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Violência antinegra de Estado: reescrita do caso “Favela Nova Brasília” sob uma perspectiva decolonial

State violence as a practice of anti-blackness: rewriting the “Favela Nova Brasilia” decision in a decolonial perspective

Resumo

Neste artigo, reescrevemos, a partir de uma perspectiva decolonial, a sentença do caso COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS (“Favela Nova Brasília) v. BRASIL, emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 16 de fevereiro de 2017. Mobilizamos, teórica-epistemologicamente, as ideias de “antinegritude” (VARGAS, 2017; 2020); da imbricação entre raça, classe, gênero e territorialidade (LUGONES, 1008; CURIEL, 2019); do estupro como “arma de guerra” (SEGATO, 2018); do terror sexual como genocídio (VARGAS, 2021) e da crítica à matriz de direitos humanos (PIRES, 2019) para reescrever a decisão originária e refletir sobre os limites e as possibilidades de atuação da Corte IDH em casos que esgarçam a violência antinegra como um projeto político de Estado.

Palavras-chave:
Violência colonial; Antinegritude; Terror sexual; Direitos humanos

Abstract

In this article, we rewrote, from a decolonial perspective, the decision in the case COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS (“Favela Nova Brasília) v. BRAZIL, issued by the Inter-American Court of Human Rights on February 16, 2017. We mobilize, theoretically-epistemologically, ideas such as “anti-blackness” (VARGAS, 2017; 2020); the overlap between race, class, gender and territoriality (LUGONES, 1008; CURIEL, 2019); rape as a “weapon of war” (SEGATO, 2018); sexual terror as genocide (VARGAS, 2021) and criticism of the human rights matrix (PIRES, 2019) to rewrite the original decision and reflect on the limits and possibilities of the IAHR Court's action in cases that undermine anti-black violence as a project state politician.

Keywords:
Colonial violence; Anti-blackness; Sexual terror; Human rights

1. Introdução

Neste artigo, reescrevemos, a partir de uma perspectiva decolonial, a sentença do caso COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS (“Favela Nova Brasília) v. BRASIL, emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Corte IDH”) em 16 de fevereiro de 2017. O caso trata da execução extrajudicial de vinte e seis pessoas e da prática de violência sexual contra três mulheres, perpetradas por oficiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro, durante incursões realizadas na Favela Nova Brasília em 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995. Quase todas as vítimas de execução e das violações sexuais eram pessoas jovens, negras, moradoras de favela e alguns tinham menos de 18 anos à época dos fatos. Entre a data dos fatos e a sentença da Corte IDH, transcorreram-se quase 20 anos sem decisões definitivas no caso. Entendemos que a violência narrada nos autos, perpetrada tanto pelos agentes de segurança quanto pelos órgãos de justiça, é expressão da violência colonial, constitutiva do Direito liberal, e não uma “falha” ocasional do Estado de Direito. Entendemos que tanto a execução da juventude negra, quanto a violência sexual contra mulheres negras são fundantes do Estado Brasileiro e da própria noção moderna de Estado de Direito e que, portanto, para serem adequadamente tratadas, as instituições precisariam ser reinventadas para muito além do que a Corte IDH tem sido capaz de fazer.

Mobilizamos, teórica-epistemologicamente, as noções de “antinegritude” (VARGAS, 2017VARGAS, João Costa. Por uma Mudança de Paradigma: Antinegritude e Antagonismo Estrutural. In: Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.; 2020) para compreender as violências do caso como constitutivas do Estado e do controle espacial racializado genocida em centros urbanos brasileiros (ALVES, 2011_____. Topografias da violência: necropoder e governamentalidade espacial em São Paulo. Revista do Departamento de Geografia, v. 22, p. 108-134, 2011.; 2022); da imbricação entre raça, classe, gênero e territorialidade (LUGONES, 1008; CURIEL, 2019CURIEL, Ochy. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial. Descolonizar o feminismo, p. 32-51, 2019.) para refletir sobre a generificação das violências em favelas (FLAUZINA; PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020.); do estupro como “arma de guerra” (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018.), para analisar o controle belicista e masculinista em operações policiais; e do terror sexual como genocídio (VARGAS, 2021) e da crítica à matriz de direitos humanos (PIRES, 2019) para refletir sobre como os vilipêndios são um projeto de longa duração contra corpos e territorialidades negras que fragmenta a própria ideia de “direitos humanos”.

Assumimos como principais chaves de análise a “antinegritude” e a “imbricação”, propondo que essa constante interação entre raça, classe, gênero e territorialidade é orgânica e constitutiva das colonialidades que interpelam grande parte dos sistemas que são referenciados nas matrizes do direito (FERNANDES, 2022). Isso nos faz partir de um lugar propositivo, nesta reescrita, que conhece os limites da sua própria plausibilidade, mas que disputa, ativamente, a possibilidade de imaginação de novos caminhos. Começando pela própria investidura da Corte, entendendo que integra o que se vem nomeando de arcabouço burocrático do colonialismo jurídico (BIDASECA, 2011), mas que também deve ser reconhecida pelo importante papel na salvaguarda de direitos e poderia, mais ainda, ampliar o seu potencial emancipatório.

Nesse sentido, entendemos o Sistema Interamericano de Direito Humanos (“SIDH”) como um foro de luta e de resistência em um marco liberal, que em diversas ocasiões facilitou transformações jurídicas e institucionais em direções mais democráticas no Brasil e em outros países da região também (BERNARDES 2011_____. Sistema Interamericano de Direitos Humanos como esfera pública transnacional: aspectos jurídicos e políticos da implementação de decisões internacionais. Sur: Revista de Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, V. 15, p.135-156, 2011.; BERNARDES 2014 A; BERNARDES 2014 B). Não obstante isto, os próprios conceitos de “democracia” e de "direitos humanos", a partir dos quais o sistema e o constitucionalismo se estruturaram, constituíram-se, em algum grau, no aliciamento com as dinâmicas da antinegritude (FLAUZINA; PIRES, 2022PIRES, Thula Rafaela de Oliveira; FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Constitucionalismo da Inimizade. Revista Direito e Práxis, v. 13, p. 2815-2840, 2022.). Os contextos de violação, portanto, não devem ser entendidos como um desvio episódico de princípios democráticos, mas como um elemento indiciário dos pactos aos quais os próprios conceitos estão referenciados.

Estamos partindo dessa crítica para prestigiar os horizontes e possibilidades do litígio internacional, na medida em que tem por objeto o exame da responsabilidade de Estados, e não de indivíduos, por violação de direitos humanos, considerando que este abre espaço para as arenas políticas capazes de evitar as violações em questão. Diferentemente do que acontece em litígios internos, a Corte IDH examina contextos de violação e não apenas os fatos relativos ao caso concreto levado ao seu conhecimento. Da mesma forma, o conceito de reparação é mais amplo do que aquele adotado na jurisdição interna dos Estados, incluindo, por exemplo, as chamadas “medidas de não-repetição" que visam a impedir ou mitigar o caráter sistemático de certas formas de violência (BERNARDES 2011_____. Sistema Interamericano de Direitos Humanos como esfera pública transnacional: aspectos jurídicos e políticos da implementação de decisões internacionais. Sur: Revista de Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, V. 15, p.135-156, 2011.).

Vale aqui já a nota de que a sentença original no caso Favela Nova Brasília, em relação a julgados de cortes internas, representou uma faísca fundamental para a disputa dos direitos que tangenciam o caso. A Corte IDH declarou a responsabilidade internacional do Brasil por violação a diferentes artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos, no que se refere a violência perpetrada por agentes de estado, incluindo a violência sexual contra três meninas, e determinou diversas medidas de reparação. Após esta declaração, uma série de medidas também foram tomadas nas arenas públicas pela sociedade civil, já que a condenação representou um instrumento a mais de reivindicação.

