício da revogação” (p. 646); Reg. 1640, liv. II, tít. XIV, 12: “pelo novo indício que lhe acresceu” (p. 803). . Em pior situação estará quem, após reconciliado com a Santa Madre Igreja pela abjuração e pela penitência, “se jactar e gabar em público ou diante de algumas pessoas dizendo que ele não cometera nem cometeu os heréticos erros por ele confessados ou que não errou tanto quanto confessou”35 35 Reg. 1552, cap. 15 (p. 579); Reg. 1613, tít. III, VIII (p. 625). . “Os que revogam as confissões que têm feito de culpas do judaísmo, ou de outra qualquer heresia, são havidos por negativos impenitentes”, sujeitos pois a serem “relaxados à Justiça secular”36 36 Reg. 1640, liv. III, tít. V, 1 e 2 (pp. 840-841). . A confissão, mesmo de fatos inverossímeis ou especialmente neste caso, deve ser preservada de toda desconfiança, pois nela reside o ponto culminante da teologia probatória inquisitorial. Não nos iludamos, contudo, com essa teologia probatória: a confissão também legitimava a gigantesca expropriação do patrimônio judaico. “Parecendo que a dita confissão não é boa e verdadeira (...) ficará a dita pessoa presa e se lhe fará sequestro de bens”37 37 Reg. 1613, tít. III, II (p. 622). . Mas se os presos “confessarem (suas culpas) com mostra e sinais de verdadeira conversão (...) serão recebidos no grêmio e união da Santa Igreja (...) e lhe serão confiscados seus bens desde o tempo em que cometeram o delito”38 38 Reg. 1640, liv. III, tít. III, 1 (p. 815). . Se a confissão é lacunosa ou fingida, sequestrem-se os bens do réu; mas se é plena e contrita, salve-se a vida do réu porém ... sequestrem-se-lhe igualmente os bens. A confissão funcionava como um selo de qualidade jurídica no assalto aos bens dos acusados. As inquisições ibéricas nunca negligenciaram suas funções fiscais. Quando o “Visitador das naus dos estrangeiros” chegava à embarcação, “sem dar tempo a que dela possa sair pessoa alguma, ou se possam tirar livros e imagens”, levava a tiracolo os “ministros reais” encarregados da repressão ao contrabando, ao crime que desafiava os privilégios mercantis da coroa39 39 Reg. 1640, liv. I, tít. XII, 4º (p. 742). .

O Regimento de 1774 inovará em algumas dessas questões e simulará inovar em outras. Em sua introdução40 40 Ao contrário dos anteriores, o Regimento de 1774 será citado a partir da edição original daquele ano, feita em Lisboa por Miguel Manescal da Costa. , completamente alinhada à política pombalina, a responsabilidade pelos abusos da Inquisição era atribuída aos “malignos influxos” da Companhia de Jesus: a “pravidade jesuítica” era mencionada antes da velha expressão “herética pravidade”41 41 Reg. 1774, Int., p. 1. Sobre o tema, Franco, José Eduardo e Tavares, Célia Cristina, Jesuítas e Inquisição, pp. 81 ss. . A ausência de expressa placitação régia aos regimentos anteriores levou o Cardeal Da Cunha a deslegitimá-los por completo, já que necessariamente régio qualquer tribunal que dispusesse de poder punitivo: só os “Senhores Reis destes Reinos (...) poderiam erigir Tribunal, formar Processos, levantar Cárceres e impor Penas Temporais”42 42 Reg. 1774, Int., p. 3. . No século XVIII a acumulação primitiva de poder punitivo estava consumada, e na “indispensável separação do Sacerdócio e do Império” era deste último a competência para exercê-lo. A introdução ao Regimento de 1774 arrola expressamente “erros perniciosos”, como o de “negarem aos Réos os nomes das testemunhas”, permitir “relaxação, que é morte natural, por testemunhas singulares” e a busca de confissão pela tortura, que leva “os atormentados a confessar o que nunca fizeram nem ainda imaginaram”43 43 Reg. 1774, Int. pp. 8 a 10. .

Algumas dessas boas intenções se cumpriram, e outras não. De fato, na “publicação da prova da Justiça” já não poderiam os Inquisidores “ocultar e suprimir os nomes das testemunhas”44 44 Reg. 1774, liv. I, tít. VI, 7 (p. 32). . De fato, foi abolida “a prática e estylo de proceder contra os réos por testemunhas singulares”; na contramão de regras anteriores, excepcionava-se dessa abolição casos de solicitação, sigilismo (confessores linguarudos) e sodomia45 45 Reg. 1774, liv. II, tít. IV, 1 e 3 (p. 61). . São também extintos os procuradores credenciados, e agora “escolherão os Réos aqueles que melhores lhes parecerem”; além da prevalência do defensor de confiança, agora o acusado se entrevistará com ele reservadamente, “pondo-se em distância tal (o Oficial da Inquisição) que não possa ouvi-los”46 46 Reg. 1774, liv. II, tít. VI, 2 e 3 (p. 31). .

Mas a tortura, reconhecida no texto como “a mais segura invenção para castigar um innocente fraco e para salvar um culpado robusto”, não foi verdadeiramente abolida, pela exceção feita aos heresiarcas “que tenham difundido e disseminado suas perniciosas seitas”47 47 Reg. 1774, liv. II, tít. III (p. 54). . É o eterno problema do crimen exceptum: excepcionou um, excepcionou geral. Uma pitada das luzes se mesclou à tenebrosa prática: os heresiarcas seriam “postos a tormento proporcionado à qualidade da prova”48 48 Reg. 1774, liv. II, tít. III, 3 (p. 55). . A proporcionalidade, tão decantada pelo penalismo ilustrado, ingressou na câmara de tortura. Também a revogação da confissão continua a ser tomada como “novo indício”, e o reconciliado que publicamente invalidar a confissão prestada continua criminalizado, sujeito agora às penas de açoites e degredo49 49 Reg. 1774, liv. II, tít. III, 12 (p. 58) e liv. III, tít. V, 6 (p. 103). . Mas feiticeiros e adivinhos têm seu destino radicalmente modificado, e não se pode dizer que para melhor. Agora, se eles quiserem sustentar “que efetivamente fizeram com os Demônios algum pacto”, ou que “suas palavras (...) têm virtude para fazerem adoecer ou curar” ou para “adivinharem futuros” ou ainda “moverem affectos de amor ou de ódio”, “sejam definitivamente julgados por loucos, sem necessidade de outra alguma prova”, e “fiquem reclusos nos Cárceres dos Doudos”50 50 Reg. 1774, liv. III, tít. XI, 4 (pp. 126-127). . Estes infelizes terão que esperar muito, porque em 1774, ano da promulgação do Regimento, Pinel estava começando a estudar medicina em Montpellier, e Basaglia ainda demoraria dois séculos.

Brevemente examinadas as regras que aguardavam, em Lisboa, os moradores da colônia presos e processados pelo tribunal santo, cabe visitar uma fonte muito influente, que regeu a justiça canônica ordinária em solo brasileiro: as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. É relevante nesta fonte, produzida em 1707, observar o volume de poder punitivo ainda manejado no alvorecer da Ilustração pelos bispos católicos, e não apenas sobre clérigos e beneficiados. O arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, em cuja agitada existência a vocação religiosa disputou com a militar, nomeado em 1702, percebeu que a arquidiocese ainda se regia pelas constituições da Arquidiocese de Lisboa, da qual fora sufragânea51 51 Consta que o bispo D. Constâncio Barradas houvera promulgado constituições, as quais, “como não se imprimiram, andavam viciadas e se não tinham posto em observância, e por esta causa estavam esquecidas e quase derrogadas” (Constituições Primeiras, p. 511). . Para remediar a situação, e por certo tendo por modelo o texto lisboeta, redigiu ou mandou redigir as Constituições Primeiras, que fez discutir em sínodo realizado nos dias 12, 13 e 14 de junho de 1707, no qual se elegeram procuradores que aprovariam definitivamente o texto uma semana depois.

As Constituições Primeiras são compostas por cinco livros. No primeiro, com 74 títulos, expõe-se a doutrina católica e os sacramentos, com suas formalidades, tal e qual padronizadas pelo Concílio de Trento, cuja autoridade é frequentemente invocada no texto. No segundo, com 27 títulos, regulamenta-se a missa, a guarda de dias santificados, jejuns, esmolas e dízimos. No terceiro, com 39 títulos, estão as regras da disciplina eclesiástica (vestes e paramentos, tonsuras, lugares proibidos) e instruções aos párocos. No quarto livro, com 63 títulos, temos regras sobre a jurisdição eclesiástica, privilégios (inclusive de foro) e isenções. Os títulos de números 32 a 36 versam o asilo eclesial, cabível quando o postulante estivesse sujeito a pena de morte, amputação de membro ou outra “pena de sangue”. O título 57 negava sepultura eclesiástica a judeus, hereges, blasfemos, suicidas e outros. Mas é no quinto livro que se encontra a matéria propriamente penal.

Este Livro Quinto, com 74 títulos, contempla sobretudo matéria criminal canônica da justiça eclesiástica ordinária porém se ocupa igualmente de alguns delitos de competência inquisitorial. Em seu título 1º, ao tratar da heresia, reconhece que a matéria deve ser submetida ao “tribunal do Santo Ofício”, e recomenda a seus “súditos” que “tendo notícia de alguma pessoa herege” tratem de delatá-la à Inquisição; e se o não puderem fazer, serão “obrigados a nos dar conta”52 52 Constituições Primeiras, p. 311 (liv. V, tít. I). . À blasfêmia simples se respondia com penas pecuniárias, infamantes (“mordaça na boca à porta da Igreja”), açoites e degredo; já as “blasfêmias hereticaes” seriam encaminhadas ao Santo Ofício53 53 Constituições Primeiras, pp. 312 e 313. Como rezava o então vigente Regimento de 1640, “a blasfêmia que os Doutores chamam heretical pertence ao Tribunal e Juízo do S. Ofício” (liv. III, tít. XII, 1 - p. 850). . Feiticeiros e adivinhos são punidos segundo o estamento ao qual pertençam: “sendo plebeo (...) será posto à porta da Sé em penitência pública com uma carocha na cabeça e vela na mão”; mas “sendo a pessoa nobre”, pena pecuniária e, na multireincidência, degredo54 54 Constituições Primeiras, p. 314 (V, III). A mesma distinção presente em Reg. 1640, liv. III, tít. XIV, 2 e 3 (p. 855). . Um pacto com o demônio, especialmente se envolveu “pedras de Ara”, leva à excomunhão e, “se for leigo nobre”, degredo por 2 anos fora do Arcebispado55 55 Constituições Primeiras, p. 315 (V, IV). . “Bebidas amatórias” ou “cartas de tocar” - numa palavra, “cousas que affeiçoem ou alienem os homens de suas mulheres e as mulheres de seus maridos” - recebem penas pecuniárias e corporais; é preciso extinguir essas “perniciosas superstições”, este “ressaibo de gentilismo deste nosso Arcebispado”56 56 Constituições Primeiras, p. 316 (V, V). . A sodomia, mencionada no título XVI, é remetida “aos Inquisidores Apostólicos do Tribunal do Santo Ofício”57 57 P. 332. . Esta é toda a matéria de competência inquisitorial compreendida nas Constituições Primeiras. A despeito da minuciosa regulamentação do sacramento do matrimônio e de seus impedimentos, que se estende por nada menos que doze títulos do primeiro livro (LXII a LXXIV), o delito de bigamia, pelo qual mais de uma centena de habitantes da colônia se viram criminalizados, não foi versado pelas Constituições. Os demais crimes elencados no Livro Quinto pertencem ao direito canônico ordinário: a simonia (títs. VII e VIII), o sacrilégio (tít. IX), o falsum (tít. XII), delitos sexuais (bestialidade, molície, adultério, incesto, estupro - isto é, defloramento - rapto e concubinato - títs. XVII a XXII) e outros. Inúmeras infrações dizem respeito à disciplina eclesiástica (a prévia deposição do clérigo autor de homicídio que “mereça pena de morte natural” - tít. XXVI), ao procedimento (títs. XXXV a XLIII), às “penas espirituais” (com destaque para a excomunhão) e à situação de “irregularidade” em que possam incorrer os religiosos (títs. LXIX a LXXII). Merece menção um curioso delito. Como vimos anteriormente, o princípio pacta sunt servanda foi construído pelo direito canônico, e sua violação está criminalizada nas Constituições Primeiras: aquele “que jurar em juízo prometendo dar ou fazer alguma cousa em matéria grave, e o não cumprir podendo” seria declarado infame e, se clérigo, privado dos benefícios, ou, se leigo, “condenado em pena arbitrária”58 58 Liv. V, tít. X (p. 322). .

Embora as Constituições Primeiras interessem mais à administração interna da justiça canônica ordinária (episcopal), dispõem elas de relevância cultural porque foram compulsadas em outras dioceses da colônia; os conceitos que ofereciam desses crimes, portanto, foram ensinados e aprendidos na formação religiosa. Mas também o cotidiano das infrações surge no texto: muitos objetos referidos em confissões e delações aos Visitadores (como “pedras de Ara”, “cartas de tocar” etc) estão presentes. O texto, impregnado de absolutismo, já estava um pouco velho para a época em que veio a lume, e seria derrogado por inúmeras inovações legislativas posteriores.

3. Aculturações: anti-Hobbes

Entre todos os trabalhos que perfilharam a “ficção de considerar o estado de natureza como o verdadeiro estado da natureza humana”59 59 Assim Marx (Il manifesto filosofico della scuola storica del diritto, p. 206), quem observaria mais tarde que Hegel, no § 289 de sua Filosofia do Direito, ao conceber a sociedade civil como campo de batalha dos interesses privados, “definiu-a como bellum omnium contra omnes” (Critica della filosofia hegeliana del diritto pubblico, p. 47). nenhum contribuiu tanto para legitimar o Estado absolutista, com seu soberano legibus solutus e seu dispositivo de poder mais drástico e violento, a pena, quanto o Leviatã de Thomas Hobbes. São bem conhecidos seus argumentos. “Quando não existe um poder capaz de os manter a todos em respeito” os homens só pensam em “subjugar pela força ou pela astúcia” uns aos outros, e não extraem qualquer prazer da convivência; nesta situação (ou seja, numa sociedade sem Estado) “não há cultivo da terra, nem navegação (...) não há construções confortáveis, nem instrumentos (...) nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras”60 60 Leviatã, cap. XIII (pp. 75 e 76). . Tendo ele duvidado de que “jamais tenha sido geralmente assim no mundo inteiro”, resolveu oferecer como prova de sua imaginosa hipótese “os povos selvagens de muitos lugares da América” os quais, segundo afirmou, “vivem nos nossos dias daquela maneira selvagem que acima referi”61 61 Leviatã, cap. XIII (p. 77). . Esta radical contestação à sociabilidade inata do homem formulada por Aristóteles62 62 Política, liv. I, cap. I, § 10 (1253a; na edição consultada, p. 16). , que termina por algemar a liberdade à condição de súdito conformado, foi elaborada com o foco nos conflitos ingleses63 63 Sobre isso, Skinner, Quentin, Hobbes e a Liberdade Republicana. . Hobbes não podia imaginar o sucesso que uma versão esquemática (como esta que fizemos) de suas ideias alcançaria nos meios acadêmicos jurídicos de “muitos lugares da América”, e que é o motivo de nos ocuparmos brevemente delas aqui.

Em seu magistral estudo Macpherson afirmou que “o estado da natureza de Hobbes, tal como é geralmente reconhecido, é uma hipótese lógica, não histórica”64 64 A Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes até Locke, p. 31. . Pouco depois Pierre Clastres assinalou que em Hobbes o homem em sua condição natural exprimiria uma “figura não real mas lógica”65 65 Arqueologia da Violência, p. 217. . Bem, mesmo deixando de lado as civilizações inca, maia e asteca, aquelas carências que Hobbes atribuiu às sociedades “primitivas” ameríncolas estão cabalmente desmentidas não só por referências de cronistas e missionários mas principalmente por um imponente conjunto de investigações antropológicas. Bastaria isto para redefinir a imaginosa hipótese hobbesiana: não apenas lógica mas também anti-histórica, e o homem que a protagoniza também não é apenas lógico, mas antes disso irreal.