A proposta de reescrevê-la, inclusive considerando ter sido uma decisão proferida por uma Corte cuja importância queremos preservar no atual contexto sócio-político, pode parecer contraditória em uma primeira análise. Nosso intuito, contudo, é o de tensionar a capacidade da Corte IDH de corrigir ou minorar o caráter sistemático das violações de direitos humanos que examina nas suas sentenças, justamente porque entendemos que essas violações são constitutivas do próprio direito liberal e, portanto, dos conceitos de legalidade, devido processo e mesmo direitos humanos, por meio dos quais a Corte IDH opera. Ao constatarmos que mesmo sentenças “progressistas” são incapazes de dar conta da violência colonial, expomos os paradoxos do direito liberal-colonial em que a realidade da violência se legitima por meio dos discursos normativos em torno da “defesa de direitos humanos”. Nossa proposta de reescrita, portanto, inscreve-se no campo da disputa por uma linguagem que seja capaz de revelar essa relação ao mesmo tempo paradoxal e constitutiva entre o direito liberal e a violência colonial.

Dividimos o artigo em duas grandes partes: uma de apresentação do caso e das questões que despertam nossas bases analíticas; outra em que apresentamos nossa proposta de reescrita. Partimos de um marco decolonial para entender a brutalidade policial contra corpos e territorialidades negras, chancelada pelos órgãos essenciais à justiça (em especial o Ministério Público, que tem a função de controle da atividade policial) como parte de um modus operandi regular e estrutural do Estado, que eterniza o controle sócio espacial antinegro no Brasil. A morte física e morte social (PATTERSON, 2008PATTERSON, Orlando. Escravidão e morte social: um estudo comparativo. Edusp, 2008.) que operações policiais esgotam são, aqui, entendidas não como uma “falha” ocasional do Estado de Direito, mas como um projeto político (FERNANDES, 2023_____. Política de Drogas e as Operações Policiais em Territórios de Favela da Zona Norte do Rio: algumas notas sobre o papel da magistratura nas dinâmicas de inimizade e tramas de terror racial. In: Hamilton Gonçalves Ferraz. (Org.). Os 30 anos do massacre do Carandiru e o futuro das ciências criminais e dos direitos humanos no Brasil. 1ed.Rio de janeiro: Lumen Juris, 2023, v. 1, p. 285-296.). Entendemos que as lentes da Corte, nesse caso, permaneceram encarceradas a um quadro liberal, que opera a partir de categorias abstratas demais para captar a dimensão de violência do ocorrido e que mantém, portanto, intocados alguns dos pactos que lhes alicerçam.

Na próxima seção, apresentamos a partir do pensamento de Maria Lugones, Rita Segato, Thula Pires, Ana Flauzina, João Vargas e Jaime Amparo, as categorias que guiarão a nossa reescrita da sentença. Pretendemos, junto a esse referencial, argumentar que tanto a execução dos 26 jovens quanto a violência sexual das 3 jovens são expressões da antinegritude sobre o qual se estrutura o Estado brasileiro. Ainda, que as violências representadas nas operações policiais encerram o controle espacial racializado contra favelas como alicerces político-institucionais das colonialidades. Na seção seguinte, apresentaremos os pontos da sentença original que pretendemos reescrever. Em termos gerais, a maior divergência entre a nossa sentença reescrita e a original residem na afirmação do caráter de continuidade entre execução e violência sexual como estratégias de morte antinegra. Assim, não entendemos que a violência sexual contra as jovens seja algo apreensível apenas como sendo uma violência de gênero, assim como a execução dos jovens não decorre exclusivamente de um debate abstrato sobre racismo. Da mesma forma, na nossa reescrita, enfatizamos a ação de atores essenciais ao sistema de justiça - Ministério Público e Magistratura - como expressão de um Estado genocida, em que a brutalidade policial aparece apenas como a sua forma mais evidente. Encerramos, movidas pelo esforço imaginativo de outras inscrições político-institucionais junto ao trabalho das Cortes, apresentando a nossa proposta de reescrita de sentença.

2. Revisão teórico-epistemológica

Neste item, buscamos desenvolver quatro debates que ancoram, em nível teórico-metodológico, a reescrita proposta. Mobilizamos as noções de “antinegritude” (VARGAS, 2017VARGAS, João Costa. Por uma Mudança de Paradigma: Antinegritude e Antagonismo Estrutural. In: Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.; 2020); da imbricação entre raça, classe, gênero e territorialidade (LUGONES, 1008; CURIEL, 2019CURIEL, Ochy. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial. Descolonizar o feminismo, p. 32-51, 2019.); do estupro como “arma de guerra” (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018.); do terror sexual como genocídio (VARGAS, 2021) e da crítica à matriz de direitos humanos (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. Latin American Studies Association, v. 50, n. 3, p. 69-74, 2019.) como elementos fundamentais que, acreditamos, podem reconduzir o debate sobre os limites e as possibilidades de atuação da Corte em casos que esgarçam a violência antinegra como um projeto político de Estado.

2.1. Antinegritude, controle espacial urbano racializado e a violência do Estado nas favelas

Para esta reescrita, mobilizamos como chave de análise a categoria da antinegritude, que “dá conta” (VARGAS, 2020_____. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 18, n. 45, 2020.) de descrever as dinâmicas que decorrem de um sistema mais amplo de desconsideração da humanidade de corpos, territórios, sujeitos, subjetividades que foi alastrado desde a fratura colonial. Vale uma nota de que aqui estamos entendendo que a desapropriação ontológica e violenta, produto da colonização, produziu um padrão que dividiu entre a zona do ser (a do humano) e do não ser (não humano) sujeitos em função das representações resultantes da diferença ontológica entre brancos e não brancos. Produtor dessa cisão definitiva, que é referida como incomensurabilidade, a antinegritude incutiu uma ordem de escravização e terror permanente (HARTMAN, 1997HARTMAN, Saidiya. Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and Self-Making in Nineteenth-Century America. New York, NY: Oxford University Press, 1997.), nos termos sinteticamente propostos por Fanon: “o preto, escravo de sua inferioridade, o branco, escravo de sua superioridade” (FANON, 2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUfba, 2008., p. 66).

Nesse sentido, como vem sendo debatido por João Vargas, a antinegritude seria uma "constante estrutural, um código moderno de ontologia e sociabilidade que estrutura toda forma de interação humana” (VARGAS, 2020_____. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 18, n. 45, 2020., p. 21). Disso decorre o enunciar dos princípios ontológicos e os processos subjetivos e sociais que estruturam nossa sociedade na aversão e no ódio a corpos e territorialidades negras, no corte do acesso ao reconhecimento da Humanidade que opera através do implícito e do inconsciente. Como destaca João Vargas:

“A antinegritude torna abjeto tudo o que é supostamente ligado à negritude. A antinegritude torna não lugares todos os espaços marcados pela negritude: espaços físicos, espaços metafísicos, espaços ontológicos, espaços sociais. A antinegritude, portanto, define a não pessoa, o não lugar. Pense na associação imediata que é feita entre a palavra “favela” e negritude, ou “inner city” e negritude. As palavras, que denotam espaços sociais geograficamente delimitados, são imediatamente associadas à negritude, e assim os tornam lugares saturados de características negativas, poluidoras e ameaçadoras: não lugares. A pessoa negra não somente é desprovida de ontologia, mas é desprovida de lugar. Ela está sempre fora do lugar, seja lá qual for o lugar. Isso quer dizer que a antinegritude define também o lugar da pessoa moderna, da Humanidade, sempre presente e sempre localizada” (VARGAS, 2020_____. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 18, n. 45, 2020., p. 22).

Assim, ao mobilizarmos esta categoria como lente, compreendemos o caráter sócio histórico das violências de Estado que são fixadoras das incomensurabilidades como projetos políticos em nosso território - e, não, como “falhas ocasionais”. Partindo, ainda, da compreensão de que raça é materializada nas configurações espaciais que decorrem da forma como as políticas em urbanismo e em segurança pública assentam a centralidade da exclusão e da morte na experiência negra urbana, também podemos assumir as operações em favelas como estratégias de dominação racial antinegras, no sentido mobilizado por Jaime Amparo:

“Minha ênfase na produção racial do espaço urbano não é por acaso: ela nos ajuda a entender também como se dá a produção espacial/racial do medo. A imagem que temos da favela como signo do medo e da desordem é marcada por uma “episteme racial” (FANON, 1967) que produz espaços e corpos criminalizados. Temos, então, uma dialética espacial fundada na racialização do medo e na criminalização da raça . Em certa medida, é esta “episteme racial” que orienta a produção material (por meio das intervenções estatais de eliminação seletiva de moradores e das políticas habitacionais desastrosas) e simbólica (na produção acadêmica, nos discursos da classe média, nas narrativas midiáticas da violência) da favela. A esta produção material e simbólica/discursiva que normaliza as concepções que temos de raça e de espaço denomino como - na falta de melhor termo - estratégia territorial de dominação racial.” (ALVES, 2011_____. Topografias da violência: necropoder e governamentalidade espacial em São Paulo. Revista do Departamento de Geografia, v. 22, p. 108-134, 2011., p. 115).

Nessa reescrita, portanto, ao assumirmos a antinegritude como fundante das violações sistêmicas que nos organizam social e estruturalmente, propomos um deslocamento no próprio eixo na matriz de “reconhecimento da violação de direitos humanos”. Ainda, entendendo que operações policiais em territórios de favela integram, hoje, os organogramas a partir dos quais a gestão espacializada de corpos e territórios negros se perfaz, reivindicamos que este caráter possa ser disputado como eixo analítico pela Corte. A enunciação de que as violações tratadas no caso evidenciam projetos políticos, lança luzes ao fato de que essas incursões transbordam os casos, em si, e desvelam uma parte dos capitais que fazem hoje a distribuição calculada da morte social (PATTERSON, 2008PATTERSON, Orlando. Escravidão e morte social: um estudo comparativo. Edusp, 2008.) e do terror antinegros como parte dos pactos hegemônicos que mantém o sistema das incomensurabilidades. E que são, continuamente também inscritos, nas dinâmicas de gênero.

2.2. Feminismos decoloniais e possíveis compreensões sobre as violências contra mulheres em favelas

De uma perspectiva decolonial, Maria Lugones, no artigo “Rumo a um feminismo descolonial” (2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas. Florianópolis. V. 22, n.3. 2014., p. 936), afirma que “imposição colonial do gênero atravessa questões sobre ecologia, economia, governo, relaciona-se ao mundo espiritual e ao conhecimento.” Segundo ela, a própria empreitada colonial foi levada a cabo através das categorias sexo e gênero e pode ser traduzida no projeto “civilizatório” europeu de transformar as “bestas”, racialmente marcadas, encontradas aqui nas Americas, em não-homens e não-mulheres. De fato, a dicotomia central da modernidade, na visão de Lugones, é humano e não-humano e esta dicotomia se realiza a partir da atribuição de gêneros aos humanos. Apenas os colonizadores tinham gênero e eram homens e mulheres, com todas as hierarquias conhecidas nesta dicotomia. Aos colonizados, negava-se um gênero e atribuía-se o sexo macho ou fêmea, em uma operação epistêmica que permitiu o que poderia ser chamado de “feminização do sujeito colonizado”, em outras palavras, o “acesso brutal aos corpos das pessoas através de uma exploração inimaginável, violação sexual, controle da reprodução e terror sistemático” (LUGONES, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas. Florianópolis. V. 22, n.3. 2014., p. 938).

A imposição do sistema sexo-gênero foi uma das ferramentas de destruição de cosmovisões que não se organizavam, necessariamente, por meio do sexo e gênero. A centralização destas categorias como critério politicamente determinante de organização social é, assim, uma forma de violência epistêmica com profundas consequências políticas e sociais que permanecem na atualidade. A análise de Lugones mostra como o elemento raça é fundamental para a compreensão da extensão em que um sujeito poderia ou não ter um gênero, em que medida certas fêmeas, marcadas racialmente, são “mulheres” ou não. Lugones denuncia aqui a impossibilidade de homens e mulheres negras se encaixarem nos modelos de masculinidade e feminilidade criados a partir da experiência branca européia, e a sua permanência nos lugares dos “nãohomens” e “nãomulheres” (BERNARDES 2020BERNARDES, M. N. Questões de raça na luta contra a violência de gênero: processos de subalternizaçao em torno à lei Maria da Penha. Revista Direito GV, São Paulo, V. 16, N. 3, e1968, Set-Dez, 2020.).

É com base neste referencial que assumimos as violências de gênero no caso de Nova Brasília, em que a usurpação dos corpos das mulheres tensiona as próprias noções liberais do significante “gênero”. O acúmulo de vilipêndios que esse caso escancara organiza, também, aquilo o que Thula Pires e Ana Flauzina refletem como uma performance, em máxima latitude, das periferias como corpos de mulheres negras. Aqui, construídas a partir do repertório jurídico-normativo que atribui legibilidade para esses vários espectros de penetração antinegra que reinscrevem territórios de favela ao terror colonial:

Como os corpos de mulheres negras, as periferias são os territórios que podem sofrer todo repertório de violência: da penetração das incursões policiais homicidas, passando pelo toque de recolher que impede a circulação de pessoas, até as torturas de corpos de jovens nas dinâmicas da guerra às drogas. Todas essas mazelas devem ser suportadas sem a possibilidade de denúncia efetiva e de reconhecimento público. Assim, um dos principais aportes do desenho da geografia urbana genocida é o de fazer a cidade negra agonizar silenciada em seus redutos fechados. (FLAUZINA; PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020., p. 83)

As violências contra mulheres que foram julgadas no caso Nova Brasília sistematizam como, na imbricação entre racismo e sexismo em nosso território, as relações de poder são atravessadas pela não humanidade e transbordam os significantes da não humanidade que estrutura, também, o sistema sexo gênero e as inscrições de territorialidade que poderiam ter sido debatidas pela Corte. Como estupros, são indiciários, ainda, de como o terror sexual contra mulheres negras integram parte estrutural das dinâmicas de guerra e de terror de Estado desde a intrusão, que é o que visitamos como repertório teórico analítico no próximo item.

2.3. Estupro como dispositivo de guerra, antinegritude e terror sexual como estratégias coloniais

Neste ponto, queremos propor que i) os estupros relatados no caso Nova Brasília podem ser compreendidos como significantes de dispositivos que guerra que retratam uma “pedagogia masculina da crueldade” que constitui nosso Estado; e ii) que o terror sexual contra mulheres nas operações policiais integra parte de nossa fundação originária colonial, reescrevendo, contemporaneamente, os pactos da antinegritude. Ambos os debates reconduzem, como nos itens anteriores, os modos como foram reconhecidas as violações e fixadas as reparações, interpelações que procuramos trazer na redação da reescrita.

Quanto ao primeiro item, Rita Segato (2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018.) fala de uma “guerra contra as mulheres” em que o estupro e o feminicídio aparecem como sua expressão mais contundente. Com efeito, Segato destaca que violência física e sexual contra mulheres não tem nada a ver com sexualidade, propriamente, mas sim como manifestação de poder de desumanização, típica de uma modernidade que se caracteriza como uma “conquitualidade violadora e expropriadora permanente” (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018., p.22). A metáfora da guerra também permite enxergar a relação cotidiana entre o estado soberano, patriarcado e violência a partir do que ela chama de pedagogia masculina da crueldade.

Com efeito, o uso do estupro como tecnologia de guerra em conflitos armados já é conhecido e nos funda, estruturalmente, a partir de uma matriz masculista, beligerante e obliterante. Segato estende essa concepção para as situações “cotidianas” de violência contra mulheres, representadas como territórios a serem violados e conquistados, debate que podemos incorporar ao caso explorado:

El acceso sexual se ve contamina- do por el universo del daño y la crueldad -no solo apropiación de los cuerpos, su anexión qua territorios, sino su damnación-. Conquista, rapiña y violación como damnificación se asocian y así permanecen como ideas correlativas atra- vesando el periodo de la instalación de las repúblicas y hasta el presente. La pedagogía masculina y su mandato se transforman en pedagogía de la crueldad, funcional a la codicia expropiadora, porque la repetición de la escena violenta produce un efecto de normalización de un pasaje de crueldad y, con esto, pro- mueve en la gente los bajos umbrales de empatía indispensables para la empresa predadora (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018., p.21)

A pedagogia da crueldade, para Segato, é marca de existência do Estado moderno-colonial e explica a brutalidade da violência que afeta de modo regular e permanente a vida de homens e mulheres negros e negras, apresentadas nas várias performances de terror do caso Nova Brasília. Nesse sentido, ela propõe o uso da expressão amefricajuvenifemigenocidio - que também assumimos como lente para a reescrita - a partir da categoria da amefricanidade de Lelia Gonzales, para designar “la ejecución cruel y sacrificial no utilitaria sino expresiva de soberanía, acto en que el poder exhibe su discrecionalidad y soberanía jurisdiccional” (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018., p.22).