As constantes batalhas entre distintas nações tupinambá ou mesmo entre uma tupinambá e outra de diversa origem linguística ou étnica poderiam ser equiparadas à “guerra de todos contra todos” de Hobbes? Antes de mais nada, recorde-se que a “guerra” hobbesiana é travada entre homens que, por desfrutarem da “liberdade natural”, vivem em sobressaltos e escaramuças; é uma “guerra” entre vizinhos que disputam um curso d’água sem poder recorrer a um déspota que decida se o riacho é de algum deles ou da fazenda real. Podemos chamá-la de “guerra civil” porque não envolve necessariamente duas nações, mas precisamente impede o estabelecimento de um poder que se imponha por sobre (e atemorize) toda a sociedade civil. A guerra tupinambá opunha facções e por vezes etnias bem identificadas, que não podiam nem poderiam conviver por tradições de hostilidade estruturantes das próprias nações ou grupos em conflito. Nunca foi uma “guerra de todos contra todos”, mas sempre uma guerra de alguns contra outros, culturalmente motivada.

O estado de inimizade - que recorda a faida germânica - entre duas tribos resultará em inúmeros confrontos ao longo do tempo: a palavra vingança ocupará lugar proeminente nos discursos rituais. Mas reduzir a rica complexidade dessas pelejas que se exauriam em banquetes canibais a uma questão de vingança é certamente um erro, e não apenas porque existiram outras motivações para a guerra66 66 Para Branislava Susnik, tratando dos guaranis, além da vingança a guerra poderia ser deflagrada por “luta por espaço físico, discriminação étnica, desequilíbrio sócio-demográfico e exaltação do vigor masculino anímico”. Apud Colaço, Thaís Luzia, “Incapacidade” Indígena, p. 32. . Equiparar a guerra indígena à vendetta sarda, como pretendeu von MartiusVon Martius, Carlos Frederico Philippe, O Estado do Direito entre os Autochtones do Brasil, trad. A. Lüfegren, em Rev. Inst. Hist. e Geographico de São Paulo, v. XI, S. Paulo, 1907, ed. Typ. D. Official (há edição de 1982, da Itatiaia e da USP). 67 67 O Estado do Direito entre os Autochtones do Brazil, p. 58. , é um grosseiro transplante do etnocentrismo colonizador, cuja artificiosidade se desvela se, antes de convocar depoimentos sobre a guerra tupinambá, procurarmos a vingança privada em conflitos interindividuais que ocorreram no seio de uma comunidade tribal.

Entrever no chefe familiar de nossos povos originários um pater romano, com “poder ilimitado” ou “absoluto poder”, tal qual von Martius68 68 Op. cit., p. 56. , é outro equívoco. Frei Vicente do Salvador repreendia os pais exatamente por não amestrarem os filhos: “não os constrangem, nem os castigam por erros e crimes que cometam, por mais enormes que sejam”69 69 História do Brasil, p. 82. . Na mesma linha observara Gandavo: “todos criam seus filhos viciosamente sem nenhuma maneira de castigo”70 70 História da Província Santa Cruz, p. 126. . Outro não foi o depoimento de Barléu: “São assaz desleixados quanto à criação dos filhos, desconhecendo disciplina e educação séria”71 71 História dos Feitos Recentemente Praticados durante Oito Anos no Brasil, p. 73. . Olhando para a experiência jurídica guarani, Colaço concluiu que “o delito cometido entre parentes próximos normalmente não era reprimido por outrem” e invocou Susnik para gizar que “agravos interpessoais (...) não podem ser reprimidos pela autoridade do grupo”72 72 Colaço, Thaís Luzia, “Incapacidade” Indígena, p. 41. Também Gabriel Soares de Souza observou que “não dão os Tupinambás a seus filhos nenhum castigo, nem os doutrinam, nem os repreendem por coisa que façam” (Tratado Descritivo do Brasil em 1587, p. 295). . Um conflito entre parentes, portanto, não seria resolvido por decisão vertical superior do chefe familiar: porventura tocaria resolvê-lo ao personagem que os jesuítas chamavam de “principal”?

O “principal” nunca foi o “déspota poderoso” das fantasias de von Martius73 73 Op. cit., p. 28. . Como registrou GandavoGandavo, Pero de Magalhães, Tratado da Terra do Brasil, Brasília, 2008, ed. Senado Federal;, “esta gente não tem entre si nenhum rei nem outro gênero de justiça, senão um principal em cada aldeia, que é como capitão, ao qual obedecem por vontade não por força. (...) Mas não castiga seus erros, nem manda sobre eles coisa alguma contra suas vontades”74 74 Op. cit., p. 123. . Confira-se em Barléu: “Põem à frente de cada uma de suas aldeias um chefe, mais para exemplo e admiração do que para mandar. Designam um principal para cada uma das casas, ao qual obedecem espontaneamente”75 75 Op. cit., p. 132. . Mesmo aqueles chefes cujo desempenho guerreiro angariou prestígio e respeitabilidade, como Cunhambebe, não exerciam um poder hierarquizado e despótico, como acentuou Carlos Fausto76 76 Fragmentos de história e cultura tupinambá, p. 389. Como frisou Pierre Clastres, “o chefe não formula ordens, às quais sabe de antemão ninguém obedeceria, mas também é incapaz (isto é, não detém tal poder) de arbitrar quando se apresenta um conflito entre dois indivíduos ou duas famílias” (Arqueologia da Violência, p. 140). . Em seu estudo sobre as reduções guaranis Ten Caten invoca passagem da dissertação de Maria Cristina Bohn Martins que merece transcrição: “Os chefes indígenas geralmente não eram dotados de poder de coerção e seus liderados aceitavam sua autoridade e proeminência na medida das contraprestações que dele recebiam”77 77 Ten Caten, Odécio, Forma(s) de Governo nas Reduções Guaranis, p. 164. . Sem embargo de eventual e episodicamente recorrer o “principal” ao emprego de coerção física, esta definitivamente não era a regra. Tal característica da chefia indígena foi percebida por muita gente. Para o abade Raynal, certamente envolto em recordações greco-romanas, os ameríncolas “tiveram por oradores, mais do que por chefes, anciãos que decidiam sobre as hostilidades”78 78 O Estabelecimento dos Portugueses no Brasil, p. 80. Mas a fala do chefe dispunha de uma relevância social que estudos antropológicos ressaltaram. . Para Capistrano de Abreu “o chefe apenas possuía autoridade nominal”79 79 Capítulos de História Colonial , p. 47. Para a “frágil” e ao mesmo tempo estratégica autoridade do chefe ameríndio, Tible, Jean, Marx Selvagem, pp. 163 ss. .

Se o líder familiar da oca e o “principal” da aldeia não estavam culturalmente condicionados para intervir ordinariamente em conflitos interindividuais, nossa atenção deve recair sobre a reação do ofendido, sobre a vingança privada. Recordemos que não se deve sufragar a tese evolucionista, presente em alguns manuais de direito penal, de que a vingança privada seria um antecedente bárbaro e brutal da civilizada e amena pena pública. Ao contrário da rigidez da pena pública, que invariavelmente impõe um mal físico ou moral ao condenado, a vingança privada quase sempre ofereceu uma solução plástica, materializável ou na compensação à vítima, ou no exílio do ofensor, ou no revide, também físico ou moral.

Antes de tudo, é discutível a existência daquele dever moral clânico, comum à vingança grega e à vendetta sarda, que tornava o revide inexorável. No testemunho de Hans Staden, “quando alguém mata ou fere outrem, os amigos deste se dispõem logo a matar, por sua vez, o ofensor, o que, porém, raras vezes acontece” 80 80 Duas Viagens ao Brasil, p. 207 (2ª parte, cap. XII). Neste pequeno capítulo Staden afirma de seus anfitriões que “não têm regime especial, nem justiça. (...) Não vi direito algum especial entre eles, senão que os mais moços prestam obediência aos velhos, como é de seus costumes”. . Seria pensável que Orestes, à última hora, desistisse de vingar na mãe o homicídio do pai? Mas aqui, segundo Staden, esta era a rotina: “raras vezes acontece”. Isso conflui com uma observação de Thevet, que mencionou o “passatempo de vê-los brigar e baterem-se mutuamente; não chegam, todavia, ao combate fatal”81 81 Thevet, André, A Cosmografia Universal, p. 167. . Esta vingança privada que raramente chega ao homicídio talional admitiria as alternativas ao revide, ou seja, o exílio do ofensor ou a compensação da vítima? Von Martius poderia ter-se recordado da Entsippung germânica quando soube da “expulsão da adúltera”82 82 O Estado do Direito entre os Autochtones do Brazil, p. 55. É certo que outro traído preferiu amarrar a infiel a uma árvore e flechá-la (ibidem). . Colaço invoca a autoridade de Metraux para afirmar que “em casos de homicídio ou lesões corporais graves os parentes da vítima podiam vingá-la, caso não recebessem compensação da família do criminoso”83 83 “Incapacidade” Indígena, p. 48. . Aí estão, à espera de um estudo aprofundado, dois sinais de que a vingança brasilíndia, em alguma das múltiplas versões que certamente admitiu, contemplou as alternativas do exílio do ofensor ou da compensação da vítima. Aquela "indiferença diante de ofensas à vida ocorridas dentro do ambiente familiar”, percebida por Bernardino GonzagaBernardino Gonzaga, João, O Direito Penal Indígena, S. Paulo, s/d, ed. Max Limonad; 84 84 O Direito Penal Indígena, p. 135. , pode estar relacionada ao que foi chamado de “suicídio parcial”: tanto maior a coesão grupal, tanto mais fraternas, solidárias e equânimes sejam as relações entre os membros de certa comunidade, tanto mais o homicídio talional de um deles parecerá irracional duplicação da perda e da dor. Se os conflitos interindividuais internos não produziam inexoravelmente uma sequência interminável de revides, e deles não resultava um quadro que pudesse descrever-se como “a guerra de todos contra todos”, resta-nos verificar se a própria guerra tupinambá poderia assimilar-se ao clichê hobbesiano.

Perante a complexidade mística e cultural das guerras dos brasilíncolas, tal assimilação constituiria um disparate. Os elementos religiosos - sonhos, presságios, invocações etc - da guerra tupinambá foram registrados por Métraux85 85 A Religião dos Tupinambás, pp. 287 ss. . Em seu alentado estudo, Florestan Fernandes situa na vingança apenas a função manifesta da guerra tupinambá; e mesmo assim tal vingança representava “um modo de ligação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”. As consequências dessa guerra - cujo objetivo último estava na captura de inimigos para sua vitimização ritual - "repercutiam na vida social não por causa de seu sentido ‘militar’, mas em virtude de seu significado mágico-religioso”. A vingança tupinambá era mais o socorro que se devia prestar ao “espírito” de parentes do que a retaliação contra determinado homicídio. Em busca da função latente da guerra, Fernandes afirma que “a ela cabia promover a restauração da integridade do Nós coletivo, garantindo a coletividade na posse dos princípios de sua existência (no plano mítico-religioso) e de sua sobrevivência (no plano mágico-religioso e social)”. E sintetiza: “em suma, a guerra tinha por função preservar o equilíbrio social e o padrão correspondente de solidariedade social”86 86 Fernandes, Florestan, A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, pp. 410 ss. . A guerra tupinambá envolvia uma “cosmologia”87 87 Viveiros de Castro, Eduardo, Araweté - os Deuses Canibais, p. 689. que a orientava por sobre qualquer interesse militar; tal guerra “era o nexo fundante da sociedade tupinambá”88 88 Fausto, Carlos, Fragmentos de história e cultura tupinambá, p. 392. . Exatamente o oposto dos objetivos e dos resultados da ficção hobbesiana! Na guerra de Hobbes, os homens só pensam, como vimos, em “subjugar pela força ou pela astúcia” uns aos outros. Mas Manoel da Nóbrega, que já observara que os nativos “não têm guerra por cobiça”, relatou episódio no qual um “principal” teve a sua disposição, por conta da manobra ardilosa de certo clérigo, um inimigo, e relutou em matá-lo “dizendo que para isso o queria tomar em guerra e não por engano”89 89 Obra Completa, p. 76 (carta de 10.ago.1549) e p. 94 (carta de 6.jan.1550). . Doses cavalares de “civilização” seriam necessárias para que um guerreiro tupinambá subjugasse alguém pela astúcia. Definitivamente, a hipótese de Hobbes foi uma alucinação legitimante da pena pública e do absolutismo por ela construído e sustentado.

4. Aculturações: o banquete canibal como sabá

No ambiente cultural europeu da caça às bruxas todo e qualquer encontro festivo noturno, realizado em algum ermo rural com participação de mulheres, seria na verdade um sabá. Ginzburg relata como as batalhas noturnas por fertilidade de seus benandanti eram convertidas pelos inquisidores no festim diabólico, pressionando os depoentes para o reconhecerem: nos processos “vemos insinuar-se pouco a pouco a imagem do sabá dos feiticeiros”90 90 O Fio e os Rastros, p. 306. . Ora, como nos sabás crianças eram devoradas, o banquete canibal tupinambá passou a ser interpretado por esse viés, assim aproximado - em palavras de Laura de Mello e Souza - do “modelo sabático”91 91 Inferno Atlântico, pp. 26 ss. Também Silvia Federici observou como nos “banquetes canibalísticos” passou-se entrever “reminiscências dos sabás das bruxas” (Calibã e a Bruxa, p. 389). .

Ronald Raminelli menciona a edição do livro de Hans Staden feita em Frankfurt, em 1557, como exemplo desta assimilação. Além dos desenhos do próprio autor, bem conhecidos, o editor introduziu gravuras que “sabatizavam” a cerimônia nativa, com a inevitável figura do coisa-ruim. Staden em seus textos jamais mencionou bruxas - voadoras ou não - ou diabos. Como frisa Raminelli, “o editor não se incomodou com o descompasso e incluiu imagens demoníacas completamente estranhas à narrativa de viagem”92 92 Imagens da Colonização, p. 65. .

Cronistas e visitantes, a despeito de pela observação direta dos fatos poderem eximir-se de tal assimilação, não o fizeram: seu condicionamento cultural não o permitiria. Gandavo, cujo livro é publicado em 1576, ao tratar “da morte que dão aos cativos”, não deixa de referir-se a “cruezas tão diabólicas”93 93 História da Província Santa Cruz, p. 135. . Jean de Léry, cujo relato de viagem foi publicado em 1578, não hesitou em denominar “sabá” uma cerimônia religiosa que presenciou94 94 História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, também Chamada América, p. 210. .

Mas aquilo que mais desconcertava os europeus e renovava suas crenças na possessão diabólica era o transe, a alteração da consciência e dos sentidos por um arrebatamento religioso, pela ingestão de alguma substância ou como efeito da dança. Ouçamos o mesmo Jean de Léry: “as mulheres urravam, saltavam com violência, balançavam os seios e espumejavam pela boca, e algumas caiam desmaiadas como vítimas de ataques epilépticos; por isso, não me foi possível deixar de acreditar que tivessem sido repentinamente possuídas pelo diabo”95 95 Op. cit., p. 209. . Se assim pensava o pastor calvinista, dele não dissentia o jesuíta: “e acabando de falar o feiticeiro, começam a tremer, principalmente as mulheres, com grandes tremores em seu corpo, que parecem endemoninhadas, como de certo o são, deitando-se em terra e escumando pelas bocas”96 96 Nóbrega, Manuel da, Obra Completa, p. 86 (carta de agosto de 1549). .

O transe de africanos e afrodescendentes não receberia olhar diferente daquele lançado sobre o transe dos ameríncolas (os quais, na linguagem coloquial da época, eram chamados “negros”). Nuno Marques Pereira, entre o final do século XVII e o início do XVIII, presenciou e descreveu um festejo baiano, um calundu. “Horrendos alaridos” e “confusão do inferno” são algumas de suas primeiras anotações. Parecendo-lhe claro que o som dos “tabaques, pandeiros, canzás, botijas e castanhetas” constituía uma espécie de marcha triunfal do demônio e esgrimindo uma etimologia alucinada, na qual a palavra calundu demonstrava “o pacto que tendes feito com o diabo”, conseguiu ele de seu anfitrião que os instrumentos fossem lançados a uma fogueira97 97 Compêndio Narrativo do Peregrino da América, v. I, pp. 145 ss. “O diabo em forma de um grande cão negro” fornicava com mulheres (pp. 151-152). . Ainda bem que essa fogueira não imitou servilmente as fogueiras europeias.