Além das inscrições do estupro como metáfora da guerra e como representação dos tantos espectros da violência e da soberania masculinista colonial, também propomos, acompanhadas de Thula Pires, Ana Flauzina e João Vargas, debater os estupros relatados no caso como performances do terror colonial. Aqui, dialogamos diretamente com as reflexões sobre o terror sexual como parte das dinâmicas da antinegritude:

Essa gramática critica insiste na centralidade das experiências de mulheres negras, tanto na formatação do estado de terror e suas tecnologias de controle que definem o estado-império contemporâneo (JUNG, 2015) quanto na formulação de críticas das dimensões múltiplas do genocídio e da antinegritude fundante. A figura da escrava (VARGAS, 2020_____. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 18, n. 45, 2020.a) talvez nos ajude a refletir sobre os desafios epistemológicos e políticos de uma perspectiva que, ao reconhecer a violabilidade inalterável da negra, e, portanto, a sua condição de não estuprável (HARTMAN, 1997HARTMAN, Saidiya. Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and Self-Making in Nineteenth-Century America. New York, NY: Oxford University Press, 1997.; WILDERSON, 2017) não espera nem acredita na redenção do projeto moderno de civilização. Pois este projeto, cujo algoritmo é a antinegritude, é um projeto masculinista, homossexual e cisheteropatriacal (ALEXANDER, 2005), que requer e permanentemente reproduz o terror sexual e a morte social e física das pessoas negras. Centrar o estupro como estrutural e estruturante, como o querem Flauzina e Pires, significa, no Limite da análise, ponderar formas alternativas de ontologia e de organização social que necessariamente extrapolam o que presentemente nos define ontológica e socialmente. (VARGAS, 2021, p. 47)

Assumir o terror sexual a partir de seu significado político-social, como mais uma imanência da condição da invasão (e das suas várias representações) de lógica colonial, permite, como sugere Ana Flauzina, esgarçar a interface entre estupro, tortura e morte e disputar que os tantos níveis de degradação produzidos a partir da violência sexual contra mulheres negras possam ser afetos ao genocídio (FLAUZINA; PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020., p. 71-72). A incorporação deste debate, a nível de decisão, possibilita propor que violações denunciadas, além repactuarem o medo antinegro fundante, reconfiguram os vilipêndios ocorridos como dado original da diáspora, desvelando sua estrutura de guerra, originária, masculinista e, essencialmente, antinegra.

2.4. Genocídio e antinegritude e a recondução do reconhecimento da violação de direitos humanos

Os três níveis de debates anteriores, que alinhavamos a partir da chave da antinegritude, conduzem a uma reflexão ainda mais essencial ao caminho de nossa proposta de reescrita, que é a da condição jurídico normativa da categoria dos “direitos humanos”. Sem a intenção de esgotar a revisão bibliográfica deste (histórico) debate, queremos destacar, como propõe Thula Pires, que o fato de a sua matriz (teórica, legislativa e jurisprudencial) ter sido fixada a partir da experiência da zona do ser constitui uma limitação de base orgânica do campo, que justifica o fato de os termos das recomendações da Corte terem sido incapazes de alcançar alicerces da violência antinegra, começando pela sua enunciação:

A construção normativa (teórica, legislativa e jurisprudencial) é produzida a partir da experiência da zona do ser, sendo incapaz de, nesses termos, oferecer uma resposta que reposicione o papel dos direitos humanos sobre os processos de violência sobre a zona do não ser (Pires 2018). (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. Latin American Studies Association, v. 50, n. 3, p. 69-74, 2019., p. 70)

Aqui também convidamos ao debate conduzido por Ana Flauzina sobre as “fronteiras raciais do genocídio”, que nos emplaca a relação inexorável entre a dificuldade que Tribunais internacionais têm no reconhecimento do crime de genocídio diante de formas extremas de assalto à vida negra - que Nova Brasília escancara - como diretamente relacionados aos tantos investimentos nos capitais de humanidade que operam a favor dos pactos da zona do ser:

a relação íntima entre racismo e genocídio tornou a discussão sobre a reprodução simbólica do primeiro no reconhecimento judicial do crime um desafio (...) Esse horizonte jurídico internacional que formalmente proscreveu a manifestação do racismo, enquanto é ainda complementarmente influenciado pelas normas degradantes da supremacia branca, é responsável por uma administração distorcida do genocídio. Visivelmente, tanto a perpetração do crime quanto a passividade do sistema de justiça penal internacional em resposta aos horrores do genocídio têm um impacto especial sobre as comunidades negras, à luz das representações históricas peculiares que enxergam este grupo social como o antônimo de humanidade. Nesse processo, o alto grau de vulnerabilidade em torno da vida negra é cultivado por atos de incontestável terror patrocinados e sancionados pelo Estado que visam a controlar o que são categorizados como “corpos indomesticáveis”. Aqui, deve-se perceber que o exercício de formas extremas de assalto à vida negra em um contexto internacional que abraça a retórica do igualitarismo e do multiculturalismo não poderia ser alcançado senão através do investimento na desumanização simbólica de pessoas negras. Considerando esta afirmação, o que se argumenta é que, além desse processo mais evidente de construções em torno da “desumanidade negra”, este investimento também é feito de forma indireta pela recuperação da noção de “humanidade branca” e sua justaposição com a noção de humanidade em si (FLAUZINA, pp. 134-135).

Também Thula Pires destaca que o movimento na autoinscrição dos termos os quais as violações de direitos humanos são reconhecidas - particularmente propondo o giro da amefricanidade - pode ser capaz de informar “uma nova práxis nos debates sobre o Estado e o direito” (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. Latin American Studies Association, v. 50, n. 3, p. 69-74, 2019., p. 73). Buscamos, assim, propor a enunciação desses processos e a recondução da reparação, na forma da reescrita da decisão do caso de Nova Brasília, como tentativa de conjuração dos pactos que ainda parecem estar mantidos na forma como originalmente foram elaborados.

3. Resumo sobre o caso

O caso Favela Nova Brasília, como mencionado, trata da execução extrajudicial de vinte e seis pessoas e da prática de violência sexual contra três mulheres, perpetradas por oficiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro, durante incursões realizadas na Favela Nova Brasília em 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995. Quase todas as vítimas de execução e das violações sexuais eram pessoas jovens, negras, moradoras de favela e alguns tinham menos de 18 anos à época dos fatos. Destacamos que, entre a primeira incursão policial e a segunda incursão, houve troca de governo no Estado do Rio de Janeiro, e que, da data dos fatos até a sentença da Corte IDH, transcorreram-se quase vinte anos sem que tivesse havido qualquer alteração significativa no modo de funcionamento das instituições de estado que atuaram nesse imbróglio, quais sejam, a Polícia Civil, o Ministério Público e a Magistratura. Apenas esse fato - a permanecia ao longo de décadas da política de segurança pública do Estado e de política dos órgãos de fiscalização e de responsabilização judicial das forças de segurança - denota o projeto político de genocídio que denunciamos aqui. Em especial, enfatizamos a continuidade entre brutalidade policial e tramitação de inquéritos e processos judiciais relativos a chacinas no estado. Parece especialmente chocante revelar a cumplicidade dos órgãos de justiça com os processos de morte física e social da juventude negra.

Dados os limites deste exercício de reescrita, optamos por reescrever trechos da análise de mérito das denúncias de violação dos artigos 8, 25 e 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (“CADH”), em referência ao artigo 1.1 da mesma convenção, além das violações aos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana contra a Tortura e do artigo 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção Belém do Pará”). Ao reescrever estas seções, partirmos dos conceitos acima explorados como chave de reinterpretação, o que permitiu reinterpretar fatos que a Corte IDH havia desconsiderado, bem como recorrer a alguns princípios de direito internacional não utilizados na sentença original, ainda que já disponíveis a época do julgado.

Assim, na seção “VII-1” do Mérito reescrito enunciamos, em síntese, que a violação da devida diligência e do prazo razoável nas investigações (Art. 8 e 25 da CADH) ocorreu em razão das ações e omissões estatais que configuram um conjunto de práticas intencionais e recorrentes de um projeto político antinegro, ao invés de formulá-las como “falhas” dos órgãos estatais, como fez a Corte IDH. Já na seção “VII-2” do Mérito reescrito, enunciamos que a violação à integridade pessoal das vítimas familiares dos mortos e das jovens que sofreram violência sexual, ocorreu com base na centralidade das provas obtidas pelas falas e depoimentos das próprias vítimas, atrelado à necessidade de controle social realizado através da atribuição de territorialidades e corpos negros à figura do criminoso, da pessoa perigosa. A partir destas lentes, que situam a vítima como porta-voz da própria dor e de práticas de genocídio inerentes aos procedimentos institucionais, consideramos violados os direitos humanos dos demais familiares, que não foram compreendidos como violados em razão da Corte IDH entender não dispor de elementos para determinar que esta violação ocorreu em consequência da falta de investigação dos fatos de 1994 e 1995.

4. Mérito

Neste tópico, seguimos com uma proposta de reescrita do mérito do caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, cuja sentença foi promulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 16 de fevereiro de 2017:

VII - 1

DIREITOS ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL

B. Considerações da Corte

B.1. A violação das garantias judiciais e da proteção judicial das vítimas mortas e seus familiares nas incursões de 1994 e 1995.

B.1.1. A devida diligência e do prazo razoável nas investigações relacionadas com as incursões policiais de 1994 e 1995

198. O Art. 8.1 da CADH determina que toda a pessoa tem direito a ser ouvida dentro de um prazo razoável, prestadas as devidas garantias judiciais para tal, para apuração de qualquer acusação penal. No caso das chacinas que ocorreram no ano de 1994 e 1995, as provas apresentadas perante a Corte demonstram que, desde à época dos fatos até o ano de 2002, não houve um procedimento investigativo relevante capaz de apurar as várias dinâmicas de terror que ocorreram contra as vítimas que foram mortas, seus familiares e aquelas que foram violentadas sexualmente; bem como a situação de genocídio antinegro que o caso faz representar.

199. Esta demora, por si só, inviabiliza qualquer possibilidade de solução das controvérsias existentes com relação aos fatos, sendo importante elucidar algumas das ações e/ou omissões de três órgãos estatais relevantes para o deslinde de um processo ausente de uma investigação diligente: as autoridades policiais, o Ministério Público e o poder judiciário.

200. A investigação do uso de força letal pelos agentes da polícia restou comprometida pelo próprio procedimento interno comum do corpo policial nestes casos. Conforme ressaltado pela Comissão, as próprias delegacias de polícia responsáveis pelas operações também foram responsáveis pela realização das investigações - que nunca ocorreram. O início destas investigações se deu por meio de registros dos policiais que atuaram nas incursões objeto destes autos, os chamados “autos de resistência”. Estes, por sua vez, consistem em uma declaração específica na qual o agente policial atesta, de forma autodeclarada, que estava em uma situação de risco de vida que o “forçou” a agir de forma letal, causando a morte de alguém. Isto significa dizer que o meio de verificar se o agente policial agiu ou não mediante força letal injusta e desnecessária se inicia com a autodeclaração do próprio agente sobre os seus atos. Vale mencionar que, historicamente, esta argumentação vem sendo mobilizada para manter as estruturas de letalidade direcionadas preferencialmente contra corpos e territorios negros; bem como a gestão da morte tem se mantido, nesses casos, dispositivo fundamental para a manutenção do controle espacial racializado em centros urbanos brasileiros. A regra do arquivamento, nesses casos, também é sintomática de como as estruturas jurídico-normativas só operam a favor da manutenção da legitilidade da dor e do sofrimento que atingem a zona do ser.

201. Quanto a isto, foram ouvidos inúmeros especialistas locais, incluindo o perito Caetano Lagrasta, os quais atestaram que os procedimentos penais resultantes de autos de resistência raramente são investigados com diligência, bem como, que possuem um caráter criminalizador da vítima, eis que se iniciam com a presunção de que os confrontos ocorreram unicamente em razão das ações direcionadas aos agentes policiais.

202. Igualmente, depoimentos e declarações de familiares das vítimas assassinadas, apenas foram coletadas anos depois1 1 Declarações testemunhais de familiares de vítimas, em 16 de fevereiro, 1o de março, 8 de março, 22 de março e 29 de março de 1996, perante a Promotoria de Investigação Penal (expediente de prova, folhas 563-574). , de forma que não houve diligência, tanto das autoridades policiais, quanto do poder judiciário e do Ministério Público na localização e acolhimento das vítimas para que pudessem apresentar suas declarações de forma segura sobre o ocorrido. A captura dessas vozes é indicadora do colonialismo jurídico a partir da qual as burocracias de estado agem. Nesta esteira, os inquéritos policiais se arrastaram por anos, tendo o próprio Ministério Público opinado pelos seus arquivamentos diversas vezes, em razão da própria inércia da investigação que ocasionou a prescrição em razão do lastro temporal. Atos estes que não condizem com o seu papel constitucional de controle da atividade investigativa policial e que mantém intocados os pactos que sustentam o genocídio antinegro. Pedidos de arquivamentos de inquéritos também advieram do poder judiciário2 2 IP Nº 141/02, decisão do Juiz da 31a Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 3 de novembro de 2009 (expediente de prova, folhas 5108-5109); e Decisão da 3a Vara Criminal (expediente de prova, folhas 7757-7761). , sob alegações similares, o que reflete o complexo organograma de instituições que são diretamente responsáveis pela complexificação dos dispositivos de racialidade em supostas democracias.

203. Em verdade, diversas foram as ações e omissões destes órgãos estatais para alcançar o resultado da ausência de uma investigação que fosse diligente e resolutiva, o que pode ser elaborado como parte de uma agenda política antinegra, masculinista e beligerante de Estado: concessão de prorrogações, atrasos ou descumprimento de providências requeridas, inatividade e tentativas de cessação dos processos.

202. Contudo, diante deste cenário, não há como implicar uma leitura de “falhas” contínuas na investigação das chacinas de 1994 e 1995. Se está diante de uma sistemática executada nos termos que se propõe: o exercício de um controle social estatal em territórios negros, que tem como objetivo concretizar o genocídio através da morte física de social de todas as pessoas que habitam e todas as espacialidades que expressam a zona do não ser.

203. Vale destacar que experiência brasileira é moldada por um modelo de organização hierarquizado e estratificado racialmente, onde a violência e o aniquilamento são os instrumentos normativos direcionados, sustentando a seletividade racial como fundamental para o exercício da legalidade e da ordem social (FLAUZINA & PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020.). Por este ângulo, as ações e omissões das autoridades policiais, do poder judiciário e do próprio Ministério Público (que atua como fiscal da lei), estão não “só” condizentes com esta agenda. Trata-se de atores centrais para a atualização do projeto político de terror e brutalismo antinegros, que só se sustenta na medida que mantém intactos os privilégios que operaram a favor da zona do ser. Deslocar estas violações para o campo da “inexistência” ou da “falha ocasional” é estratégia típica do colonialismo jurídico, que atravessando práticas institucionais, tem permitido que as categorias do genocídio e, em maior escala, da violação dos “direitos humanos” permaneçam indefensáveis quando a régua da incomensurabilidade se impõe. Portanto, estas “ações e omissões estatais”, como são tradicionalmente referidas, são sistemáticas, estruturais; trata-se dos alicerces antinegros do Estado que nos constituem desde o colonialismo (PIRES, 2018).

204. Pelo acima exposto, a Corte conclui que o Estado violou as garantias judiciais de devida diligência e prazo razoável, previstas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em atenção ao atravessamento existente no reconhecimento de que as ações e omissões dos órgãos estatais são fruto de um papel sistemático assumido pelo sistema de justiça brasileiro que centraliza e legitima a violação de direitos de territorialidades, corpos e subjetividades negras.