5. Aculturações: o(s) demônio(s) desembarca(m) no paraíso

Os procedimentos criminalizadores da Inquisição moderna necessitavam muito do diabo, tal e qual reconfigurado pela demonologia europeia: afinal, todas as práticas suspeitas de heresia tinham nele a sua inspiração, quando não provinham de pactos celebrados diretamente com os pecadores. Ocorre que a cosmogonia de nossos povos originários não contemplava personagem equiparável ao diabo europeu. Se os missionários encontraram nas trovoadas de Tupã uma confortável alegoria para o Pai do cristianismo, os Yurupari (Geroparí, Jurupari), demônios da floresta, não pareciam comparáveis ao polimorfo satã da teologia católica98 98 Sobe os Yurupari, Métraux, A., A Religião dos Tupinambás, p. 120. Yves D’ Évreux relata o mal causado por Geropary a uma linda jovem (História das Coisas mais Memoráveis Ocorridas no Maranhão, pp. 153-154). Contudo, num depoimento da Visitação do Pará um índio propôs um pacto a Jurupari prometendo servi-lo caso certa mulher cedesse a seus desejos (Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará, p. 246). Tampouco anhagá pode ser equiparado ao diabo europeu, salvo por um oportunismo pedagógico evangelizador. Para a equiparação do Sumé indígena a São Tomé, Buarque de Holanda, Sérgio, Visão do Paraíso, pp. 108 ss. . Tampouco se encontraria no panteão das religiões africanas desterradas para o Brasil qualquer entidade assimilável ao presidente dos sabás europeus; produto inexorável do sincretismo religioso brasileiro, a futura demonização de Exu estaria circunscrita a uma variante de Umbanda99 99 Cf. Bastide, Roger, Les Religions Africaines au Brésil, p. 457; também de Bastide, O Sagrado Selvagem, p. 223. . Para a obra missionário-colonizadora era indispensável introduzir rapidamente o chifrudo no paradisíaco mundo novo.

Antes de mais nada, como frisou Bosi, trataram os jesuítas de demonizar as práticas religiosas nativas100 100 Dialética da Colonização, p. 60. : os xamãs tupinambás são invariavelmente referidos como “feiticeiros” na epistolografia jesuítica. Feiticeiros, isto é, gente inspirada pelo diabo, como o padre Antônio Pires expôs em carta de 2.ago.1551: “Mas Satanás, que nesta terra tanto reina, ordenou e ensinou aos feiticeiros muitas mentiras”101 101 Moura Hue, Sheila (org.), Primeiras Cartas do Brasil, p. 50. . Frei Vicente do Salvador, que atribuiu ao demônio em pessoa a mudança do topônimo Santa Cruz para Brasil - na “cor abrasada” deste pau não rebrilha uma labareda do inferno? - queixou-se da falta de “médicos sinalados” e da abundância de feiticeiros102 102 História do Brasil, pp. 57 e 82. .

Na penúltima década do século XVI o teatro de Anchieta introduzirá muitos diabos em cena, com o sentido geral de escarnecer dos costumes da terra, como por exemplo do consumo de cauim103 103 Vainfas, Ronaldo e Souza, Juliana Beatriz de, Brasil de Todos os Santos, p. 15. No Auto de São Lourenço, um diabo estimula a embriaguez: “coisa muito boa é bebedeira / ficar vomitando cauim” (p. 7). . São quatro diabos em Na Aldeia de Guaraparim e três diabos (agora batizados com o nome de inimigos) no Auto de São Lourenço; e é como se a forma do martírio do santo, assado vivo, advertisse para as chamas purificadoras deste e do outro mundo104 104 Anchieta, José de, Teatro, passim. Para a profusão europeia de legiões diabólicas, Mello e Souza, Laura de, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, pp. 136 ss. . Incutir medo parece ser a orientação geral de tal dramaturgia, compatível com a avaliação de Nóbrega: “talvez por medo se converterão mais depressa do que o não farão por amor”105 105 Carta de 6.jan.1550, em Obra Completa, p. 90. Em outra passagem, a propósito da pena imposta a alguém que “foi açoitado e lhe cortaram certos dedos das mãos de maneira que pudesse ainda com os outros trabalhar”, Nóbrega apenas comenta: “disto ganharam tanto medo que nenhum fez mais delito que merecesse mais que estar alguns dias na cadeia” (p. 259). Sobre a política criminal e a justiça penal jesuítica, que se valeu de mutilações, açoites, tronco e aterrorização (simulação de enterrar vivo ou de matar pelo fogo o infrator, interrompida pelo perdão - num caso, de Nóbrega), cf. Leite, Serafim, História da Companhia de Jesus no Brasil, t. II, pp. 75 a 82). . De uns índios que atacaram a embarcação em que ele se encontrava disse o padre Leonardo Nunes que “pareciam diabos”106 106 Moura Hue, Sheila (org.), op. cit., p. 93. “Os índios são povo do diabo, afirmam repetidas vezes os jesuítas” - Mello e Souza, Laura, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, p. 68. . Diabos no palco, diabos na vida real. Em 1591 uma confitente na Bahia menciona que sua conhecida Antonia Fernandes "falava com os diabos (...) e eles lhe obedeciam"107 107 Vainfas, Ronaldo (org.), Confissões da Bahia, p. 133. . Aos olhos atentos de Antonil não escaparia que os escravizados recorressem a "artes diabólicas" e procurassem vingar-se dos senhores “com feitiço”108 108 Cultura e Opulência do Brasil, pp. 91 e 92. . E em 1735 chegava à Inquisição de Lisboa o relato de um capucho segundo quem quase todos os moradores de certa aldeia praticavam adoração ao demônio109 109 Cf. Almeida, Rita Heloísa de, O Diretório dos Índios, p. 303. . É verdade que tal adoração nunca assumiria entre nós a forma sabá; o diabo brasileiro jamais presidiu longas assembleias festivas noturnas.

Em compensação, meteu-se em muitas aventuras diurnas, e nem sempre deu-se bem. Recordemos que em autos e mistérios teatrais e em narrativas dos fabliaux do baixo medievo era frequente fosse o diabo enganado pela astúcia de gente simples ou por seu próprio excesso de maldade110 110 Cf. Muchembled, Robert, Uma História do Diabo, p. 30; O’Grady, Joan, Satã - o Príncipe das Trevas, p. 71. . Aqui não seria diferente, e Câmara Cascudo falaria do paradigma do “diabo logrado”. Derrotado em desafios por repentistas competentes, ludibriado em inúmeros entrechos de cordel por personagens a quem quisera iludir, sempre afinal esmagado pelo poder benfazejo de Maria, do diabo importado se pode dizer que não teve por estas bandas uma vida fácil111 111 Cf. Câmara Cascudo, Luís da, Dicionário do Folclore Brasileiro, p. 194; Menezes, Eduardo Diatahy B. de, A quotidianidade do demônio na cultura popular, pp. 92 ss. Na “Peleja de Manoel Riachão com o Diabo”, cordel de Leandro Gomes de Barros, o Coisa-ruim, derrotado, desaparece em meio a uma “catinga de enxofre” (p. 16). .

6. Nossas visitações

Entre o final do século XVI e o terceiro quartel do XVIII o Santo Ofício promoveu pelo menos quatro visitações a terras brasileiras: 1ª) de 1591 a 1595, na Bahia e em Pernambuco; 2ª) de 1618 a 1620, na Bahia; 3ª) de 1627 a 1628, no Rio e em São Paulo; 4ª) de 1763 a 1769, no Grão-Pará. Historiadores denominam de grande inquirição uma devassa ocorrida na Bahia em 1646, que entretanto não envolveu visitação, mas cujo porte merece referência. À exceção da tardia visitação do Grão-Pará, em contexto histórico peculiar112 112 À decadência do poder inquisitorial (já não se executava a pena de morte, e mesmo açoites eram raros), que se consumaria com o Regimento de 1774, acresçam-se a expulsão dos jesuítas (1759) e a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755), que remodelavam as relações econômicas locais. Cf. Amaral Lapa, J.R., Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, pp. 24-27. , verifica-se que as visitações se concentram no período da união ibérica (1580-1640) e ao zelo pela fé cabe emparelhar a cobiça filipina sobre o patrimônio de cristãos-novos enriquecidos na colônia pelos negócios do açúcar113 113 Cobiça aguçada, segundo Gonsalves de Mello, pela “presença naquelas duas capitanias de numerosa parcela de cristãos-novos e, consequentemente, de possíveis judaizantes” (Confissões de Pernambuco, p. 7). : o vice-rei de Portugal, o cardeal arquiduque Alberto da Áustria, era também o Inquisidor-geral do reino. São disparadas também, no período, visitações para Angola, Açores, Madeira, Cabo Verde e São Tomé.

Um mesmo cerimonial foi observado em todas as visitações, o que se explica pela presença de regras similares constantes dos três regimentos sob os quais elas se realizaram (os de 1552, de 1613 e de 1640). Os passos protocolares eram os mesmos: a prévia apresentação de suas credenciais ao bispo; a formal convocação das “justiças seculares” para conhecerem “a patente del Rei”; o pregão para o domingo do sermão da fé (neste dia, em nenhuma outra igreja se oficiaria); o edito da graça, com a concessão de certo prazo (no máximo, trinta dias) durante o qual uma confissão plena garantiria ao confitente que “não perderá os bens”; a afixação do edital e do monitório à "porta principal da Igreja"; a procissão solene, na qual com toda a pompa irá o Visitador “dentre as relíquias acompanhado de todas as justiças da terra e oficiais da câmara”; a tomada de juramento de todas as autoridades114 114 Cf. caps. 5º a 10 Reg. 1552; tít. II Reg. 1613; liv. I, tít. IV Reg. 1640. . Mesmo a questão da competência dos visitadores estava equacionada no Regimento de 1613, no sentido de restringi-la115 115 Reg. 1613, tít. II, VI: “O Inquisidor que fizer a visitação por parte do Santo Ofício, na dita visita somente despachará os casos leves, que não chegarem a mais que de leve suspeita, e sendo em parte tão remota que se não possam consultar os Inquisidores, sendo tais que não requeiram prisão, nem pena corporal ainda que se provem plenamente - e todo o mais remeterá aos Inquisidores e não prenderá culpado algum, salvo quando houver temor de fuga”. Também o Reg. 1640 (liv. II, tít. I, 3º) restringia a competência do Visitador, que não podia julgar casos graves, nos quais se apresentasse “veemente suspeita na fé”. ; não sabemos se tal dispositivo foi motivado pelos abusos de poder de nosso primeiro Visitador, duas décadas antes.

Nomeado em março de 1591 Visitador para o Brasil, São Tomé e Cabo Verde, Heitor Furtado de Mendonça116 116 Mais de uma vez Gonsalves de Mello insistiu em que o sobrenome do Visitador era Mendoça “à espanhola, e não Mendonça” (Gente da Nação, p. 5 e passim). chegou à Bahia em junho daquele ano, na mesma esquadra em que veio o Governador Franciso de Souza. Instalou-se (em linguagem da época, “aposentou-se”) com a maior suntuosidade possível (o Conselho se queixaria de suas despesas mais tarde) e fez dos passos protocolares cerimônias ostentatórias do poder que se inaugurava. Foi-lhe atribuída uma competência jurisdicional modesta, podendo decidir apenas sobre “os casados duas vezes, blasfemos e outros de culpas menores que conforme a qualidade delas não cheguem a mais que fazerem os culpados abjuração de levi117 117 Gonsalves de Mello, José Antônio, Gente da Nação, p. 160. ; réus por acusações mais graves (criptojudaísmo, luteranismo e outras “heresias” radicais) deviam ser remetidos a Lisboa com os autos do inquérito. O Visitador não só pleiteou ao Conselho Geral que lhe dilargasse a competência como, não sendo atendido, extrapolou-a sem autorização; por outro lado, algumas vezes remeteu presos sem prova suficiente, sendo por isto advertido. Heitor Furtado de Mendonça sentenciou118 118 As sentenças eram subscritas também pelo bispo Antônio Barreiras e pelos padres Fernão Cardim e Marçal Beliarte, respectivamente reitor do colégio dos jesuítas e provincial deles. casos que lhe excediam a competência, promoveu na Bahia quatro autos-de-fé disfarçados de procissões (em Pernambuco promoveria mais dois) e fez executar a pena de açoites, para desagrado do Conselho. Por certo despertou sentimentos que explicam o atentado que sofreu por duas vezes, quando dispararam contra seu quarto sem atingi-lo119 119 Dias Farinha, Maria do Carmo J., O atentado ao primeiro Visitador do Santo Ofício no Brasil - 1592. . Ao longo de 1593 o Conselho ordenou-lhe - e teve que insistir muito na ordem - que fosse logo para Pernambuco, onde deveria fazer visita “mais breve que for possível”, e regressasse a Lisboa sem visitar São Tomé e Cabo Verde, como originalmente previsto. Finalmente, em setembro de 1593 Heitor Furtado de Mendonça chegou em Pernambuco, onde o mesmo cerimonial seria observado, e onde permaneceria por dois anos. Em janeiro de 1595 Heitor Furtado de Mendonça e seu séquito estiveram na capitania da Paraíba. Desta primeira visitação resultaram alguns livros120 120 Relação completa em Gonsalves de Mello, José Antônio, Introdução, Confissões de Pernambuco, pp. 8 e 9. que contêm as confissões e as denunciações formuladas na Bahia e em Pernambuco (os livros com as ratificações parecem menos relevantes). Além de sua importância para a história da intimidade na colônia, tais confissões e denunciações - bem como aquelas resultantes de outras visitações - expõem a mentalidade penal que regia um subsistema punitivo tão poderoso, influente e rapace. Quando formos em busca de nossos blasfemos, curandeiros e adivinhos abriremos esses livros.

A segunda visitação121 121 De uma visitação que teria sido programada para 1605 não se pode afirmar tenha ocorrido, à míngua de provas documentais suficientes. se iniciaria em setembro de 1618 e se encerraria em junho de 1620, também na Bahia, e teria sido motivada por prisões e confiscos que a Inquisição promovera recentemente no Porto, de onde teriam emergido indícios da migração de cristãos-novos para a colônia. Os resultados parcos dessa visitação - três processos com desfecho de abjuração de levi e um com absolvição, sendo os quatro réus cristãos-novos - não nos auxiliam a compreender os objetivos ou a oportunidade da visitação. O nome do Visitador era Marcos Teixeira, homônimo do bispo da Bahia: um intrincado debate historiográfico chegou finalmente a distinguir duas pessoas por muitos anteriormente confundidas122 122 Para o debate, D’Oliveira França, Eduardo e Siqueira, Sonia A., Introdução, em Segunda Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, pp. XXVI ss. .

A terceira visitação, que teve por protagonista, vindo de Angola, Luis Pires da Veiga - futuramente suspenso de suas funções por suspeita de irregularidades - ocorreria em 1627 e 1628 em capitanias do Sul. Segundo Lina Gorenstein, tal visitação poderia ser resposta do Santo Ofício às queixas de um carmelita, em 1625, acerca da devassidão e da presença de “gente da nação” no Rio123 123 Gorenstein, Lina, A terceira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, p. 26. . Como não foram elaborados (ou se perderam em naufrágio) livros com denunciações e confissões, a principal fonte sobre esta visitação constitui o processo de Isabel Mendes, cristã-nova que prestou vários depoimentos; remetida a Lisboa, sairia num auto-de-fé em 1634. O visitador esteve também em São Paulo, Santos e Vitória. Observando que o visitador “não prendeu nem sequer investigou a maioria dos acusados” por denunciação ou confissão, Gorenstein atribui o relativo desinteresse ao fato de “esses moradores serem pobres, com pouco a ser confiscado”124 124 Op. cit., pp. 26 e 30. : ao contrário de Bahia e Pernambuco, as capitanias do sudeste teriam que esperar seja por melhor desempenho dos engenhos fluminenses, seja pela mineração no século XVIII para oferecer ao Santo Ofício um butim compensatório das despesas investigativas.