205. No caso dos autos, a referida violação ocorreu em detrimento de Waldomiro Genoveva, Océlia Rosa, Rosane da Silva Genoveva, Diogo da Silva Genoveva, Paulo Cesar da Silva Porto, Daniel Paulino da Silva, Georgina Soares Pinto, Nilton Ramos de Oliveira, Maria da Conceição Sampaio de Oliveira, Vinicius Ramos de Oliveira, Geraldo José da Silva Filho, Georgina Abrantes, Paulo Roberto Felix, Otacílio Costa, Beatriz Fonseca Costa, Bruna Fonseca Costa, Dalvaci Melo Rodrigues, Mônica Santos de Souza Rodrigues, Evelyn Santos de Souza Rodrigues, Pricila da Silva Rodrigues, Samuel da Silva Rodrigues, Lucas Abreu da Silva, Cecília Cristina do Nascimento Rodrigues, Adriana Melo Rodrigues, Roseleide Rodrigues do Nascimento, Shirley de Almeida, Catia Regina Almeida da Silva, Valdemar da Silveira Dutra, Geni Pereira Dutra, Vera Lúcia Jacinto da Silva, Cesar Braga Castor, Vera Lúcia Ribeiro Castor, Michele Mariano dos Santos, William Mariano dos Santos, Pedro Marciano dos Reis, Hilda Alves dos Reis e Rosemary Alves dos Reis.

B.1.2. Ausência de proteção judicial efetiva para os familiares das vítimas mortas nas incursões policiais de 1994 e 1995

206. O Art. 25.1 da CADH, por sua vez, determina que toda pessoa tem direito a um recurso efetivo que ofereça resultados e/ou respostas às violações cometidas, conforme já determinado por esta Corte em precedentes3 3 Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros). Mérito, par. 237; e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, par. 393. . No caso dos autos, a inexistência de uma investigação diligente continua culminou na negativa do acesso à justiça e de um recurso efetivo, já que não houve uma análise precisa dos fatos.

207. Ainda, a presença das vítimas durante o processo é essencial para averiguar a violação de uma proteção judicial, visto que o seu silenciamento impede uma reparação justa. Conforme constatado pelo perito Weichert4 4 Cf. Peritagem apresentada mediante affidavit por Marlon Weichert, em 30 de setembro de 2016, folhas 14545 a 14549. , o processo penal brasileiro não situa as vítimas em uma posição prioritária, mas sim, como meras testemunhas, desimportantes para o entendimento de como as violações foram instrumentalizadas.

208. No caso das incursões de 1994 e 1995, isto não foi diferente. Os familiares das vítimas, ora lidas igualmente como vítimas, não tiveram acesso a um recurso que fosse capaz de lhes fornecer proteção judicial, ao passo em que ao longo do processo foram tratadas como sujeitos alheios a todo o procedimento. Atrelado a isto, as vítimas que perderam seus entes queridos eram lidas por meio de lentes que as situam socialmente a abjeção, como corpos que estavam vinculados a seres que combateram a autoridade policial por serem infratores e criminosos.

209. Não obstante, a ausência de um recurso capaz de dar proteção judicial às vítimas macula uma outra face da lógica da morte de pessoas negras nas instituições sociais, estabelecida pela estrutura racializada, pela prática do genocídio e reciclada pelo sistema penal brasileiro.

210. Em virtude do acima exposto, a Corte conclui que o Estado violou o direito à proteção judicial, disposto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento de Alcides Ramos, Thiago da Silva, Alberto da Silva, Maria das Graças Ramos da Silva, Rosiane dos Santos, Vera Lúcia dos Santos de Miranda, Lúcia Helena Neri da Silva, Joyce Neri da Silva Dantas, Edson Faria Neves, Mac Laine Faria Neves, Valdenice Fernandes Vieira, Neuza Ribeiro Raymundo, Eliane Elene Fernandes Vieira, Rogério Genuíno dos Santos, Jucelena Rocha dos Santos, Robson Genuíno dos Santos Júnior, Norival Pinto Donato, Célia da Cruz Silva, Nilcéia de Oliveira, Diogo Vieira dos Santos, Helena Vianna dos Santos, Adriana Vianna dos Santos, Sandro Vianna dos Santos, Alessandra Vianna Vieira, Zeferino Marques de Oliveira, Aline da Silva, Efigenia Margarida Alves, Sergio Rosa Mendes, Sônia Maria Mendes, Francisco José de Souza, Martinha Martino de Souza, Luiz Henrique de Souza, Ronald Marcos de Souza, João Alves de Moura, Eva Maria dos Santos Moura, João Batista de Souza e Josefa Maria de Souza, Waldomiro Genoveva, Océlia Rosa, Rosane da Silva Genoveva, Diogo da Silva Genoveva, Paulo Cesar da Silva Porto, Daniel Paulino da Silva, Georgina Soares Pinto, Nilton Ramos de Oliveira, Maria da Conceição Sampaio de Oliveira, Vinicius Ramos de Oliveira, Geraldo José da Silva Filho, Georgina Abrantes, Paulo Roberto Felix, Otacílio Costa, Beatriz Fonseca Costa, Bruna Fonseca Costa, Dalvaci Melo Rodrigues, Mônica Santos de Souza Rodrigues, Evelyn Santos de Souza Rodrigues, Pricila da Silva Rodrigues, Samuel da Silva Rodrigues, Lucas Abreu da Silva, Cecília Cristina do Nascimento Rodrigues, Adriana Melo Rodrigues, Roseleide Rodrigues do Nascimento, Shirley de Almeida, Catia Regina Almeida da Silva, Valdemar da Silveira Dutra, Geni Pereira Dutra, Vera Lúcia Jacinto da Silva, Cesar Braga Castor, Vera Lúcia Ribeiro Castor, Michele Mariano dos Santos, William Mariano dos Santos, Pedro Marciano dos Reis, Hilda Alves dos Reis e Rosemary Alves dos Reis.

B.1.3. A devida diligência e a proteção judicial referentes à violência sexual contra L.R.J., C.S.S. e J.F.C.

211. Com relação à L.R.J., C.S.S. e J.F.C., vítimas de terror sexual praticadas por policiais que atuaram nas incursões, igualmente não foram tomadas medidas para investigar os fatos e responsabilizar os agentes perpetradores. Não houve realização de exames periciais em tempo hábil para verificação da ocorrência dos crimes e as jovens não receberam atendimento médico e psicológico após o trauma causado pelas contínuas violências contra elas.

212. Além disso, apesar das jovens terem ativamente identificado os agressores, nenhum processo foi instaurado. Durante a investigação referente aos mortos nas chacinas, também não puderam participar de forma ativa como vítimas de violência sexual, intervindo apenas como testemunhas de fatos que foram constantemente lidos como atos realizados contra agentes estatais que estariam realizando “a proteção de uma sociedade em constante guerra contra drogas e pessoas infratoras”. Essas mulheres, como vítimas de terror, nunca receberam do Estado qualquer cuidado, não tiveram assegurado seu direito de prestar depoimento em ambiente seguro, e sua segurança após denunciarem os atos não foi garantida em nenhum momento.

213. A condução dos órgãos estatais perante o caso das jovens revela essa interpretação institucional da mulher negra como um corpo esvaído de humanidade e distante de ser um “sujeito de direitos”. Atribui-se, assim, uma irrelevância ao seu testemunho, constatando a imbricação entre raça e gênero situam a mulher negra, em contextos como o narrado, a um lugar específico e ainda mais degradante de vulnerabilidade (FLAUZINA & PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020.; LUGONES, 2008LUGONES, María. Colonialidad y género. Tabula rasa, n. 09, p. 73-101, 2008.). A argumentação dos agentes, que referendam as práticas às lógicas da “segurança e proteção”, esgarça como esses abusos não são uma violação de direitos humanos qualquer; antes, adere às dinâmicas orgânicas da antinegritude e às táticas masculinistas e beligerantes que inculcam, ainda hoje, o brutalismo e o terror sexual de raiz colonial, bem como o estupro como um legítimo dispositivo de guerra (SEGATO, 2018SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Política y Sociedad, v. 55, n. 2, p. 639-643, 2018.). O trauma, a tortura, os vários níveis de sofrimento produzidos são, nessa linha, representações da morte social que as operações policiais e que o projeto político de controle genocida antinegro encerram (PATTERSON, 2008PATTERSON, Orlando. Escravidão e morte social: um estudo comparativo. Edusp, 2008.).