Em função de cartas recebidas da Bahia, com as repetidas imprecações acerca de relaxamento dos costumes e da presença de cristãos-novos judaizantes (este dado de especial interesse orçamentário), o Santo Ofício remeteu instruções aos jesuítas recomendando uma ampla devassa. De abril a agosto de 1646 foram ouvidas cento e vinte pessoas, na média de pelo menos uma por dia, entre delatores, acusados e testemunhas. O Governador Antônio Teles da Silva, ele mesmo familiar da Inquisição, juntou os interesses da ordem aos da fé, prestando também ele depoimento. Não se tratou de uma Visitação, mas a produtividade desta Grande Inquirição supera a de algumas visitações (certamente a das segunda, terceira e quarta). Anita Novinsky percebeu nela, ao lado de outras características, uma “resistência da população em ir denunciar”. Sua conclusão se fundamenta na profissão dos delatores na Grande Inquirição: 81% deles eram integrantes da Igreja, do Governo, da Justiça ou muito ricos; só 19% eram mesteirais, estudantes ou escravos125 125 Novinsky, Anita, Cristãos-novos na Bahia, pp. 135 e 184. . Como sabemos, muitas inquirições, conduzidas pelas justiças episcopais, foram instauradas na colônia, com ou sem recomendação expressa de Lisboa; a grandeza desta de 1646 justifica sua menção.

A quarta visitação, de longe a mais extensa tanto espacialmente (compreendia o “Pará, Maranhão, Rio Negro e mais terras adjacentes”) quanto temporalmente (perdurou de 1763 a 1769), foi dirigida pelo padre Giraldo José de Abranches. Empreendida em ocasião de mudanças econômicas e políticas que sinalizavam também a perda de prestígio da própria Inquisição126 126 Cf. nota nº 112. , a visitação cumpriu todo o cerimonial: em setembro de 1763 iniciou-se o período de graça. Na comissão outorgada ao Visitador pelo Conselho Geral sua competência abrangia as pessoas “que se acharem culpadas, suspeitas em fama (...) no delito e crime de heresia e apostasia, no de pecado nefando ou em outro qualquer que pertença ao Santo Ofício”127 127 Amaral Lapa, J. R., Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, p. 115. . Amaral Lapa, o historiador brasileiro que encontrou na Torre do Tombo o manuscrito do livro da Visitação, observou que entre o amplo rol de suspeitos constava apenas “um senhor de engenho (...), religiosos, alguns lavradores de certo cabedal, poucos militares e funcionários públicos de maior graduação”: a grande maioria era constituída por "pessoas das camadas populares, gente trabalhadora”128 128 Livro da Visitação ..., cit., p. 54. . O bispo do Pará, D. frei João de São José Queiroz, possuidor de livros proibidos, foi preso e remetido a Lisboa, e o Visitador, sendo o bispado sede vacante, passou a reger a diocese. Em seis anos de funcionamento a visitação ouviu quase quinhentas pessoas, mas os resultados parecem magros para tanto tempo: 21 feiticeiros(as), 6 blasfemos, 9 curandeiros(as), 4 sodomitas, 5 bígamos, 2 hereges e um senhor “denunciado por castigos corporais em seus escravos”129 129 Amaral Lapa, J. R., em Livro da Visitação, cit., p. 32. .

7. Nossos pecados delituosos (ou nossos delitos pecaminosos)

As confissões e denunciações registradas pelos notários das visitações têm por objeto condutas submetidas à jurisdição do Santo Ofício por bulas papais, decretos reais e resoluções do Inquisidor-geral ou do Conselho. Os Regimentos de 1522 e 1613 só continham matéria processual e administrativa; só no Regimento de 1640 encontraremos, em seu Livro III, uma tosca Parte Especial, contemplando hereges, apóstatas, cismáticos, blasfemos, feiticeiros, adivinhadores et caterva. A vulgarização das condutas proibidas era realizada pelos visitadores com a publicação do monitório, publicação paralela à do edito de graça. O primeiro monitório, feito por Diogo da Silva em 1536, foi sendo acrescentado na medida em que a Inquisição dilatava seu poder dilatando sua competência. O criptojudaísmo era, até pela relevância econômica, a mais pormenorizada passagem dos monitórios. O cristão-novo que usasse uma roupa limpa no sábado, ou cujo organismo tivesse aversão a carne de porco, ou que lançasse fora um cântaro de água nas proximidades de um óbito estaria na iminência de ver-se criminalizado. Neste sentido os monitórios inquisitoriais constituem precedente claro do paradigma policial da "atitude suspeita”.

No breve exame que faremos do conteúdo de algumas confissões e denunciações estará ausente o criptojudaismo, matéria exaustivamente tratada por historiadores. Tampouco examinaremos os casos de sodomia. Vainfas menciona “certa tolerância que tanto os índios como os africanos devotavam às condutas homossexuais”; no máximo, tais condutas poderiam ocasionar algum desprezo pela falta, quando fosse o caso, das “virtudes guerreiras”130 130 Vainfas, Ronaldo, Trópico dos Pecados, pp. 159 e 160. Gabriel Soares de Souza já houvera observado que os Tupinambás eram “mui afeiçoados ao pecado nefando” (Tratado Descritivo do Brasil, p. 297); “muito viciosos no vício contra a natura”, lamuriava-se Nóbrega (Obra Completa, p. 224). Gandavo menciona “algumas índias (que) deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e (...) cortam seus cabelos da mesma maneira que os machos trazem e vão à guerra (...) e cada uma tem mulher que a serve e que lhe faz de comer como se fossem casados” (Tratado da Terra do Brasil, p. 69). . Ainda que muitos direitos tenham historicamente regulado a sexualidade, nenhum o fez tão drasticamente quanto o direito canônico, que estabeleceu uma única forma lícita de relacionamento sexual (a conjunção carnal intramatrimonial procriativa) e criminalizou todas as demais. Aí reside a inquestionável fonte das homofobias ainda vigentes entre nós.

Também não nos ocuparemos da bigamia. A distância entre colônia e metrópole, dificuldades de comunicação, naufrágios e doenças separavam maridos e mulheres por anos e mesmo décadas, e sugeriam falecimentos nem sempre ocorridos. O pensamento desejoso do(a) degredado(a) matava-lhe o cônjuge na razão direta dos anos de ausência e silêncio. O Inquisidor Pedro de Castilho adicionou ao Regimento de 1613 uma recomendação segundo a qual, nos casos de bigamia, não se deveria proceder “sem primeiro verificar ambos os matrimônios que tiverem contraído”, já que o verniz herético deste delito provém da crença de “ser lícito casar duas vezes”, ou seja, da afronta ao sacramento do matrimônio131 131 Rev. IHGB, a. 157, nº 392, jul-set 1996, p. 687. O Concílio de Trento já havia estabelecido a pena de excomunhão para quem afirmasse “ser lícito aos cristãos ter muitas mulheres ao mesmo tempo (plures simul habere uxores)” (Sessão XXIV, cânone II). . Reunir dois registros católicos de dois casamentos celebrados em locais distantes não era tarefa simples nos séculos XVI e XVII. Considere-se, por fim, a carência de mulheres brancas na colônia132 132 Sobre isso, Mezan Algranti, Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia, pp. 53 ss; como observou Stuart Schwartz, “a falta de mulheres europeias atirava os colonos nos braços das índias” (Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial, p. 47). Um alvará régio de 10.mar.1732 proibia fossem da colônia para a metrópole mulheres “com o pretexto de serem religiosas”, constrangidas a tal destino pelos pais, sem licença do rei: o pretexto de uma então inexistente liberdade de culto está aí escondendo a razão biopolítica (cf. Lopes Ferreira, Manuel, Practica Criminal, p. 556). .

Nos dois tópicos subsequentes trataremos apenas dos blasfemos e dos feiticeiros, curandeiros e adivinhos. Nossa escolha orientou-se pela atualização de tais infrações: a blasfêmia era uma espécie de fake-new teológica, e ainda hoje religiões africanas e medicinas alternativas são perseguidas e criminalizadas.

8. Nossas blasfêmias

Os Regimentos de 1640 e de 1774 puniam com mordaça, açoites e degredo blasfêmias contra “o mistério da Santíssima Trindade” e contra a “pureza da Virgem Maria”133 133 Reg. 1640, liv. III, tít. XII, 4; Reg. 1774, liv. III, tít. VIII, 3. . Também as Constituições Primeiras baianas, de 1707, cominavam às blasfêmias contra Cristo, contra a “gloriosa Virgem Maria” e contra os Santos a imposição de mordaça “na porta da igreja”, açoites “sem eflusão de sangue” e, na reincidência, degredo134 134 Constituições Primeiras, liv. V, tít. II, 890. Neste caso, o degredado deveria afastar-se do território da arquidiocese. . O Regimento de 1774 fornecia exemplos de afirmações heréticas: dizer que “a fornicação simples não é pecado” ou dizer que “a usura e a simonia são lícitas”135 135 Reg. 1774, liv. III, tít. VIII, 8. Curioso observar que em 1745, portanto três décadas antes da promulgação deste regimento, o papa Bento XVI havia temperado a proibição da usura: mantendo a interdição de juros no mútuo, admitia que em algum “altro contratto diverso dal mutuo” era lícito obter um “modesto guadagno” (encíclica Vix pervenit, V). Foi prática comum ocultar o mútuo sob a pele de outro contrato (câmbio, retrovenda etc) para a obtenção “lícita” de juros. . Também o Monitório Geral, que arrolava as “atitudes suspeitas” a serem denunciadas, incluía diversas afirmações blasfemas, como dizer “não serem pecados mortais a onzena e a fornicação simples”, ou descrer da virgindade de Maria “antes e depois do parto”. O concílio de Trento cominava a excomunhão para quem afirmasse que os cristãos podem ter muitas mulheres ao mesmo tempo (si quis dixerit licere Christianis plures simul habere uxores [...] anathema sit) e para quem afirmasse que o estado do matrimônio é preferível ao celibato, ou ainda para quem duvidasse da existência do Purgatório136 136 Respectivamente Sessão XXIV, cânones I e X e Sessão XXV; no volume citado (Lopez de Ayala, Ignacio, El Sacrossanto ...), pp. 237, 238 e 283. . Em 1564 Felipe II expediu uma carta régia que determinava a observância (“que seam guardados, cumplidos e ejecutados”) dos cânones tridentinos, se necessário pela interposição de sua “autoridad y brazo real”. Antes mesmo deste decreto a blasfêmia já era punida pelo direito régio com cárcere por um mês e na reincidência exílio por seis meses e multa; na multireincidência, a pena de fixar um cravo na língua blasfema seria depois substituída pela mordaça.137 137 Covarrubias y Leiva, Diego de, Summa de Delictis et eorum Poenis, p. 258.

Nessa conjuntura a reflexão política e jurídica ensaiava subtrair o pensamento dos homens de qualquer consequência penal. “Todo poder exercido sobre o foro íntimo se tem por violento”, proclamava Spinoza138 138 Tratado Teológico-Político, p. 300. ; “os atos da mente dentro de si mesma, que são meramente internos (...) estão todos isentos de serem atingidos pelos castigos humanos”, repicava Pufendorf139 139 Os Deveres do Homem e do Cidadão, II, XIII, XI (p. 337). . Só a partir do século XVIII, contudo, só após podados da árvore do conhecimento os galhos teológicos é que se poderia conceber uma irrestrita liberdade de pensamento. Mas nenhuma dúvida havia de que as palavras podiam ser castigadas, seja na reflexão política, como em Hobbes140 140 “Um crime é um pecado que consiste em cometer por feito ou palavra um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ela ordena” (Leviatã, P. 1ª, cap. XXVII; p. 171). , seja na reflexão jurídica, como em Júlio Claro141 141 Os delitos praticados verbalmente (“delicta quid committitur verbo”) são ilustrados por Júlio Claro com a blasfêmia e a injúria verbal (Practica Criminalis, § 1º, 11; p. 5). . Bastaria a multimilenar tradição da calumnia (denunciação caluniosa), com seus juramentos e sanções talionais, para constatar a antiga criminalização da expressão humana, que no lesa-majestade - humana ou divina - não conhecia limites. Nossa conjuntura é anterior à invenção da liberdade de manifestação do pensamento; pelo contrário, as disputas religiosas atiçavam o zelo pela integridade da doutrina e o respeito aos dogmas.

Porém nessa mesma conjuntura vicejava na Europa uma arte popular que recorria com frequência ao riso e à irreverência, troçando da nobreza decadente ou ironizando clérigos e crenças religiosas, exprimindo-se na forma de comédias teatrais em feiras e outros espaços públicos, ou de uma literatura que encontraria em Rabelais seu ponto culminante. Como observou BakhtinBakhtin, Mikhail, A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, trad. Y. Frateschi, Brasília, 1999, ed. UnB;, essa cultura cômica popular se opunha à cultura oficial, ao estilo grave e protocolar da época142 142 A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, p. 3. Cf. Tinhorão, José Ramos, As Festas no Brasil Colonial e Jancsó, István e Iris (orgs.), Festa - Cultura e Sociedade na América Portuguesa; Araújo, Emanuel, O Teatro dos Vícios. . Muitas blasfêmias germinaram e floresceram no solo fecundo dessa irreverente cultura popular. No esforço político da Contra-reforma, todas as manifestações que pudessem ser interpretadas como desacato ou desprezo à autoridade eclesiástica ou a objeto de culto ou ainda às doutrinas canonizadas em Trento instalavam suspeição de heresia. Muito daquela cultura popular europeia se adaptaria à colônia e afloraria, aqui e ali, em nossas blasfêmias. Duas confitentes do primeiro Visitador blasfemaram de forma semelhante: Maria Violante, ensopada por um temporal soteropolitano, disse que “Deus mijava sobre ela e a queria afogar”; Apolônia de Bustamante, emporcalhada “por chuvas e lamas e enxurradas”, disse “bendito sea el carajo de mi señor Jesu Christo que ahora mija sobre mi143 143 Confissões da Bahia, pp. 129 e 267. . Pois o gigante Pantagruel, certa ocasião, não “mijou no acampamento tanto e tão fartamente que afogou todos, e teve um dilúvio local num raio de dez léguas”?! 144 144 Rabelais, François, Pantagruel, p. 171. O fato de fontes inquisitoriais (como os Regimentos e o Monitório Geral) e do próprio concílio de Trento preverem certas blasfêmias, como aquela que não vê pecado na mera conjunção carnal com mulher desimpedida (fornicatio simplex) ou aqueloutra que superpõe o estado de casado ao celibato clerical, depõe sobre sua ampla circularidade: tais enunciados constarão de inúmeras confissões e delações dirigidas às visitações empreendidas na colônia. Os visitadores, ouvida a blasfêmia narrada pelo delator, sempre lhe perguntavam se quem a proferira estava “bêbedo ou fora de seu juízo”, condição que atenuaria o caráter herético das palavras.

Por certo muitas denunciações, mais ou menos acordadas entre si, contra um mesmo alvo podem revelar-nos a instrumentalização do Visitador por interesses confluentes, como parece ter ocorrido com João Nunes na primeira visitação, em Pernambuco145 145 Sobre João Nunes, cf. a Introdução de Rodolpho Garcia, em Denunciações de Pernambuco, p. XXIX. . Comerciante riquíssimo, dono de dois engenhos e cristão-novo, João Nunes foi alvo de dezenas de denunciações, mas o escandaloso concubinato com mulher casada e alguma usura que terá afiado a língua dos devedores ficaram em segundo plano, porque um boato escatológico imputou-lhe grave sacrilégio (ele manteria, num cômodo de sua casa, um crucifixo próximo do “vaso immundo em que fazia seus feitos corporais”146 146 Denunciações de Pernambuco, p. 34. As versões variam: houve quem visse o crucifixo entre dois vasos imundos (p. 42), e mesmo quem ouvisse dizer que certa ocasião João Nunes urinara sobre o crucifixo (p. 124), que a maioria assegurava estar colocado atrás e sobre o vaso (pp. 67, 91, 214 e passim). ): terminou preso e remetido a Lisboa. Porém não só a bigamia e a sacramentalização do matrimônio conferiam à visitação ares de uma vara de família. Em 22 de janeiro de 1594 Pero de Albuquerque, zeloso cristão-velho, delatou seu genro Nuno Barros de Loureiro, que dissera não crer “em Deus nem na Virgem Maria”. Seis dias depois três mulheres se apresentam à Mesa da visitação. A primeira a ser recebida é a mulher de Pero, portanto sogra do delatado, que veio apenas para acrescentar que o genro também “não cria na virgindade de Nossa Senhora”. A segunda mulher era Maria, esposa do delatado, que além de confirmar que o marido não acreditava nem em Deus nem na virgindade de Maria, informou que ele a ameaçava de morte e de lançar seu corpo aos cães, talvez insatisfeito porque “seu pai lhe não satisfez o dote”, e porisso a espanca - mas ela “se escandaliza muito de lhe ouvir as blasfêmias”. A terceira mulher era Lianor, irmã de Maria, cujo depoimento confirmou que seu cunhado “descria de Deus e da Virgem Maria”147 147 Denunciações de Pernambuco, pp. 168, 184, 185 e 186. . Não é difícil perceber os interesses familiares e patrimoniais escondidos atrás de uma descrença criminalizada. Por vezes encontramos confissões preventivas, como aquelas rigorosamente concordantes dos tripulantes de um navio que fora “tomado pelos franceses luteranos”, com os quais tiveram que conviver por um período148 148 Confissões de Pernambuco (1ª V - CP), pp. 63, 69, 71, 78, 86 e 88. Doravante as fontes serão citadas da seguinte maneira: inicia-se a sigla pela ordem da Visitação (1ª V = Primeira Visitação, 1591-1595, Bahia e Pernambuco; 2ª V = Segunda Visitação, 1618-1620, Bahia; 3ª V: não será citada pela perda dos livros; 4ª V = Quarta Visitação, Grão-Pará, 1763-1768). Após o hífen, seguem-se as letras D (Delações) ou C (Confissões), seguidas, apenas na 1ª V, das letras B (Bahia, abrangendo Salvador e Recôncavo) ou P (Pernambuco, abrangendo Olinda e Tamaracá). . Para nos darmos conta de como delações eram utilizadas para finalidades bem pouco religiosas, olhemos para os depoimentos de Úrsula e Marcelina, cujo padrasto Francisco Gomes, após seduzir duas de suas enteadas, passou a assediar uma terceira, Ângela, que se homiziou na casa de um tio, Domingos Ribeiro. Enraivecido contra quem abrigara sua próxima presa, Francisco Gomes coagiu Úrsula e Marcelina para que fossem - elas tinham na ocasião respectivamente oito e nove anos - ao bispo denunciar Domingos Ribeiro “impondo-lhe culpas de judaísmo”, tais quais guardar os sábados e neles usar camisas lavadas, além claro de “cuspir numa imagem de Nossa Senhora”149 149 2ª V, pp. 384 e 394. .

A fórmula mais elementar da blasfêmia é a negação da divindade do próprio Pai: “Deus não é Deus”150 150 1ª V - DP, pp. 22 e 72. . Os motivos variavam, desde a falta de comida para os filhos até uma dor de dentes, passando pelo anseio por uma vingança que não se realizava151 151 Respectivamente 1ª V - CB p. 150; 1ª V - CP pp. 32 e 135. A expressão “arrenego de Deus (ou da Virgem, ou dos Santos)” era muito empregada, seja por quem perdeu um filho picado por cobra (1ª V - DP p. 195), seja por quem perdeu no jogo (1ª V - CP p. 36), seja por alguém que está sendo açoitado (2ª V p. 451), ou ainda por um homem pobre, cego e habitualmente espancado por familiares (1ª V - CB p. 232). Era de uso corrente: cf. 1ª V - CB pp. 100, 129, 229, 267 e 338; 1ª V - DB pp. 388, 398, 400, 500 e 502; 1ª V - DP pp. 21, 28, 79, 83, 179, 188, 209, 272, 408, 444, 445, 450; 1ª V - CP p. 50; 4ª V p. 163. . Uma curiosa versão condicionava a descrença (seja de Deus, seja do “óleo e crisma” recebidos) à inadimplência de um devedor: “com cólera e agastamento disse que descria de Deus se lho não pagasse”152 152 1ª V - CP pp. 77, 98, 104 e 119. . Nessa versão o devedor aparece quase como um cúmplice da blasfêmia, por motivá-la. Descrenças pontuais desafiavam artigos de fé: não existia “limbo”, não existia "inferno”, não existia “outro mundo”, não existia “purgatório” (ao contrário do que Trento garantira), não existia “nem demônios nem inferno”153 153 1ª V - DB pp. 272, 413, 438 e 497; 1ª V - DP pp. 93, 103, 104, 165 e 167; 4ª V p. 230. . Francisco Pinheiro Coutinho recomendava a um amigo, que viria a delatá-lo, não trabalhasse tanto, já que o Juízo Final chegaria em dez anos154 154 2ª V p. 403. . Vítima de solicitação ad turpia, Antônia Correia desabafou: era melhor confessar-se “ao pé de um pau a Nosso Senhor” do que a um clérigo!155 155 1ª V - CB pp. 250-251. Um certo Francisco Luís era de opinião que “os potiguares não tinham alma”156 156 1ª V - DP p. 415. Também em 1ª V - DB p. 551. , em colisão com a bula Sublimis Deus, que Paulo III exarara em 1538, reconhecendo a racionalidade e a natureza humana dos indígenas. Um destes, que por não manejar o português foi ouvido com intérprete, estava “muito arrependido” por ter declarado que “no sacramento da comunhão estava a morte e quem comungava recebia a morte”157 157 1ª V - CB p. 82. ; temos aí um eco da desconfiança nativa acerca do batismo, que também causaria a morte, desconfiança registrada na correspondência jesuítica158 158 “Só de uma coisa estamos espantados, que quase quantos batizamos adoeceram, uns da barriga, outros dos olhos, outros de inchações; e tiveram ocasião os seus feiticeiros de dizer que nós, com a água com que os batizamos, lhes damos a doença e com a doutrina a morte” (Nóbrega, Obra Completa, p. 81). Teria algum xamã tupinambá resistido à conversão envenenando os batizados? .

Mas as blasfêmias estatisticamente mais frequentes são duas. A primeira delas - anatematizada em Trento e prevista no Monitório Geral e no Regimento de 1774 - era afirmar que a simples fornicação não era pecado mortal159 159 1ª V - CB p. 130; 1ª V - CP pp. 48-55 e 77; 1ª V - DB pp. 274, 376, 460, 498 e 499; 1ª V - DP pp. 73, 107, 114, 118, 140-141, 219, 325, 331, 340, 412 e 436. . Uma variante mercantilista da blasfêmia desses pioneiros do amor livre acrescentava a recompensa para a mulher: “que não era pecado dormir hum homem carnalmente com uma negra se lhe pagasse”160 160 1ª V - DB p. 375; 2ª V p. 407. A palavra “negra” na ocasião designava uma indígena. Blasfêmias similares em 1ª V - DP pp. 189-190, 237, 245 e 336; 1ª V - CP p. 133; 2ª V p. 511. . A segunda blasfêmia, também anatematizada em Trento, era especialmente desconfortável para a hierarquia católica não só pelas críticas aos costumes do clero contemporâneas da Reforma como também por evocar críticas que provinham de heresias medievais, como a dos cátaros. Consistia ela em afirmar que o estado dos casados era tão bom ou melhor do que o estado dos clérigos, e se desconsiderarmos as referências ao criptojudaísmo esta foi a mais proferida das blasfêmias161 161 1ª V - CB pp. 210, 280, 339, 342, 345; 1ª V - DP pp. 52, 89, 94, 177, 193, 268, 341, 342, 347, 395, 411 e 455; 1ª V - CP pp. 27, 31, 33, 35, 43, 44, 54, 57, 90, 101, 105, 109, 116, 146 e 147; 2ª V pp. 405 e 409. . Há registros ainda de uma prática que configuraria sacrilégio (colocar um crucifixo sob o corpo da mulher durante a conjunção carnal) e de outra, que consistiria em sussurrar ao ouvido da pessoa amada, nessa mesma ocasião ou durante o seu sono, as palavras de consagração da hóstia “hoc est enim corpus meum (este é na verdade o meu corpo)”162 162 Segundo a confitente Paula Siqueira foi um clérigo que lhe ensinou a fórmula (1ª V - CB p. 109); cf. também 1ª V - DB pp. 314, 339 e 373; 1ª V - CB p. 136. . Mas parece que o objetivo, neste último caso, não era ofender o sacramento da eucaristia e sim obter o afeto da mulher; portanto, uma atividade da ordem da feitiçaria.

9. Nossos feiticeiros, adivinhos e curandeiros

As doenças existiram milênios antes de que existissem médicos: contudo, já existiam magos e sacerdotes, capazes de ampliar o conhecimento pela adivinhação e de interceder junto à divindade em favor da cura. Aquela pitada de magia que existe em toda religião, como Lévi-Strauss registrou163 163 La Pensée Sauvage, p. 293. Para as iniciativas teóricas que buscaram distinguir magia e religião, Pastore Schritzmeyer, Ana Paula, Sortilégio de Saberes, pp. 31 a 45. , viabiliza a busca da cura por meios sobrenaturais. Pedro Montano percebeu certeiramente que “na pessoa do xamã se fundem de forma embrionária o adivinho, o médico, o feiticeiro e o mago”164 164 Medicinas Alternativas y Derecho Penal, p. 4. . Não só os profetas da Torá anteviam o futuro; a arte da adivinhação sobreviveu na América tanto no candomblé brasileiro quanto na santeria cubana165 165 Prandi, Reginaldo, Mitologia dos Orixás, p. 18. . Também na arte da cura poderemos observar muitas confluências entre diferentes religiões e medicinas populares, até porque a representação da doença como um “roubo da alma” pelos pajés166 166 Cf. Gurgel, Cristina, Doenças e Curas - o Brasil nos Primeiros Séculos, pp. 52 ss. tornava inevitável dialogar com o outro mundo. Na medida em que se vai construindo um saber médico “oficial”167 167 Para a construção deste saber, e especialmente da medicina social entre nós, segue indispensável Machado, Roberto - Loureiro, Ângela - Luz, Rogério - Muricy, Kátia, Danação da Norma. também se vão efetuando trocas entre ele e as medicinas populares168 168 Cf. Malaguti Batista, Vera, O Medo na Cidade do Rio de Janeiro, p. 159. . A extensa sobrevida das terapias populares, de origem ameríndia ou africana, foi constatada por Berta Ribeiro169 169 O Índio na Cultura Brasileira, pp. 136 ss; também Maynard Araújo, Alceu, op. cit., passim. . Ao lado das orações e das invocações se interpunham medidas terapêuticas materiais (mezinhas, ervas, chás, óleos etc) a serem ingeridas pelo paciente ou aplicadas em regiões de seu corpo. Uma prova da longevidade desse modelo misto (religioso e empírico) foi encontrada nos anos oitenta do século XX por Delvair Montagner: os cânticos terapêuticos dos Marúbo eram acompanhados pelo uso de inúmeras espécies vegetais170 170 A Morada das Almas, pp. 85 ss. .

Não nos deteremos sobre o caso que mais escandalizaria o olhar inquisitorial na primeira Visitação à Bahia: a Santidade de Jaguaripe, um culto sincrético que reuniu milhares de índios, não só aqueles que realizavam uma migração de fundo religioso para o leste, como também muitos que fugiram de outras unidades de produção para o Engenho Jaguaripe. Ocorridos cerca de um lustro antes da chegada do Visitador, tais fatos foram objeto de meticulosa reconstrução por Ronaldo Vainfas171 171 A Heresia dos Índios. Vale comparar a cínica confissão de Fernão Cabral de Taíde (1ª V - CB pp. 63 ss) com a implacável biografia que Vainfas lhe traça (op. cit., pp. 83-95). . Vejamos, pois, o que as confissões e denunciações prestadas às visitações revelam sobre nossos feiticeiros, adivinhos e curandeiros coloniais.

Principiemos por aqueles que mencionaram o diabo. Em 18 de setembro de 1618 Pero de Moura denunciava ao Visitador Marcos Teixeira “hum negro de São Thomé” que “tinha fama de feiticeiro” e certamente já fora atingido pela justiça eclesiástica ordinária, pois “estivera preso no Aljube”. Tal “negro” - cujo nome seria ignorado para sempre - curara um irmão do denunciante, “muito doente e desconfiado dos médicos”, valendo-se de um ovo, de ervas e mezinhas. O Visitador perguntou ao denunciante “se sabia que o dito negro tivesse feito algum pacto tácito ou expresso com o Diabo”172 172 2ª V p. 454. . Em 21 de agosto de 1591 Guiomar de Oliveira assegura ao Visitador Heitor Furtado de Mendonça que Antônio Fernandes “falava com os diabos (...) e eles lhe obedeciam”, acrescentando que ele “dera aos diabos um escrito de sangue de um seu dedo, no qual se lhes entregava”173 173 1ª V - CB p. 133. . Temos aqui um relacionamento à moda antiga, no qual o Diabo obedecia ao feiticeiro; nos tempos modernos a bruxa obedece servilmente ao Diabo. Se o pacto demoníaco é escassamente referido nessas fontes, a mera invocação do Demônio ou mesmo algum diálogo com ele são mais frequentes. Ao recordar-se de que, meio século antes (ou seja, em 1542), “encantou os bichos de certo gado” em Portugal, João Rodrigues Palha admitiu que “nisto havia contacto com o Diabo”, ressalvando que “todos os pastores daquela terra” procediam como ele174 174 1ª V - CB p. 252. . “Uma mulher de alcunha ‘A Mineira’ curava pela arte do diabo com ervas”175 175 1ª V - DB p. 319. ; e Maria Gonçalves, de sugestiva alcunha “Arde-lhe-o-rabo”, “fazia feitiços com o auxílio dos diabos”176 176 1ª V - DB pp. 287, 425, 432 e 298-299. . Alguém muito desesperado lamuriou-se: “ajude-me o diabo já que Deus não quer ou não pode”177 177 1ª V - DB p. 420. . Felícia Tourinho se valia de uma tesoura e da invocação do Coisa-ruim para saber se um homem estava efetivamente indo para o destino que anunciara178 178 1ª V - DP p. 187. . Já em pleno século XVIII Isabel Maria da Silva chamava os demônios “por cantigas” e “tinha familiaridade com eles”; alguém estava disposto a entregar a alma (“podes me levar contigo”) a Jurupari - aqui no papel do Maligno - se dormisse com certa mulher179 179 4ª V. p. 182 e 246 .