214. Portanto, a Corte conclui que o Estado violou o direito à proteção judicial, previsto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, e os artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, bem como o artigo 7 da Convenção Belém do Pará, em detrimento de L.R.J., C.S.S. e J.F.C.

VII-2

DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL

B. Considerações da corte

B.1. A violação da integridade pessoal física, moral e psíquica dos familiares das vítimas

269. Já é entendimento da Corte IDH a aplicabilidade do direito à integridade pessoal física, moral e psíquica, previsto no Art. 5º da CADH, aos familiares das vítimas de violações de direitos humanos, eis que resultantes do sofrimento e angústia destas violações praticadas até a extensão das ações e omissões estatais frente ao processo de investigação dos fatos e da continuidade na impunidade das autoridades estatais que procedem à época da morte das vítimas do caso em tela.

270. O abalo na integridade física, moral e psíquica dos familiares das vítimas, ora neste momento consideradas igualmente vítimas, se concretiza a partir de duas situações: 1) da falta de investigação e punição dos responsáveis pelas incursões policiais que resultou na morte dos 26 corpos negros, sendo 20 adultos e 6 adolescentes, todos homens; e 2) a prática dos atos policiais e das ausências do corpo estatal culminadas no vínculo da imagem destas vítimas, bem como de seus familiares, à de pessoas “perigosas”, “aliadas ao narcotráfico”.

271. Ambas as situações estão embebidas nas relações estruturais de uma política de morte antinegra a qual o Brasil se estrutura. Para compreender essas relações, é essencial identificar como a figura do sujeito de direito no Brasil foi forjada pela noção hegemônica e racial da humanidade, atrelada à regimes de exploração, escravidão e genocídio de determinados povos. Isto significa afirmar que a operacionalização dos sistemas jurídicos e policiais brasileiros são, necessariamente, modulados por um padrão de humanidade que não é genérica à toda a vida humana, mas sim, àquelas vidas as quais são de interesse dos agentes políticos estatais de serem protegidas e aquelas cuja humanidade se nega (FLAUZINA & PIRES, 2020_____. Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, 2020.). Esta definição social - de quais vidas importam para o acesso à direitos, e às quais sequer há o reconhecimento social de humanidade - tem como consequência a fabricação de um modo de operação estatal que organiza e controla a geografia das exclusões e cartografia das mortes no Brasil.

272. Aliado a isto, tem-se a imagem da pessoa negra como perigosa, criminosa ou infratora como uma manifestação de estereótipos importantes para a manutenção o controle social nas favelas. Esse imaginário, construído desde o fim do regime formal da escravatura, com o positivismo criminológico nina rodrigueano, induz o próprio impulso para a realização de operações policiais sob o argumento de que se trata de um território com pessoas necessariamente perigosas e praticantes de ilícitos penais. Isto, por sua vez, dá a licença necessária para que o corpo policial e outros órgãos institucionais pratiquem condutas violentas que entendem por condizentes para combater e expurgar de valor essa territorialidade. Nesta linha, não há como desassociar as ações e/ou omissões do Estado brasileiro no presente caso à violação da integridade pessoal dos familiares dos mortos nas chacinas que ocorreram em 1994 e 1995, pois não se trata de condutas individuais, comportamentos atípicos frutos de um desvio moral (PIRES, 2016_____. Criminalização do racismo: entre política de reconhecimento e meio de legitimação do controle social sobre os negros. Brasília: Brado Negro, 2016, 302p.), mas sim, como um resultado inevitável e inerente ao modelo organizacional e operacional do Estado, o que implica em sua responsabilização.

273. Esta dinâmica é perceptível nas provas disponíveis nos autos, com base nas declarações testemunhais escritas, depoimentos presenciais e relatórios de impacto psicossocial5 5 Depoimento de Mônica Santos de Souza Rodrigues (expediente de prova, folha 16613); depoimento de Evelyn Santos de Souza Rodrigues (expediente de prova, folha 16616); depoimento de Diogo da Silva Genoveva (expediente de prova, folha 16629); depoimento de Michelle Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16658); depoimento de Maria das Graças da Silva (expediente de prova, folhas 16622 e 16623); depoimento de Geni Pereira Dutra (expediente de prova, folhas 16627 e 16628); depoimento de João Alves de Moura (expediente de prova, folha 16634 e 16635); depoimento de Helena Viana dos Santos (expediente de prova, folhas 16647, 16648, 16650); depoimento de Samuel da Silva Rodrigues (expediente de prova, folha 16639); depoimento de Robson Genuino dos Santos Jr. (expediente de prova, folhas 16652 e 16654); depoimento de Otacílio Costa (expediente de prova, folha 16621); depoimento de Pricila Rodrigues (expediente de prova, folha 16632); depoimento de William Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16636); depoimento de Joyce Neri da Silva Dantas (expediente de prova, folha 16626); depoimento de Bruna Fonseca Costa (expediente de prova, folhas 16606 e 16607). Depoimento de Robson Genuíno dos Santos Júnior (expediente de prova, folha 16654); depoimento de João Alves de Moura (expediente de prova, folha 16634); depoimento de Helena Viana dos Santos (expediente de prova, folhas 16647 e 16650); depoimento de Michelle Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16658). . A partir de relatos de destas vítimas, é possível identificar grave abalo psíquico, moral e físico, decorrentes tanto da ausência de investigação, resolução e punibilidade dos responsáveis pelas mortes, quanto pela forma de tratamento direcionada que vinculava os seus familiares mortos, e a si mesmos, a imagens de pessoas perigosas e infratoras.

274. Igualmente, deve-se atentar ao princípio da centralidade da vítima, cunhado pelo juiz A. A. Cançado Trindade em precedentes desta Corte6 6 Cf. Caso Bácama Velásquez v. Guatemala. Mérito. Sentença de 25.11.2000. Voto separado do A. A. Juiz Cançado Trindade; Caso Bulacio vs. Argentina. Mérito e Reparações. Sentença de 19.09.2003. Voto separado do Juiz A. A. Cançado Trindade; Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Sentença de 04.07.2006. Voto separado do Juiz A. A. Cançado Trindade. . Segundo este princípio, o direito internacional dos direitos humanos deve se orientar, essencialmente, pela condição de sofrimento das próprias vítimas, de modo a restituí-las à uma posição central de sujeitos de direito, analisando as violações a partir de suas declarações, mitigando os efeitos danosos, bem como, agindo através da prevenção de que determinados fatos danosos não façam novas vítimas.