Arde-lhe-o-rabo foi contratada por Catarina Froes, cuja filha era maltratada pelo marido, para que fizesse “uns feitiços” objetivando que o genro fosse morto na “guerra de Sergipe”180 180 1ª V - CB p. 119. . Anna Jacome era partidária da feitiçaria preventiva; tendo Isabel Antunes dado à luz uma filha, foi por ela visitada e advertida: “se quereis que não vos venham as bruxas à casa”, trate de virar com os pés para cima uma mesa e uma trempe, além de postar uma vassoura “detrás da porta”. No dia seguinte a filha morreu181 181 1ª V - DP p. 25. . A índia Sabina, que “tinha virtude para descobrir e desfazer feitiços”, localizou em dois casos distintos embrulhos enterrados contendo uma cabeça de jararaca, no primeiro caso, ossos, penas, espinhos e lagartos no segundo182 182 4ª V pp. 165 e 171. Como assinalou Laura de Mello e Souza, o feiticeiro era requisitado também para “desfazer feitiços” (O Diabo e a Terra de Santa Cruz, p. 167). Por vezes tal tarefa era atribuída a um padre. Quando a escravizada Joana enfeitiçou sua colega Felipa, ambas índias, o pároco rezou e resolveu tudo (4ª V p. 192). . Alguém relata que certa feiticeira se transformava numa “borboleta muito grande com seus olhos muito grandes”, que ao esvoaçar apagava a candeia183 183 1ª V - DB p. 342. . Espécie peculiar de feitiço era aquele destinado a atrair o interesse ou o amor de outrem, o feitiço amatório, que se valia de materiais e manobras as mais diversas. A uma mulher “malcasada de seu marido” Antônia Fernandes recomendou tomar três avelãs ou três pinhões, que deveriam ser recheados com “cabelos de todo o corpo” e unhas; após comidos e expelidos, os pinhões seriam torrados e pulverizados, e quem ingerisse a bebida deles proveniente estaria simpático a ela. Ao invés de dá-los ao marido, a mulher deu-os ao senhorio que estava cobrando aluguéis atrasados184 184 1ª V - CB p. 134. . A oração de São Marcos era “eficaz para atrair as mulheres”185 185 4ª V pp. 201, 237, 240, 243 e 251. . Paula de Siqueira aprendeu com outras pessoas diversos feitiços amatórios: cartas de tocar, palavras sedutoras “que havia de dizer andando em cruz”, fragmentos de pedras d’ara (a pedra do altar das igrejas) moídos “em pó em um copo de vinho” e outros186 186 1ª V- CB pp. 110 ss. Mais pedras d’ara em 4ª V pp. 204 e 215 e 1ª V - DP p. 423. . Com o coração de um bode preto ou de um galo preto se preparava “uma mezinha para os homens serem bem casados com suas mulheres”187 187 1ª V - DB p. 479. . Lianor Martins, com o auxílio de alguns objetos (entre os quais “um buço de lobo e uma carta de Santo Erasmo”), não só conseguia despertar sentimentos na pessoa desejada como precatava “para os maridos não verem o que suas mulheres fizessem”188 188 1ª V - DP p. 109. . Adrião Pereira possuía uma carta de tocar, “um papel já muito velho e com bastante rasgaduras”189 189 4ª V p. 130. . Já o mameluco Antônio Mogo conhecia uma oração a São Cipriano que “tinha virtude para reconciliar as vontades das pessoas que tendo trato ilícito entre si se desavieram”190 190 4ª V p. 132. . João Mendes Pinheiro perdera a cabeça por uma “índia solteira” indiferente a suas investidas. Pois, aconselhando-lhe com o índio João, raspou com faca a casca da raiz de certa árvore e misturando com as folhas esfregou todo o corpo; e enquanto se lavava disse três vezes “Diabo jura me fiar de ti; me lavo com estas folhas para Fulana me querer bem”. No dia seguinte a índia foi procurá-lo em sua casa191 191 4ª V p. 209. .

Também diversificados eram os sortilégios utilizados por nossos adivinhos. Brígida Lopez, valendo-se de “água e chumbo”, previu que André Magno de Oliveira, então preso, seria “embarcado para o Reino”, que sua embarcação seria atacada por um navio pirata (“navio ladrão”) porém não seria tomada, e ele regressaria à colônia “solto e livre”; segundo André, tudo aconteceu exatamente como previsto192 192 1ª V - DP p. 98. . Com o auxílio de um balaio e de uma tesoura Maria Francisca descobria quem havia furtado alguma coisa193 193 4ª V pp. 141-142. . Jorge Fernandes possuía um “livro de sortes no qual se lançavam três dados e por certos pontos e letras viam a quantas folhas haviam de buscar o que queriam”194 194 1ª V - DP p. 170. . A autoria de furtos podia ser esclarecida graças à “feitiçaria que chamam das Horas de Nossa Senhora”, em cujo livro se introduzia pela metade uma “chave de cadeado” que o faria mover-se quando enunciado o nome do responsável pela subtração195 195 2ª V pp. 447 e 450. . Um “negro velho dos padres do Mosteiro de São Francisco”, na Salvador de 1628, de cujo nome o denunciante não se recordou, adivinhava onde estaria uma escrava fugida e a fazia regressar para o senhor196 196 2ª V p. 452. .

Nossos curandeiros se valiam de rezas, de plantas e de alguns objetos. Domingos Gomes da Ressureição aprendera a fazer “curas de quebranto, erisipela e dor de olhos” com algumas rezas e uma faca com a qual dava dois toques em cruz na parte afetada197 197 4ª V p. 180. . A índia Sabina, aquela mesma que desfazia feitiços, foi atender um homem “enfermo dos olhos”: “pediu logo um cachimbo com tabaco”, fez-lhe cruzes na testa com o polegar, soprou-lhe fumaça nos olhos e rezou; o paciente “experimentou algum alívio” com a terapia198 198 4ª V p. 267. . Às vezes o som de “um maraca ou chocalho” acompanhava as orações199 199 4ª V pp. 159 e 223. . A circularidade das crenças medicinais se revela na receita que João Poré Montafaux, natural de Anvers, aprendera com “uns italianos” em Madri e trouxera para a Bahia contra dor de dentes: “tomar um prego novo e tocar o dente que doi com ele”; depois, escrever com o mesmo prego na parede a palavra Machabeus e cravá-lo na primeira ou na segunda letra a, conforme o dente pertença ao lado direito ou esquerdo da boca200 200 2ª V p. 457. . Geralmente à invocação do sobrenatural se justapunha uma intervenção empírica, como a do escravizado José, que curava com algumas palavras ininteligíveis para os circunstantes e com uma beberagem de ervas201 201 4ª V p. 137. . José Januário da Silva curava quebranto, mau-olhado e enxaquecas com orações, ventosas, gestos e cuspe. Contudo, para as dores de cabeça ele se valia de uma manobra física: “apertou (o paciente) pelas espáduas com as mãos e outra vez com uma mão nos peitos e outra nas costas dando-lhe abanões”. Suprimindo-se a cuspida na cabeça enferma, aí temos um precursor brasileiro da osteopatia202 202 4ª V p. 154. .

Desgraçadamente a perseguição do sistema penal a pessoas rotuladas de feiticeiras, adivinhas ou curandeiras ultrapassaria a época colonial e chegaria aos dias de hoje. A Constituição de 1824 instituiu o catolicismo como “a Religião do Império”; todas as outras poderiam ser professadas desde que em “culto doméstico” e em casas sem “forma alguma exterior de templo” (art. 5º). O Código Criminal de 1830 puniria a celebração “de outra Religião que não seja a do Estado” desde que realizada “em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de templo” (art. 276). Tal equação legislativa confinava cultos cristãos protestantes, espíritas e africanos em limitadíssima esfera privada: estavam a um passo arquitetônico da ilegalidade. Mas o Código Criminal de 1830 não criminalizava o exercício ilegal da medicina e da farmácia, matéria por ele delegada às posturas municipais (art. 308, § 4º); porém era possível atingir o charlatão pelo delito de “usar de (...) algum título (...) que não tenha” (art. 301). Pelo decreto nº 8.387, de 19 de janeiro de 1882, o exercício ilegal da medicina e da farmácia passou a ser punido em todo o Império (art. 52). Juízes e penalistas do Império encontraram no estelionato um refúgio para seu punitivismo contra os curandeiros, deslocando a questão do campo da ofensa à saúde pública - deferida aos legisladores municipais até 1882 - para a ofensa ao patrimônio dos consulentes. O caso exemplar de Juca Rosa, julgado em 1871, foi meticulosamente estudado por Gabriela dos Reis Sampaio203 203 Juca Rosa - um Pai-de-santo na Corte Imperial. .

O Código Penal de 1890 representou um retrocesso na disciplina jurídico-penal da matéria, valendo-se de elementos pré-ilustrados e de fórmula esotérica204 204 Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentária ou a pharmacia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis ou regulamentos. Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar o subjugar a credulidade pública. . Houve reações. João Vieira de Araújo frisou que “disposições sobre feiticeiros não são dignas de figurar em um código no crepúsculo do século XIX”205 205 O Código Penal Interpretado, v. I, p. 195. . Batista Pereira, o redator do Código, publicou em dezembro de 1890 artigos sustentando suas opções criminalizantes. Para ele o espiritismo seria “renovação da antiga necromancia”, admissível enquanto “ciência especulativa” não porém como “prática experimental ou clínica”. Ele cobrava do espiritismo uma fatura de verdade empírica que nenhuma outra religião - o cristianismo à frente - poderia pagar. No mesmo jornal, sob o pseudônimo de Max, Adolfo Bezerra de Moraes contestou Batista Pereira: “o doutor, ladino como é”, refugiou-se numa distinção incabível, porquanto “as práticas espíritas são integrantes da ciência espírita”206 206 Jornal do Commercio, edições de 22, 23 e 24 de dezembro de 1890. . Ocorre que a primeira Constituição republicana, posterior ao Código Penal por quase cinco meses, concedeu irrestrita liberdade de culto (art. 72, § 3º), o que significaria a imediata revogação do artigo 157 CP 1890. Pois Oscar de Macedo Soares opinou contrariamente: “o artigo 157 do Código Penal não está revogado”!207 207 Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, p. 316. Na medicina legal positivista que floresceu na República velha o espiritismo era mal visto: Leonídio Ribeiro, secundando Afrânio Peixoto, achava que sua expansão “tem provocado os mais sérios inconvenientes para a vida da sociedade”208 208 Ribeiro, Leonídio, Criminologia, v. I, p. 248. . Os penalistas (Viveiros de Castro, Galdino Siqueira e outros) passaram a exigir, para que a prática do espiritismo fosse punível, a presença de um “intuito fraudulento ou enganoso”209 209 Siqueira, Galdino, Direito Penal Brazileiro, v. II, p. 174. . Isto levaria a uma perigosa distinção entre alto espiritismo e baixo ou falso espiritismo, em cujo fundo mal se disfarçariam os alicerces da distinção na classe social dos praticantes. A realidade judiciária de réus acusados por feitiçaria (em sentido extenso) de 1890 a 1940, examinados mais de uma centena de processos, foi exposta por exaustiva pesquisa de Yvonne Maggie210 210 Medo do Feitiço: Relações entre Magia e Poder no Brasil. . O caso exemplar desse período foi protagonizado por um curandeiro de alcunha Mão Santa, que motivaria importante investigação de Valquíria Cristina Rodrigues Velasco211 211 Geografias da Repressão: Experiência, Processos e Religiosidade no Rio de Janeiro (1890-1929). O caso Mão Santa também em Maggie, Yonne (op. cit., pp. 107 ss) e em Moraes, Evaristo de, Reminiscências de um Rábula Criminalista, pp. 129 ss. .

O Código Penal de 1940 outorgaria disciplina mais sóbria ao exercício ilegal da medicina - que, não nos esqueçamos, é sinônimo camuflado de exercício da medicina ilegal, como nossa história demonstra - ao charlatanismo e ao curandeirismo (arts. 282, 283 e 284 CP). Mas a realidade permaneceu fiel à tradição. Na metade do século XX Alceu Maynard Araújo encontra disseminada na região do baixo São Francisco a crença na origem sobrenatural das moléstias212 212 Medicina Rústica, pp. 56 ss. ; não obteríamos resultado similar em Tel-Aviv, no Vaticano ou em Teerã? A pitada de magia que toda religião carrega consigo constitui elemento privilegiado da liberdade de crença, que integra a intangível autonomia moral da pessoa constitucionalmente garantida (art. 5º, incs. VI, VII e VIII CR). Este princípio da Constituição da República estará ameaçado sempre que sacerdotes ou fiéis de uma religião pretenderem ser a polícia de outra. No último quartel do século XX Maria Andréa Loyola fotografou cartaz de uma igreja cristã (Assembleia de Deus) que anunciava a capacidade de desfazer “macumba, feitiçaria e bruxaria”213 213 Médicos e Curandeiros, p. 110. . Em muros do centro do Rio anuncia-se que “só Jesus expulsa demônios”. Uma igreja cristã neopentecostal (Universal do Reino de Deus) em certos cultos se apropria de rituais afro-religiosos não em perspectiva sincrética, mas sim para desqualificá-los. E um jornal noticia que no primeiro semestre de 2022 foram registradas 383 relatos de intolerância religiosa no país. Queixa-se o Pai-de-santo Flávio Rosa: “insistem em dizer que cultuamos demônios”214 214 O Globo, 31 de agosto de 2022, p. 15. . A Inquisição acabou mesmo?!

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  • também, Vainfas, Ronaldo, Trópico dos Pecados, Rio, 1989, ed. Campus; Vasconcelos de Saldanha, António, Do Regimento da Inquisição portuguesa: notas sobre fontes de direito, em Novinsky, Anita e Tucci Carneiro, Maria Luiza (orgs.), Inquisição: Ensaios sobre Mentalidade, Heresia e Arte, Rio, 1992, ed. Expressão e Cultura, pp. 97 ss;
  • Vieira de Araújo, João, o Código Penal Interpretado, P. E., Rio, 1901, ed. Imp. Nacional, 2 vols.;
  • Viveiros de Castro, Eduardo, Areweté - Os Deuses Canibais, Rio, 1986, ed. Zahar;
  • Von Martius, Carlos Frederico Philippe, O Estado do Direito entre os Autochtones do Brasil, trad. A. Lüfegren, em Rev. Inst. Hist. e Geographico de São Paulo, v. XI, S. Paulo, 1907, ed. Typ. D. Official (há edição de 1982, da Itatiaia e da USP).
  • 1
    Gonsalves de Mello, José Antônio, Gente da Nação, p. 169.
  • 2
    Pieroni, Geraldo, Os Excluídos do Reino, p. 68.
  • 3
    Gonçalves de Mello (p. 169) transcreve o despacho do Conselho Geral que restringiu a competência do Visitador Heitor Furtado de Mendonça. Este historiador, compulsando cerca de cinquenta processos julgados na Visitação, sugeriu a existência de um tribunal em Olinda; mas a concomitância dos julgamentos com a Visitação e a presença do Visitador entre os juízes do “tribunal” não parecem sufragar-lhe a sugestão (cf. Gente da Nação, pp. IX ss e 167 ss). Mesmo em Portugal, quando a visita era realizada pelo próprio Inquisidor em distrito de sua jurisdição territorial, sua competência era restrita aos “casos leves, que não chegarem a mais que de leve suspeita (...) que não requeiram prisão nem pena corporal” (Reg. 1613, II, VI - p. 621).
  • 4
    Cf. Britto, Rossana G., A Saga de Pero do Campo TourinhoBritto, Rossana G., A Saga de Pero do Campo Tourinho, Petrópolis, 2000, ed. Vozes;, p. 139. Um apêndice documental ao estudo do caso transcreve a inquirição e o processo inquisitorial, cujo desfecho se desconhece. Os trechos citados integram capítulos acusatórios e não confissão.
  • 5
    Um dos fundadores da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, preso em 1794 pelo Conde de Resende na devassa conhecida por Conspiração dos Letrados. Um dos delatores já mesclava ao lesa-majestade investigado narrativas que envolveriam a competência da Inquisição (“dizendo que a Escritura mentia quando afirmava que Moisés descendo do monte derretera um novilho de ouro”). Cf. Autos da Devassa - Prisão dos LetradosAutos da Devassa - Prisão dos Letrados do Rio de Janeiro - 1794, Rio, 1994, ed. EDUERJ;, p. 46.
  • 6
    Vainfas, Ronaldo, Trópico dos Pecados, p. 253.
  • 7
    Heréticos e Impuros, p. 22.
  • 8
    Reg. 1613, tít. I, II (p. 616).
  • 9
    A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, p. 517, nota 48.
  • 10
    Cf. Feitler, Bruno, Poder episcopal e ação inquisitorial no Brasil, pp. 33 ss; Rodrigues, Aldair Carlos, Poder Eclesiástico e Inquisição no Século XVIII Luso-brasileiro: Agentes, Carreiras e Mecanismos de Promoção Social, pp. 120 ss.
  • 11
    Delgado de Carvalho, Carlos, História Diplomática do Brasil, p. 16; Cardoso de Oliveira, José Manoel, Actos Diplomáticos do Brasil, v. I, p. 70. O artigo XII daquele tratado prescrevia que os súditos do império britânico não fossem “perseguidos e molestados por causa de sua religião”.
  • 12
    Bethencourt, Francisco, História das InquisiçõesBethencourt, Francisco, História das Inquisições, S. Paulo, 2000, ed. Cia das Letras;, pp. 377 e 388.
  • 13
    Sobre isto, Vasconcelos de Saldanha, António, Do Regimento da Inquisição portuguesa: notas sobre fontes de direito.
  • 14
    Como a “Instrução que hão de guardar os comissários do Santo Ofício da Inquisição nas coisas e negócios da fé e nos demais que se oferecerem”, com a qual se defrontou Aldair Carlos Rodrigues na Torre do Tombo (Poder Eclesiástico e Inquisição no Século XVIII Luso-brasileiro: Agentes, Carreiras e Mecanismos de Promoção Social, p. 121, nota 226).
  • 15
    Sobre os perdões papais Mattos, Yllan de, A Inquisição Contestada, p. 38 (cf. bibliografia indicada na nota nº 6); também, Siqueira, Sônia Aparecida de, A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, p. 507; sobre a interferência, aliás inócua, de Felipe IV, Santiago de Faria, Ana Caldeira Cabral, O Regimento de 1640 e a Justiça Inquisitorial Portuguesa, pp. 6 ss.
  • 16
    O Regimento de 1552 foi outorgado pelo cardeal infante D. Henrique; o de 1613, por D. Pedro de Castilho; o de 1640, que teve a maior vigência, por D. Francisco de Castro; e o de 1774 pelo Cardeal Da Cunha. Sobre sua elaboração e estrutura, o indispensável estudo de Siqueira, Sônia Aparecida, A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição, com farta bibliografia. Sobre um anteprojeto de Regimento elaborado por Mello Freire não nos deteremos. Todos os Regimentos e o anteprojeto Mello Freire em cuidadosa edição, precedida de importante estudo, de José Eduardo Franco e Paulo de Assunção, As Metamorfoses de um Polvo.
  • 17
    Reg. 1613, tít. V, III (p. 657).
  • 18
    Reg. 1613, tít. IV, LIV (p. 649).
  • 19
    Reg. 1640, liv. II, tít. IV, 5 (772).
  • 20
    Reg. 1613, tít. V, X (p. 660).
  • 21
    Reg. 1552, cap. 23 (p. 581). Fórmula similar no Reg. 1613 (tít. IV, IX - p. 629) repete a presunção de credibilidade dos Inquisidores do Regimento anterior e acrescenta a baixa condição estamental do réu. No Regimento de 1640 o dispositivo é um pouco mais complexo, por explicitar outras “exceções” à “regra” da inadmissibilidade: “marido ou mulher ou parente dentro do primeiro grau de consanguinidade”. Mas o requisito central segue sendo o “bom crédito” da testemunha e a “ordinária condição” do réu (liv. III, tít. IV, 4 - p. 772).
  • 22
    “Para provar a verdade da imputação não se pode alegar o fato da imputação sem uma censurável petição de princípio” (Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, v. II, p. 226). Por isso, Mittermayer ensinava que “para que o fato em questão pareça completamente demonstrado pela prova testemunhal é mister, pelo menos, o depoimento de duas testemunhas contestes em todas as circunstâncias essenciais” (Tratado da Prova em Matéria Criminal, p. 319).
  • 23
    Reg. 1640, liv. II, tít. IV, 4 in fine (p. 772). No mesmo sentido, liv. III, tít. XVIII, 8 e 9 (p. 862).
  • 24
    Reg. 1640, liv. II, tít. IX, 1 (p. 787). “Calados os nomes das testemunhas e as circunstâncias por onde as partes possam vir em conhecimento delas” (Reg. 1613, tít. IV, XXXVIII - p. 641).
  • 25
    Reg. 1552, caps. 44 e 45 (pp. 589 e 590). Também no Regimento de 1613: “Não acertando o réu em suas contraditas com as testemunhas da Justiça, os Inquisidores as não admitirão” (tít. IV, XLV - p. 645).
  • 26
    Reg. 1552, cap. 130 (p. 609).
  • 27
    Reg. 1613, tít. XIII, II (cap. 682).
  • 28
    Reg. 1640, liv. II, tít. VIII, 5 (p. 785).
  • 29
    Inquisidores e Deputados definiam “o gênero de tormento que se há de dar e se há de ser esperto, ou não, e quantos tratos há de haver” (Reg. 1613, tít. IV, XLVII - p. 646), escolhendo pois entre o potro e a polé, esta última abandonada, pelos danosos efeitos das quedas de padecentes, no início do século XVIII. “O médico e o cirurgião (...) serão obrigados a assistir ao tormento para nele declararem por juramento se os réus são capazes de o sofrer e em que grau” (Reg. 1640, liv. I, tít. XX, 3º - p. 758). Para que no auto-de-fé não desfilasse pela cidade uma farândola de capengas, se “necessário dar trato esperto nos quinze dias antes do auto, por não irem presos a ele mostrando os sinais do tormento, lho darão no potro” (Reg. 1640, liv. II, tít. XIV, 6 - p. 801).
  • 30
    Reg. 1640, liv. II, tít. VII, 1 (p. 779).
  • 31
    Reg. 1613, tít. IV, XXXII (p. 638); Reg. 1640, liv. II, tít. XVII (p. 808).
  • 32
    Reg. 1640, liv. III, tít. IV, 1 (p. 838).
  • 33
    Concílio de Trento, Sessão XIV, De sanctissimo Poenitentiae sacramento, cânone IX: Si quis dixerit, Absolutionem sacramentalem sacerdotis non esse actum judicialem (...). Cf. Lopez de Ayala, Ignacio, El Sacrosanto y Ecuménico Concilio de Trento, pp. 138-139.
  • 34
    Reg. 1613, tít. IV, XLIX, 1: “acusado pelo novo indício da revogação” (p. 646); Reg. 1640, liv. II, tít. XIV, 12: “pelo novo indício que lhe acresceu” (p. 803).
  • 35
    Reg. 1552, cap. 15 (p. 579); Reg. 1613, tít. III, VIII (p. 625).
  • 36
    Reg. 1640, liv. III, tít. V, 1 e 2 (pp. 840-841).
  • 37
    Reg. 1613, tít. III, II (p. 622).
  • 38
    Reg. 1640, liv. III, tít. III, 1 (p. 815).
  • 39
    Reg. 1640, liv. I, tít. XII, 4º (p. 742).
  • 40
    Ao contrário dos anteriores, o Regimento de 1774 será citado a partir da edição original daquele ano, feita em Lisboa por Miguel Manescal da Costa.
  • 41
    Reg. 1774, Int., p. 1. Sobre o tema, Franco, José Eduardo e Tavares, Célia Cristina, Jesuítas e Inquisição, pp. 81 ss.
  • 42
    Reg. 1774, Int., p. 3.
  • 43
    Reg. 1774, Int. pp. 8 a 10.
  • 44
    Reg. 1774, liv. I, tít. VI, 7 (p. 32).
  • 45
    Reg. 1774, liv. II, tít. IV, 1 e 3 (p. 61).
  • 46
    Reg. 1774, liv. II, tít. VI, 2 e 3 (p. 31).
  • 47
    Reg. 1774, liv. II, tít. III (p. 54).
  • 48
    Reg. 1774, liv. II, tít. III, 3 (p. 55).
  • 49
    Reg. 1774, liv. II, tít. III, 12 (p. 58) e liv. III, tít. V, 6 (p. 103).
  • 50
    Reg. 1774, liv. III, tít. XI, 4 (pp. 126-127).
  • 51
    Consta que o bispo D. Constâncio Barradas houvera promulgado constituições, as quais, “como não se imprimiram, andavam viciadas e se não tinham posto em observância, e por esta causa estavam esquecidas e quase derrogadas” (Constituições Primeiras, p. 511).
  • 52
    Constituições Primeiras, p. 311 (liv. V, tít. I).
  • 53
    Constituições Primeiras, pp. 312 e 313. Como rezava o então vigente Regimento de 1640, “a blasfêmia que os Doutores chamam heretical pertence ao Tribunal e Juízo do S. Ofício” (liv. III, tít. XII, 1 - p. 850).
  • 54
    Constituições Primeiras, p. 314 (V, III). A mesma distinção presente em Reg. 1640, liv. III, tít. XIV, 2 e 3 (p. 855).
  • 55
    Constituições Primeiras, p. 315 (V, IV).
  • 56
    Constituições Primeiras, p. 316 (V, V).
  • 57
    P. 332.
  • 58
    Liv. V, tít. X (p. 322).
  • 59
    Assim Marx (Il manifesto filosofico della scuola storica del diritto, p. 206), quem observaria mais tarde que Hegel, no § 289 de sua Filosofia do Direito, ao conceber a sociedade civil como campo de batalha dos interesses privados, “definiu-a como bellum omnium contra omnes” (Critica della filosofia hegeliana del diritto pubblico, p. 47).
  • 60
    Leviatã, cap. XIII (pp. 75 e 76).
  • 61
    Leviatã, cap. XIII (p. 77).
  • 62
    Política, liv. I, cap. I, § 10 (1253a; na edição consultada, p. 16).
  • 63
    Sobre isso, Skinner, Quentin, Hobbes e a Liberdade Republicana.
  • 64
    A Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes até Locke, p. 31.
  • 65
    Arqueologia da Violência, p. 217.
  • 66
    Para Branislava Susnik, tratando dos guaranis, além da vingança a guerra poderia ser deflagrada por “luta por espaço físico, discriminação étnica, desequilíbrio sócio-demográfico e exaltação do vigor masculino anímico”. Apud Colaço, Thaís Luzia, “Incapacidade” Indígena, p. 32.
  • 67
    O Estado do Direito entre os Autochtones do Brazil, p. 58.
  • 68
    Op. cit., p. 56.
  • 69
    História do Brasil, p. 82.
  • 70
    História da Província Santa Cruz, p. 126.
  • 71
    História dos Feitos Recentemente Praticados durante Oito Anos no BrasilBarléu, Gaspar, História dos Feitos Recentemente Praticados durante Oito Anos no Brasil, trad. C. Brandão, S. Paulo, 1974, ed. USP;, p. 73.
  • 72
    Colaço, Thaís Luzia, “Incapacidade” Indígena, p. 41. Também Gabriel Soares de Souza observou que “não dão os Tupinambás a seus filhos nenhum castigo, nem os doutrinam, nem os repreendem por coisa que façam” (Tratado Descritivo do Brasil em 1587, p. 295).
  • 73
    Op. cit., p. 28.
  • 74
    Op. cit., p. 123.
  • 75
    Op. cit., p. 132.
  • 76
    Fragmentos de história e cultura tupinambá, p. 389. Como frisou Pierre Clastres, “o chefe não formula ordens, às quais sabe de antemão ninguém obedeceria, mas também é incapaz (isto é, não detém tal poder) de arbitrar quando se apresenta um conflito entre dois indivíduos ou duas famílias” (Arqueologia da Violência, p. 140).
  • 77
    Ten Caten, Odécio, Forma(s) de Governo nas Reduções Guaranis, p. 164.
  • 78
    O Estabelecimento dos Portugueses no Brasil, p. 80. Mas a fala do chefe dispunha de uma relevância social que estudos antropológicos ressaltaram.
  • 79
    Capítulos de História ColonialCapistrano de Abreu, João, Capítulos de História Colonial, Brasília, 1982, ed. UnB; , p. 47. Para a “frágil” e ao mesmo tempo estratégica autoridade do chefe ameríndio, Tible, Jean, Marx Selvagem, pp. 163 ss.
  • 80
    Duas Viagens ao Brasil, p. 207 (2ª parte, cap. XII). Neste pequeno capítulo Staden afirma de seus anfitriões que “não têm regime especial, nem justiça. (...) Não vi direito algum especial entre eles, senão que os mais moços prestam obediência aos velhos, como é de seus costumes”.
  • 81
    Thevet, André, A Cosmografia Universal, p. 167.
  • 82
    O Estado do Direito entre os Autochtones do Brazil, p. 55. É certo que outro traído preferiu amarrar a infiel a uma árvore e flechá-la (ibidem).
  • 83
    “Incapacidade” Indígena, p. 48.
  • 84
    O Direito Penal Indígena, p. 135.
  • 85
    A Religião dos Tupinambás, pp. 287 ss.
  • 86
    Fernandes, Florestan, A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, pp. 410 ss.
  • 87
    Viveiros de Castro, Eduardo, Araweté - os Deuses Canibais, p. 689.
  • 88
    Fausto, Carlos, Fragmentos de história e cultura tupinambá, p. 392.
  • 89
    Obra Completa, p. 76 (carta de 10.ago.1549) e p. 94 (carta de 6.jan.1550).
  • 90
    O Fio e os Rastros, p. 306.
  • 91
    Inferno Atlântico, pp. 26 ss. Também Silvia Federici observou como nos “banquetes canibalísticos” passou-se entrever “reminiscências dos sabás das bruxas” (Calibã e a Bruxa, p. 389).
  • 92
    Imagens da Colonização, p. 65.
  • 93
    História da Província Santa Cruz, p. 135.
  • 94
    História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, também Chamada América, p. 210.
  • 95
    Op. cit., p. 209.
  • 96
    Nóbrega, Manuel da, Obra Completa, p. 86 (carta de agosto de 1549).
  • 97
    Compêndio Narrativo do Peregrino da América, v. I, pp. 145 ss. “O diabo em forma de um grande cão negro” fornicava com mulheres (pp. 151-152).
  • 98
    Sobe os Yurupari, Métraux, A., A Religião dos Tupinambás, p. 120. Yves D’ Évreux relata o mal causado por Geropary a uma linda jovem (História das Coisas mais Memoráveis Ocorridas no Maranhão, pp. 153-154). Contudo, num depoimento da Visitação do Pará um índio propôs um pacto a Jurupari prometendo servi-lo caso certa mulher cedesse a seus desejos (Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará, p. 246). Tampouco anhagá pode ser equiparado ao diabo europeu, salvo por um oportunismo pedagógico evangelizador. Para a equiparação do Sumé indígena a São Tomé, Buarque de Holanda, Sérgio, Visão do ParaísoBuarque de Holanda, Sérgio, Visão do Paraíso, S. Paulo, 1994, ed. Brasiliense;, pp. 108 ss.
  • 99
    Cf. Bastide, Roger, Les Religions Africaines au BrésilBastide, Roger, Les Religions Africaines au Brésil, Paris, 1995, ed. PUF;, p. 457; também de Bastide, O Sagrado Selvagemdo mesmo, O Sagrado Selvagem, trad. D. Bruchard, S. Paulo, 2006, ed. Cia. das Letras;, p. 223.
  • 100