275. Desse modo, levando em consideração as circunstâncias do presente caso, as declarações juramentadas apresentadas em caráter central para determinação das violações, o Tribunal conclui que o Estado violou o direito à integridade pessoal, previsto no artigo 5.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento dos familiares: Mônica Santos de Souza Rodrigues; Evelyn Santos de Souza Rodrigues; Maria das Graças da Silva; Samuel da Silva Rodrigues; Robson Genuíno dos Santos Júnior; Michelle Mariano dos Santos; Bruna Fonseca Costa; Joyce Neri da Silva Dantas; Geni Pereira Dutra; Diogo da Silva Genoveva; João Alves de Moura; Helena Vianna dos Santos; Otacílio Costa; Pricila Rodrigues; William Mariano dos Santos; Cirene dos Santos, Edna Ribeiro Raimundo Neves, José Francisco Sobrinho, José Rodrigues do Nascimento, Maria da Gloria Mendes, Maria de Lourdes Genuino, Ronaldo Inacio da Silva, Alcides Ramos, Thiago da Silva, Alberto da Silva, Rosiane dos Santos, Vera Lúcia dos Santos de Miranda, Lucia Helena Neri da Silva, Edson Faria Neves, Mac Laine Faria Neves, Valdenice Fernandes Vieira, Neuza Ribeiro Raymundo, Eliane Elene Fernandes Vieira, Rogério Genuino dos Santos, Jucelena Rocha dos Santos, Norival Pinto Donato, Celia da Cruz Silva, Nilcéia de Oliveira, Diogo Vieira dos Santos, Adriana Vianna dos Santos, Sandro Vianna dos Santos, Alessandra Vianna Vieira, Zeferino Marques de Oliveira, Aline da Silva, Efigenia Margarida Alves, Sergio Rosa Mendes, Sonia Maria Mendes, Francisco José de Souza, Martinha Martino de Souza, Luiz Henrique de Souza, Ronald Marcos de Souza, Eva Maria dos Santos Moura, João Batista de Souza, Josefa Maria de Souza, Waldomiro Genoveva, Océlia Rosa, Rosane da Silva Genoveva, Paulo Cesar da Silva Porto, Daniel Paulino da Silva, Georgina Soares Pinto, Nilton Ramos de Oliveira, Maria da Conceição Sampaio de Oliveira, Vinicius Ramos de Oliveira, Geraldo José da Silva Filho, Georgina Abrantes, Paulo Roberto Felix, Beatriz Fonseca Costa, Dalvaci Melo Rodrigues, Lucas Abreu da Silva, Cecília Cristina do Nascimento Rodrigues, Adriana Melo Rodrigues, Roseleide Rodrigues do Nascimento, Shirley de Almeida, Catia Regina Almeida da Silva, Valdemar da Silveira Dutra, Vera Lucia Jacinto da Silva, Cesar Braga Castor, Vera Lucia Ribeiro Castor, Pedro Marciano dos Reis, Hilda Alves dos Reis e Rosemary Alves dos Reis.

B.2. A integridade pessoal referente à violência sexual contra L.R.J., C.S.S. e J.F.C. como uma prática de tortura

276. Outro aspecto da violação da integridade pessoal, expressa no Art. 5º da CADH, foi decorrente da violência sexual perpetrada contra L.R.J., C.S.S. e J.F.C. Segundo relatos das próprias vítimas7 7 Declaração testemunhal de L.R.J., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 154-158), e declaração testemunhal de C.S.S., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 160-164); declaração testemunhal de J.F.C., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 166-171). , suas casas foram invadidas por dez policiais, momento em que foram vítimas de abusos verbais, físicos e violentadas sexualmente. Não houve uma investigação sobre os fatos violentos ocorridos com as três vítimas, nem qualquer identificação ou punição dos responsáveis.

277. Tem-se aqui uma outra face da violência à integridade pessoal, expressamente disposto no Art. 5.2 da CADH, que ocorre quando a integridade de alguém é violada se utilizando de mecanismos de tortura como meio para se alcançar o resultado expresso no Art. 5.1. Isto porque as ações deferidas às vítimas foram realizadas através de mecanismos de crueldade, não somente com o objetivo intencional de buscar informações, intimidar e anular a personalidade das vítimas, mas principalmente, para o exercício do terror sexual como mecanismo estrutural para a prática do genocídio antinegro, cuja perversidade só ocorre nestes parâmetros ante o contexto de práticas de controle social espacial e racializado em centros urbanos.

278. O sofrimento, a angústia e a dor decorrentes deste terror sexual tem como a base justificativas simbólicas e políticas distintas quando a violência sexual parte de um raciocínio de genocídio (VARGAS, 2020_____. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 18, n. 45, 2020.), pautado em uma lógica de dominação que posiciona mulheres negras no lugar de não-humanas. Quando se está em um espaço referido à zona do não ser, as práticas necessariamente estão embebidas em uma ideologia hegemônica de abjeção, destruição, atribuindo a estas uma crueldade inerente a antinegritude. Também por isso as casas são destituídas do valor da proteção, já que integram o significante da não humanidade, da disponibilidade para o terror e brutalismo que devem ser combatidos por essa Corte.

279. Diante dos atos praticados mediante tortura das vítimas, em atenção à competência jurisdicional desta Corte para interpretação e aplicação da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada pelo Brasil em 1989, o Estado falhou em agir para a prevenção e punição dos atos praticados pelos agentes policiais e estatais, restando devida a sua condenação perante os Arts. 1, 6 e 8 da Convenção acima citada.

280. Ainda, todo o sofrimento vivenciado pelas vítimas ocorreu de forma continuada, visto que, desde o momento das primeiras violações contra as mulheres, estas permaneceram ao longo dos anos dada a ausência de investigação, prevenção e punição. A natureza continuada da violação de direitos humanos se concretiza quando os fatos denunciados ocorreram antes da data em que o Estado em questão ratificou a Convenção referida como instrumento violado. Assim, tais fatos asseguram a condenação do Estado brasileiro ante o disposto na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1996, já que os descumprimentos descritos no Art. 7 ocorreram de modo contínuo, mantendo-se a impunidade até o momento da prolação da presente sentença.

281. Portanto, levando em consideração as circunstâncias do presente caso, as declarações das vítimas apresentadas, o Tribunal conclui que o Estado violou o direito à integridade pessoal de L.R.J., C.S.S. e J.F.C., mediante práticas de tortura sexual, sustentadas pela sistemática de genocídio de corpos e territórios negros, conforme previsões contidas nos Arts. 5.2 da CADH, Arts. 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e Art. 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

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  • 1
    Declarações testemunhais de familiares de vítimas, em 16 de fevereiro, 1o de março, 8 de março, 22 de março e 29 de março de 1996, perante a Promotoria de Investigação Penal (expediente de prova, folhas 563-574).
  • 2
    IP Nº 141/02, decisão do Juiz da 31a Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 3 de novembro de 2009 (expediente de prova, folhas 5108-5109); e Decisão da 3a Vara Criminal (expediente de prova, folhas 7757-7761).
  • 3
    Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros). Mérito, par. 237; e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, par. 393.
  • 4
    Cf. Peritagem apresentada mediante affidavit por Marlon Weichert, em 30 de setembro de 2016, folhas 14545 a 14549.
  • 5
    Depoimento de Mônica Santos de Souza Rodrigues (expediente de prova, folha 16613); depoimento de Evelyn Santos de Souza Rodrigues (expediente de prova, folha 16616); depoimento de Diogo da Silva Genoveva (expediente de prova, folha 16629); depoimento de Michelle Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16658); depoimento de Maria das Graças da Silva (expediente de prova, folhas 16622 e 16623); depoimento de Geni Pereira Dutra (expediente de prova, folhas 16627 e 16628); depoimento de João Alves de Moura (expediente de prova, folha 16634 e 16635); depoimento de Helena Viana dos Santos (expediente de prova, folhas 16647, 16648, 16650); depoimento de Samuel da Silva Rodrigues (expediente de prova, folha 16639); depoimento de Robson Genuino dos Santos Jr. (expediente de prova, folhas 16652 e 16654); depoimento de Otacílio Costa (expediente de prova, folha 16621); depoimento de Pricila Rodrigues (expediente de prova, folha 16632); depoimento de William Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16636); depoimento de Joyce Neri da Silva Dantas (expediente de prova, folha 16626); depoimento de Bruna Fonseca Costa (expediente de prova, folhas 16606 e 16607). Depoimento de Robson Genuíno dos Santos Júnior (expediente de prova, folha 16654); depoimento de João Alves de Moura (expediente de prova, folha 16634); depoimento de Helena Viana dos Santos (expediente de prova, folhas 16647 e 16650); depoimento de Michelle Mariano dos Santos (expediente de prova, folha 16658).
  • 6
    Cf. Caso Bácama Velásquez v. Guatemala. Mérito. Sentença de 25.11.2000. Voto separado do A. A. Juiz Cançado Trindade; Caso Bulacio vs. Argentina. Mérito e Reparações. Sentença de 19.09.2003. Voto separado do Juiz A. A. Cançado Trindade; Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Sentença de 04.07.2006. Voto separado do Juiz A. A. Cançado Trindade.
  • 7
    Declaração testemunhal de L.R.J., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 154-158), e declaração testemunhal de C.S.S., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 160-164); declaração testemunhal de J.F.C., de 12 de novembro de 1994, à Secretaria de Estado da Polícia Civil (expediente de prova, folhas 166-171).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2024
  • Aceito
    06 Fev 2024
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