    Dialética da ColonizaçãoBosi, Alfredo, Dialética da Colonização, S. Paulo, 1992, ed. Cia. das Letras;, p. 60.
  • 101
    Moura Hue, Sheila (org.), Primeiras Cartas do Brasil, p. 50.
  • 102
    História do Brasil, pp. 57 e 82.
  • 103
    Vainfas, Ronaldo e Souza, Juliana Beatriz de, Brasil de Todos os Santos, p. 15. No Auto de São Lourenço, um diabo estimula a embriaguez: “coisa muito boa é bebedeira / ficar vomitando cauim” (p. 7).
  • 104
    Anchieta, José de, TeatroAnchieta, José de, Teatro, S. Paulo, 1999, ed. M. Fontes; Antonil, André João, Cultura e Opulência do Brasil, S. Paulo, 1982, ed. USP;, passim. Para a profusão europeia de legiões diabólicas, Mello e Souza, Laura de, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, pp. 136 ss.
  • 105
    Carta de 6.jan.1550, em Obra Completa, p. 90. Em outra passagem, a propósito da pena imposta a alguém que “foi açoitado e lhe cortaram certos dedos das mãos de maneira que pudesse ainda com os outros trabalhar”, Nóbrega apenas comenta: “disto ganharam tanto medo que nenhum fez mais delito que merecesse mais que estar alguns dias na cadeia” (p. 259). Sobre a política criminal e a justiça penal jesuítica, que se valeu de mutilações, açoites, tronco e aterrorização (simulação de enterrar vivo ou de matar pelo fogo o infrator, interrompida pelo perdão - num caso, de Nóbrega), cf. Leite, Serafim, História da Companhia de Jesus no Brasil, t. II, pp. 75 a 82).
  • 106
    Moura Hue, Sheila (org.), op. cit., p. 93. “Os índios são povo do diabo, afirmam repetidas vezes os jesuítas” - Mello e Souza, Laura, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, p. 68.
  • 107
    Vainfas, Ronaldo (org.), Confissões da Bahia, p. 133.
  • 108
    Cultura e Opulência do Brasil, pp. 91 e 92.
  • 109
    Cf. Almeida, Rita Heloísa de, O Diretório dos ÍndiosAlmeida, Rita Heloísa de, O Diretório dos Índios, Brasília, 1997, ed. UnB;, p. 303.
  • 110
    Cf. Muchembled, Robert, Uma História do Diabo, p. 30; O’Grady, Joan, Satã - o Príncipe das Trevas, p. 71.
  • 111
    Cf. Câmara Cascudo, Luís da, Dicionário do Folclore BrasileiroCâmara Cascudo, Luís da, Dicionário de Folclore Brasileiro, S. Paulo, 2000, ed. Global;, p. 194; Menezes, Eduardo Diatahy B. de, A quotidianidade do demônio na cultura popular, pp. 92 ss. Na “Peleja de Manoel Riachão com o Diabo”, cordel de Leandro Gomes de Barros, o Coisa-ruim, derrotado, desaparece em meio a uma “catinga de enxofre” (p. 16).
  • 112
    À decadência do poder inquisitorial (já não se executava a pena de morte, e mesmo açoites eram raros), que se consumaria com o Regimento de 1774, acresçam-se a expulsão dos jesuítas (1759) e a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755), que remodelavam as relações econômicas locais. Cf. Amaral Lapa, J.R., Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, pp. 24-27.
  • 113
    Cobiça aguçada, segundo Gonsalves de MelloGonsalves de Mello, José Antônio (org.), Confissões de Pernambuco (1594-1595), Recife, 1970, ed. UFPE;, pela “presença naquelas duas capitanias de numerosa parcela de cristãos-novos e, consequentemente, de possíveis judaizantes” (Confissões de Pernambuco, p. 7).
  • 114
    Cf. caps. 5º a 10 Reg. 1552; tít. II Reg. 1613; liv. I, tít. IV Reg. 1640.
  • 115
    Reg. 1613, tít. II, VI: “O Inquisidor que fizer a visitação por parte do Santo Ofício, na dita visita somente despachará os casos leves, que não chegarem a mais que de leve suspeita, e sendo em parte tão remota que se não possam consultar os Inquisidores, sendo tais que não requeiram prisão, nem pena corporal ainda que se provem plenamente - e todo o mais remeterá aos Inquisidores e não prenderá culpado algum, salvo quando houver temor de fuga”. Também o Reg. 1640 (liv. II, tít. I, 3º) restringia a competência do Visitador, que não podia julgar casos graves, nos quais se apresentasse “veemente suspeita na fé”.
  • 116
    Mais de uma vez Gonsalves de Mello insistiu em que o sobrenome do Visitador era Mendoça “à espanhola, e não Mendonça” (Gente da Nação, p. 5 e passim).
  • 117
    Gonsalves de Mello, José Antônio, Gente da Nação, p. 160.
  • 118
    As sentenças eram subscritas também pelo bispo Antônio Barreiras e pelos padres Fernão Cardim e Marçal Beliarte, respectivamente reitor do colégio dos jesuítas e provincial deles.
  • 119
    Dias Farinha, Maria do Carmo J., O atentado ao primeiro Visitador do Santo Ofício no Brasil - 1592.
  • 120
    Relação completa em Gonsalves de Mello, José Antônio, Introdução, Confissões de Pernambuco, pp. 8 e 9.
  • 121
    De uma visitação que teria sido programada para 1605 não se pode afirmar tenha ocorrido, à míngua de provas documentais suficientes.
  • 122
    Para o debate, D’Oliveira França, Eduardo e Siqueira, Sonia A., Introdução, em Segunda Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, pp. XXVI ss.
  • 123
    Gorenstein, Lina, A terceira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, p. 26.
  • 124
    Op. cit., pp. 26 e 30.
  • 125
    Novinsky, Anita, Cristãos-novos na Bahia, pp. 135 e 184.
  • 126
    Cf. nota nº 112.
  • 127
    Amaral Lapa, J. R., Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, p. 115.
  • 128
    Livro da Visitação ..., cit., p. 54.
  • 129
    Amaral Lapa, J. R., em Livro da VisitaçãoAmaral Lapa, J. R., Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, Petrópolis, 1978, ed. Vozes;, cit., p. 32.
  • 130
    Vainfas, Ronaldo, Trópico dos Pecados, pp. 159 e 160. Gabriel Soares de Souza já houvera observado que os Tupinambás eram “mui afeiçoados ao pecado nefando” (Tratado Descritivo do Brasil, p. 297); “muito viciosos no vício contra a natura”, lamuriava-se Nóbrega (Obra Completa, p. 224). Gandavo menciona “algumas índias (que) deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e (...) cortam seus cabelos da mesma maneira que os machos trazem e vão à guerra (...) e cada uma tem mulher que a serve e que lhe faz de comer como se fossem casados” (Tratado da Terra do Brasil, p. 69).
  • 131
    Rev. IHGB, a. 157, nº 392, jul-set 1996, p. 687. O Concílio de Trento já havia estabelecido a pena de excomunhão para quem afirmasse “ser lícito aos cristãos ter muitas mulheres ao mesmo tempo (plures simul habere uxores)” (Sessão XXIV, cânone II).
  • 132
    Sobre isso, Mezan Algranti, Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia, pp. 53 ss; como observou Stuart Schwartz, “a falta de mulheres europeias atirava os colonos nos braços das índias” (Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial, p. 47). Um alvará régio de 10.mar.1732 proibia fossem da colônia para a metrópole mulheres “com o pretexto de serem religiosas”, constrangidas a tal destino pelos pais, sem licença do rei: o pretexto de uma então inexistente liberdade de culto está aí escondendo a razão biopolítica (cf. Lopes Ferreira, Manuel, Practica Criminal, p. 556).
  • 133
    Reg. 1640, liv. III, tít. XII, 4; Reg. 1774, liv. III, tít. VIII, 3.
  • 134
    Constituições Primeiras, liv. V, tít. II, 890. Neste caso, o degredado deveria afastar-se do território da arquidiocese.
  • 135
    Reg. 1774, liv. III, tít. VIII, 8. Curioso observar que em 1745, portanto três décadas antes da promulgação deste regimento, o papa Bento XVI havia temperado a proibição da usura: mantendo a interdição de juros no mútuo, admitia que em algum “altro contratto diverso dal mutuo” era lícito obter um “modesto guadagno” (encíclica Vix pervenit, V). Foi prática comum ocultar o mútuo sob a pele de outro contrato (câmbio, retrovenda etc) para a obtenção “lícita” de juros.
  • 136
    Respectivamente Sessão XXIV, cânones I e X e Sessão XXV; no volume citado (Lopez de Ayala, Ignacio, El Sacrossanto ...), pp. 237, 238 e 283.
  • 137
    Covarrubias y Leiva, Diego de, Summa de Delictis et eorum Poenis, p. 258.
  • 138
    Tratado Teológico-Político, p. 300.
  • 139
    Os Deveres do Homem e do Cidadão, II, XIII, XI (p. 337).
  • 140
    “Um crime é um pecado que consiste em cometer por feito ou palavra um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ela ordena” (Leviatã, P. 1ª, cap. XXVII; p. 171).
  • 141
    Os delitos praticados verbalmente (“delicta quid committitur verbo”) são ilustrados por Júlio Claro com a blasfêmia e a injúria verbal (Practica Criminalis, § 1º, 11; p. 5).
  • 142
    A Cultura Popular na Idade Média e no RenascimentoBakhtin, Mikhail, A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, trad. Y. Frateschi, Brasília, 1999, ed. UnB;, p. 3. Cf. Tinhorão, José Ramos, As Festas no Brasil Colonial e Jancsó, István e Iris (orgs.), Festa - Cultura e Sociedade na América Portuguesa; Araújo, Emanuel, O Teatro dos VíciosAraújo, Emanuel, O Teatro dos Vícios, Rio, 2008, ed. J. Olympio;.
  • 143
    Confissões da Bahia, pp. 129 e 267.
  • 144
    Rabelais, François, Pantagruel, p. 171.
  • 145
    Sobre João Nunes, cf. a Introdução de Rodolpho Garcia, em Denunciações de Pernambuco, p. XXIX.
  • 146
    Denunciações de Pernambuco, p. 34. As versões variam: houve quem visse o crucifixo entre dois vasos imundos (p. 42), e mesmo quem ouvisse dizer que certa ocasião João Nunes urinara sobre o crucifixo (p. 124), que a maioria assegurava estar colocado atrás e sobre o vaso (pp. 67, 91, 214 e passim).
  • 147
    Denunciações de Pernambuco, pp. 168, 184, 185 e 186.
  • 148
    Confissões de Pernambuco (1ª V - CP), pp. 63, 69, 71, 78, 86 e 88. Doravante as fontes serão citadas da seguinte maneira: inicia-se a sigla pela ordem da Visitação (1ª V = Primeira Visitação, 1591-1595, Bahia e Pernambuco; 2ª V = Segunda Visitação, 1618-1620, Bahia; 3ª V: não será citada pela perda dos livros; 4ª V = Quarta Visitação, Grão-Pará, 1763-1768). Após o hífen, seguem-se as letras D (Delações) ou C (Confissões), seguidas, apenas na 1ª V, das letras B (Bahia, abrangendo Salvador e Recôncavo) ou P (Pernambuco, abrangendo Olinda e Tamaracá).
  • 149
    2ª V, pp. 384 e 394.
  • 150
    1ª V - DP, pp. 22 e 72.
  • 151
    Respectivamente 1ª V - CB p. 150; 1ª V - CP pp. 32 e 135. A expressão “arrenego de Deus (ou da Virgem, ou dos Santos)” era muito empregada, seja por quem perdeu um filho picado por cobra (1ª V - DP p. 195), seja por quem perdeu no jogo (1ª V - CP p. 36), seja por alguém que está sendo açoitado (2ª V p. 451), ou ainda por um homem pobre, cego e habitualmente espancado por familiares (1ª V - CB p. 232). Era de uso corrente: cf. 1ª V - CB pp. 100, 129, 229, 267 e 338; 1ª V - DB pp. 388, 398, 400, 500 e 502; 1ª V - DP pp. 21, 28, 79, 83, 179, 188, 209, 272, 408, 444, 445, 450; 1ª V - CP p. 50; 4ª V p. 163.
  • 152
    1ª V - CP pp. 77, 98, 104 e 119.
  • 153
    1ª V - DB pp. 272, 413, 438 e 497; 1ª V - DP pp. 93, 103, 104, 165 e 167; 4ª V p. 230.
  • 154
    2ª V p. 403.
  • 155
    1ª V - CB pp. 250-251.
  • 156
    1ª V - DP p. 415. Também em 1ª V - DB p. 551.
  • 157
    1ª V - CB p. 82.
  • 158
    “Só de uma coisa estamos espantados, que quase quantos batizamos adoeceram, uns da barriga, outros dos olhos, outros de inchações; e tiveram ocasião os seus feiticeiros de dizer que nós, com a água com que os batizamos, lhes damos a doença e com a doutrina a morte” (Nóbrega, Obra Completa, p. 81). Teria algum xamã tupinambá resistido à conversão envenenando os batizados?
  • 159
    1ª V - CB p. 130; 1ª V - CP pp. 48-55 e 77; 1ª V - DB pp. 274, 376, 460, 498 e 499; 1ª V - DP pp. 73, 107, 114, 118, 140-141, 219, 325, 331, 340, 412 e 436.
  • 160
    1ª V - DB p. 375; 2ª V p. 407. A palavra “negra” na ocasião designava uma indígena. Blasfêmias similares em 1ª V - DP pp. 189-190, 237, 245 e 336; 1ª V - CP p. 133; 2ª V p. 511.
  • 161
    1ª V - CB pp. 210, 280, 339, 342, 345; 1ª V - DP pp. 52, 89, 94, 177, 193, 268, 341, 342, 347, 395, 411 e 455; 1ª V - CP pp. 27, 31, 33, 35, 43, 44, 54, 57, 90, 101, 105, 109, 116, 146 e 147; 2ª V pp. 405 e 409.
  • 162
    Segundo a confitente Paula Siqueira foi um clérigo que lhe ensinou a fórmula (1ª V - CB p. 109); cf. também 1ª V - DB pp. 314, 339 e 373; 1ª V - CB p. 136.
  • 163
    La Pensée Sauvage, p. 293. Para as iniciativas teóricas que buscaram distinguir magia e religião, Pastore Schritzmeyer, Ana Paula, Sortilégio de Saberes, pp. 31 a 45.
  • 164
    Medicinas Alternativas y Derecho Penal, p. 4.
  • 165
    Prandi, Reginaldo, Mitologia dos Orixás, p. 18.
  • 166
    Cf. Gurgel, Cristina, Doenças e Curas - o Brasil nos Primeiros Séculos, pp. 52 ss.
  • 167
    Para a construção deste saber, e especialmente da medicina social entre nós, segue indispensável Machado, Roberto - Loureiro, Ângela - Luz, Rogério - Muricy, Kátia, Danação da Norma.
  • 168
    Cf. Malaguti Batista, Vera, O Medo na Cidade do Rio de Janeiro, p. 159.
  • 169
    O Índio na Cultura Brasileira, pp. 136 ss; também Maynard Araújo, Alceu, op. cit., passim.
  • 170
    A Morada das Almas, pp. 85 ss.
  • 171
    A Heresia dos Índios. Vale comparar a cínica confissão de Fernão Cabral de Taíde (1ª V - CB pp. 63 ss) com a implacável biografia que Vainfas lhe traça (op. cit., pp. 83-95).
  • 172
    2ª V p. 454.
  • 173
    1ª V - CB p. 133.
  • 174
    1ª V - CB p. 252.
  • 175
    1ª V - DB p. 319.
  • 176
    1ª V - DB pp. 287, 425, 432 e 298-299.
  • 177
    1ª V - DB p. 420.
  • 178
    1ª V - DP p. 187.
  • 179
    4ª V. p. 182 e 246
  • 180
    1ª V - CB p. 119.
  • 181
    1ª V - DP p. 25.
  • 182
    4ª V pp. 165 e 171. Como assinalou Laura de Mello e Souza, o feiticeiro era requisitado também para “desfazer feitiços” (O Diabo e a Terra de Santa Cruz, p. 167). Por vezes tal tarefa era atribuída a um padre. Quando a escravizada Joana enfeitiçou sua colega Felipa, ambas índias, o pároco rezou e resolveu tudo (4ª V p. 192).
  • 183
    1ª V - DB p. 342.
  • 184
    1ª V - CB p. 134.
  • 185
    4ª V pp. 201, 237, 240, 243 e 251.
  • 186
    1ª V- CB pp. 110 ss. Mais pedras d’ara em 4ª V pp. 204 e 215 e 1ª V - DP p. 423.
  • 187
    1ª V - DB p. 479.
  • 188
    1ª V - DP p. 109.
  • 189
    4ª V p. 130.
  • 190
    4ª V p. 132.
  • 191
    4ª V p. 209.
  • 192
    1ª V - DP p. 98.
  • 193
    4ª V pp. 141-142.
  • 194
    1ª V - DP p. 170.
  • 195
    2ª V pp. 447 e 450.
  • 196
    2ª V p. 452.
  • 197
    4ª V p. 180.
  • 198
    4ª V p. 267.
  • 199
    4ª V pp. 159 e 223.
  • 200
    2ª V p. 457.
  • 201
    4ª V p. 137.
  • 202
    4ª V p. 154.
  • 203
    Juca Rosa - um Pai-de-santo na Corte Imperial.
  • 204
    Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentária ou a pharmacia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis ou regulamentos. Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar o subjugar a credulidade pública.
  • 205
    O Código Penal Interpretado, v. I, p. 195.
  • 206
    Jornal do Commercio, edições de 22, 23 e 24 de dezembro de 1890.
  • 207
    Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, p. 316.
  • 208
    Ribeiro, Leonídio, Criminologia, v. I, p. 248.
  • 209
    Siqueira, Galdino, Direito Penal Brazileiro, v. II, p. 174.
  • 210
    Medo do Feitiço: Relações entre Magia e Poder no Brasil.
  • 211
    Geografias da Repressão: Experiência, Processos e Religiosidade no Rio de Janeiro (1890-1929). O caso Mão Santa também em Maggie, Yonne (op. cit., pp. 107 ss) e em Moraes, Evaristo de, Reminiscências de um Rábula Criminalista, pp. 129 ss.
  • 212
    Medicina Rústica, pp. 56 ss.
  • 213
    Médicos e Curandeiros, p. 110.
  • 214
    O Globo, 31 de agosto de 2022, p. 15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2022
  • Aceito
    15 Jan 2023
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